sábado, 20 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21093: Os nossos seres, saberes e lazeres (398): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Aqui ficam algumas recordações de uma tarde passada na Certosa di San Martino, a Cartuxa que hoje é monumento nacional. É um imenso mosteiro, com posicionamento esplêndido na colina Vomero, por baixo do Castelo de Sant'Elmo. O interior da igreja é um verdadeiro tesouro, possui frescos de Luca Giordano e a Pietá é obra de Ribera. Veja-se a harmonia do claustro, a imersão no museu é um mostruário de riqueza e espiritualidade que supera a nossa conceção do que é um museu nacional, está ali o melhor da história de Nápoles, entre os séculos XV e XVIII.
Fica uma grande vontade de voltar ao assunto.

Um abraço do
Mário


Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (9)

Beja Santos

Depois do Castelo de Sant’Elmo o viandante faz uma pausa, chegou o momento de mitigar a fome, senta-se numa cantina, pede canelones, continua sem entender porque é que o preço da sopa custa couro e cabelo, remata com cappuccino e irrompe na Cartuxa e Museu Nacional de S. Martinho, hoje monumento nacional, com este estatuto obtido em 1870 conseguiu-se evitar a degradação desta antiga cartuxa e do seu extraordinário património, um verdadeiro museu de arte. No guia que sobraça e que o acompanha pelos díspares itinerários, lê a propósito da Certosa di San Martino: “Em 1325, Carlos, Duque da Calábria, iniciou a construção de um dos mais ricos monumentos de Nápoles". Os frades cartuxos tinham visão, e entre os séculos XVI e XVIII os maiores artistas da época trabalharam na Certosa (convento de frades cartuxos). Alterou-se tudo com a passagem do tempo, houve reconstruções maneiristas e barrocas, os franceses secularizaram o mosteiro e assim, com a extinção das ordens religiosas, chegámos ao museu nacional. A igreja tem uma decoração barroca sumptuosa, veem-se estas imagens e percebe-se facilmente que custou uma fortuna, é um verdadeiro Eldorado para os aficionados do barroco.






E da igreja passa-se ao museu, o que aconteceu no século XIX não era uma ideia completamente nova, os frades cartuxos tencionavam que San Martino fosse um depósito da história e civilização napolitana. As coleções documentam as ricas e variadas formas de expressão artística encontradas em Nápoles, entre os séculos XV e XIX: desde pinturas a joalharia de coral, cenas tradicionais de presépio, porcelana, gravuras e esculturas de marfim.




Os corredores e as antecâmaras são ricamente ornamentados, tinha o viandante saído das cenas da Natividade e deu consigo a contemplar esta ilusão ótica, não há corredor nenhum, tudo se detém naquela parede, não é original mas não é por isso menos encantadora.


Há muita pintura neste museu. O guia destaca a arte napolitana do século XIX, o viandante não se sentiu seduzido. Achou fora de série este Martírio de S. Sebastião, de Ribera, um mártir muito sexy, bem preparado para levar mais uma frechadas e partir para o paraíso. Há quem deteste Ribera, mas temos que lhe reconhecer que ele sabia de anatomia a potes, a colocação da figura humana nos termos que ele fez introduz elevação, êxtase, só um grande mestre podia confinar a massa corporal num amplexo de arte religiosa sem a perda de horizonte do melhor património da pintura europeia.


Nada de atafulhar o leitor com os detalhes minuciosos da visita, muito se podia falar de pinturas, mobiliário, etc., reconstituindo os momentos-chave da história política, social e cultural de Nápoles, desde as dinastias de Aragão aos Bourbon, o que aqui se mostra tem a ver com as dimensões e a harmonia do claustro, a capela do prior da Cartuxa, um bergantim dos Bourbon e não se resiste a mostrar o vestígio de um arco que seguramente vem do primitivo convento, e aqui está tão delicadamente conservado.





Vale a pena regressar a este mosteiro, recolheram-se imagens de coleções maravilhosas e o Belvedere é também de uma enorme beleza, tem a cidade de Nápoles a seus pés.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21073: Os nossos seres, saberes e lazeres (397): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21092: (Ex)citações (369): Cherno Baldé por ele mesmo: uma antologia autobiográfica, ao km 60 da picada da vida: "Quando o meu amigo, o Dias, me perguntava 'Ó Chiiico, já limpaste as minhas botas?', eu respondia de imediato: 'Sim senhor, já limpaste' e depois?".


Guiné > Bissau > 2019 > Cherno Abdulai Baldé > Nascido em Fajonquito [, sector de Contuboel, região de Bafatá], c. 1960, fiho de pais fulas, muçulmanos; viu em 1965, em Cambaju, os primeiros homens brancos; aprendeu as primeiras letras, em português, com os militares portugueses; estudou  em Bafatá e depois o liceu em Bissau, licenciou-se na Kiev, Ucrânia em Planificação e Gestão Económica, tendo feito no inícios os anos 90 uma pós-graduação em gestão, em Lisboa, no ISCTE.

Vive em Bissau, onde trabalhou no Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, em Bissau,  foi director do gabinete de estudos e planeamento; atualmente gestor de projetos na empresa MF CAON FED, em Bissau.

É casado desde 1992 com a Geralda Santos Rocha, natural de Bissau, de origem nalu, cristã; o casal tem 4 filhos, todos machos; chega  hoje ao km 60 da picada da vida, passa por isso para o Clube dos SEXA (Suas Excelências); está entre nós há onze anos; tem mais de 200 referências no nosso blogue. 

É nosso colaborador permanente, especialista de questões ernolinguísticas; é autor de uma deliciosa e riquíssima série,  de grande interesse socioantropológico, "Memórias do Chico, menino e menino", de que se publicaram até agora pelo menos 55 postes: estas suas memórias mereciam um bom editor lusófomo; tem poucas fotos da infância, tem em contrapartida uma memória de elefante e uma bolanha de ternura (**)

Foto: Facebook do Cherno Baldé.

Nota do editor LG ao km 50 da picada da vida do Cherno Baldé, em 2010:

(...) Obrigado, Chico, grande 'rafeiro' de Fajonquito, e sobretudo obrigado meu amigo e irmãozinho Cherno. 

Já conquistaste o coração destes 'tugas' que nos idos tempos de 1963/74 tu conheceste e admiravas, com um misto de reverência, terror, curiosidade, simpatia e compaixão... 

Já aqui escreveste páginas admiráveis, e únicas (que nenhum de nós poderia escrever), sobre a inocência em tempo de guerra, sobre a condição dos meninos guineenses dentro e fora do arame farpado, sobre o quotidiano dos soldados portugueses visto pelo desarmante e fascinante olhar infantil, sobre a vida e a morte das crianças numa tabanca fronteiriça militarizada, sobre a atracção e a repulsa da cultura europeia...

Cherno, as tuas crónicas, pela emoção que nos provocaram, pela autenticidade do teu testemunho, pelo fascínio das tuas memórias de infância e pela beleza literária da tua narrativa, já bem merecem um editor português. Não tenho dúvida, não temos dúvidas: és um talentoso escritor de língua portuguesa. 

E o nosso blogue orgulha-se de estares entre nós, como guineense, como homem, como amigo, como lusófono. 

Espero que esta crónica chegue ao conhecimento do Mortágua, onde quer que ele esteja, dos Mortáguas que tu conheceste e que, como dizia a tua avó, não eram mais do que crianças crescidas que a guerra veio roubar às suas famílias e às suas tabancas... (LG) (18 de maio de 2010)
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Cherno Baldé, por ele mesmo 
(seleção do editor LG):


(...) Chamo-me Cherno Abdulai Baldé, nasci por volta de 1959/60. No quartel de Fajonquito chamavam-me Chico (de Francisco) e tinha amigos soldados que, na sua maioria, eram condutores ou mecânicos-auto. Tive as minhas primeiras aulas com oficiais Portugueses, em Cambajú e Fajonquito. (...) (18 de junho de 2009)
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(...) Eu nasci em Farimbali mas fui baptizado, sete dias depois, na nova aldeia [, Luanda]. Deram-me o nome de Cherno Abdulai em honra ao chefe religioso e almane da mesquita de Farimbali, originário de Futa Toro, do Senegal, que conduziu a cerimónia do baptismo.

Cherno não é propriamente um nome mas um título a que se dá aos homens letrados, que orientam a comunidade durante as orações, sobre aspectos da vida social/religiosa e ensinam o Alcorão às crianças. (...) (13 de julho de 2009)
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(...) O meu pai, El-Hadj Aliu Baldé (Tamba), falecido em 1999, com cerca de 80 anos: como bom fula e muçulmano, aceitava e suportava com dignidade o domínio dos brancos (portugueses e franceses), mas sempre desconfiado da sua comida, da sua ciência e das suas reais intenções a longo prazo. (...) (27 de julho de 2019)
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(...) Foi naquela época que, na idade de 4 ou 5 anos, aconteceu a minha primeira visão [, aterradora,]  de uma máquina voadora [, um helicanhão], que terá sido, provavelmente em meados de 1964, precisamente na altura em que estávamos em Samagaia, pouco tempo antes do ataque à zona que nos obrigaria a deixar a aldeia para nos refugiarmos em Cambajú, onde o meu pai já se encontrava a trabalhar alguns anos antes. (...) 

Esta visão ficou para sempre gravada na minha memória. Estranhamente, era também a visão da guerra que se alastrava pouco a pouco e que mudaria o cenário da vida, aparentemente pacífica, que levávamos até aí e mudaria, de forma inesperada, o caminho dos nossos destinos (...) (19 de junho de 2009)
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(...) No ano de 1965, altura em que a guerra para a independência se alastrava rapidamente e aterrorizava as aldeias daquela área e obrigava a uma concentração maior da população em certos locais com algumas garantias de defesa e protecção militar, Contuboel, Saré-Bacar, Cambajú e Fajonquito constituíam as praças-fortes da área. Em Cambajú foi estacionado um destacamento de milícias que assegurava a defesa da localidade e que mais tarde foi reforçado com um destacamento de tropas portuguesas. Pela primeira vez na minha vida ainda jovem, via pessoas de uma raça diferente. Foi um choque tremendo. (...) (2 de junho de 2009)
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(...) [O batismo de fogo em Cambaju, em 1966, às 4 da madrugada:] 


Consternados e indecisos, sem saber como convencer o meu pai a deixar a loja  que, de facto, estava cercado dos três lados,  [, os dois milícias] já estavam a deixar o local quando um deles, instintivamente, perguntou a meu pai:
- O Senhor não tem outra arma melhor que esta mauser? - disse, apontando para a arma que estava nas mãos do meu pai cujo cano estava fumegante e quase vermelho rubro devido ao ritmo acelerado dos tiros da arma de repetição.
- Infelizmente, não, meu irmão, mas tenho granadas que os brancos me deram e as quais não sei usar.
- Muito bem - disse o jovem milícia -, dê-me a sua arma e vai trazer-me essas granadas para limpar o sebo a esses bandidos. (...) (30 de junho de 2009)

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(...) Eu passei boa parte da minha infância entre a tropa que passou por Fajonquito (1968/74) e tive muitos amigos que, na verdade, logo esquecia para me concentrar nos récem-chegados.

Eu era desses raros pequenos rafeiros do quartel impossíveis de controlar e muito menos de afastar. Quando se fechavam os portões do quartel entrava, mesmo assim, por baixo do arame farpado. O dia e a noite faziam pouca diferença. Apanhava porrada de um ou outro quando deambulava pelo quartel, mas,  também, dava alguns trocos com emboscadas e pedradas à noite.

A língua? Isso importava menos. Quando o meu amigo, o Dias, me perguntava "Ó Chiiico,  já limpaste as minhas botas?", eu respondia de imediato "Sim senhor, já limpaste" e depois?"... Nós nos compreendíamos muito bem e isso é que importava.  Foi esta vida de cão de quartel no meio de jovens soldados endiabrados, acossados pela ansiedade do regresso a casa e o medo da morte que me moldou a vida e me preparou para enfrentar o mundo. (...) (18 de junho de 2009)

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(...) Obrigado, Mortágua, salvaste-me a vida! (...) (18 de maio de 2010)
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(...) Um dia a minha avó, que era intrometida e gostava de controlar a vida dos outros, disse a minha mãe:
- Olha, filha, toma cuidado com o Cherno Abdulai, pois ele anda metido há tanto tempo no meio desses descrentes que já cheira a carne de porco.

Era esperta a minha avó que, certamente, teria encontrado um daqueles pedacinhos de chouriço nos meus bolsos. Quando a queria provocar, trazia do quartel, a massa de esparguete. Na opinião dos mais velhos, os esparguetes eram bichos (germes) da raça das minhocas que os brancos secavam e quando as metia dentro da boca todos fechavam os olhos horrorizados e fugiam para não ver a insuportável cena. Por motivos religiosos o meu pai proibia a entrada da sopa dentro da casa. As únicas coisas que admitia eram as latas de sardinha ou a Coca-Cola. (...) (27 de julho de 2009)

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(...) A hierarquia dos tugas, segundo o Camões [, alcunha do Suleimane]: 

O Camões era muito bom observador, e ele ajudou-nos a dar os primeiros passos na vida de rafeiro que era a nossa no quartel. Ele nos ensinou com mestria as técnicas de identificar as ameaças e oportunidades e de fazer frente aos perigos. A lição começava na identificação do perigo latente a partir do simples ambiente do momento, a fisionomia dos soldados ou a sua maneira de andar. Mas, o grande problema é que ele via perigo em quase tudo, o que tornava impossível apreender e aplicar todas as técnicas do seu manual de rafeiro.

Entre os maus e mais perigosos, segundo a tabela de Camões, figuravam: Os soldados altos e esguios, os baixinhos e magros, os cabelos ruivos, os de andar apressado, os olhos de gato, os solitários, os alcoólatras, os melancólicos, os excessivamente asseados e aprumados, os bigodatos, enfim, quase todos. Nesta sua classificação, os bons (melhores) eram sempre os atletas (não muito altos, não muito baixos, não muito magros, nem gordos, sem bigodes ou bigodes curtos, os morenos etc.). Nesse grupo entravam os futebolistas e os vagabundos (inofensivos sem uma característica especifica) que passavam a maior parte do tempo metidos aldeia adentro ou a caçar pássaros na orla da bolanha com um bando de crianças.


Nas especialidades, ele preferia os homens das equipas de apoio ou da logística, como sejam os vagomestres, cozinheiros, condutores, mecânicos, pessoal dos combustíveis, dos correios, das transmissões etc. Aconselhava a todos que o quisessem ouvir, ficar longe dos operacionais ou dos tigres, como ele os chamava.

- Esses são assassinos, fujam deles!... - dizia o Camões, tentando fixar-nos com aquele seu olho esmiuçado. (...) (27 de julho de 2009)
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(...) Desde o primeiro contacto, para mim, o quartel transformou-se irremediavelmente num local atractivo porque era o lugar ideal, quase perfeito, para viver, longe das misérias do mundo. Os homens em geral têm tendência natural para justificar as suas fraquezas. Foi assim que, confrontados com a força conquistadora e dominante dos Portugueses, os nossos velhos encontraram uma forma subtil e engenhosa de explicar a supremacia e também, a sorte dos brancos. Diziam: "A eles, Alá (Deus) deu tudo o que desejavam neste mundo e a nós, pretos, Deus nos reservou o paraíso na eternidade, na condição de sermos pacientes e cumpridores das obrigações contidas nos cinco pilares da religião".

Todavia, não era assim tão simples no espírito de uma criança que tinha fome e muita curiosidade. E mais, a fome podia ser enganada ou controlada mas era mais difícil ocultar a evidência, para lá das barreiras e dos dogmas. (...) (18 de maio de 2010)

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(...) Na altura toda a gente queria ser o Pelé ou o Eusébio, sobretudo este último que estava muito em voga. Mas nem tudo era assim tão simples, os mais fortes é que escolhiam primeiro, se o Sambaro era Eusébio, então tínhamos que contentar com outros nomes menos sonantes, o baixinho Simões, por exemplo, quem conhecia o Simões?..

Para nós tudo o que era afro era melhor, isto enchia-nos de orgulho contrabalançando assim um pouco a superioridade evidente dos brancos que, mesmo sendo nossos amigos não deixavam de ser diferentes de nós. (...)  (5 de agosto de 2009)

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O 'djubi' Cherno Baldé, mais conhecido 
por Chico, Fajonquitio, 1974
(...) Tudo parecia combinar para acelerar as mudanças. Em 1974, aconteceria o improvável. Os portugueses, cansados de ver seus filhos morrer longe da sua terra natal, por uma causa cada vez mais difícil de defender, tinham descoberto uma nova pátria, mais pequena desta vez mas, assim mesmo, a pátria mãe, abandonando a guerra nos territórios do ultramar com o seu calor infernal e seus insuportáveis mosquitos. E numa coluna como nunca dantes visto, levaram consigo todo o equipamento de guerra. Canquelifá… Gabu… Canjufa…Pirada… Canjadude… Piche… Bafatá… Bambadinca… Farim… Guidaje, tudo.(...) (30 de junho de 2010)
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(...) Estamos no ano de 1975, alguns meses após a independência. (...) Não é fácil para mim, sobretudo, ter de voltar à comida de farinha de milho preto. De manhã vou à escola e à tarde cuido do nosso gado na companhia de outros miúdos. As dificuldades são de vária ordem mas, na memória da criança não há lugar para a saudade. (...)

(...) Ė a minha avó que me vem acordar. Todos os dias é a mesma coisa. Ela insiste de que a porta do meu quarto deve estar aberta de manhã cedo, antes da primeira oração do dia, altura em que a sorte nos bate à porta. Apesar de tudo, ela sabe que não pode entrar no meu quarto, pois o estatuto de circunciso me protege. Fica-se à porta a cacarejar. A contra-gosto levanto-me para ir lavar o rosto. Não é por causa dela, é que hoje temos um desafio de futebol contra a equipa de Canhámina. Tento encontrar, na confusão do quarto, a minha escova de dentes.
- Menino, levante-se! Olha que os teus colegas já passaram na estrada e chamam por ti dizendo: Tchernó!... Tchernó…

Era inventiva a minha avó, os alunos em marcha para Canhámina, na verdade, clamavam:
- Um, dois, três!... Um, dois, Três!... A esquerda!... A esquerda!... Quem somos nós?! Somos pioneiros!... Quem somos nós?! Somos pioneiros!... (...) (30 de junho de 2010)

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Para aqueles que não sabem (o que é pouco provável) quero informar que, também, nós, Africanos (Pretos, se quiserem), tivemos a oportunidade de viver em terras da Europa, esta velha Europa, orgulhosa e racista,  mas que também sabe ser, às vezes, acolhedora e bondosa. E também nós tivemos, temos e teremos as nossas experiências não menos dramáticas com as Marias e as Natachas.

Diz um ditado popular que "o mundo é como o rabo de uma pomba" que faz viragens permanentes. Eu nunca utilizarei o termo puta porque penso que o não foram e aí o Jorge é bem explícito. Se todos os homens fossem tão humanos como o são as mulheres (todas as mulheres), o mundo seria mais justo e a vida mais fácil de viver. (...) (20 de julho de 2009)

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(...) Os 77 anos de vida que ele [, o velho Marabu mandiga,] me deu,  ainda estão por se confirmar, mas já constituíram para mim uma importante fonte de confiança na minha longevidade. Todavia, se antes me parecia ser uma boa idade para morrer, com o tempo e a pressão da idade, estou tentado a mudar de opinião e, penso, que o velho Marabu talvez se tenha equivocado, afinal 77 anos é tão pouco tempo para viver.(...)  (21 de julho de 2009)
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(…) As palmas que já bati no passado para os soldados portugueses nas suas paradas de ronco e para o PAIGC durante os seus infindáveis discursos e meetings já chegam, agora quero pensar com a minha cabeça. Tenho mais ou menos 50 anos e nessa idade devo ter medo de quem?... (2 de agosto de 2009)
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Nota do editor:


Último poste da série > 4 de junho de 2020 > Guiné 61/74 – P21039: (Ex)citações (368): A fé na guerra. Tempo de leitura. (José Saúde)

Guiné 61/74 - P21091: Parabéns a você (1825): Cherno Baldé, Amigo Grã-Tabanqueiro da Guiné-Bissau, Engenheiro e Gestor de Projectos

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21087: Parabéns a você (1824): Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (Guiné, 1966/68); Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Leopoldo Amado, Amigo Grã-Tabanqueiro, Historiador e Professor Universitário

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21090: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (7): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2020:

Queridos amigos,
É dia histórico, os dois cinquentões estão em rota de aproximação, ele foi sexta-feira à noite para Bruxelas, havia planos que tiveram que ser alterados por causa de chuviscos ao longo de uma manhã. Despediram-se domingo à noite, segunda-feira era dia de ocupações para ambos, ela não resiste a escrever-lhe emocionada, há muito sal na terra na sua narrativa, guardou pormenores, está felicíssima, um rasto de luz assoma na sua vida, ela quer agarrar esta esperança com uma certa firmeza, e di-lo.
O pretexto da ficção entrou numa reviravolta, passou a fazer parte de um quotidiano real, algo de novo está a acontecer na vida daqueles dois cinquentões. É uma questão de entusiasmo esfuziante, e Annette não é mulher que vá recuar só porque existe uma distância física entre Bruxelas e Lisboa. Os dados estão lançados, a partir deste fim de semana.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (7): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Cher Paulo, escrevo-lhe na noite de segunda-feira, a esta hora já está em Lisboa, eu trabalhei o dia todo num edifício perto do Berlaymont, reunião de pescas, lamento não ter tido condições para o levar ao aeroporto. Foi um fim de semana muito feliz, o tempo ajudou no sábado e os chuviscos permanentes no domingo obrigaram-nos a mudar de planos, sinto-me feliz quando alguém conhece o valioso património de Arte-Nova em Bruxelas, aprecia os jardins e parques e gosta de percorrer calmamente Ixelles ou Saint-Gilles. Confesso-lhe que fiz algum esforço para estar pronta às oito da manhã de sábado para o acompanhar nas suas andanças no mercado da Place du Jeu de Balle, o entusiasmo com que regateou aquele álbum de fotografias de alguém que em 1951 entrou por Vilar Formoso e veio até Lisboa, visitou Alfama e o Bairro Alto, as imagens, reconheço, de muito boa qualidade, o que é que vai fazer agora com o álbum, é para algum museu? Assombrou-me aquela senhora que tem uma banca junto da igreja e que o reconheceu imediatamente, a que vende velhos lenços para o pescoço, marcas como Dior ou Chanel ou Saint-Laurent, a sua preocupação de que estivesse em bom estado, sem manchas, sem cores desbotadas. E não consigo imaginar como é que entrou no avião com aquela tela a óleo, enorme, fez bem em desfazer-se da moldura, toda em mau estado, mas também gostei da pintura, com o tema do Mar do Norte ao fundo. Adorei o almoço naquele restaurante típico frente à Porte de Hal, soube-me bem rever a Rue Haute, espreitar a casa dos meus pais adotivos, tenho pena do estado em que está a fachada, fomos por ali fora até ao Grand Sablon, ainda tremi a pensar que íamos vasculhar mais velharias, eu preferia continuar a falar dos seus projetos literários, como acontecera à hora do almoço. O que me entusiasmou não falarmos diretamente dos seus tempos da Guiné, mas daquilo a que chamou os preparativos, e antes o que chamou a sua vida de estúrdia, sócio de quatro cineclubes, mais teatro, mais festivais de música, as suas tertúlias e visitas quase diárias àquele seu amigo que faleceu em Moçambique, em 1970. Gostei da vivacidade com que falou do Convento de Mafra, que eu visitei quando estudei em Portugal, como lhe disse é uma excursão no âmbito de um curso de férias da Faculdade de Letras, fomos diretamente para o Museu Nacional, o que nunca mais esqueci foi a beleza da biblioteca joanina, mas não me foi dado perceber se havia para ali um quartel, onde se preparou para oficial miliciano. Estávamos nós a comer a sobremesa, a Dame blanche, quando, com o mesmo entusiasmo, me contou a sua chegada aos Açores e a importância que esta estadia teve para ganhar confiança nas suas capacidades de liderança.

Eu queria ouvir mais histórias, o princípio da tarde tinha aquela boa temperatura, um sol confortável, e foi quando o Paulo sugeriu que vagueássemos pelo Parque Real antes de ir fazer aquilo que chamou visita de culto aos modernistas e surrealistas no Museu das Belas Artes. Aí contou-me o resto da história e o regresso a Lisboa. Depois fomos visitar os seus amigos como lhe chamou, desde Rik Wouters e Léon Spilliaert, passando por James Ensor até ao santo do maior culto, René Magritte. E depois fomos para o Jardim do Petit Sablon, invocando que precisava de alguns dados pessoais sobre aquela mulher com quem se envolvera e a quem enviava informações sobre o seu passado, a tal belga que tudo quis saber sobre a sua experiência na guerra da Guiné, eu falei-lhe um pouco de mim, penso que ficou claro que muito cedo enveredei pelo que considero ser a minha vocação, ser intérprete, trabalho como freelancer, felizmente que tenho muita solicitação, inclusive sou chamada para conferências ao fim de semana, não regateio trabalho, os meus dois filhos estão em início de carreira, ajudo-os, o meu ex-marido também tem tido essa preocupação de os apoiar. Graças a ser intérprete, conheço um pouco da Europa, como lhe disse acompanho as reuniões do Conselho Económico e Social Europeu, como sabe funciona ali no Monte das Artes, às vezes aproveito a hora do almoço e vou visitar alguma exposição no Palácio das Belas-Artes; são as reuniões da Comissão Europeia que mais tempo me absorvem, não fujo ao trabalho, não é um problema de impostos, preciso de poupar o mais possível, a minha reforma, acredite, não será lisonjeira. Com uma vida assim tão ocupada, procurando acompanhar mesmo à distância a vida dos meus dois filhos, com algumas boas amizades, não me posso lamuriar de solidão. Mas sei olhar-me ao espelho, sou realista, aos 50 anos a candidatura a um amor verdadeiro é mais uma necessidade que o bom-senso tem o dom de acalmar, para não cometer disparates. Isto só para lhe sublinhar o que lhe disse, a vida prega-nos imensas partidas, se alguma vez me tinha passado pela cabeça que numa reunião de trabalho um participante vindo de Portugal me batesse à porta para me pedir ajuda para uma história de amor serôdio, com recordações de guerra e muito mais. Passado este tempo, só tenho que lhe agradecer a companhia que me trouxe e a abertura de uma porta que eu julgava hermeticamente fechada.

Fomos beber um saboroso chocolate e conversar sobre o domingo, eu tinha lá notícia de que a meteorologia anunciava chuviscos, tínhamos recentemente falado em visitar Laeken, penso que desde a adolescência não visito os jardins nem o Pavilhão Chinês nem a Torre Japonesa, não sei explicar porquê, aquele local é tão aprazível, gosto tanto de plantas e as Estufas Reais são muito belas, achei preferível dizer-lhe que deixaríamos a natureza para outra sua visita e como queria comprar livros de banda desenhada para oferecer a um amigo, propus que começássemos o domingo por ir ao Centro Belga de Banda-Desenhada, eu já ali tinha passado perto, é um belo edifício Arte-Nova, gostei imenso de conhecer o interior, li como toda a gente os heróis de Hergé e de Edgar Jacobs, valeu a pena e sobretudo ouvir os seus comentários a todas aquelas histórias. Lá fomos de chapéu de chuva até ao restaurante Vincent, quantas vezes passei ali pela Rua dos Dominicanos e não me tinha apercebido dos belos mosaicos do interior, mais uma vez lhe agradeço a refeição de peixe, deliciosíssima.

Como não estavam previstos mais chuviscos, sugeri um passeio a dois jardins, o Paulo anuiu e fomos primeiro ao Parque de Woluwe, atravessámos Bruxelas e visitámos o Parque de Josaphat. Tinham sido grandes emoções, eu estava radiante, caía o dia, tinha lidas domésticas inadiáveis, mas ao mesmo tempo sabia-me tão bem a sua companhia, o meu coração balanceava, o Paulo foi perspicaz, não se queria exceder, sugeriu então que fôssemos até À la Mort Subite beber uma Kriek, e então falou-me daquele primeiro mês a adaptar-se a Missirá e a Finete, trouxe fotografias, impressionou-me, dolorosamente, o estado lastimoso de tudo aquilo, mas o Paulo sempre a sorrir, dando o braço àqueles homens e mulheres, conversando com as crianças, a dar aulas, a acompanhar reparações urgentes. Enquanto tudo me contava eu interrogava-me seriamente como é que seria possível aquele jovem de 22 ou 23 anos de idade, de hábitos culturais arreigados, atirado de rompante para o fundo de uma mata, com uma população tão pobre, correndo tantos riscos, enfrentava com tanto otimismo a multiplicidade de problemas hostis, com a possibilidade de entrar em guerra a qualquer momento, sempre a sorrir, como se estivesse a descobrir um admirável mundo novo. Enquanto bebia a Kriek e o ouvia, eu não deixava de pensar que para saber responder aos ásperos desafios que a vida nos apresenta não há nada como o otimismo e a esperança.

E quando me despedi de si, à porta da Rua do Eclipse, pedindo-lhe desculpa por ter arranjos inadiáveis, mesmo sabendo que esta despedida o estava a fazer sofrer, senti um calor na minha alma que me continuou a acompanhar e que me levou a escrever esta carta onde não lhe escondo os meus sentimentos e a felicidade de o saber perto de mim, mesmo à distância destes milhares de quilómetros, tome a distância como uma pura casualidade, que mais dia menos dia iremos ultrapassar, há a tal história de amor que me propôs, e ainda estamos nos primeiros capítulos. Espero que regresse em breve e que entretanto volte às suas recordações da Guiné, espero ansiosamente notícias, afetuosamente, Annette.

 Mulher junto à costa, 1910, por Léon Spilliaert

Os Amantes, por René Magritte

Entrada do Centro Belga de Banda-Desenhada

Parque de Woluwe

Parque Josaphat

Escultura no Parque Josaphat
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21069: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (6): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21089: Efemérides (328): O Papa Francisco recordou o "Dia da Consciência", celebrado nesta quarta-feira, dia 17,"inspirado no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes, que, oitenta anos atrás, decidiu seguir a voz da consciência e salvou a vida de milhares de judeus e outros perseguidos", lê-se no "Vatican News" (João Crisóstomo, Nova Iorque)


O cônsul de Bordéus, Aristides Sousa Mendes
(Cabanas de Viriato, 1885 - Lisboa, 1954)


Um dos vistos passados pelo consulado português de Bordéus, França, com data de 19 de junho de 1940.

Fonte:  Vatican News,. de hoje, 19 do corrente (. com a devida vénia...)

1. Mensagem do nosso amigo e camarada João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, que vive em Nova Iorque:

Date: sexta, 19/06/2020 à(s) 11:50
Subject: O Papa Francisco e o Dia da Consciência

Caro Luís Graça,

Aqui está  o que pus na minha página do Facebook (, por vezes, quando é mesmo necessário, também me aventuro lá...)

No artigo do Vatican News,. de hoje, 19 do corrente,  aparecem duas boas   fotos   que não pude por no Facebook: a foto de Aristides,  e uma foto dum passaporte com um "visto" passado por ele... Talvez queiras (e possas) aproveitar  para pôr no teu poste.

O Secretário de Estado dpo Vaticano,
Cardeal Pietro Parolin, com o João Crisóstomo
Junto porém, caso aches relevante,  uma foto que tirei com o Secretário de Estado, Cardeal Pietro Parolin [, à esquerda.] , a quem "chateei tanto" que ele "só para se  ver  livre de mim",  teve de fazer o que eu pedi… mas não foi  o caso; em 2018 ele numa carta ( que junto) já mostrava boa vontade não só no referente a Timor Leste, como mencionava ter celebrado missa neste dia 17 de Junho, "Dia da Consciência"  como eu lhe havia pedido.

Desde então temos  estado  em contacto e há três meses Sua Eminência sossegava-me, assegurando que o assunto não tinha sido esquecido, conforme email que copio também. (E para ti, para saberes o que te espera quando vieres aqui a minha casa, junto uma foto tirada ontem, durante um "teste" para fazer um video para um canal de televisão italiano sobre o assunto do Dia da Consciência.) [Foto a seguir]



Nova Iorque > Queens >  19 de junho de 2020 > O João Crisóstomo no seu museu de recordações de uma vida de luta por causas nobres.

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


By the way: Por vezes dizem que minha casa é um pequeno museu… Neste caso podes ver na parede as fotos dos "humanistas" cujas causas tenho ajudado a dar a conhecer ao mundo, especialmente aqui nos Estados Unidos.

São eles, da esquerda para a direita:

(i) o humanista  brasileiro  Luís Martins de Sousa Dantas ( numa foto pequena sobreposta está o franciscano francês Father Benoit , a quem  chamavam " o Pai dos Judeus");

(ii) no meio está o nosso Aristides de Sousa Mendes [, a foto/montagem  sobreposta sobre os mapas de Bordéus e Carregal do Sal é um original que  me ofereceu Peter Malkin (que agarrou com suas mãos o famigerado Eichmann);

(iii) à direita Angelo Roncalli, que viria a ser papa (São João XXII);

(iv) por baixo, ainda um outro grande humanista, o conhecido sueco  Raoul Wallenberg;

(v) e no lado direito aparece uma foto de Xanana:  está aí apenas porque   os painéis à minha direita estão relacionados com Timor Leste.

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Estado do Vaticano > Secretário de Estado, Cardeal Pietro Parolin > E mail de 22 de Março 2020:

Dear Mr. Crisostomo,

greetings from Rome, in these difficult days in which we are called to pray more and to put our confidence in God.  I hope that you are getting fine.  Here, we are under strict restrictions and it is very sad to see the churches closed and Holy Masses suspended.

Sorry for not giving any reply to your numerous letters, the last of which you sent at the beginning of last February,  about the Day of Conscience project, but, as you can understand, we are everyday under a huge pressure and there are so many dossier which claim our attention  so that it is not easy to follow everything.  

Unfortunately, the project has not been studied yet by our Office, in spite the fact that I have sent the documentation to them few months ago, Today I have sent a reminder, asking them to proceed speedily and to give my a opinion as quick as possible. 

 I hope to be able to send you a definite answer without further delays.  If apologie for this inconvenience and I rely on your understanding. 

May God bless you.  Have a good Sunday!
Pietro Parolin

[Tradução/adaptação livre do editor  L.G.;

Caro Sr. Crisóstomo, saudações de Roma, nestes dias difíceis em que somos chamados a rezar mais e a confiar em Deus. Espero que esteja bem. Nós, aqui, estamos com restrições estritas e é muito triste ver as igrejas fechadas e as missas suspensas. 

Peço desculpa por não ter respondido às suas numerosas cartas, a última das quais enviada no início de fevereiro passado, sobre o projeto do Dia da Consciência, mas, como pode  perceber, estamos todos os dias sob uma enorme pressão e há muitas dossiês que reclam a nossa atenção, pelo que não nos é fácil acompanhar tudo. 

 Infelizmente, o projeto ainda não foi analisado pelo nosso gabinete , apesar de eu já ter enviado a documentação para eles há alguns meses. Hoje enviei um lembrete, pedindo-lhes que acelerarem a resposta e  darem.me uma opinião o mais rápido possível. 

 Espero poder enviar--lhe  uma resposta definitiva sem mais delongas. Peço desculpa por este inconveniente e confio na sua compreensão. Que Deus o abençoe. Tenha um bom domingo! Pietro Parolin]

2. Aqui está, entretanto,  o que pus no meu Facebook, ontem:

Para quem por vezes duvida de que vale a pena envolvermos-nos em coisas que parecem muito difíceis, permitam-me discordar: desde 2004 tenho tentado que o Vaticano aceite o dia 17 de Junho, dia em que Aristides demonstrou o seu grande humanismo, salvando milhares de refugiados, como o "Dia da Consciência".

Se o conseguisse, pensava eu, seria um grande passo para que Aristides e o seu exemplo fossem mais conhecidos. E como me escreveu ontem o seu neto Gerald Mendes, "in these days of turmoil, conflicts and confusion around the world, it is an opportunity to reflect, to have a chat with our conscience". Se isto suceder a muita gente… é isso mesmo que é preciso: Aristides de Sousa Mendes continuará sempre a inspirar e motivar cada um de nós a sermos o que devemos ser.

Oxalá as pessoas pelo mundo fora ouçam as palavras do Papa Francisco na sua Audiência de de ontem, conforme foi publicada na "Vatican News" que me permito partilhar:

Francisco: que a liberdade de consciência seja em toda parte respeitada

O Papa recordou o "Dia da Consciência", celebrado nesta quarta-feira, inspirado no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes, que, oitenta anos atrás, decidiu seguir a voz da consciência e salvou a vida de milhares de judeus e outros perseguidos.

Mariangela Jaguraba - Vatican News

Na Audiência Geral desta quarta-feira (17/06), o Papa Francisco fez um apelo em prol do "Dia da Consciência".

"Celebra-se hoje o "Dia da Consciência", inspirado no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes, que, oitenta anos atrás, decidiu seguir a voz da consciência e salvou a vida de milhares de judeus e outros perseguidos. Que a liberdade de consciência seja sempre e em toda parte respeitada; e que cada cristão possa dar exemplo de coerência com uma consciência reta e iluminada pela Palavra de Deus."

Aristides de Sousa Mendes nasceu em Cabanas de Viriato, Portugal, em 19 de julho de 1885. Desempenhava as funções de cônsul de Bordeaux, na França, quando teve início a II Guerra Mundial. Concedeu cerca de trinta mil vistos para salvar a vida de refugiados do nazismo, a maioria judeus, contra as ordens expressas de Salazar.

Obrigado a voltar a Portugal, Sousa Mendes foi demitido do cargo e ficou na miséria, com a sua numerosa família. Faleceu pobre, em 3 de abril de 1954, no hospital dos franciscanos, em Lisboa.
Em 1966, foi reconhecido pelo instituto Yad Vashem, memorial dos mártires e heróis do Holocausto, como um "Justo entre as nações".

Em 1998, foi condecorado a título póstumo com a Cruz de Mérito pela República Portuguesa, por suas ações em Bordeaux."


É gratificante verificar o respeito e o reconhecimento finalmente dado a Aristides de Sousa Mendes também no nosso país, com a sua introdução no Panteão Nacional.

Para o caso de alguém ficar admirado de eu dizer "também no nosso país", permito-me recordar que durante muito tempo Aristides de Sousa Mendes foi propositadamente ignorado no nosso país e o seu reconhecimento só sucedeu depois de pressão por parte dos Estados Unidos onde Aristides foi reconhecido e homenageado anos antes.

Bem hajam todos os que estiveram envolvidos nesta entrada de Aristides no Panteão Nacional.
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Luís: Abraço meu e da Vilma (que acaba de acordar e, quando soube que te estava escrever,   berrou que mandasse um beijinho dela para ti e para a Alice.) 

João e Vilma
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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21066: Efemérides (327): o 10 de junho de 2020, que não houve, por causa da COVID-19, na Lourinhã...

Guiné 61/74 - P21088: Fauna & flora (15): as quatro principais ameaças ao chimpanzé do Boé (Fundação Chimbo / Cherno Baldé)




Guiné > Região do Boé > Foundation Chimbo > Chimpanzés no Boé >  Imagens captadas pro câmaras automáticas.

 Imagens selecioandas e tratadas por L.G.


I. Segundo o sítio da Chimbo Foundation (a pequena ONGD, holandesa, criada  em 2007 para defender os chimpanzés do Boé,), há quatro grandes tipos de ameaças ao nosso "dari" (como o povo chama ao chimpanzé do Cantanhez).  

Na nomenclatura científica, esta subespécie, o chimpanzé da África Ocidental. designa-se por Pan troglodytes verus. 

Podemos acrescentar um quinto factor, que até ao momento tem uma função protetora: a crença (animista) no grande Irã que vive nas florestas sagradas.


1. A caça 

Existem muitos caçadores furtivos na Guiné-Bissau. Mas a caça de macacos e chimpanzés, para obtenção de carne selvagem (“bushmeat”), é  aqui, no Boé, relativamente pouco frequente, porque a população muçulmana local, fula, não come carne de macaco.

No entanto, as gerações mais jovens não respeitam esse tabu alimentar tanto quanto os mais velhos. 

Além disso, a caça furtiva está a aumentar na Guiné-Conacri. A população local  observa que os chimpanzés e macacos estão sendo caçados, mais do que nunca no Boé, para venda como animais de estimação (“pets”).

2. A bauxite 

Projeções recentes indicam que existem pelo menos 100 milhões de toneladas de reservas de bauxite no Boé. Pode parecer muito, mas não é nada em comparação com as enormes reservas da vizinha Guiné Conacri (as maiores do mundo, estimadas em 7,4 mil milhões de toneladas.)

A bauxite é uma rocha sedimentar com alto teor de alumínio, com múltiplas aplicações. O vocábulo vem de “baux”, topónimo, mais “ite”. Foi no sul da França, o Midi, na aldeia de  Les Baux-de-Provence, que a bauxite foi descoberta, em 1821, pelo geólogo Pierre Berthier.

A Guiné-Conacri (ou a Guiné, “tout court”, de acordo com a sua designação oficial), foi uma antiga colónia francesa, e tem um longo historial no campo da extração da bauxite, possuindo “know how” e infraestruturas que a Guiné-Bissau não tem.

Por enquanto, e até agora, a extração de bauxite em larga escala no Boé não tem sido, felizmente para os chimpanzés e outras espécies animais em estado selvagem, uma opção, economicamente rentável, para as empresas mineiras ocidentais. Mas, em qualquer momento, esta situação pode ser revertida.  De resto, a vizinha Guiné é o segundo maior produtor mundial de bauxite,  logo a seguir à Austrália.

De qualquer modo é importante que a opinião pública, a nível mundial, continental, regional, nacional e local, saiba que a eventual exploração da bauxite teria um tremendo impacto na região do Boé, santuário dos chimpazés uma espécie ameaçada... E não é uma espécie qualquer: são primtas como nós, e são os que estão mais próximos de nós, em termos genéticos e da evolução... 

Do ponto de vista da proteção da natureza, teria consequências altamente negativas, porque as melhores reservas de bauxite estão localizados justamente em pleno coração dos habitats dos chimpanzés. 

3. Crescimento populacional

A população (humana) do Boé está a crescer rapidamente. As estimativas apontam para 12 mil pessoas, a viver em dezenas de tabancas (,  entre 50 a 85 tabancas). Para os  especialistas,   estes valores são já incomportáveis,  ultrapassando o limiar da sustentabilidade do Boé.. Além disso, várias novas tabancas foram fundadas na região central da Boé que, durante muto tempo, foi  praticamente uma região desabitada. 

Os velhos costumes e tabus estão, por um lado,  a desaparecer. Mas, por outro, é compreensível que os novos (e os velhos) habitantes procurem melhorar o seu nível de vida.  Para a a região do  Boé, isso significa mais agricultura, mais pecuária, algumas lojas e até um “hotel”, à beira da estrada, com quartos para alugar. 

Em consequênbcia, há um aumento das atividades de caça e caça furtiva. E os pobres dos chimpanzés estão entre os animais que estão sendo caçados ou aprisionados.


4. Construção de estrada 

Um quarto factor de risco, ou ameaça para a vida selvagem, é a construção de estradas,

Como parte do "desenvolvimento regional"#, há planos para construir uma estrada alcatroada que passará em pleno coração do Boé. Este tipo de melhoria das acessibilidades traz consigo o o risco da depredação acelerada dos recursos do Boé, e  a sua venda para as áreas mais densamente povoadas dos países vizinhos, a Guiné e o Senegal.

5.  As florestas sagradas e o grande irã

O tradicional respeito do guineense pela "floresta sagrada" onde vive o "grande irã", é uma concepção animista que tem grande valor socioeclógico. E joga a favor da proteção dos chimpanzés., tanto no Boé como no Cantanhez. Resta saber até quando...

[Tradução e adapt. livre de LG. Fonte: Chimbo.org]

II. Comentário do Cherno Baldé (Bissau) (*)

Caro Luis Graça,

Nunca ouvi falar e não sei nada da Fundação Chimbo, sei que algumas entidades estrangeiras estiveram envolvidas num projecto ligado aos Chimpanzés de Boé e que tinham antenas em algumas localidades como Beli e Lugajol.

Quanto aos recursos naturais já identificados há algum tempo para cá, ainda os Grandes Irãs do território não autorizaram a sua exploração e, eu digo, ainda bem que é assim.

A bauxite, o mais antigo de todos os recursps, ainda não foi tocada. Depois de vários estudos, os Angolanos foram os primeiros a tentar fazer alguma coisa em concreto em meados de 2010/12, mas esta operação que incluia a construç~so de um porto no rio grande de Buba, resultou no derrube do Governo do Carlos Gomes Júnior em 2012 e a expulsão dos militares Angolanos do MISSANG.

Os negócios da exploração do fosfato em Farim estão envolvidos num grande nevoeiro que ninguém compreende, implicando varias empresas estrangeiras e interesses nacionais que compram e de seguida vendem o negócio a outros mais ousados ou menos atentos.

O Petroleo Off-Shore é uma miragem cada vez mais longínqua e a historia da partilha de recursos com o Senegal está em águas de bacalhau.

Num país tao instável e frágil como a Guiné-Bissau,  com a situaçãoo geopolitica cada vez mais complicada, o melhor que pode acontecer mesmo é não aparecer motivos de pôr mais lenha na fogueira, pois poderia ser catastrófico tentar acordar tantos dem+onios ao mesmo tempo. 

As hienas capitalistas nunca dormem e a ganância dos africanos é proporcional à sua ignorância. Veja-se o que está a acontecer em Moçambique com as recentes descobertas de Gaz no Norte, com centenas de pessoas massacradas em tão pouco tempo.

Um abraço amigo,
Cherno Baldé
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Vd. também postes de:

8 de março de  2007 > Guiné 63/74 - P1575: A TSF no Cantanhez, com uma equipa de cientistas portugueses, em busca do Dari, o chimpanzé (Luís Graça / José Martins)

21 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16744: Em bom português nos entendemos (15): Comer macaco, não obrigado... "Santchu bai fika na matu"... E cão ("kakur") fica com o dono, no restaurante em Bissau... Ajudemos a salvar os primatas da Guiné... O "santchu", o "dari"..., ao todo são 10 primatas que correm o risco de extinção se os hominídeos continuarem a destruir o seu habitat e a fazer deles um petisco...

Guiné 61/74 - P21087: Parabéns a você (1824): Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (Guiné, 1966/68); Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Leopoldo Amado, Amigo Grã-Tabanqueiro, Historiador e Professor Universitário



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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21082: Parabéns a você (1823): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR do BART 3872 (Guiné, 1971/73)

quinta-feira, 18 de junho de 2020

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21085: Blogoterapia (295): O Covid-19 e os mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)



1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 14 de Junho de 2019:


O COVID- 19 E OS MÍSSEIS STRELA

O que terá a ver uma coisa com a outra? Aparentemente nada. Mas se pensarmos um pouco mais friamente conseguimos encontrar algumas semelhanças nas mudanças que ambos provocaram. Nós, os que vivemos aquele tempo na Guiné temos ainda bem presente as alterações com que durante algum tempo tivemos de conviver.

Se agora para enfrentar o COVID-19 tivemos que ter todos os cuidados, entre eles o confinamento, que para a nossa geração do ponto de vista emocional não ajuda mesmo nada, com a agravante de não se saber até quando…

Os Strela quando apareceram também levou alguns dias a saber o que era. Se os primeiros a sofrer as consequências foram os pilotos que, neste caso, eram como que a linha da frente, os guarda-costas daqueles que em terra, muitas vezes necessitavam da sua ajuda. Durante algum tempo essa ajuda da forma que acontecia antes dos Strela deixou de acontecer, pelo que todos sofremos se não fisicamente, do ponto de vista mental foi terrível. Uns mais que outros… a minha companhia teve um desses exemplos, uma mina anti-carro acionada por uma viatura a poucos metros do arame, de um dos sítios onde nós estávamos, fez quatro feridos, alguns com gravidade, estiveram cerca de três horas à espera que os viessem buscar no local onde os hélis normalmente desciam quando lá paravam. E nós ali à espera de os ver chegar, mas eles não apareceram.

Mesmo para quem não viveu situações assim será fácil de “ver” qual o sentimento de raiva e revolta que se apoderou de nós. Ao fim daquele tempo de espera foi necessário levar os feridos até Cufar, pelo rio, para além do nosso pessoal com os três sintex que tínhamos na companhia, participaram também os fuzileiros que estava no Xugué. Era já noite quando um avião aterrou na pista para os levar para o hospital. Foi terrível a marca que esse acontecimento nos deixou… a conversa do momento era qual de nós será o próximo?... A partir daí a força aérea continuou a andar por lá, mas de forma diferente, antes dos strela durante os bombardeamentos desciam quase junto às árvores. Depois do aparecimento dos Strela, pelo menos naquela zona, passaram a ser feitos a grande altitude, comparando com o que era antes

Também o COVID-19 fez alterar o nosso comportamento. Era o que menos desejávamos. Com a idade que temos e ter por perto a sombra invisível do maldito vírus que nunca se sabe por onde se encontra. Acabou por alterar o comportamento das pessoas a nível mundial. Falando de nós portugueses, será que alguém alguma vez terá pensado que para ir à farmácia, ao restaurante, ao hospital, ao banco etc, tinha de ir de máscara e esperar à porta autorização para entrar?…

Será que os humanos vão interiorizar o que tem estado e ainda continua a acontecer. Ou vão continuar a pensar em chegar a Marte e a outros sítios… e quando confrontados com um COVID ficam de quarentena sem saber muito bem o que fazer.
Seria certamente o tempo indicado para refletirmos, e já agora, para termos a noção da nossa dimensão na terra…

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20776: Blogoterapia (294): A mente, de quando em vez, leva-nos a sítios onde já não queríamos ir... (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)