1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 28 de Outubro de 2013, narrando-nos o seu baptismo de fogo:
O DIA DO MEU BATISMO DE FOGO
MONTE SIAI, 10 DE JANEIRO DE 1968
A Companhia avançava desde o alvorecer deixando para trás CANJADUDE, quartel que foi o ponto de partida para uma incursão operacional serpenteando através do capim, árvores, bolanhas e todo o tipo de obstáculos, aproximando-nos do objectivo estabelecido pelas esferas militares, e sempre acompanhados pela velhinha DO que a determinada hora se retirou para a Base.
Subido o monte SIAI a malta instalou-se para passar uma noite em alerta, e já com o sol no ocaso, eis que a guerra estala com um frenesim inaudito, envolvendo-nos numa luta sem tréguas. Recordo que quase sufoquei devido à imensa poeira levantada, chegando a pensar que ficaria ali para sempre. Tal não aconteceu mas fiquei algo confuso pois ainda não estava sintonizado com a realidade. É nessa fase de inércia momentânea que recordei tudo que estava para trás, o porquê de eu estar ali defendendo alguns que a essa hora estariam a banquetear-se, enquanto nós lutávamos para defender as nossas vidas. Quando acordei da inércia em que tinha mergulhado, o ataque do IN oscilava por cima das nossas cabeças parecendo mais o troar da trovoada com os seus raios luminosos, mas eram explosões e rajadas de todas as armas no seu matraquear característico da máquina de costura.
Reagimos ao matraquear das metralhadoras e dos morteiros do IN respondendo com o nosso querer e saber, as nossas armas vomitavam jactos de fogo para o meio do IN através da MG-42, bazuca e morteiro 60. Estava estirado no solo mas sentindo passar por mim os fogachos do IN que se desfaziam nas minhas costas revolvendo aquela terra como que a castigá-la acusando-a por ter recebido no seu seio tal intruso. Faço fogo respondendo ao matraquear da outra arma através de uma abertura entre uma árvore e uma rocha onde me tinha postado, quando de repente sou pisado nas costas por alguém que fica gritando (talvez pela minha imobilidade momentânea já que estava a mudar de carregador).
- Está morto?
Ao qual respondi azedamente:
- Está morto o cara..o.
Foi um dia tenebroso, desde o raiar da manhã na qual até as aves e os restantes habitantes daquela mata, talvez sentindo mau presságio desertaram, pois não notamos a sua presença, ou não quiseram assistir a tal sinfonia.
Na manhã seguinte contabilizaram-se alguns feridos entre nós, já o opositor não pôde dizer o mesmo.
Descemos SINAI a caminho do ponto de reunião que foi no CHECHE, onde a coluna que nos veio evacuar sofreu pelo caminho uma emboscada com minas anticarro e antipessoal, da qual viriam a falecer, vítimas de ferimentos, dois militares e Major do Serviço de Material que iam fazer uma inspecção do material existente no aquartelamento e sobretudo à célebre jangada que nos chegou a transportar para a outra margem nas deslocações da 1742 a MADINA DO BOÉ e BÉLI para abastecimento dos nossos camaradas ali colocados.
A partir do momento em que vivi a guerra na sua plenitude, fiquei a ver este conflito de um outro ângulo, pois o invasor éramos nós, e que o IN nos combatia e lutava com toda a legitimidade pois aquela terra era dele.
Pergunto eu, para quê tantos camaradas mortos, tantos deficientes que hoje não têm o apoio das pessoas responsáveis deste meu país?
Amo a GUINÉ, e repugna-me ver como está sofrendo o seu povo, talvez um pouco por culpa nossa, mas os responsáveis já cá não estão para serem responsabilizados.
E assim foram passados dois dias de muitos em actividade constante, defendendo as nossas vidas e a das populações, pois elas procuravam o nosso apoio já que connosco se sentiam mais seguras.
Termino, enviando a todos os camaradas que passaram pela GUINÉ e em especial aos da CART 1742 aquele abraço.
Abel Santos
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Nota do editor
Último poste da série de 8 DE ABRIL DE 2011 > Guiné 63/74 - P8064: O meu baptismo de fogo (24): Num ataque de... formigas (José Barros)
1 comentário:
Culpa nossa discutível:Passados quase 40 anos tinham o dever de construir e não destruir.
Um abraço
Colaço.
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