Relação nominal dos oficiais e sargentos da CCAÇ 2316 (Guileje,
Caro Luis
Se fôr possível colocar no blogue:
Necessitava contactar alguém da CCAÇ 2316 que esteve em Guileje (1). Dado que já faleceu o antigo comandante, Cor Barbosa Henriques (2), junto envio uma relação que obtive, contendo os nomes dos oficiais e sargentos.Talvez algum deles aceda ao blogue. Naturalmente que também me seria muito útil comunicar com outro(s) militar(es) da companhia.
Um abraço
Nuno Rubim
_______
Notas de L.G.:
(1) A CCAÇ 2316 pertencia ao mesmo batalhão da CCAÇ 2317 (a companhia a que pertenceu o nosso camarada Idálio Reis), o BCAÇ 2835:
Vd. posts de:
23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1780: Zé Neto: Um herói de Guileje homenageando os heróis de Gandembel
11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCII: Confusão acerca da CCAÇ 2317 (Gandembel, 1968/69) e da CCAÇ 2316 (Guileje, 1968/69) (Zé Neto)
25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba
Sobre a CCAÇ 2317, que esteve em Gadembel (1968/69), vd posts de:
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá
9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo
12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel
2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras
9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel
23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço
21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28
(2) O Barbosa Henriques (1938-2007) , caboverdiano de origem, nascido na Ilha do Fogo, já aqui foi evocado:
11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)
23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1536: Morreu (1)... Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)
19 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1611: Evocando Barbosa Henriques em Guileje (Armindo Batata) bem como nos comandos e na PSP (Mário Relvas)
2 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1640: A africanização da guerra (A. Marques Lopes)
Vd. também: Família Henriques da Ilha do Fogo > Ramo Avelino Henriques
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 25 de junho de 2007
Guiné 63/74 - P1877: SOS Guileje (1): Canhão sem recuo 106 mm (Nuno Rubim)
Canhão sem recuo 106 mm.
Foto: Nuno Rubim (2007).
1. Pedido do Nuno Rubim (que para nós é uma ordem) (1):
Caro Luís:
Quando puderes agradecia que colocasses a seguinte pergunta no blogue:
Alguma vez esteve em serviço em Guileje um (ou mais) Canhão sem-recuo de 106 mm ?
Até ao início de 1967 não esteve.
Em Gadamael teria estado o Pel Can S/R 3080, com peças de 5,7 cm, em 1973 (ou antes ?).
Alguém pode confirmar esta informação ?
Um abraço
Nuno Rubim
___________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 27 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)
Foto: Nuno Rubim (2007).
1. Pedido do Nuno Rubim (que para nós é uma ordem) (1):
Caro Luís:
Quando puderes agradecia que colocasses a seguinte pergunta no blogue:
Alguma vez esteve em serviço em Guileje um (ou mais) Canhão sem-recuo de 106 mm ?
Até ao início de 1967 não esteve.
Em Gadamael teria estado o Pel Can S/R 3080, com peças de 5,7 cm, em 1973 (ou antes ?).
Alguém pode confirmar esta informação ?
Um abraço
Nuno Rubim
___________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 27 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)
Guiné 63/74 - P1876: Restos de aquartelamentos (1): Cadique, na margem esquerda do Rio Cumbijã (CCAÇ 4540, 1972/73) (Pepito)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > Cadique > Junho de 2007 > Pedras que falam da CCAÇ 4540 - "Somos um Caso Sério" - que por aqui passou e montou a tenda, na margem esquerda do Rio Cumbijã, de 12 de Dezembro de 1972 a 17 de Agosto de 1973.
Guiné > Região de Tombali > Cacine > Cadique > Junho de 2007 > Vestígios de um arquartelamento português, por onde paasou a CCAÇ 4540 (1972/73)... O que resta do pau da bandeira.
Fotos : Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.
Luís:
No nosso Blogue nunca vi nenhuma referência a Cadique, ou então estarei enganado.
Ontem estive lá e visitei o que resta do antigo quartel. Tirei estas 2 fotos.
abraços
pepito
2. Comentário de L.G.:
Obrigado, Pepito, é trabalho de arqueólogo. Obrigado pela tua sensibilidade. Estas pedras falam, haverá de certo gente nossa que pssou por aí, e que vai emocionar-se ao ver estes vestígios... Julgo tratar-se de Cadique Nalu, na margem esquerda do mítico Rio Cumbijã, região do Cantanhez (vd. carta de Cacine) (1).
No nosso blogue temos apenas duas ou três referências a Cadique:
25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)
(...) "Limitando-me apenas às LFG e especificamente à Orion, refiro alguns aspectos genéricos:
"O aspecto visual do perfil era claramente o de um patrulha. Em profundidade, havia navio até 2,20 m abaixo da linha de água o que lhes vedava, em alguns rios, o acesso parcial ou, noutros casos, total. O risco corrido da não observação deste princípio náutico, a respeitar na informação dada pela sonda, era o encalhe pura e simples, como sucedeu algumas vezes.
"Estas unidades navais efectuavam inicialmente a docagem de conservação (alagem) nos estaleiros navais de S. Vicente, em Cabo Verde e, mais tarde em Bissau. Significava que, com alguma dificuldade e amargos diversos de estômago, efectuavam navegação oceânica.
"Tinham a base naval em Bissau, na ponte cais em T, frente ao Comando de Defesa Marítima na parte interior da ponte-cais em T onde, na parte exterior atracavam também os comerciais e alguns TT. Estou a lembrar-me do Rita Maria, Ana Mafalda e até mesmo o Funchal.
"Para lá de toda a zona costeira da Guiné, incluindo os Bijagós, eram navegáveis, para as LFG, os cursos do rio Cacheu (até Farim), do Mansoa, do Geba até ao início do Corubal, do Grande Buba até um pouco acima de Bolama, do Tombali praticamente apenas na foz, do Cumbijã até em frente a Cadique e do Cacine até um pouco acima da foz do Unconde.
"Quando a curso dos rios já o não permitia, a navegabilidade mais para montante era preenchida complementarmente pelas LFP. Depois as grandes heroínas do tarrafo, do lôdo, dos desembarques, dos pequenos transportes, as LDM e as LDP; nos imprescindíveis grandes transportes de pessoal, material e abastecimentos as LDG assumiam a função" (...).
4 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)
(...) "Todos sabemos que Manuel Monge era um dos Oficiais mais íntimos de Spínola, cujo comportamento não pretendo justificar, mas antes, ser cientificamente sério. Neste sentido, Monge determinou a evacuação só depois de ter o beneplácito de Spínola.
"Neste caso, não recuso méritos ao Orion, que os teve, mas não exageremos, quanto às motivações e iniciativas. O Orion cumpriu uma missão que lhe foi ordenada. E só. Lembro que o Orion estava no local, porque havia ido buscar a CCP [Companhia de Caçadores Paraquedistas] 123, que integrei como operacional durante 26 meses, a Cadique (Cantanhez) no rio Cumbijã, precisamente para auxiliar Gadamael Porto, como fez. O Orion desembarcou a CCP 123 em Cacine, tendo a companhia seguido depois para Gadamael de LDM, mas, mesmo assim, desembarcou na zona onde estava a população, seguindo depois a pé até Gadamael, dado que o porto estava a ser constantemente bombardeado.
"O Orion esteve sempre muito distante do alcance das granadas que o PAICG estava lançando sobre Gadamael. A população estava dispersa na margem, mas também muito distante de Gadamael" (...).
5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)
(...) "No dia 1 de Junho de 1973 (não consegui confirmar com toda a certeza o dia pois o Diário Náutico da Orion referente ao período de 1970-1973 desapareceu), cerca das 20:00 encontrando-se o NRP Orion fundeado no rio Cumbijã recebemos ordem para seguir para Cadique e embarcar uma Companhia de Paraquedistas e seguir para Cacine com todo o dispositivo.
"O Navio subiu o rio e embarcou a companhia de Paras com botes.
"Foram dadas indicações às duas LDM – as LDM tinham como militar responsável, não um Sargento mas um Cabo de Manobra - que integravam a TG, para seguirem para Cacine pelo canal do Melo. A Orion não podia passar pelo canal do Melo por causa do calado pelo que saiu a barra do Cumbijã, navegou para sul entrou a barra do Cacine. Chegámos a Cacine nos primeiros alvores já aí se encontrando as 2 LDM, e desembarcamos a companhia de Paras.
A bordo da Orion entrou o Major paraquedista Pessoa que nos informou do seguinte:
- Guileje, após intensos bombardeamentos fora evacuada e o contingente aí instalado seguiu para Gadamael;
- O Major Coutinho e Lima, comandante do COP, que tinha dado a ordem, seguira para Bissau sob prisão;
- Gadamael estava sob fogo intenso e a grande maioria dos militares tinha fugido para as margens do rio Cacine (ver depoimento do Capitão Ferreira da Silva no Jornal Público) (1);
- O General Spínola tinha estado em Cacine e tinha dado ordem explicita para ninguém ir socorrer o pessoal que andava fugido nas margens do rio, apelidando-os de cobardes;
"O Major Pessoa ainda nos informou que se nós não fossemos recuperar o pessoal ele próprio iria nem que fosse de canoa" (...).
_________
Nota de L.G.:
(1) Esclarecimento posterior do Pepito:
"Trata-se de Cadique N'Bitna, muito perto de Cadique Nalú, sitado junto ao Rio Cumbidjan, no sector de Cubucaré (Cantanhez). Se achares de interesse poderei tirar fotografias dos antigos aquartelamentos de Iemberem, Cabedú e Cafine quando lá for da próxima vez".
Guiné > Região de Tombali > Cacine > Cadique > Junho de 2007 > Vestígios de um arquartelamento português, por onde paasou a CCAÇ 4540 (1972/73)... O que resta do pau da bandeira.
Fotos : Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.
Luís:
No nosso Blogue nunca vi nenhuma referência a Cadique, ou então estarei enganado.
Ontem estive lá e visitei o que resta do antigo quartel. Tirei estas 2 fotos.
abraços
pepito
2. Comentário de L.G.:
Obrigado, Pepito, é trabalho de arqueólogo. Obrigado pela tua sensibilidade. Estas pedras falam, haverá de certo gente nossa que pssou por aí, e que vai emocionar-se ao ver estes vestígios... Julgo tratar-se de Cadique Nalu, na margem esquerda do mítico Rio Cumbijã, região do Cantanhez (vd. carta de Cacine) (1).
No nosso blogue temos apenas duas ou três referências a Cadique:
25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)
(...) "Limitando-me apenas às LFG e especificamente à Orion, refiro alguns aspectos genéricos:
"O aspecto visual do perfil era claramente o de um patrulha. Em profundidade, havia navio até 2,20 m abaixo da linha de água o que lhes vedava, em alguns rios, o acesso parcial ou, noutros casos, total. O risco corrido da não observação deste princípio náutico, a respeitar na informação dada pela sonda, era o encalhe pura e simples, como sucedeu algumas vezes.
"Estas unidades navais efectuavam inicialmente a docagem de conservação (alagem) nos estaleiros navais de S. Vicente, em Cabo Verde e, mais tarde em Bissau. Significava que, com alguma dificuldade e amargos diversos de estômago, efectuavam navegação oceânica.
"Tinham a base naval em Bissau, na ponte cais em T, frente ao Comando de Defesa Marítima na parte interior da ponte-cais em T onde, na parte exterior atracavam também os comerciais e alguns TT. Estou a lembrar-me do Rita Maria, Ana Mafalda e até mesmo o Funchal.
"Para lá de toda a zona costeira da Guiné, incluindo os Bijagós, eram navegáveis, para as LFG, os cursos do rio Cacheu (até Farim), do Mansoa, do Geba até ao início do Corubal, do Grande Buba até um pouco acima de Bolama, do Tombali praticamente apenas na foz, do Cumbijã até em frente a Cadique e do Cacine até um pouco acima da foz do Unconde.
"Quando a curso dos rios já o não permitia, a navegabilidade mais para montante era preenchida complementarmente pelas LFP. Depois as grandes heroínas do tarrafo, do lôdo, dos desembarques, dos pequenos transportes, as LDM e as LDP; nos imprescindíveis grandes transportes de pessoal, material e abastecimentos as LDG assumiam a função" (...).
4 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)
(...) "Todos sabemos que Manuel Monge era um dos Oficiais mais íntimos de Spínola, cujo comportamento não pretendo justificar, mas antes, ser cientificamente sério. Neste sentido, Monge determinou a evacuação só depois de ter o beneplácito de Spínola.
"Neste caso, não recuso méritos ao Orion, que os teve, mas não exageremos, quanto às motivações e iniciativas. O Orion cumpriu uma missão que lhe foi ordenada. E só. Lembro que o Orion estava no local, porque havia ido buscar a CCP [Companhia de Caçadores Paraquedistas] 123, que integrei como operacional durante 26 meses, a Cadique (Cantanhez) no rio Cumbijã, precisamente para auxiliar Gadamael Porto, como fez. O Orion desembarcou a CCP 123 em Cacine, tendo a companhia seguido depois para Gadamael de LDM, mas, mesmo assim, desembarcou na zona onde estava a população, seguindo depois a pé até Gadamael, dado que o porto estava a ser constantemente bombardeado.
"O Orion esteve sempre muito distante do alcance das granadas que o PAICG estava lançando sobre Gadamael. A população estava dispersa na margem, mas também muito distante de Gadamael" (...).
5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)
(...) "No dia 1 de Junho de 1973 (não consegui confirmar com toda a certeza o dia pois o Diário Náutico da Orion referente ao período de 1970-1973 desapareceu), cerca das 20:00 encontrando-se o NRP Orion fundeado no rio Cumbijã recebemos ordem para seguir para Cadique e embarcar uma Companhia de Paraquedistas e seguir para Cacine com todo o dispositivo.
"O Navio subiu o rio e embarcou a companhia de Paras com botes.
"Foram dadas indicações às duas LDM – as LDM tinham como militar responsável, não um Sargento mas um Cabo de Manobra - que integravam a TG, para seguirem para Cacine pelo canal do Melo. A Orion não podia passar pelo canal do Melo por causa do calado pelo que saiu a barra do Cumbijã, navegou para sul entrou a barra do Cacine. Chegámos a Cacine nos primeiros alvores já aí se encontrando as 2 LDM, e desembarcamos a companhia de Paras.
A bordo da Orion entrou o Major paraquedista Pessoa que nos informou do seguinte:
- Guileje, após intensos bombardeamentos fora evacuada e o contingente aí instalado seguiu para Gadamael;
- O Major Coutinho e Lima, comandante do COP, que tinha dado a ordem, seguira para Bissau sob prisão;
- Gadamael estava sob fogo intenso e a grande maioria dos militares tinha fugido para as margens do rio Cacine (ver depoimento do Capitão Ferreira da Silva no Jornal Público) (1);
- O General Spínola tinha estado em Cacine e tinha dado ordem explicita para ninguém ir socorrer o pessoal que andava fugido nas margens do rio, apelidando-os de cobardes;
"O Major Pessoa ainda nos informou que se nós não fossemos recuperar o pessoal ele próprio iria nem que fosse de canoa" (...).
_________
Nota de L.G.:
(1) Esclarecimento posterior do Pepito:
"Trata-se de Cadique N'Bitna, muito perto de Cadique Nalú, sitado junto ao Rio Cumbidjan, no sector de Cubucaré (Cantanhez). Se achares de interesse poderei tirar fotografias dos antigos aquartelamentos de Iemberem, Cabedú e Cafine quando lá for da próxima vez".
Guiné 63/74 - P1875: Estórias avulsas (6): Há coisas na guerra que só se podem fazer com 'boa educação' (Joaquim Mexia Alves)
Documento classificado como secreto. Telegrama de Abril de 1973, vindo do BART 3873 [Bambadinca, sede do Sector L1 da Zona Lest], para CART 3494, CART 3492, CCAÇ 12 e Pel Caç Nat 52 (Enxalé): "(...) Notícia elemento pop colaborador das NT refere chegada Zinguichor [Senegal] em 22 de Abril viaturas com material variado referido 1 torpedo destinado a área Xime/Xitole (.) 1 míssil terra-ar destinado a Mato Cão e rádios VHF que se presume Aco-Pann em [?] Anti-Aérea (.). Solicito pesquise verosimilância notícia".
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Destacamento de Mato Cão > 1973 > Pel Caç Nat 52 > A travessia do Rio Geba fazia-se de Sintex, a remos. Na foto, o Alf Mil Joaquim Mexia Alves, de pé, empunhando uma G3.
Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2007). Direitos reservados
1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves, com data de 13 de Junho de 2007:
Caros Luís e Victor: Estou a tentar mandar um texto para vossa apreciação e possivel publicação. Se alguma coisa não chegar bem digam. Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves
Termas de Monte Real
Tel: 244 619 020 / fax: 244 619 029
HÁ COISAS NA GUERRA QUE SÓ SE PODEM FAZER COM BOA EDUCAÇÃO
por Joaquim Mexia Alves
Estava eu então um dia, no remanso do Mato Cão, quando alguém me vem chamar dizendo que tinha chegado uma mensagem criptada, altamente secreta, segundo ele. Claro que aquilo era coisa para tirar um homem da modorra, e pôr-lhe os neurónios e a imaginação a trabalhar.
Lá fui buscar o objecto e logo me surgiu o primeiro problema: Como é que raio se põe isto legível?
Pois, era preciso abrir um envelope qualquer onde estava a chave que me permitiria o acesso a um texto tão secreto.
Embrutecido pelo calor, (e se calhar também por algumas cervejas), sem vontade nenhuma, (apesar da curiosidade), de saber o que aquilo continha, (cheirava-me a merda da grossa), lá consegui ao fim de algum tempo e de um número considerável de palavrões em português vernáculo, ler o conteúdo da coisa.
Rezava assim [vd. em cima reprodução do telegrama]:
Anexo
Bem, pensei eu, isto vai dar direito a uma viagem a Bambadinca, em sintex a remos pelo Geba, esperando eu, que dada a importância da coisa haja um transporte do cais, junto aos Nhabijões, até à sede do Batalhão.
Assim e depois do contacto do comando, via rádio, que confirmava a necessidade da minha deslocação à cidade, lá me pus a caminho no dia seguinte. Não me lembro se havia transporte ou se tive de calcorrear aqueles quilómetros, mas isso para o caso não interessa.
Chegado a Bambadinca, logo fui cumprimentar o Cap Bordalo e sus muchachos ( ) e dessedentar-me, coisa muito importante dadas as agruras do clima. Entretanto chegou a hora de ir falar com o comandante e lá entrei para o seu gabinete onde apenas estávamos os dois.
Depois dos cumprimentos da praxe e da conversa mole, fomos direitos ao assunto. Disse-me ele que era necessário ir ver onde estava o referido armamento e capturá-lo, obviamente.
Como em Mato Cão só estava o Pel Caç Nat 52, e como o mesmo não podia sair do destacamento na sua totalidade, (alguém tinha de ficar a guardar os bidons), sugeri uma estratégia baseada na boa educação, ou seja:
Eu chegaria lá, se encontrasse o inimigo, e diria educadamente que vinha da parte do meu comandante para buscar um míssil terra-ar, que eles ali tinham e nós gostaríamos de ter connosco.
A reacção não foi muito boa e palavra puxa palavra, a coisa azedou. Claro que deixei bem claro que não iria com 12/15 homens à procura de nada que estivesse guardado por, pelo menos, um bigrupo, o que não foi do agrado da pessoa em questão.
Separámo-nos zangados, (para utilizar expressão moderada), e como estas coisas se vinham repetindo e a minha disposição estava a ficar muito perigosa, fui falar, se não me engano, com o Cap Bordalo e depois com o médico (de quem não me lembro o nome), e achou-se por bem que era melhor eu ir a uma consulta de psiquiatria, o que também me alimpava de qualquer procedimento disciplinar, provocado talvez pela minha ironia, mal entendida, visto que se está mesmo a ver que eu fazia aquilo inocentemente.
O resto da história tem pouco interesse e resumiu-se a que, passados uns dias lá apareceu o Cap Bordalo no Mato Cão, com dois Pelotões da CCAÇ 12, e fomos, com duas secções do 52, dar uma volta à senhora da asneira, pois não encontrámos nada, nem traços do objecto em questão.
Em Bissau foi-me diagnosticado coisíssima nenhuma e para tratamento da doença a prescrição foi, salvo o erro, 7 ou 15 dias em Bissau, de preferência sem farda, tendo de me apresentar no Hospital dia sim, dia não, porque era obrigatório.
Ah, fiquei bom!!!
Nota: Aproveito para dizer que quando escrevo estas coisas, gosto de lhes dar um pouco de sal, mas que a base, o facto, é perfeitamente verdadeiro, embora obviamente, não tendo gravado tudo, algumas coisas possam não ser exacta e rigorosamente assim.
Escrevo como escrevo, porque perfeito, perfeito, perfeito…é o Mário Beja Santos!!!
Mário, não leves a mal, porque esta brincadeira com o teu nome, é realmente uma homenagem aos teus textos de que, penso que falo por todos, todos muito apreciamos e gostamos.
Um abraço para ti e para todos.
____________
Nota de L.G.
(1) Vd. posts anteriores desta série (Estórias avulsas):
31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1193: Estórias avulsas (4): O fantasma-cagão da 3ª Companhia do COM, EPI, Mafra, 1966 (A. Marques Lopes)
1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)
16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)
7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Destacamento de Mato Cão > 1973 > Pel Caç Nat 52 > A travessia do Rio Geba fazia-se de Sintex, a remos. Na foto, o Alf Mil Joaquim Mexia Alves, de pé, empunhando uma G3.
Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2007). Direitos reservados
1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves, com data de 13 de Junho de 2007:
Caros Luís e Victor: Estou a tentar mandar um texto para vossa apreciação e possivel publicação. Se alguma coisa não chegar bem digam. Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves
Termas de Monte Real
Tel: 244 619 020 / fax: 244 619 029
HÁ COISAS NA GUERRA QUE SÓ SE PODEM FAZER COM BOA EDUCAÇÃO
por Joaquim Mexia Alves
Estava eu então um dia, no remanso do Mato Cão, quando alguém me vem chamar dizendo que tinha chegado uma mensagem criptada, altamente secreta, segundo ele. Claro que aquilo era coisa para tirar um homem da modorra, e pôr-lhe os neurónios e a imaginação a trabalhar.
Lá fui buscar o objecto e logo me surgiu o primeiro problema: Como é que raio se põe isto legível?
Pois, era preciso abrir um envelope qualquer onde estava a chave que me permitiria o acesso a um texto tão secreto.
Embrutecido pelo calor, (e se calhar também por algumas cervejas), sem vontade nenhuma, (apesar da curiosidade), de saber o que aquilo continha, (cheirava-me a merda da grossa), lá consegui ao fim de algum tempo e de um número considerável de palavrões em português vernáculo, ler o conteúdo da coisa.
Rezava assim [vd. em cima reprodução do telegrama]:
Anexo
Bem, pensei eu, isto vai dar direito a uma viagem a Bambadinca, em sintex a remos pelo Geba, esperando eu, que dada a importância da coisa haja um transporte do cais, junto aos Nhabijões, até à sede do Batalhão.
Assim e depois do contacto do comando, via rádio, que confirmava a necessidade da minha deslocação à cidade, lá me pus a caminho no dia seguinte. Não me lembro se havia transporte ou se tive de calcorrear aqueles quilómetros, mas isso para o caso não interessa.
Chegado a Bambadinca, logo fui cumprimentar o Cap Bordalo e sus muchachos ( ) e dessedentar-me, coisa muito importante dadas as agruras do clima. Entretanto chegou a hora de ir falar com o comandante e lá entrei para o seu gabinete onde apenas estávamos os dois.
Depois dos cumprimentos da praxe e da conversa mole, fomos direitos ao assunto. Disse-me ele que era necessário ir ver onde estava o referido armamento e capturá-lo, obviamente.
Como em Mato Cão só estava o Pel Caç Nat 52, e como o mesmo não podia sair do destacamento na sua totalidade, (alguém tinha de ficar a guardar os bidons), sugeri uma estratégia baseada na boa educação, ou seja:
Eu chegaria lá, se encontrasse o inimigo, e diria educadamente que vinha da parte do meu comandante para buscar um míssil terra-ar, que eles ali tinham e nós gostaríamos de ter connosco.
A reacção não foi muito boa e palavra puxa palavra, a coisa azedou. Claro que deixei bem claro que não iria com 12/15 homens à procura de nada que estivesse guardado por, pelo menos, um bigrupo, o que não foi do agrado da pessoa em questão.
Separámo-nos zangados, (para utilizar expressão moderada), e como estas coisas se vinham repetindo e a minha disposição estava a ficar muito perigosa, fui falar, se não me engano, com o Cap Bordalo e depois com o médico (de quem não me lembro o nome), e achou-se por bem que era melhor eu ir a uma consulta de psiquiatria, o que também me alimpava de qualquer procedimento disciplinar, provocado talvez pela minha ironia, mal entendida, visto que se está mesmo a ver que eu fazia aquilo inocentemente.
O resto da história tem pouco interesse e resumiu-se a que, passados uns dias lá apareceu o Cap Bordalo no Mato Cão, com dois Pelotões da CCAÇ 12, e fomos, com duas secções do 52, dar uma volta à senhora da asneira, pois não encontrámos nada, nem traços do objecto em questão.
Em Bissau foi-me diagnosticado coisíssima nenhuma e para tratamento da doença a prescrição foi, salvo o erro, 7 ou 15 dias em Bissau, de preferência sem farda, tendo de me apresentar no Hospital dia sim, dia não, porque era obrigatório.
Ah, fiquei bom!!!
Nota: Aproveito para dizer que quando escrevo estas coisas, gosto de lhes dar um pouco de sal, mas que a base, o facto, é perfeitamente verdadeiro, embora obviamente, não tendo gravado tudo, algumas coisas possam não ser exacta e rigorosamente assim.
Escrevo como escrevo, porque perfeito, perfeito, perfeito…é o Mário Beja Santos!!!
Mário, não leves a mal, porque esta brincadeira com o teu nome, é realmente uma homenagem aos teus textos de que, penso que falo por todos, todos muito apreciamos e gostamos.
Um abraço para ti e para todos.
____________
Nota de L.G.
(1) Vd. posts anteriores desta série (Estórias avulsas):
31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1193: Estórias avulsas (4): O fantasma-cagão da 3ª Companhia do COM, EPI, Mafra, 1966 (A. Marques Lopes)
1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)
16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)
7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)
domingo, 24 de junho de 2007
Guiné 63/74 - P1874: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (2)... (António Pinto / Joaquim Mexia Alves)
1. Mensagem do nosso veterano António Pinto , respondendo ao desafio do post P1872 (1):
Bons Amigos
De acordo com o que o COMANDANTE pede, lembro-me de mais algumas expressões:
Goss, goss - Anda depressa
Jamtum Tanala Talifanala - Cumprimentos perguntando pelas mulheres, gado, família, etc. etc., repetindo esta expressão várias vezes
Maçarico - Camarada recém-chegado
Um abraço
Pinto
2. Contribuição do nosso camarada Joaquim Mexia Alves para o glossário:
Africanas - Tropas da Guiné
Apanhados do clima
Apanhados à mão
Aponta, Tomás!- Expressão do Caco para o ajudante
Bolanha
Corpo di bó ? Jantum -
Goss-goss - Depressa (como é que raio isto se escreve?)
Macaréu
Peluda
Tá no ir
Tarrafo
E vamo-nos lembrando...
Abraço do Joaquim Mexia Alves
3. Do Camarada N. R. (não se identifica)...
Dualidades do "calão" militar?
Algumas expressões tinham um significado civil diferente ou mais profundo. Por exemplo:
Bajuda - Menina virgem (e não apenas rapariga)
Bianda - Arroz (e não comida em geral)
Bué - Nunca ouvi esta palavra por lá nessa altura
Cibe - Os troncos das palmeiras, usados como madeira, eram os cipós
Djubi - Cá fora era mesmo só "olha" ou "repara"
Mantenhas - Saudades (nunca ouvi empregar como saudações)
Psico - Tambem conhecida por "Psique"
Quico - Não era um boné qualquer, era o boné da tropa, camuflado, com pala e protecção da nuca com dois bicos. Aliás, não lhe conheço outro nome, continua a ser o "quico".
Omissões importantes... Falta aqui, por exemplo:
Metrópole - Portugal continental
Mocar - Fornicar
Patacão - Dinheiro (massa, pilim...)
Piriquito - Recém chegado à Guiné (designação que se prolongava por algum tempo e era algo discriminadora e pouco elogiosa)
E já agora Embrulha e manda pelo SPM que tinha um significado dúbio mas que pode ser sintetizado em algo como "o que não tem remédio, remediado está" ou algo similar.
Cumprimentos e continuem
NR
4. Comentário dos editores do blogue:
Amigos e camaradas: Obrigados, eu e o Carlos, pela vossa rápida resposta... Já agora, um reparo:
De acordo com o autorizado e utilíssimo Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, deve escrever-se periquito:
Todos os dicionários consultados, nomeadamente o Grande Dicionário, da Porto Editora, e o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, registam periquito para o «nome vulgar extensivo a várias aves trepadoras, exóticas, especialmente da família dos Psitacídeos, com grande variação de cor (embora a ave bravia seja sempre verde e amarela) e mais pequenas que os papagaios». O termo vem do castelhano "periquito".
Achamos que já era altura de os nossos dicionaristas registarem a acepção (militar, da guerra colonial da Guiné) que nós damos ao termo Periquito ou pira... Só no nosso blogue, tem sido muito utilizado.
Já agora, deixem-nos introduzir mais um termo novo: Corta-capim como sinónimo de carta ou aerograma (2)... Quanto a Bué, o nosso N.R. tem toda a razão: é um vocábulo pós-25 de Abril... Na Guiné dizíamos: Manga de (Muito). Sobre Bué e outros termos do luandês, ver artigo de Rui Ramos no Ciberdúvidas > Luandês, a nova língua da lusofonia...
Por fim, uma chamada de atenção: não escondemos que alguns termos da nossa linguagem de caserna era (é) baixo calão, palavrão... Os puristas, os meninos de coro ou os ouvidos sensíveis que nos perdoem, mas é pena algumas destas expressões correrem o risco de irem parar à cova connosco, se não ficarem registadas aqui, para a posteridade... A propósito, consulltem o Dicionário Aberto de Calão e Expressões Idiomáticas, de José Jão Almeida (2003) (3)... Um projecto em construção. Porque quem faz a língua portuguesa, são os seus falantes...
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 23 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1872: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (1)...(Luís Graça)
(2) Aerograma. Também conhecido por corta-capim (o correio era, muitas vezes distribuído em cima de uma viatura, e o aerograma lançado por cima das cabeças dos soldados, à maneira de um boomerang). Os aerogramas foram uma criação do Movimento Nacional Feminino, dirigida pela célebre Cecília Supico Pinto desde 1961, e o seu transporte era assegurado pela TAP ("uma oferta da TAP aos soldados de Portugal"). Os aerogramas também foram usados na guerra da propaganda do regime, ostentando carimbos de correio com dizeres como "Povo unido, paz e progresso", "Povo português, povo africano", "Os inimigos da Pátria renunciarão" ou "Muitas raças, uma Nação, Portugal" (vd. Graça, L. - Memória da guerra colonial: querida madrinha. O Jornal. 15 de Maio de 1981).
Vd. post de 23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)
(3) Vd. introdução, no respectivo sítio > Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas
"Acreditamos que as expressões idiomáticas e o calão são uma parte nobre e rica da língua Portuguesa. Ao mesmo tempo que inclui verdadeiros tesouros, este domínio é frágil e muitas vezes os termos têm um tempo de vida curto.
"Este dicionário é simultaneamente um exercício de linguística, de linguagens de programação e de PERL.
"Detalhes acerca do modo como ele está construído podem ser obtidos do autor.
"Este dicionário contem presentemente cerca de 4000 entradas e precisa desesperadamente da sua colaboração. Deve ser olhado não como um dicionário completo mas como uma colecção amadora que tem contado com a colaboração de vários informantes a quem muito agradecemos
"Tecnicamente, este dicionário está a usar a linguagem pregramação DPL, do projecto Natura
"Sempre que se lembrar de uma expressão idiomática, de um termo calão (por mais carroceiro que seja!) que não encontre aqui...,
Fontes:
http://natura.di.uminho.pt/~jj/pln/calao/calao.dic
http://natura.di.uminho.pt/~jj/pln/proverbio.dic
Documentação variada:
documentaçao rudimentar
dicionário em formato PS, gziped (85 páginas)
dicionário em formato PDF (85 páginas)
Bons Amigos
De acordo com o que o COMANDANTE pede, lembro-me de mais algumas expressões:
Goss, goss - Anda depressa
Jamtum Tanala Talifanala - Cumprimentos perguntando pelas mulheres, gado, família, etc. etc., repetindo esta expressão várias vezes
Maçarico - Camarada recém-chegado
Um abraço
Pinto
2. Contribuição do nosso camarada Joaquim Mexia Alves para o glossário:
Africanas - Tropas da Guiné
Apanhados do clima
Apanhados à mão
Aponta, Tomás!- Expressão do Caco para o ajudante
Bolanha
Corpo di bó ? Jantum -
Goss-goss - Depressa (como é que raio isto se escreve?)
Macaréu
Peluda
Tá no ir
Tarrafo
E vamo-nos lembrando...
Abraço do Joaquim Mexia Alves
3. Do Camarada N. R. (não se identifica)...
Dualidades do "calão" militar?
Algumas expressões tinham um significado civil diferente ou mais profundo. Por exemplo:
Bajuda - Menina virgem (e não apenas rapariga)
Bianda - Arroz (e não comida em geral)
Bué - Nunca ouvi esta palavra por lá nessa altura
Cibe - Os troncos das palmeiras, usados como madeira, eram os cipós
Djubi - Cá fora era mesmo só "olha" ou "repara"
Mantenhas - Saudades (nunca ouvi empregar como saudações)
Psico - Tambem conhecida por "Psique"
Quico - Não era um boné qualquer, era o boné da tropa, camuflado, com pala e protecção da nuca com dois bicos. Aliás, não lhe conheço outro nome, continua a ser o "quico".
Omissões importantes... Falta aqui, por exemplo:
Metrópole - Portugal continental
Mocar - Fornicar
Patacão - Dinheiro (massa, pilim...)
Piriquito - Recém chegado à Guiné (designação que se prolongava por algum tempo e era algo discriminadora e pouco elogiosa)
E já agora Embrulha e manda pelo SPM que tinha um significado dúbio mas que pode ser sintetizado em algo como "o que não tem remédio, remediado está" ou algo similar.
Cumprimentos e continuem
NR
4. Comentário dos editores do blogue:
Amigos e camaradas: Obrigados, eu e o Carlos, pela vossa rápida resposta... Já agora, um reparo:
De acordo com o autorizado e utilíssimo Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, deve escrever-se periquito:
Todos os dicionários consultados, nomeadamente o Grande Dicionário, da Porto Editora, e o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, registam periquito para o «nome vulgar extensivo a várias aves trepadoras, exóticas, especialmente da família dos Psitacídeos, com grande variação de cor (embora a ave bravia seja sempre verde e amarela) e mais pequenas que os papagaios». O termo vem do castelhano "periquito".
Achamos que já era altura de os nossos dicionaristas registarem a acepção (militar, da guerra colonial da Guiné) que nós damos ao termo Periquito ou pira... Só no nosso blogue, tem sido muito utilizado.
Já agora, deixem-nos introduzir mais um termo novo: Corta-capim como sinónimo de carta ou aerograma (2)... Quanto a Bué, o nosso N.R. tem toda a razão: é um vocábulo pós-25 de Abril... Na Guiné dizíamos: Manga de (Muito). Sobre Bué e outros termos do luandês, ver artigo de Rui Ramos no Ciberdúvidas > Luandês, a nova língua da lusofonia...
Por fim, uma chamada de atenção: não escondemos que alguns termos da nossa linguagem de caserna era (é) baixo calão, palavrão... Os puristas, os meninos de coro ou os ouvidos sensíveis que nos perdoem, mas é pena algumas destas expressões correrem o risco de irem parar à cova connosco, se não ficarem registadas aqui, para a posteridade... A propósito, consulltem o Dicionário Aberto de Calão e Expressões Idiomáticas, de José Jão Almeida (2003) (3)... Um projecto em construção. Porque quem faz a língua portuguesa, são os seus falantes...
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 23 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1872: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (1)...(Luís Graça)
(2) Aerograma. Também conhecido por corta-capim (o correio era, muitas vezes distribuído em cima de uma viatura, e o aerograma lançado por cima das cabeças dos soldados, à maneira de um boomerang). Os aerogramas foram uma criação do Movimento Nacional Feminino, dirigida pela célebre Cecília Supico Pinto desde 1961, e o seu transporte era assegurado pela TAP ("uma oferta da TAP aos soldados de Portugal"). Os aerogramas também foram usados na guerra da propaganda do regime, ostentando carimbos de correio com dizeres como "Povo unido, paz e progresso", "Povo português, povo africano", "Os inimigos da Pátria renunciarão" ou "Muitas raças, uma Nação, Portugal" (vd. Graça, L. - Memória da guerra colonial: querida madrinha. O Jornal. 15 de Maio de 1981).
Vd. post de 23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)
(3) Vd. introdução, no respectivo sítio > Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas
"Acreditamos que as expressões idiomáticas e o calão são uma parte nobre e rica da língua Portuguesa. Ao mesmo tempo que inclui verdadeiros tesouros, este domínio é frágil e muitas vezes os termos têm um tempo de vida curto.
"Este dicionário é simultaneamente um exercício de linguística, de linguagens de programação e de PERL.
"Detalhes acerca do modo como ele está construído podem ser obtidos do autor.
"Este dicionário contem presentemente cerca de 4000 entradas e precisa desesperadamente da sua colaboração. Deve ser olhado não como um dicionário completo mas como uma colecção amadora que tem contado com a colaboração de vários informantes a quem muito agradecemos
"Tecnicamente, este dicionário está a usar a linguagem pregramação DPL, do projecto Natura
"Sempre que se lembrar de uma expressão idiomática, de um termo calão (por mais carroceiro que seja!) que não encontre aqui...,
Fontes:
http://natura.di.uminho.pt/~jj/pln/calao/calao.dic
http://natura.di.uminho.pt/~jj/pln/proverbio.dic
Documentação variada:
documentaçao rudimentar
dicionário em formato PS, gziped (85 páginas)
dicionário em formato PDF (85 páginas)
Guiné 63/74 - P1873: Reflexão sobre Fátima, o drama da guerra e o conflito com a Fé que nos inculcaram (Zé Teixeira)
Mensagem do nosso camarada Zé Teixeira, de 7 de Maio último:
Comandante e comandante adjunto para quem faço votos de bom, profícuo e agradável trabalho: Saúde, paz e felicidade!
Junto um texto sobre a Fé dos nossos militares e familiares e a forma como a punham em prática durante a guerra.
Se entendereis que merece ser publicada . . . o prazer será meu.
Fraternal abraço
J.Teixeira
Esquilo Sorridente
O drama da Guerra e o conflito com a Fé que nos inculcaram
Ontem, dia seis de Maio, ao passar na IC1, perto de S. João da Madeira, tive oportunidade de apreciar um espectáculo deslumbrante. Uma procissão de gente, talvez milhares, que na berma da estrada caminhavam em peregrinação, com destino a Fátima.
Gente nova, menos nova, velhos, mulheres e homens, com bom calçado, de chanatos ou descalços. Em grupos organizados, com carros de apoio, ou colados. Gente de Fé, caminhava a passo firme e apressado para chegarem a tempo no dia 12 e participarem nas cerimónias religiosas. Alguns em silêncio (promessa de não falar), outros fazendo alguns dias a pão e água, outros rezando e cantando. Ainda outros em amena cavaqueira com algum conhecido na jornada. Movidos por razões de Fé, muitos em cumprimento de promessas que, não podendo aceitar, pois com Deus não se negoceia, não contesto, pois sei que perante as dificuldades, os problemas, e sofrimento, as reacções que a fé imprime a cada um, só ele as sente. Daí o meu o profundo respeito.
Ao apreciar este profundo movimento de Fé, a minha mente saltou para os anos 60/70.
Para a minha avó que em 1965, com 70 anos partiu no dia 2 de Maio, de uma aldeia, algures a 40 Km a norte do Porto, com o mesmo destino e os mesmos objectivos. Dar graças a Deus, pela intercessão da Virgem Maria, pelo facto do meu irmão mais velho, ter regressado da tropa sem ter ido à guerra (expressão que ela usava). Da sua promessa de repetir a façanha, se eu tivesse a mesma sorte e ou pelo menos regressasse são e salvo. Da sua atitude de quando eu parti para a tropa, ir, ao Domingo assistir a duas missas: uma por ela e a outra por mim, pois segundo afirmava, eu era um bom malandreco e facilmente me iria esquecer do meu compromisso de cristão. Passou a ser para mim o meu anjo da guarda o que muito a envaidecia.
Da sua morte em 1968, quando eu pensava estar quase safo da ida ao ultramar, pois a escola de enfermeiros da incorporação seguinte estava a sair. Desapareceu o meu anjo da guarda e oito dias depois estava mobilizado para a Guiné.
A divagação dolorosa continuou a perseguir-me.
Quantas avós, mães, pais, esposas, namoradas, prometeram trilhar estes caminhos, na esperança de que Deus por intermédio da Virgem os (as) ia atender. Quantas avançaram até Fátima ou outro Santuário, dos muitos espalhados por este País, para mais perto de Deus, aí fazerem as suas orações de acção de graças e os seus pedidos e promessas.
Quando parti para a Guiné, ainda no Niassa, fiquei impressionado ao ver muitos companheiros da viagem com o terço pendurado ao pescoço, qual amuleto ou talismã protector, ou então a medalhinha a quem se dava devotados beijos.
Ao chegar à Guiné, mais propriamente a Ingoré, apreciei e comecei a acompanhar um grupo razoável de velhinhos que se reuniam à noite no refeitório para rezarem o Terço. Ao qual se foram juntando outros elementos da minha Companhia.
A Fé que me foi transmitida gerava um agudo conflito dentro de mim, pois fora sempre um desafio à construção da paz entre os homens e eu aceitara, como o cordeiro que vai para o matadouro, partir e viver uma guerra que em consciência rejeitava, mas que o dever para com a Pátria (tal como me tinha sido inculcado, quer na escola, quer na família) me obrigava a fazer a guerra.
No meu Diário escrevi um dia:
...Senti mais uma vez a presença do Senhor em mim quando ia na coluna. Muito calmo, com atenção a todos os lados, sempre nos rodados das viaturas para não ser atingido por uma 'bailarina'.
As Vossas orações valem imenso. Quando sinto as balas e granadas passarem por alto pergunto a mim mesmo se não são as vossas orações.
Odeio.. Odeio os homens que se guerreiam e matam. No entanto eu também sou um deles...
O Inimigo também tem namorada, mulher, filhos... também se agarra aos seus santos protectores...
Pergunto-me se quantas vezes ao sair para o mato as portas das Tabancas se abrem e surgem caras, um sorriso, um braço no ar ... um desejo de 'bom biaje', se não serão essas mesmas caras com o ódio estampado que nos esperam no meio da bolanha prontos a matar quem não quer fazer guerra, mas foi obrigado pelo sentido de Pátria em que foi educado ?
Toda a cara preta me parece um IN. Odeio o IN porque é traiçoeiro, porque mata.
O Evangelho foi feito só para brancos ? Como poderei amar os homens onde só existe o ódio !
Via os nossos soldados, com o amuleto do terço, que não rezavam, pois muitos deles eram agnósticos ou as obras que a verdadeira fé exige, era algo que não lhes dizia nada, quando saíam para o mato, beijarem a medalhinha que traziam ao pescoço, ou a cruz do terço, benzerem-se toscamente e darem um beijinho na mão, tal como hoje os jogadores de futebol continuam a fazer e cujo sentido religioso continua a ser para mim um enigma, pois não vem nos cânones nem nos catecismos.
Em Fátima a hierarquia religiosa alimentava a oração e o sacrifício, pela paz no Mundo, em especial na nossa Pátria, fechando-se teimosamente os ouvidos ao troar das metralhadoras, ao ribombar das minas e armadilhas que ambos os contendores escondiam traiçoeiramente e das bombas que os canhões faziam vomitar das suas bocas de fogo, pela acção malévola dos homens e dos aviões que destruíam aldeias completas produções agrícolas e matas, para que o inimigo na sua própria terra morresse se não da guerra que lhe fazíamos, pela fome.
Da nossa banda eram jovens, a flor da nossa pátria que tombava. Os naturais , donos da sua terra, viam quantas vezes, as mulheres, as crianças, os velhos, tombarem debaixo do fogo de uma e outra frente ou devido à fome e miséria a que eram votados, pela acção militar dos portugueses.
E em Fátima continuava-se a rezar pela paz. . . .
O próprio Papa Paulo VI, veio a Fátima em 1965, rezar pela Paz no Mundo. Ele que pouco antes tinha recebido os três líderes das frentes de combate, que lutavam da outra banda, pela libertação, dos seus povos. Sinal bem claro de que o mundo cristão estava consciente e reconhecia a existência de uma guerra em que Portugal tentava pela força calar a voz dos povos que em África entendiam que a sua felicidade passava pela autodeterminação e independência.
Os povos que ousavam fazer-nos frente também tinham a “sua Fé”, os seus Santos a quem se agarravam nos momentos difíceis, os amuletos que lhes víamos à cintura. Também tinham avós, pais esposas, namoradas. Algumas, na frente de guerra, combatiam lado a lado, outras na retaguarda, sofriam como as nossas mães, os nossos familiares.
Pensei no Kebá, a quem tive o enorme e gratificante prazer de reencontrar em 2005. Nas duas mulheres que tinha e que fugiram com os filhos ou foram apanhadas pelo IN. O seu esforço para as recuperar, entranhando-se na mata entre dois fogos para as localizar. O desgosto por elas não aceitarem segui-lo no seu regresso a Empada. A sua recusa em usar arma, para não matar, como ele dizia minha fidjo.
Pensei em quantos de nós não regressaram. Tantos em que o amuleto do terço, as suas convictas orações, a fé e as orações dos seus familiares, não bastaram. Uma bala traiçoeira, um estilhaço de uma mina ou de uma granada fez o seu sangue correr e regar aquela terra vermelha, levando-lhes a vida, ou marcando-os pelo sofrimento e pela invalidez.
Pensei nos que regressámos. Tantos convictos que foram as suas orações e as orações dos seus familiares. A fé forte que os animava e faziam dela razão da sua luta para sobreviver. . . matando, se necessário.
Quantos de nós aceitaram o desafio que a Pátria lhes impôs, em luta com a sua própria consciência. Quem não sentia isso mesmo, nas expressões e orientações dos furriéis e oficiais milicianos e mesmo em alguns dos que conheci pertencentes ao Q.P. quando estavam a dar as suas ordens, na forma como procuravam proteger o seu pessoal e furtar-se ao contacto com o IN.
Conheço outros e conto-me entre eles que aceitando ir para a frente de combate, tomaram por opção não fazer fogo, não dar um tiro, mesmo especialistas da G3 (atiradores).
E . . . com este desabafo, crie mais uma frente de conversa, que espero tenha continuidade.
Ressalvo que não é de modo algum minha intenção provocar ou ferir susceptibilidades. Quer em questões de ordem religiosa, quer de ordem patriótica. É apenas o resultado de uma reflexão pessoal que me pareceu merecer ser posta em comum, nesta altura que Fátima- altar do Mundo, se vai encher de novo para orar pela paz no Mundo e em especial na nossa Pátria.
Zé Teixeira
Comandante e comandante adjunto para quem faço votos de bom, profícuo e agradável trabalho: Saúde, paz e felicidade!
Junto um texto sobre a Fé dos nossos militares e familiares e a forma como a punham em prática durante a guerra.
Se entendereis que merece ser publicada . . . o prazer será meu.
Fraternal abraço
J.Teixeira
Esquilo Sorridente
O drama da Guerra e o conflito com a Fé que nos inculcaram
Ontem, dia seis de Maio, ao passar na IC1, perto de S. João da Madeira, tive oportunidade de apreciar um espectáculo deslumbrante. Uma procissão de gente, talvez milhares, que na berma da estrada caminhavam em peregrinação, com destino a Fátima.
Gente nova, menos nova, velhos, mulheres e homens, com bom calçado, de chanatos ou descalços. Em grupos organizados, com carros de apoio, ou colados. Gente de Fé, caminhava a passo firme e apressado para chegarem a tempo no dia 12 e participarem nas cerimónias religiosas. Alguns em silêncio (promessa de não falar), outros fazendo alguns dias a pão e água, outros rezando e cantando. Ainda outros em amena cavaqueira com algum conhecido na jornada. Movidos por razões de Fé, muitos em cumprimento de promessas que, não podendo aceitar, pois com Deus não se negoceia, não contesto, pois sei que perante as dificuldades, os problemas, e sofrimento, as reacções que a fé imprime a cada um, só ele as sente. Daí o meu o profundo respeito.
Ao apreciar este profundo movimento de Fé, a minha mente saltou para os anos 60/70.
Para a minha avó que em 1965, com 70 anos partiu no dia 2 de Maio, de uma aldeia, algures a 40 Km a norte do Porto, com o mesmo destino e os mesmos objectivos. Dar graças a Deus, pela intercessão da Virgem Maria, pelo facto do meu irmão mais velho, ter regressado da tropa sem ter ido à guerra (expressão que ela usava). Da sua promessa de repetir a façanha, se eu tivesse a mesma sorte e ou pelo menos regressasse são e salvo. Da sua atitude de quando eu parti para a tropa, ir, ao Domingo assistir a duas missas: uma por ela e a outra por mim, pois segundo afirmava, eu era um bom malandreco e facilmente me iria esquecer do meu compromisso de cristão. Passou a ser para mim o meu anjo da guarda o que muito a envaidecia.
Da sua morte em 1968, quando eu pensava estar quase safo da ida ao ultramar, pois a escola de enfermeiros da incorporação seguinte estava a sair. Desapareceu o meu anjo da guarda e oito dias depois estava mobilizado para a Guiné.
A divagação dolorosa continuou a perseguir-me.
Quantas avós, mães, pais, esposas, namoradas, prometeram trilhar estes caminhos, na esperança de que Deus por intermédio da Virgem os (as) ia atender. Quantas avançaram até Fátima ou outro Santuário, dos muitos espalhados por este País, para mais perto de Deus, aí fazerem as suas orações de acção de graças e os seus pedidos e promessas.
Quando parti para a Guiné, ainda no Niassa, fiquei impressionado ao ver muitos companheiros da viagem com o terço pendurado ao pescoço, qual amuleto ou talismã protector, ou então a medalhinha a quem se dava devotados beijos.
Ao chegar à Guiné, mais propriamente a Ingoré, apreciei e comecei a acompanhar um grupo razoável de velhinhos que se reuniam à noite no refeitório para rezarem o Terço. Ao qual se foram juntando outros elementos da minha Companhia.
A Fé que me foi transmitida gerava um agudo conflito dentro de mim, pois fora sempre um desafio à construção da paz entre os homens e eu aceitara, como o cordeiro que vai para o matadouro, partir e viver uma guerra que em consciência rejeitava, mas que o dever para com a Pátria (tal como me tinha sido inculcado, quer na escola, quer na família) me obrigava a fazer a guerra.
No meu Diário escrevi um dia:
...Senti mais uma vez a presença do Senhor em mim quando ia na coluna. Muito calmo, com atenção a todos os lados, sempre nos rodados das viaturas para não ser atingido por uma 'bailarina'.
As Vossas orações valem imenso. Quando sinto as balas e granadas passarem por alto pergunto a mim mesmo se não são as vossas orações.
Odeio.. Odeio os homens que se guerreiam e matam. No entanto eu também sou um deles...
O Inimigo também tem namorada, mulher, filhos... também se agarra aos seus santos protectores...
Pergunto-me se quantas vezes ao sair para o mato as portas das Tabancas se abrem e surgem caras, um sorriso, um braço no ar ... um desejo de 'bom biaje', se não serão essas mesmas caras com o ódio estampado que nos esperam no meio da bolanha prontos a matar quem não quer fazer guerra, mas foi obrigado pelo sentido de Pátria em que foi educado ?
Toda a cara preta me parece um IN. Odeio o IN porque é traiçoeiro, porque mata.
O Evangelho foi feito só para brancos ? Como poderei amar os homens onde só existe o ódio !
Via os nossos soldados, com o amuleto do terço, que não rezavam, pois muitos deles eram agnósticos ou as obras que a verdadeira fé exige, era algo que não lhes dizia nada, quando saíam para o mato, beijarem a medalhinha que traziam ao pescoço, ou a cruz do terço, benzerem-se toscamente e darem um beijinho na mão, tal como hoje os jogadores de futebol continuam a fazer e cujo sentido religioso continua a ser para mim um enigma, pois não vem nos cânones nem nos catecismos.
Em Fátima a hierarquia religiosa alimentava a oração e o sacrifício, pela paz no Mundo, em especial na nossa Pátria, fechando-se teimosamente os ouvidos ao troar das metralhadoras, ao ribombar das minas e armadilhas que ambos os contendores escondiam traiçoeiramente e das bombas que os canhões faziam vomitar das suas bocas de fogo, pela acção malévola dos homens e dos aviões que destruíam aldeias completas produções agrícolas e matas, para que o inimigo na sua própria terra morresse se não da guerra que lhe fazíamos, pela fome.
Da nossa banda eram jovens, a flor da nossa pátria que tombava. Os naturais , donos da sua terra, viam quantas vezes, as mulheres, as crianças, os velhos, tombarem debaixo do fogo de uma e outra frente ou devido à fome e miséria a que eram votados, pela acção militar dos portugueses.
E em Fátima continuava-se a rezar pela paz. . . .
O próprio Papa Paulo VI, veio a Fátima em 1965, rezar pela Paz no Mundo. Ele que pouco antes tinha recebido os três líderes das frentes de combate, que lutavam da outra banda, pela libertação, dos seus povos. Sinal bem claro de que o mundo cristão estava consciente e reconhecia a existência de uma guerra em que Portugal tentava pela força calar a voz dos povos que em África entendiam que a sua felicidade passava pela autodeterminação e independência.
Os povos que ousavam fazer-nos frente também tinham a “sua Fé”, os seus Santos a quem se agarravam nos momentos difíceis, os amuletos que lhes víamos à cintura. Também tinham avós, pais esposas, namoradas. Algumas, na frente de guerra, combatiam lado a lado, outras na retaguarda, sofriam como as nossas mães, os nossos familiares.
Pensei no Kebá, a quem tive o enorme e gratificante prazer de reencontrar em 2005. Nas duas mulheres que tinha e que fugiram com os filhos ou foram apanhadas pelo IN. O seu esforço para as recuperar, entranhando-se na mata entre dois fogos para as localizar. O desgosto por elas não aceitarem segui-lo no seu regresso a Empada. A sua recusa em usar arma, para não matar, como ele dizia minha fidjo.
Pensei em quantos de nós não regressaram. Tantos em que o amuleto do terço, as suas convictas orações, a fé e as orações dos seus familiares, não bastaram. Uma bala traiçoeira, um estilhaço de uma mina ou de uma granada fez o seu sangue correr e regar aquela terra vermelha, levando-lhes a vida, ou marcando-os pelo sofrimento e pela invalidez.
Pensei nos que regressámos. Tantos convictos que foram as suas orações e as orações dos seus familiares. A fé forte que os animava e faziam dela razão da sua luta para sobreviver. . . matando, se necessário.
Quantos de nós aceitaram o desafio que a Pátria lhes impôs, em luta com a sua própria consciência. Quem não sentia isso mesmo, nas expressões e orientações dos furriéis e oficiais milicianos e mesmo em alguns dos que conheci pertencentes ao Q.P. quando estavam a dar as suas ordens, na forma como procuravam proteger o seu pessoal e furtar-se ao contacto com o IN.
Conheço outros e conto-me entre eles que aceitando ir para a frente de combate, tomaram por opção não fazer fogo, não dar um tiro, mesmo especialistas da G3 (atiradores).
E . . . com este desabafo, crie mais uma frente de conversa, que espero tenha continuidade.
Ressalvo que não é de modo algum minha intenção provocar ou ferir susceptibilidades. Quer em questões de ordem religiosa, quer de ordem patriótica. É apenas o resultado de uma reflexão pessoal que me pareceu merecer ser posta em comum, nesta altura que Fátima- altar do Mundo, se vai encher de novo para orar pela paz no Mundo e em especial na nossa Pátria.
Zé Teixeira
sábado, 23 de junho de 2007
Guiné 63/74 - P1872: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (1)...(Luís Graça)
Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo...
Amigos e camaradas: Tínhamos uma linguagem de caserna... Que ainda hoje somos capazes de usar... Nas comunicações militares, usávamos muitas abreviaturas, siglas, acrónimos, que reproduzimos no blogue... Mas também gíria e calão (muito calão), além de expressões idiomáticas, palavras em crioulo... Seria uma pena esse património socio-linguístico perder-se, antes de o podermos estudar, fixar, divulgar... A nossa identidade também passa(va) pelas palavras que usa(va)mos... Queiram acrescentar as que se lembram a esta lista (que ainda está muito incompleta):
5ª Rep - Café Bento, de Bissau
A/C - Mina anticarro
A/P - Mina antipessoal
Agr - Agrupamento
Alf - Alferes
Alfa Bravo - Abraço
Ap Dil - Apontador de Dilagrama
At Inf - Atirador de Infantaria
Bajuda - Menina, rapariga (lê-se badjuda)
BART - Batalhão de Artilharia
Bazuca - LGFog; cerveja de 0,6 l
BCAÇ - Batalhão de Caçadores
BENG - Batalhão de Engenharia
Bianda - Arroz, comida
Bigrupo - Força IN equivalente a 50/60 homens
Bué - Muito, manga de (Não vem de Boé; termo do quimbundo de Angola)
Caco / Caco Baldé - Alcunha do Gen Spínola
Cambar - Atravessar um rio
Canhão s/r - Canhão Sem Recuo
CAOP - Comando de Agrupamento Operacional
Cap - Capitão
CART - Companhia de Artilharia
CCAV - Companhia de Cavalaria
CCAÇ - Companhia de Caçadores
CCAÇ I - Companhia de Caçadores Indígenas
CCmds - Companhia de Comandos
CCP - Companhia de Caçadores Paraquedistas
CCS - Companhia de Comando e Serviços
Chão - Território étnico (vg, chão fula)
Cibe - Madeira de palmeira
Cmdt - Comandante
Com-Chefe - Comando-Chefe
COP5 - Comando Opercional 5
CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné
Cães Grandes - Oficiais superiores
Desenfianço - Escapadela (... até Bissau)
Dest - Destacamento
DFE - Destacamento de Fuzileiros Especiais
Djila - Vendedor ambulante, comerciante, contrabandista
Djubi - Olha, repara; mas também... puto, rapaz (NT)
Embrulhar - Ser atacado (pelo IN)
Enf - Enfermeiro
Fanado - Festa da circuncisão, ritual de passagem da puberdade para a vida adulta
Ferrugem - Pessoal mecânico auto
Fogo de artifício - Flageações ou ataques, a aquartelamentos ou destacamentos vizinhos, vistos de longe
Fur - Furriel
G3 - Espingarda Automática G-3
Gen - General
Gr Comb (+) - Grupo de Combate reforçado
GR Comb - Grupo de Combate; pelotão
Gr M Of - Granada de mão ofensiva
HMP - Hospital Militar Principal
IAO - Instrução de Aperfeiçoamento Operacional
IN - Inimigo
Jagudi - Abutre
Kalash - Espingarda Automática AK 47 (IN)
LDG - Lancha de Desembarque Grande
LDM - Lancha de Desembarque Média
LDP - Lancha de Desembarque Pequena
LFG - Lancha de Fiscalização Grande
LGFog - Lança-granadas-foguete (NT)
MA - Minas e Armadilhas
Manga de ronco - Sucesso militar
Mantenhas - Cumprimentos, saudações
Mec Aut - Mecânico de viaturas automóveis
Med - Médico (vg, Alf Mil Med)
Mil - Miliciano
ML - Met Lig / Metralhadora Ligeira
Morança - Casa, núcleo habitacional de uma família
Mort - Morteiro
MP - Metralhadora Pesada
Mudar o óleo - Ir às putas
Nharro - Africano; preto
NRP - Navio da República Portuguesa
NT - Nossas Tropas
Op - Operação
Op Esp - Operações especiais ou ranger
Partir catota - Dar o pito (expressão nortenha); ter relações sexuais (a mulher com o homem)
Pastilhas - Enfermeiro
PC - Posto de Comando
PCV - Posto de Comando Volante
Pel Caç Nat - Pelotão de Caçadores Nativos
Pel Mort - Pelotão de Morteiros
PIDE/DGS - Polícia política portuguesa
Pil Av - Piloto Aviador
Pilão - Bairro popular de Bissau
Pira - Periquito, militar recém-chegado à Guiné
Piçada - Repreensão de um superior
Porrada - Contacto com o IN; punição disciplinar
Psico - Acção psicológica (e social)
Pára - Paraquedista
QG - Quartel General
Quico - Boné
RDM - Regulamento de Disciplina Militar
Rep - Repartição
RGeba - Rio Geba
RI - Regimento de Infantaria
RN - Reserva Naval
RPG - Lança-granadas-foguete (IN)
RVIS - Voo de reconhecimento aéreo
Sector L1 - Sector 1 da Zona Leste
Siga a Marinha - Embora, vamos a isto
Sold - Soldado
SPM - Serviço Postal Militar
T/T - Navio de Transporte de Tropas
Tabanca - Aldeia
Ten Cor - Tenente-Coronel
TO - Teatro Operacional
Tropa-macaca - Por oposição a tropa especial (páras, comandos, fuzos)
Tuga - Português; branco; colonialista
Turra - Terrorista, guerrilheiro
Velhice - Militares em fim de comissão
Amigos e camaradas: Tínhamos uma linguagem de caserna... Que ainda hoje somos capazes de usar... Nas comunicações militares, usávamos muitas abreviaturas, siglas, acrónimos, que reproduzimos no blogue... Mas também gíria e calão (muito calão), além de expressões idiomáticas, palavras em crioulo... Seria uma pena esse património socio-linguístico perder-se, antes de o podermos estudar, fixar, divulgar... A nossa identidade também passa(va) pelas palavras que usa(va)mos... Queiram acrescentar as que se lembram a esta lista (que ainda está muito incompleta):
5ª Rep - Café Bento, de Bissau
A/C - Mina anticarro
A/P - Mina antipessoal
Agr - Agrupamento
Alf - Alferes
Alfa Bravo - Abraço
Ap Dil - Apontador de Dilagrama
At Inf - Atirador de Infantaria
Bajuda - Menina, rapariga (lê-se badjuda)
BART - Batalhão de Artilharia
Bazuca - LGFog; cerveja de 0,6 l
BCAÇ - Batalhão de Caçadores
BENG - Batalhão de Engenharia
Bianda - Arroz, comida
Bigrupo - Força IN equivalente a 50/60 homens
Bué - Muito, manga de (Não vem de Boé; termo do quimbundo de Angola)
Caco / Caco Baldé - Alcunha do Gen Spínola
Cambar - Atravessar um rio
Canhão s/r - Canhão Sem Recuo
CAOP - Comando de Agrupamento Operacional
Cap - Capitão
CART - Companhia de Artilharia
CCAV - Companhia de Cavalaria
CCAÇ - Companhia de Caçadores
CCAÇ I - Companhia de Caçadores Indígenas
CCmds - Companhia de Comandos
CCP - Companhia de Caçadores Paraquedistas
CCS - Companhia de Comando e Serviços
Chão - Território étnico (vg, chão fula)
Cibe - Madeira de palmeira
Cmdt - Comandante
Com-Chefe - Comando-Chefe
COP5 - Comando Opercional 5
CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné
Cães Grandes - Oficiais superiores
Desenfianço - Escapadela (... até Bissau)
Dest - Destacamento
DFE - Destacamento de Fuzileiros Especiais
Djila - Vendedor ambulante, comerciante, contrabandista
Djubi - Olha, repara; mas também... puto, rapaz (NT)
Embrulhar - Ser atacado (pelo IN)
Enf - Enfermeiro
Fanado - Festa da circuncisão, ritual de passagem da puberdade para a vida adulta
Ferrugem - Pessoal mecânico auto
Fogo de artifício - Flageações ou ataques, a aquartelamentos ou destacamentos vizinhos, vistos de longe
Fur - Furriel
G3 - Espingarda Automática G-3
Gen - General
Gr Comb (+) - Grupo de Combate reforçado
GR Comb - Grupo de Combate; pelotão
Gr M Of - Granada de mão ofensiva
HMP - Hospital Militar Principal
IAO - Instrução de Aperfeiçoamento Operacional
IN - Inimigo
Jagudi - Abutre
Kalash - Espingarda Automática AK 47 (IN)
LDG - Lancha de Desembarque Grande
LDM - Lancha de Desembarque Média
LDP - Lancha de Desembarque Pequena
LFG - Lancha de Fiscalização Grande
LGFog - Lança-granadas-foguete (NT)
MA - Minas e Armadilhas
Manga de ronco - Sucesso militar
Mantenhas - Cumprimentos, saudações
Mec Aut - Mecânico de viaturas automóveis
Med - Médico (vg, Alf Mil Med)
Mil - Miliciano
ML - Met Lig / Metralhadora Ligeira
Morança - Casa, núcleo habitacional de uma família
Mort - Morteiro
MP - Metralhadora Pesada
Mudar o óleo - Ir às putas
Nharro - Africano; preto
NRP - Navio da República Portuguesa
NT - Nossas Tropas
Op - Operação
Op Esp - Operações especiais ou ranger
Partir catota - Dar o pito (expressão nortenha); ter relações sexuais (a mulher com o homem)
Pastilhas - Enfermeiro
PC - Posto de Comando
PCV - Posto de Comando Volante
Pel Caç Nat - Pelotão de Caçadores Nativos
Pel Mort - Pelotão de Morteiros
PIDE/DGS - Polícia política portuguesa
Pil Av - Piloto Aviador
Pilão - Bairro popular de Bissau
Pira - Periquito, militar recém-chegado à Guiné
Piçada - Repreensão de um superior
Porrada - Contacto com o IN; punição disciplinar
Psico - Acção psicológica (e social)
Pára - Paraquedista
QG - Quartel General
Quico - Boné
RDM - Regulamento de Disciplina Militar
Rep - Repartição
RGeba - Rio Geba
RI - Regimento de Infantaria
RN - Reserva Naval
RPG - Lança-granadas-foguete (IN)
RVIS - Voo de reconhecimento aéreo
Sector L1 - Sector 1 da Zona Leste
Siga a Marinha - Embora, vamos a isto
Sold - Soldado
SPM - Serviço Postal Militar
T/T - Navio de Transporte de Tropas
Tabanca - Aldeia
Ten Cor - Tenente-Coronel
TO - Teatro Operacional
Tropa-macaca - Por oposição a tropa especial (páras, comandos, fuzos)
Tuga - Português; branco; colonialista
Turra - Terrorista, guerrilheiro
Velhice - Militares em fim de comissão
sexta-feira, 22 de junho de 2007
Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)
Guiné> Zona Leste > Enxalé > Pel Caç Nat 52 (1966/68) > Foto do grupo
Foto: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do novo membro da nossa tertúlia, Henrique Matos, enviada com data de 16 de Maio último:
Caro camarada Luís Graça:
Não vou repetir o que outros camaradas disseram sobre a emoção de ter encontrado casualmente este Blogue. Já passei muitas horas a ler quase tudo, agora que tenho tempo com o estatuto de aposentado.
Como fui o 1.º comandante do Pel Caç Nat 52 e pisámos o mesmo chão - pelotão e o chão que o Beja Santos bem conheceu - aqui vai o meu pedido para entrada na tertúlia, juntando as fotografias da praxe e ainda uma do pelotão.
Identificação:
Henrique José de Matos Francisco, mais conhecido só por Henrique Matos
Posto: Alf Mil Art
Zona de acção: Enxalé - Porto Gole
Nado e criado na Ilha de S. Jorge, Açores
Luís Graça:
Em 10 de Agosto de 1966 (recordo-me por ter sido 4 dias após a inauguração da Ponte sobre o Tejo, então Salazar) embarquei para a Guiné no Rita Maria, na chamada rendição individual.
Depois Bolama, que foi o meu curto IAO, onde já me esperava o Pel Caç Nat 52, composto por pessoal metropolitano (Furriéis Milicianos Vaz, Altino e Monteiro e 1ºs Cabos Cunha, Castanheira e Pires) e o restante pessoal do recrutamento local englobando três 2ºs Cabos (um era cabo-verdiano, penso que se chamava Félix).
Passados alguns dias, saímos numa LDM para o Enxalé, ficando em reforço à CCAÇ 1439, independente, de madeirenses, adstrita ao BCAÇ 1888, sediado em Bambadinca.
Na mesma ocasião também sairam de Bolama:
(i) o Pel Caç Nat 53, do Alf Mil Serra, que ficou no Xime em reforço à CCAÇ 1550;
(ii) o Pel Caç Nat 51, do Alf Mil Perneco, que foi para Guileje;
(ii) e o Pel Caç Nat 54, do Alf Mil Marchand, que foi inicialmente para Mansabá mas passado pouco tempo também foi parar ao Enxalé.
Este é o começo da minha história. Se me for permitido, continuarei...
Um grande abraço,
Henrique Matos
2. Mensagemd e boas-vindas do Carlos Vinhal:
Caro Camarada Henrique Matos:
Cabe-me a mim dar-te as boas vindas em nome do Luís Graça. Respeitaste as formalidades para ser admitido como camarada e amigo na nossa Caserna Virtual, enviando as tuas fotos, coisa que muitos que cá estão há mais tempo ainda não fizeram, e dizendo algo de ti.
Como poderás ver na página da nossa tertúlia, as normas de convivência entre nós são fáceis de cumprir. Longe vão os tempos do RDM. Aqui já não há postos e tratamo-nos por tu.
Esperamos de ti estórias e fotografias para enriquecer ainda mais o conteúdo do nosso Blogue.
Se puderes estar presente no nosso próximo encontro, possivelmente a acontecer ainda este ano, vais conhecer pessoalmente muitos de nós e aquilatar o bom ambiente que se vive quando nos juntamos.
Em nome do Comandante Luís Graça e de todos os tertulianos sê, pois, bem-vindo.
Recebe um fraternal abraço
O camarada
Carlos Vinhal
3. Mensagem enviada ao resto da tertúlia:
Camaradas e amigos:
De acordo com instruções do Luís apresentei em nome de todos os tertulianos as boas vindas ao novo camarada Henrique Matos. Anotem o seu endereço na vossa lista de contactos.
Já agora vem, a talho de foice, o seu bom exemplo ao enviar no seu mail de apresentação as fotos respectivas, para figurar na galeria dos tertulianos. Aos camaradas mais antigos que ainda o não fizeram, lembro que o devem fazer logo que possam.
Um abraço para todos
O Camarada
Carlos Vinhal
___________
Nota dos editores do blogue:
(1) Sobre a CCAÇ 1439 (madeirense) e a CCAÇ 1550, ver o relato autobiográfico de Abel de Jesus Carreira Rei, nascido em 1945, filho de operário vidreiro, ex-combatente da Guiné (1967/68), natural da Maceira, Leiria, e actualmente residente em Embra, Marinha Grande > post de 1 Maio de 2005 > Guiné 69/71 - X: Memórias de Fá, Xime, Enxalé, Porto Gole, Bissá, Mansoa (Abel Rei)
Trata-se de um diário, com passagens seleccionadas pelo editor do blogue. Não consegui descobrir a unidade a que pertenceu (só seu que éuma CART, com quatro grupos de combate) . Com a devida vénia e os nossos agradecimentos (pela foto e pelos excertos de texto), aqui vai o endereço: Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné - 1967/1968). Diz o autor: "Esta é a história verdadeira que eu escrevi: não a história que eu gostaria de escrever". Trata-se de um diário que vai do dia 1 de Fevereiro de 1967 a 19 de Novembro de 1968. (LG):
Abel Rei
Fonte: © Carlos Barros (2005) (com a devida vénia...)
Portal da Marinha Grande
(...) "O nosso camarada (1º cabo, ao que depreendo da leitura) (...) partiu em 1 de Fevereiro de 1967 no N/M Uíge (...) desembarcou em Bissau, sob um calor sufocante, apanhou uma LDG, ouviu os primeiros tiros (dos fuzileiros, que abateram uma pretensa canoa dos turras) e, caso curioso, não desembarcou no Xime, mas em Bambadinca... No nosso tempo (1969/71) era impensável uma LDG aventurar-se pelo Geba Estreito (L.G.)
(...) Desembarcámos em Bambadinca pelas treze horas, e daí seguimos para Fá [Mandinga], onde iria ser o nosso primeiro aquartelamento na Guiné (...).
(...) "Em 21 de Fevereiro de 1967, o nosso homem está destacado no Xime, aquartelamento da CCAÇ 1550:
Neste quartel de Xime, onde temos permanecido desde a saída de Fá, está-se em contacto permanente com os indígenas, que vivem à entrada numa tabanca, com enorme população, sendo alguns deles soldados dum pelotão de nativos. Já percorri a mesma, e tive o primeiro contacto com as bajudas(raparigas adolescentes nativas), em companhia de camaradas mais velhos, que pertencem à Companhia de Caçadores nº 1550, cá destacada, e comecei a [papaguear] o crioulo. Como curiosidade tive nos braços um garoto mulato, talvez fruto da passagem dos primeiros militares brancos, por cá, no início da guerra.
"Em 25 de Fevereiro o autor vai em patrulha com a companhia estacionada no Enxalé, a CART 1439… O Enxalé ficava a norte do Rio Geba, em frente ao Xime (...). Escreve o nosso cabo, quando regressa de Porto Gole ao Enxalé:
Hoje pude avaliar quão grandes teriam sido as dificuldades que os nossos antecessores sofreram, e eu ainda terei de sofrer (?). A água, que costuma ser bebida com comprimidos e filtrada, bebeu-se por todos, sofregamente, sem olhar a limpeza e origem. Bebia-se todo o líquido que nos aparecia, quer nas poças do terreno, ou nos poucos cursos de água, fosse ele da cor que fosse!…
"Em 12 de Março, o baptismo de fogo na região do Xime. O autor não nos dá indicações precisas onde se desenrolou a operação, diz apena foi a este do Xime...
(...) "De 19 a 23 de Março, participa numa dramática operação ao Burontoni, na região do Xitole (Op Guindaste) (...).
(...) "Em 15 de Abril de 1967, as NT sofrem um duro revés em Porto Gole… 7 mortos:
Dia trágico, este, para quantos se encontravam no 'Inferno' de Bissá!
Em Porto Gole, estando de serviço à meia-noite, ouvi fortes rebentamentos, e enormes clarões, lá para as bandas de Bissá. Contudo não pude averiguar ao certo o local, onde durante mais de uma hora [houve] constante tiroteio (...). Procurámos entrar em contacto pela via rádio, mas eles não deram sinal, pelo que deduzimos ser alguma operação apoiada com os obuses de Mansoa, como muitas vezes estamos habituados (...).
(...) "Em 14 de Maio de 1967, estamos em Bissá, um aquartelamento com oito abrigos, arame farpado e iluminação a… petromax!... E onde há alferes milicianos chicos (como também havia no nosso tempo!)…
"Por outro lado, vejam, no registo do dia 12 de Junho de 1967, como era perigoso brincar com armadilhas!
"Em 16 de Setembro, quatro mortos numa mina anticarro (...).
"Em Outubro de 1967 a série negra continua, com mais mortos (...)
"Em 29 de Novembro de 1967, há o relato de uam dramática operação à região de Madina [Madina / Belel, no regulado do Cuor]" (...)
(...) "No final de Dezembro de 1967, o nosso cabo Rei está destacado no Enxalé e a 23 relata a sua viagem a Bafatá, para fazer compras d Natal! (...).
(...) "Em Fevereiro de 1968, o nosso cabo goza as suas merecidas férias em Bissau, hospedado na pensão Chantre... Nesse mês, a base aérea de Bissalanca tinha sido atacado pelo PAIGC... E em frente a Bissau, Tite é atacada (...).
(...) "Em 1968, a escrita do diário torna-se mais rara. Em 1 de Junho de 1968 há outra dramática descrição de um contacto com o IN, de que resultou entre outras baixas a captura de um elemento das NT (...).
(...) "O último registo do diário são os preparativos para o regresso a casa, depois de 22 meses de comissão. E as últimas confidências, já escritas no N/M Uíge, em 19 e 20 de Novembro de 1968" (...)
O Diário do nosso camarada Abel Rei (de quem não tenho qualquer contacto, telefone ou email, apenas o do Portal da Marinha Grande onde o texto foi reproduzido) pode ser lido aqui, com todos os detalhes:
Entre o Paraíso e o Inferno (De FÁ a BISSÁ): Memórias da Guiné (1967/1968)
01/02/1967 a 07/02/1967
14/02/1967 a 18/02/1967
19/02/1967 a 21/02/1967
24/02/1967 a 26/02/1967
04/03/1967 a 05/03/1967
11/03/1967 a 15/03/1967
18/03/1967 a 21/03/1967
02/04/1967 a 04/04/1967
14/04/1967 a 17/04/1967
05/05/1967 a 12/05/1967
14/05/1967 a 15/05/1967
12/06/1967
10/09/1967 a 16/09/1967
08/10/1967 a 16/10/1967
29/11/1967 a 14/12/1967
30/12/1967 a 05/01/1968
01/02/1968 a 03/03/1968
01/06/1968 a 03/06/1968
10/11/1968 a 19/11/1968
Marcadores:
Bambadinca,
BCAÇ 1888,
CCAÇ 1439,
Enxalé,
Guileje,
Henrique Matos,
Madina/Belel,
Pel Caç Nat 52,
Pel Caç Nat 53,
Pel Caç Nat 54,
Tabanca Grande
Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)
Guyiné > Zona Leste > Bafatá > Soldado africano ferido em combate > 1970 > "Estou a comandar a tropa africana de grande valentia, vivemos dentro de um mato muito cerrado perto do principal rio da Guiné, que é o Geba. Dentro em breve, vou fazer o primeiro ano da comissão que, confesso-te, tem sido muito dura mas sinto que vou sair daqui um homem muito diferente daquele que conheceste quando te dei instrução em S. Miguel", escreve o Beja Santos ao seu antigo instruendo açoriano, José Braga Chaves, colocado em Moçambique.
Foto: © João Varanda (2005). Direitos reservados. O João Varanda, de Coimbra, foi Fur Mil na CCAÇ 2636 (Có/Pelundo e Teixeira Pinto; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1969/71) .
51ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 30 de Maio de 2007.
Meu caro Luís, não é por perfeccionismo, o texto que vos enviei ontem tinha bastantes gralhas, os bloguistas merecem respeito. Falo aqui na Ópera Tosca e na 9ª Sinfonia de Beethoven. Quando almoçarmos (espero que em breve), levar-te-ei, gostava muito que estes discos aparecessem no blogue. Não tenho ideia do que possa ser uma boa ilustração para este episódio, para além dos livros que já seguiram ontem. Talvez Bafatá, talvez Missirá, à tua escolha. O próximo episódio refere-se ao Ieró Djaló, de que tu tens uma fotografia cedida pelo Luis Casanova, esse gigantão a brincar com crianças em Missirá. (...). Estou ansioso por ver os bilhetes postais que milagrosamente descobri e te enviei. Nada mais por ora e um abraço para os dos do Mário. Aproveito para te dizer que o tema de fundo que proponho para o nosso almoço é o I Volume da Operação Macaréu à Vista. Mário
Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)
por Beja Santos
Para Filipe da Nazareth Fernandes
Querido Padrinho,
O seu valioso presente chegou a semana passada e não tenho palavras para lhe agradecer. Um pacote de livros da Portugália era mesmo o que eu estava a precisar. Já li Rumor Branco, de Almeida Faria e acabo de ler esta edição dos Contos do Oscar Wilde, primorosamente traduzidos pelo Cabral de Nascimento. O Padrinho já me tinha oferecido De Profundis e O Retrato de Dorian Gray que desapareceram na voragem do incêndio que tivemos aqui em Março passado. Estes contos, que só conhecia um ou dois, são uma verdadeira surpresa pelo jogo que o Wilde empresta ao discurso do adulto que retorna a infância. São contos de fadas, alegóricos a esse século XIX de tanta dureza industrial e, ao contrário de Dickens, Wilde socorre-se da ironia para falar da vilania e da insensibilidade dos ricos. Subtil e extremamente fino nas imagens, introduz moralidade naqueles que se excedem na ânsia de conhecer tudo sobre todos, o reizinho que vai ser coroado é odiado pelos súbditos devido a assumir a simplicidade e, como num milagre, Deus substitui os trajes humildes durante a coroação por vestidos muito belos.
A Portugália está de parabéns pela apresentação estética das suas edições e pela escolha dos tradutores. O Espectro de Canterville devia ser dado nas aulas de tradução Inglês/Português!
Fico muito contente sabendo que a Madrinha está de boa saúde bem como os vossos filhos.
A minha vida prossegue sem alterações: temos que patrulhar e montar vigilância todos os dias num local que fica a 12,5 Km do meu quartel, é um cansaço grande, às vezes percorremos esta caminhada com calor tórrido (a primeira vez vi árvores a bailar no ar julguei que estava a delirar, pensava que este fenómeno só acontecia nos desertos), outras vezes debaixo de tempestade (as chuvas tropicais desabam imprevistamente, parecem amostras do dilúvio universal) e situações há em que vivemos as 4 estações do ano numa só caminhada (por exemplo, saio debaixo de chuva de madrugada, irrompe o calor, secamos, volta a chover, andamos por terrenos pantanosos, aparece outra vez o sol, botas, meias e todo o fardamento parece que encarquilham, é um cheiro nauseabundo, agravado pelo suor que deixa branco o camuflado esverdeado). Às vezes, temos que fazer este percurso duas vezes por dia.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > 1968 > Pel Caç Nat 52 > "Tudo aqui é difícil, mando-lhe hoje uma fotografia da nossa padaria onde o soldado Jobo Baldé prepara a farinha dentro de uma caixa de munições de bazuca", escreve o Beja Santos em carta ao seu padrinho Filipe da Nazareth Fernandes.
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Não lhe cheguei a dizer mas deixei em Lisboa, ainda sem publicação, as suas recordações acerca da ida do grupo de Pauliteiros de Cércio, pouco antes da Segunda Grande Guerra ter rebentado, que tinham ido exibir-se num espectáculo no Royal Albert Hall. Lembro-me muito bem dos aspectos picarescos do seu depoimento escrito, ficou na minha secretária em Lisboa. Tinham-lhe pedido na Casa de Portugal em Londres para o Padrinho acompanhar este grupo de pauliteiros que depois foi muito elogiado na imprensa britânica. O que eu nunca mais esqueci foi a caminhada dos pauliteiros no metro de Londres, vestidos a preceito, de bigodes farfalhudos e de garrafão na mão, com o acompanhamento da gaita de foles e paulitos, a exigir bacalhau com batatas antes da récita. Outro aspecto que guardei foi eles terem recusado fazer uma vénia para agradecer ao público - "O português não dobra a cerviz ao estrangeiro, agradecemos sempre com a cabeça bem levantada". Prometo-lhe que cuidarei destas impressões e do seu orgulho em ter andado com gente de Miranda do Douro no centro de Londres.
Ainda guardo uma esperança de poder ir de férias a Lisboa, tive dois dias de prisão, recorri do castigo que considero duro e desproporcionado a alguma negligência, que não sei se não existem em todos os quartéis. O Padrinho sabe que fui educado pela minha mãe na arrumação, nos valores do trabalho e nos princípios da disciplina. Este aquartelamento alberga muita população civil, a própria tropa é constituída por naturais, não é fácil, ainda por cima vivendo como vivemos com as maiores dificuldades, manter a ordem quando à volta do quartel, e mesmo dentro, há espaços com culturas de batata doce, tomate, beringela e couves, eles são rurais que entram e saem para ir buscar comida, trazer mangos e papaias, às vezes os meus soldados, que já eram caçadores, deslocam-se para o mato e levam civis e depois trazem porcos de mato ou gazelas.
Tudo aqui é difícil, mando-lhe hoje uma fotografia da nossa padaria onde o soldado Jobo Baldé prepara a farinha dentro de uma caixa de munições de bazuca. Os bidões de água, quando as viaturas estão empanadas, rolam pela estrada dois quilómetros até à fonte. Ao anoitecer, haja bom ou mau tempo, a iluminação do quartel é feita com petromaxes, pode imaginar o sobressalto em que vivemos, temos a promessa de um gerador eléctrico, tudo é arrancado a ferros, desde toalhas de mesa até caçarolas. Mas o pior de tudo é este clima que abala profundamente a saúde, tenho presentemente uma boa parte dos soldados doente, fazemos prodígios mandando os menos doentes para as emboscadas nocturnas à volta do quartel e os outros vão a Mato de Cão, que é o tal local por onde passam barcos militares e civis que trazem as tropas e os abastecimentos para esta região que se chama o Leste.
Não o incomodo mais com estes pormenores. Peço-lhe que diga à Madrinha o muito amor que lhe dedico, e se falar com o Jorge ele seguramente lhe falará da violência desta guerra já que ele foi oficial pára-quedista. Receba a gratidão do seu afilhado que nunca o esquece.
Para o José Braga Chaves, no SPM 4374
Meu estimado José Braga Chaves,
É bom receber cartas de um soldado e querido amigo mariense, ainda por cima com fotografia, em Moçambique. Imagina tu que com a tua carta veio a de um grande amigo meu que partiu há dias para a região de Cabo Delgado, onde creio que a guerra está muito acesa. Claro que me lembro muito de ti e do pelotão de marienses, e do Natal de 1967 que passámos juntos com uma grande festa nos Arrifes. Tenho muito orgulho em vocês e fico muito contente com os teus planos de ires viver com a Lúcia de Fátima na ilha de S. Miguel.
Já escrevi ao Dr. Furtado Lima, daqui da Guiné, e não deixei de lhe agradecer a operação que ele fez ao teu dedo indicador da mão direita. A guerra aqui é um pouco diferente da que tu me contas, não podemos fazer essas grandes viagens em colunas militares, 100Km aqui eram minas, emboscadas, o Inferno. Estou a comandar a tropa africana de grande valentia, vivemos dentro de um mato muito cerrado perto do principal rio da Guiné, que é o Geba. Dentro em breve, vou fazer o primeiro ano da comissão que, confesso-te, tem sido muito dura mas sinto que vou sair daqui um homem muito diferente daquele que conheceste quando te dei instrução em S. Miguel. Vamos manter o nosso contacto, diz à Lúcia de Fátima que vos desejo as melhores felicidades finda esta guerra onde estamos. Recebe a grande estima de um amigo que só te quer bem.
Para Angela Carlota Gonçalves Beja
Querida Mãezinha,
Chegaram os livros e não tenho palavras para lhe agradecer a sua atenção. A Manuela parece que consegue o transporte gratuito das toneladas de revista que nos manda através do Movimento Nacional Feminino. Fale, por favor, com ela, os livros e as revistas são sempre muito apreciados. Eu tinha encomendado a História da Novela Policial, de Fereydoun Hoveyda na Livraria Torrens, estava completamente esquecido de o ter feito, eu depois faço contas consigo.
Agora que acabei de ler o livro, lembro-me com saudade de certos livros seus que li com grande prazer desde as aventuras de Sherlock Holmes, de Conan Doyle, passando pelo Arsene Lupin, Comissário Maigret até às novelas de Edgar Allan Poe. Partilho da maior parte das opiniões deste autor, desde classificar de pedante Philo Vance de S. S. Van Dine até às considerações depreciativas sobre Simon Templair de Leslie Charteris.
A propósito, consegui em Bafatá, um verdadeiro achado de sorte, Os Crimes do Bispo, por S. S. Van Dine. Vance, na exibição da sua cultura chega a ser grotesco mas depois a natureza do problema, a originalidade de uma melodia infantil que é utilizada por uma mente doentia para assinalar os seus diferentes crimes, a escrita palpitante, por vezes tumultuosa, as pistas deliberadamente falseadas para lançar o leitor na completa incerteza e o gigantesco último acto onde Vance induz o assassino a uma forma de suicídio involuntário, tudo leva a que se leia esta narrativa poderosa com renovada satisfação, a despeito de se perder, na releitura, a curiosidade pela solução final. Vou levar estes livros para si.
Ainda bem que está melhor e que planeou as suas férias com o meu sobrinho nas termas de S. Pedro do Sul. Por aqui, estamos na época das chuvas, tenho muitos soldados doentes, estão a subtrair-me parte do efectivo, já pedi para me ir embora, é pura loucura termos um patrulhamento diário de 25 Km, emboscadas nocturnas, trabalhamos nas condições mais adversas na melhoria ou na conservação dos dois aquartelamentos, manter a segurança com máximo rigor durante 12 horas, ter sempre um efectivo no quartel na previsão de um ataque inimigo, dizem-me para ter paciência, podia ser muito pior, eu podia estar a ser atacado várias vezes ao dia, até já houve quem me dissesse que eu me devia dar por muito feliz, não tenho casos de suicídio, o número de mortos é reduzido e a loucura não se vê muito de perto...
Dentro de dias parto para Bissau, vou ser testemunha no julgamento de um soldado que adormeceu e deixou fugir um prisioneiro. Já escrevi ao Comandante Teixeira da Mota a informá-lo que eu o vou visitar. Logo que saiba exactamente a data, comunico-lha para marcarmos uma hora e eu telefonar-lhe.
Vou a Bafatá tratar dos documentos para o meu casamento. Agradeço-lhe do coração que compreenda que as minhas decisões estão tomadas e que já me basta o sofrimento que tenho na guerra. Rezo pelas suas melhoras, não me canso de louvar ao Senhor a benção de ser seu filho. Receba muitos beijinhos e a saudade de quem lhe deve a vida e tudo o mais.
Guiné > Rio Geba > A caminho de Bissau > 1968 ou 1969 > O Fur Mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, Mansambo, 1968/69, num dos típicos barcos civis de transporte de pessoal e de mercadoria, que fazia a ligação Bissau-Bambadinca, passando poela temível Ponta Varela, na na confluêncioa do Rios Geva e Corubal e o assustador Mato Cão, no Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca. Estes barcos (alguns ligados a empresas comerciais, como a Casa Gouveia) tinham, como principal cliente a Manutenção Militar. Pelo Xime e por Bambadinca passava o "ventre da guerra" de toda a Zona Leste.
Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados.
Guiné > Bissau > 19 de Abril de 1970 > Cristina Allen, com quem Beja Santos irá casar, no dia seguinte, em Bissau, sendo o David Payne e a esposa padrinhos de casamento. O Mário escrevia-lhe praticamente todos os dias detalhadíssimos aerogramas, contando-lhe o seu dia a dia de Missirá. A Cristina era estudante universitária finalista. Tirou férias para casar. Voltou para Lisboa, ao fimd e 20 dias. O Mário irá findar a sua comissão em Agosto de 12970. embarcando no Carvalho Araújo que levou 15 dias a chegar a Lisboa, "distribuinndo pelo caminho tropas e cadáveres"...
Legenda do Beja Santos: "A Cristina chegou a 18 de Abril e praticamente nunca saiu de Bissau a não ser umas curtas visitas a Safim, Nhacra e Quinhamel. Não podíamos, evidentemente, ir passear a quaisquer teatros de operações. Durante os praticamente 20 dias que ela aqui viveu, visitámos as amizades feitas em Bambadinca e Bissau e fomos recebidos regularmente pelo David Payne, Emílio Rosa e mulheres. Não resistíamos à curiosidade de andar pelos mercados, ver artesanato e pequenas festas locais. Muitas vezes, o Cherno acompanhou-nos, insistia que não havia pausas no seu papel de guarda-costas".
Foto e legenda: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Para Cristina Allen
Meu adorado amor,
Dentro em breve, já está confirmado, parto para Bissau para me apresentar no Tribunal Militar. Vou ser testemunha de defesa de um soldado da milícia de Missirá, Ieró Djaló, que adormeceu e deixou escapar o prisioneiro de Quebá Jilã.
Espero aproveitar esta viagem meteórica para tratar dos assuntos dos materiais de construção civil e do gerador, pois chegou uma informação a dizer que tinha sido deferido o pedido do gerador para Missirá. Tu não podes imaginar o que este gerador irá alterar para melhor a nossa segurança. Logo que anoitece , espalhamos por 6 pontos correspondentes à vigilância dos sentinelas petromaxes que são muito sensíveis às correntes de ar, apagam-se frequentemente, é um risco tremendo para quem lhes muda as camisas e os reacende, imagina que há rebeldes a ver, não pode haver melhor alvo humano! Espero igualmente encontrar-me com a Maria Luísa e o Pedro Abranches e o Comandante Teixeira da Mota, é tudo uma questão de ter tempo e eles estarem disponíveis. Logo que saiba a data, comunico-te para nos ouvirmos ao telefone nos correios de Bissau.
Estive em Bafatá (não sei se já te disse, mas se já disse repito) a tratar dos documentos. Houve momentos hilariantes, o secretário do administrador perguntava-me se eras da Província ou da Metrópole, queria saber se o casamento era com ou sem separação de bens e falou mesmo em convenção antenupcial. Depois disse-me quer era preciso uma certidão completa narrativa, uma certidão de baptismo (no caso de querermos casar religiosamente) e para irmos pensando se queremos o casamento com separação de bens.
Finda estas formalidades, fui comprar a 9ª Sinfonia de Beethoven interpretada pela Suisse Romande e dirigida por Ernest Ansermet e com 4 solistas de luxo: Joan Sutherland, Norma Proctor, Anton Dermotta e Arnold Van Mill. Mas acabei por perder a cabeça e comprei por 400 escudos uma versão fabulosa da Tosca, com a Callas, Tito Gobbi e Carlo Bergonzi. É impressionante a qualidade desta gravação, a intensidade dramática da Callas, o poder representativo de Gobbi que nos chega aos ouvidos, a coloratura de Bergonzi, que eu considero um dos maiores tenores verdianos de todos os tempos.
À saída do estabelecimento o Campino apresentou-me a mulher que ele comprou recentemente (sei que isto te faz muita confusão, mas uma rapariga aqui custa cerca de 2 vacas e alguns milhares de escudos, o que é muito curioso é a facilidade com que se podem divorciar as mulheres, tendo mesmo a liberdade de pedir o divórcio).
Sei que estás muito ocupada com as últimas frequências e parece que a Filosofia Contemporânea ficará para exame. Se em Bissau eu receber boas notícias quanto ao meu recurso, juro-te que nos casaremos em Lisboa. Mas continuo a hesitar quanto à possibilidade de dares aqui aulas e ficares torturada e sozinha em Bissau. Não tenho escondido no correio mais recente a dor que me provoca as cartas que vou recebendo da minha mãe e as tuas próprias queixas. É evidente que quem está na guerra sou eu, mas nunca supus este volume de tensões e como eles me desalentam.
Não te querendo trazer mais ansiedade, todos os patrulhamentos que fazemos diariamente a Mato de Cão são verdadeiros exercícios de ouvido à escuta, olhos à procura de minas e de emboscadas, haja calor, friagem, chuvas torrenciais, orvalho no capim, picadas inundadas ou enlameadas. Habituei-me a gostar do mundo que me rodeia, os cajueiros em flor, o porte gigantesco dos bissilões, as árvores do pau de sangue e pau preto. Habituei-me a achar natural as couves, as beringelas, o tomate, os mangais e as papaias, dentro e fora do quartel, como se esta fosse a ordem natural do mundo. Habituei-me ao capim alto de onde podem sair emboscadas, habituei-me a suspirar por Canturé com os seus laranjais de fruta ácida e limoeiros donde se avistam morros vistosos de baga-baga. Tiro partido da mata luxuriante a caminho do planalto de Mato de Cão, um dos locais mais lindos do mundo. Então, agradeço a Deus esta possibilidade de amar o que me foi oferecido, a devoção dos meus soldados, o estarmos vivos. Sim, estarmos vivos, embora enterrados neste sofrimento. E fico por aqui, exprimindo-te esta dor de te escrever para tão longe, sempre saudoso e sabendo que sou tão estimado por ti. Que todos os meus beijos atravessem rapidamente este oceano e cheguem hoje a Lisboa. Até amanhã.
__________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 15 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1851: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (50): Do tiroteiro em Bambadinca na noite de 14 de Junho de 1969 à emboscada da bruxa
Posts da série Operação Macaréu à Vista, de 39 a 27:
23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1623: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (39): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (1)
16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1600: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (38): Missirá, a Fénix renascida
10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1578: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (37): O horror do Hospital Militar 241 e o grande incêndio de Missirá
10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1577: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (36): Bissau, um grande teatro de luz e sombras
4 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1561: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (35): O Fado Hilário, em Mansambo, antes do internamento no Hospital Militar de Bissau
23 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1531: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (33): O Sintex: A Marinha Mercante chega até Missirá
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1504: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (32): Aruma Sambu, o prisioneiro de Quebá Jilã
2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1486: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (31): Abelhas africanas assassinas
25 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1461: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (30): Spínola, o Homem Grande de Bissau, em Missirá
18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1442: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (29): Finete contra Missirá mais as vacas e o bombolom dos balantas
10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1418: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (28): Sol e sangue em Gambiel
3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1399: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (27): Sinopse: os meus primeiros 150 dias
Foto: © João Varanda (2005). Direitos reservados. O João Varanda, de Coimbra, foi Fur Mil na CCAÇ 2636 (Có/Pelundo e Teixeira Pinto; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1969/71) .
51ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 30 de Maio de 2007.
Meu caro Luís, não é por perfeccionismo, o texto que vos enviei ontem tinha bastantes gralhas, os bloguistas merecem respeito. Falo aqui na Ópera Tosca e na 9ª Sinfonia de Beethoven. Quando almoçarmos (espero que em breve), levar-te-ei, gostava muito que estes discos aparecessem no blogue. Não tenho ideia do que possa ser uma boa ilustração para este episódio, para além dos livros que já seguiram ontem. Talvez Bafatá, talvez Missirá, à tua escolha. O próximo episódio refere-se ao Ieró Djaló, de que tu tens uma fotografia cedida pelo Luis Casanova, esse gigantão a brincar com crianças em Missirá. (...). Estou ansioso por ver os bilhetes postais que milagrosamente descobri e te enviei. Nada mais por ora e um abraço para os dos do Mário. Aproveito para te dizer que o tema de fundo que proponho para o nosso almoço é o I Volume da Operação Macaréu à Vista. Mário
Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)
por Beja Santos
Para Filipe da Nazareth Fernandes
Querido Padrinho,
O seu valioso presente chegou a semana passada e não tenho palavras para lhe agradecer. Um pacote de livros da Portugália era mesmo o que eu estava a precisar. Já li Rumor Branco, de Almeida Faria e acabo de ler esta edição dos Contos do Oscar Wilde, primorosamente traduzidos pelo Cabral de Nascimento. O Padrinho já me tinha oferecido De Profundis e O Retrato de Dorian Gray que desapareceram na voragem do incêndio que tivemos aqui em Março passado. Estes contos, que só conhecia um ou dois, são uma verdadeira surpresa pelo jogo que o Wilde empresta ao discurso do adulto que retorna a infância. São contos de fadas, alegóricos a esse século XIX de tanta dureza industrial e, ao contrário de Dickens, Wilde socorre-se da ironia para falar da vilania e da insensibilidade dos ricos. Subtil e extremamente fino nas imagens, introduz moralidade naqueles que se excedem na ânsia de conhecer tudo sobre todos, o reizinho que vai ser coroado é odiado pelos súbditos devido a assumir a simplicidade e, como num milagre, Deus substitui os trajes humildes durante a coroação por vestidos muito belos.
A Portugália está de parabéns pela apresentação estética das suas edições e pela escolha dos tradutores. O Espectro de Canterville devia ser dado nas aulas de tradução Inglês/Português!
Fico muito contente sabendo que a Madrinha está de boa saúde bem como os vossos filhos.
A minha vida prossegue sem alterações: temos que patrulhar e montar vigilância todos os dias num local que fica a 12,5 Km do meu quartel, é um cansaço grande, às vezes percorremos esta caminhada com calor tórrido (a primeira vez vi árvores a bailar no ar julguei que estava a delirar, pensava que este fenómeno só acontecia nos desertos), outras vezes debaixo de tempestade (as chuvas tropicais desabam imprevistamente, parecem amostras do dilúvio universal) e situações há em que vivemos as 4 estações do ano numa só caminhada (por exemplo, saio debaixo de chuva de madrugada, irrompe o calor, secamos, volta a chover, andamos por terrenos pantanosos, aparece outra vez o sol, botas, meias e todo o fardamento parece que encarquilham, é um cheiro nauseabundo, agravado pelo suor que deixa branco o camuflado esverdeado). Às vezes, temos que fazer este percurso duas vezes por dia.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > 1968 > Pel Caç Nat 52 > "Tudo aqui é difícil, mando-lhe hoje uma fotografia da nossa padaria onde o soldado Jobo Baldé prepara a farinha dentro de uma caixa de munições de bazuca", escreve o Beja Santos em carta ao seu padrinho Filipe da Nazareth Fernandes.
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Não lhe cheguei a dizer mas deixei em Lisboa, ainda sem publicação, as suas recordações acerca da ida do grupo de Pauliteiros de Cércio, pouco antes da Segunda Grande Guerra ter rebentado, que tinham ido exibir-se num espectáculo no Royal Albert Hall. Lembro-me muito bem dos aspectos picarescos do seu depoimento escrito, ficou na minha secretária em Lisboa. Tinham-lhe pedido na Casa de Portugal em Londres para o Padrinho acompanhar este grupo de pauliteiros que depois foi muito elogiado na imprensa britânica. O que eu nunca mais esqueci foi a caminhada dos pauliteiros no metro de Londres, vestidos a preceito, de bigodes farfalhudos e de garrafão na mão, com o acompanhamento da gaita de foles e paulitos, a exigir bacalhau com batatas antes da récita. Outro aspecto que guardei foi eles terem recusado fazer uma vénia para agradecer ao público - "O português não dobra a cerviz ao estrangeiro, agradecemos sempre com a cabeça bem levantada". Prometo-lhe que cuidarei destas impressões e do seu orgulho em ter andado com gente de Miranda do Douro no centro de Londres.
Ainda guardo uma esperança de poder ir de férias a Lisboa, tive dois dias de prisão, recorri do castigo que considero duro e desproporcionado a alguma negligência, que não sei se não existem em todos os quartéis. O Padrinho sabe que fui educado pela minha mãe na arrumação, nos valores do trabalho e nos princípios da disciplina. Este aquartelamento alberga muita população civil, a própria tropa é constituída por naturais, não é fácil, ainda por cima vivendo como vivemos com as maiores dificuldades, manter a ordem quando à volta do quartel, e mesmo dentro, há espaços com culturas de batata doce, tomate, beringela e couves, eles são rurais que entram e saem para ir buscar comida, trazer mangos e papaias, às vezes os meus soldados, que já eram caçadores, deslocam-se para o mato e levam civis e depois trazem porcos de mato ou gazelas.
Tudo aqui é difícil, mando-lhe hoje uma fotografia da nossa padaria onde o soldado Jobo Baldé prepara a farinha dentro de uma caixa de munições de bazuca. Os bidões de água, quando as viaturas estão empanadas, rolam pela estrada dois quilómetros até à fonte. Ao anoitecer, haja bom ou mau tempo, a iluminação do quartel é feita com petromaxes, pode imaginar o sobressalto em que vivemos, temos a promessa de um gerador eléctrico, tudo é arrancado a ferros, desde toalhas de mesa até caçarolas. Mas o pior de tudo é este clima que abala profundamente a saúde, tenho presentemente uma boa parte dos soldados doente, fazemos prodígios mandando os menos doentes para as emboscadas nocturnas à volta do quartel e os outros vão a Mato de Cão, que é o tal local por onde passam barcos militares e civis que trazem as tropas e os abastecimentos para esta região que se chama o Leste.
Não o incomodo mais com estes pormenores. Peço-lhe que diga à Madrinha o muito amor que lhe dedico, e se falar com o Jorge ele seguramente lhe falará da violência desta guerra já que ele foi oficial pára-quedista. Receba a gratidão do seu afilhado que nunca o esquece.
Para o José Braga Chaves, no SPM 4374
Meu estimado José Braga Chaves,
É bom receber cartas de um soldado e querido amigo mariense, ainda por cima com fotografia, em Moçambique. Imagina tu que com a tua carta veio a de um grande amigo meu que partiu há dias para a região de Cabo Delgado, onde creio que a guerra está muito acesa. Claro que me lembro muito de ti e do pelotão de marienses, e do Natal de 1967 que passámos juntos com uma grande festa nos Arrifes. Tenho muito orgulho em vocês e fico muito contente com os teus planos de ires viver com a Lúcia de Fátima na ilha de S. Miguel.
Já escrevi ao Dr. Furtado Lima, daqui da Guiné, e não deixei de lhe agradecer a operação que ele fez ao teu dedo indicador da mão direita. A guerra aqui é um pouco diferente da que tu me contas, não podemos fazer essas grandes viagens em colunas militares, 100Km aqui eram minas, emboscadas, o Inferno. Estou a comandar a tropa africana de grande valentia, vivemos dentro de um mato muito cerrado perto do principal rio da Guiné, que é o Geba. Dentro em breve, vou fazer o primeiro ano da comissão que, confesso-te, tem sido muito dura mas sinto que vou sair daqui um homem muito diferente daquele que conheceste quando te dei instrução em S. Miguel. Vamos manter o nosso contacto, diz à Lúcia de Fátima que vos desejo as melhores felicidades finda esta guerra onde estamos. Recebe a grande estima de um amigo que só te quer bem.
Para Angela Carlota Gonçalves Beja
Querida Mãezinha,
Chegaram os livros e não tenho palavras para lhe agradecer a sua atenção. A Manuela parece que consegue o transporte gratuito das toneladas de revista que nos manda através do Movimento Nacional Feminino. Fale, por favor, com ela, os livros e as revistas são sempre muito apreciados. Eu tinha encomendado a História da Novela Policial, de Fereydoun Hoveyda na Livraria Torrens, estava completamente esquecido de o ter feito, eu depois faço contas consigo.
Agora que acabei de ler o livro, lembro-me com saudade de certos livros seus que li com grande prazer desde as aventuras de Sherlock Holmes, de Conan Doyle, passando pelo Arsene Lupin, Comissário Maigret até às novelas de Edgar Allan Poe. Partilho da maior parte das opiniões deste autor, desde classificar de pedante Philo Vance de S. S. Van Dine até às considerações depreciativas sobre Simon Templair de Leslie Charteris.
A propósito, consegui em Bafatá, um verdadeiro achado de sorte, Os Crimes do Bispo, por S. S. Van Dine. Vance, na exibição da sua cultura chega a ser grotesco mas depois a natureza do problema, a originalidade de uma melodia infantil que é utilizada por uma mente doentia para assinalar os seus diferentes crimes, a escrita palpitante, por vezes tumultuosa, as pistas deliberadamente falseadas para lançar o leitor na completa incerteza e o gigantesco último acto onde Vance induz o assassino a uma forma de suicídio involuntário, tudo leva a que se leia esta narrativa poderosa com renovada satisfação, a despeito de se perder, na releitura, a curiosidade pela solução final. Vou levar estes livros para si.
Ainda bem que está melhor e que planeou as suas férias com o meu sobrinho nas termas de S. Pedro do Sul. Por aqui, estamos na época das chuvas, tenho muitos soldados doentes, estão a subtrair-me parte do efectivo, já pedi para me ir embora, é pura loucura termos um patrulhamento diário de 25 Km, emboscadas nocturnas, trabalhamos nas condições mais adversas na melhoria ou na conservação dos dois aquartelamentos, manter a segurança com máximo rigor durante 12 horas, ter sempre um efectivo no quartel na previsão de um ataque inimigo, dizem-me para ter paciência, podia ser muito pior, eu podia estar a ser atacado várias vezes ao dia, até já houve quem me dissesse que eu me devia dar por muito feliz, não tenho casos de suicídio, o número de mortos é reduzido e a loucura não se vê muito de perto...
Dentro de dias parto para Bissau, vou ser testemunha no julgamento de um soldado que adormeceu e deixou fugir um prisioneiro. Já escrevi ao Comandante Teixeira da Mota a informá-lo que eu o vou visitar. Logo que saiba exactamente a data, comunico-lha para marcarmos uma hora e eu telefonar-lhe.
Vou a Bafatá tratar dos documentos para o meu casamento. Agradeço-lhe do coração que compreenda que as minhas decisões estão tomadas e que já me basta o sofrimento que tenho na guerra. Rezo pelas suas melhoras, não me canso de louvar ao Senhor a benção de ser seu filho. Receba muitos beijinhos e a saudade de quem lhe deve a vida e tudo o mais.
Guiné > Rio Geba > A caminho de Bissau > 1968 ou 1969 > O Fur Mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, Mansambo, 1968/69, num dos típicos barcos civis de transporte de pessoal e de mercadoria, que fazia a ligação Bissau-Bambadinca, passando poela temível Ponta Varela, na na confluêncioa do Rios Geva e Corubal e o assustador Mato Cão, no Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca. Estes barcos (alguns ligados a empresas comerciais, como a Casa Gouveia) tinham, como principal cliente a Manutenção Militar. Pelo Xime e por Bambadinca passava o "ventre da guerra" de toda a Zona Leste.
Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados.
Guiné > Bissau > 19 de Abril de 1970 > Cristina Allen, com quem Beja Santos irá casar, no dia seguinte, em Bissau, sendo o David Payne e a esposa padrinhos de casamento. O Mário escrevia-lhe praticamente todos os dias detalhadíssimos aerogramas, contando-lhe o seu dia a dia de Missirá. A Cristina era estudante universitária finalista. Tirou férias para casar. Voltou para Lisboa, ao fimd e 20 dias. O Mário irá findar a sua comissão em Agosto de 12970. embarcando no Carvalho Araújo que levou 15 dias a chegar a Lisboa, "distribuinndo pelo caminho tropas e cadáveres"...
Legenda do Beja Santos: "A Cristina chegou a 18 de Abril e praticamente nunca saiu de Bissau a não ser umas curtas visitas a Safim, Nhacra e Quinhamel. Não podíamos, evidentemente, ir passear a quaisquer teatros de operações. Durante os praticamente 20 dias que ela aqui viveu, visitámos as amizades feitas em Bambadinca e Bissau e fomos recebidos regularmente pelo David Payne, Emílio Rosa e mulheres. Não resistíamos à curiosidade de andar pelos mercados, ver artesanato e pequenas festas locais. Muitas vezes, o Cherno acompanhou-nos, insistia que não havia pausas no seu papel de guarda-costas".
Foto e legenda: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Para Cristina Allen
Meu adorado amor,
Dentro em breve, já está confirmado, parto para Bissau para me apresentar no Tribunal Militar. Vou ser testemunha de defesa de um soldado da milícia de Missirá, Ieró Djaló, que adormeceu e deixou escapar o prisioneiro de Quebá Jilã.
Espero aproveitar esta viagem meteórica para tratar dos assuntos dos materiais de construção civil e do gerador, pois chegou uma informação a dizer que tinha sido deferido o pedido do gerador para Missirá. Tu não podes imaginar o que este gerador irá alterar para melhor a nossa segurança. Logo que anoitece , espalhamos por 6 pontos correspondentes à vigilância dos sentinelas petromaxes que são muito sensíveis às correntes de ar, apagam-se frequentemente, é um risco tremendo para quem lhes muda as camisas e os reacende, imagina que há rebeldes a ver, não pode haver melhor alvo humano! Espero igualmente encontrar-me com a Maria Luísa e o Pedro Abranches e o Comandante Teixeira da Mota, é tudo uma questão de ter tempo e eles estarem disponíveis. Logo que saiba a data, comunico-te para nos ouvirmos ao telefone nos correios de Bissau.
Estive em Bafatá (não sei se já te disse, mas se já disse repito) a tratar dos documentos. Houve momentos hilariantes, o secretário do administrador perguntava-me se eras da Província ou da Metrópole, queria saber se o casamento era com ou sem separação de bens e falou mesmo em convenção antenupcial. Depois disse-me quer era preciso uma certidão completa narrativa, uma certidão de baptismo (no caso de querermos casar religiosamente) e para irmos pensando se queremos o casamento com separação de bens.
Finda estas formalidades, fui comprar a 9ª Sinfonia de Beethoven interpretada pela Suisse Romande e dirigida por Ernest Ansermet e com 4 solistas de luxo: Joan Sutherland, Norma Proctor, Anton Dermotta e Arnold Van Mill. Mas acabei por perder a cabeça e comprei por 400 escudos uma versão fabulosa da Tosca, com a Callas, Tito Gobbi e Carlo Bergonzi. É impressionante a qualidade desta gravação, a intensidade dramática da Callas, o poder representativo de Gobbi que nos chega aos ouvidos, a coloratura de Bergonzi, que eu considero um dos maiores tenores verdianos de todos os tempos.
À saída do estabelecimento o Campino apresentou-me a mulher que ele comprou recentemente (sei que isto te faz muita confusão, mas uma rapariga aqui custa cerca de 2 vacas e alguns milhares de escudos, o que é muito curioso é a facilidade com que se podem divorciar as mulheres, tendo mesmo a liberdade de pedir o divórcio).
Sei que estás muito ocupada com as últimas frequências e parece que a Filosofia Contemporânea ficará para exame. Se em Bissau eu receber boas notícias quanto ao meu recurso, juro-te que nos casaremos em Lisboa. Mas continuo a hesitar quanto à possibilidade de dares aqui aulas e ficares torturada e sozinha em Bissau. Não tenho escondido no correio mais recente a dor que me provoca as cartas que vou recebendo da minha mãe e as tuas próprias queixas. É evidente que quem está na guerra sou eu, mas nunca supus este volume de tensões e como eles me desalentam.
Não te querendo trazer mais ansiedade, todos os patrulhamentos que fazemos diariamente a Mato de Cão são verdadeiros exercícios de ouvido à escuta, olhos à procura de minas e de emboscadas, haja calor, friagem, chuvas torrenciais, orvalho no capim, picadas inundadas ou enlameadas. Habituei-me a gostar do mundo que me rodeia, os cajueiros em flor, o porte gigantesco dos bissilões, as árvores do pau de sangue e pau preto. Habituei-me a achar natural as couves, as beringelas, o tomate, os mangais e as papaias, dentro e fora do quartel, como se esta fosse a ordem natural do mundo. Habituei-me ao capim alto de onde podem sair emboscadas, habituei-me a suspirar por Canturé com os seus laranjais de fruta ácida e limoeiros donde se avistam morros vistosos de baga-baga. Tiro partido da mata luxuriante a caminho do planalto de Mato de Cão, um dos locais mais lindos do mundo. Então, agradeço a Deus esta possibilidade de amar o que me foi oferecido, a devoção dos meus soldados, o estarmos vivos. Sim, estarmos vivos, embora enterrados neste sofrimento. E fico por aqui, exprimindo-te esta dor de te escrever para tão longe, sempre saudoso e sabendo que sou tão estimado por ti. Que todos os meus beijos atravessem rapidamente este oceano e cheguem hoje a Lisboa. Até amanhã.
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Nota de L.G.
(1) Vd. post de 15 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1851: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (50): Do tiroteiro em Bambadinca na noite de 14 de Junho de 1969 à emboscada da bruxa
Posts da série Operação Macaréu à Vista, de 39 a 27:
23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1623: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (39): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (1)
16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1600: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (38): Missirá, a Fénix renascida
10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1578: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (37): O horror do Hospital Militar 241 e o grande incêndio de Missirá
10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1577: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (36): Bissau, um grande teatro de luz e sombras
4 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1561: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (35): O Fado Hilário, em Mansambo, antes do internamento no Hospital Militar de Bissau
23 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1531: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (33): O Sintex: A Marinha Mercante chega até Missirá
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1504: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (32): Aruma Sambu, o prisioneiro de Quebá Jilã
2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1486: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (31): Abelhas africanas assassinas
25 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1461: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (30): Spínola, o Homem Grande de Bissau, em Missirá
18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1442: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (29): Finete contra Missirá mais as vacas e o bombolom dos balantas
10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1418: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (28): Sol e sangue em Gambiel
3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1399: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (27): Sinopse: os meus primeiros 150 dias
Guiné 63/74 - P1869: Convívios (19): Os Gringos de Guileje, a açoriana CCAÇ 3477, encontram-se ao fim de 33 anos! (Amaro Samúdio)
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) - Os Gringos de Guileje > Imagens de Guileje, que me chegaram sem legendas... (LG)
Fotos: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.
Mensagem do Amaro Samúdio (1):
Caro Luís Graça:
Em 19 de Maio do corrente ano Os Gringos, como se intitularam, encontraram-se em Montemor-O-Velho. Já lá vão 33 anos que não sabíamos de ninguém. Hoje cerca de 50 já sabem que não morremos. Dos diversos Distritos da Metrópole e dos Açores, de França, da Alemanha,dos EUA, estamos ligados.
Naturalmente temos tido algumas más notícias. São 33 anos. Sentí que devia falar desta estória. Dois camaradas no mesmo dia foram feridos. Com um estive a almoçar.Outro morreu.
Imaginas, certamente, quanto difícil foi escrever estes acontecimentos mas há alturas em que contar, transmitir, falar, faz bem.
Isto de falar, e ouvir falar, da Guiné está a mexer com quem por lá passou e também com a ideia de, passados 35 anos, encontrar amigos que connosco estiveram nas longínquas terras da Guiné, nomeadamente em Guileje. Tm as partes boas mas também as más.
Temia quando, com o Fernando Mendes e Amândio Pires, resolvemos pôr mãos há obra para encontrarmos e reunirmos a CCAÇ 3477, deparar-me com as duas situações.
Era norma as Companhias montarem e localizarem as minas e armadilhas montadas daí. Existia, empre que havia uma rendição, o tira umas e põe outras.
Com a previsível chegada de uma nova Companhia, a partir de 25 de Outubro de 1972, pelo que tenho anotado, começaram a levantar-se algumas minas e armadilhas. air para a mata era de facto o mais difícil não só pelo perigo mas também pelas muitas e muitas horas a andar, por trilhos, em corta mato, etc. etc.
A saída, no dia 8 de Novembro de 1972, ás 06.45, era para levantar armadilhas nas imediações do quartel. Era uma saída fácil.
Já tinham sido detonadas três armadilhas quando, sem qualquer aviso, há um rebentamento. O Amândio Pires, furriel de minas e armadilhas, tinha caído numa armadilha.
Estava a dar as duas injecções, obrigatórias naquelas situações, quando se ouve outro rebentamento. O enfermeiro Mário Azevedo tinha tomado a iniciativa de trazer uma maca, enganou-se no trilho e caiu noutra armadilha.
Foram ambos evacuados para Bissau. Ambos regressaram e tal como eu desembarcaram do Uíge em 22 de Dezembro de 1973.
Nesta odisseia de encontrar cerca de 60 Metropolitanos e 101 Açorianos sabia que iria ter muitas alegrias mas também algumas tristezas.
O Amândio Pires está bem e recomenda-se. Almoçámos juntos e a alegria do encontro, estampada nos nossos rostos, durou até ás 17.00 horas
O Mário Azevedo, passados dois anos de ter chegado da Guiné, teve um acidente de automóvel e faleceu.
Isto de tentar reunir, ao fim de 33 anos , os GRINGOS DE GUILEJE tem sido outra Guerra (2).
Os Gringos de Guileje juntos de novo ao fim de 33 anos
Um Abraço
A.Samúdio
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Notas de L.G.:
(1) Amaro Munhoz Samúdio foi 1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 3477 (Nov 1971/ Dez 73) , a companhia de açorianos que ficou conhecida como Os Gringos de Guileje: estiveram em Guileje entre Novembro de 1971 e Dezembro de 1972); foram a penúltima unidade de quadrícula de Guileje, sendo rendidos pela CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) - Piratas de Guileje, a que pertencia o nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-fur mil de operações especiais.
(2) Sobre os Gringos de Guileje, vd posts:
11 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1750: Com os Gringos de Guileje... em Nhacra (Herlander Simões)
8 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1574: Uma estória dos Gringos de Guileje (CCAÇ 3477): Estás f..., pá! (Amaro Samúdio)
31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1478: Unidades de Guileje: Coutinho e Lima, ligado ao princípio e ao fim (Nuno Rubim)
27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1466: Mário Bravo, médico de Guileje (Amaro Munhoz Samúdio)
15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1431: Guileje: Quem (e quando) construiu os abrigos de cimento armado (Pepito / Nuno Rubim)
3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1334: Guileje: espectacular foto aérea de 1972 (Amaro Munhoz Samúdio, CCAÇ 3477)
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1293: Guileje: do chimpanzé-bébé aos abrigos à prova do 122 mm (Amaro Munhoz Samúdio, CCAÇ 3477)
14 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1173: A fortificação de Guileje (Nuno Rubim, Teco e Guedes, CCAÇ 726)
10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1162: Guileje: CCAÇ 3477, os Gringos Açorianos (Amaro Munhoz Samúdio)
11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Nuno Rubim / Pepito)
Guiné 63/74 - P1868: Força Aérea Portuguesa: Cor Pil Av Moura Pinto, um grande comandante, um grande líder (Victor Barata)
Guiné > Bissalanca > Base Aérea nº 12 > Clube de Especialistas > 1973 > Festa de aniversário de um camarada da FAP > Principais convidados: o comandantes da Base, Cor Pil Av Moura Pinto (á esquerda) Ten Cor Pil Av Lemos Ferreira (à direita).
Foto: © Victor Barata (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem de Victor Barata (ex-Especialista da Força Aérea Portuguesa, MELEC de Aviões e Instrumentos de Bordo, Bissalnaca, 1971/73). Vive em Vouzela, onde é empresário.
O Grande Comandante! (1)
Camaradas, há personagens na nossa vida que, pela sua conduta, actos praticados ou simples acções, nos marcam para sempre.
Obviamente que nem todos nós podemos compartilhar da mesma ideia, mas uma das virtudes do ser humano é saber respeitar-se mutuamente.
A foto que te envio recorda um aniversário no Clube de Especialistas, na Base Aérea nº 12, em Bissalanca, em que os convidados eram ao comandantes da Base, o da esquerda, Cor Pil Av Moura Pinto, o da direita , Ten Cor Pil Av Lemos Ferreira.
Pois bem,vou falar do Coronel Moura Pinto, como um verdadeiro líder, homem de poucas falas, sisudo,alto, magro com grandes qualidades humanas.
Isto passa-se no ano de 1973, quando entre Março e Abril, a nossa Força Aérea estava a perder Grandes Homens na frente de combate, companheiros do diaa dia que lutavam pela mesma causa que nós mas que o destino quis que partissem mais cedo: Ten Cor Pil Av Brito, Maj Pil Av Montovani e Furriéis Pil Av Baltazar e Ferreira (2).
A instabilidade estava instalada, o receio - principalmente em quem operava com aeronaves de pequenas velocidades - apoderou-se por se desconhecer o tipo de arma utilizada para abater os nossos aviões.
É nestas ocasiões que se distinguem os grandes COMANDANTES, o coronel Moura Pinto mandou reunir na sala de operações os 42 pilotos presentes na Base e, com a serenidade que lhe era virtude, foi dizendo (3):
Havia garantia de que a arma utilizada pelos guerrilheiros para abater as nossas aeronaves era um míssil. Em seguida afirmou ter duas certezas,uma fruto das suas convicções pessoais, outra, resultado da sua experiência como oficial.
A primeira era muito subjectiva e resumia-se numa frase: só é atingido pelo míssil quem tiver esse destino traçado. A segunda também se dizia em poucas palavras: ninguém pode ter medo do míssil, porque o piloto que vai voar com medo está mais vulnerável e acaba por ser atingido.
Depois para reforçar a sua argumentação linear, recordou o ditado latino:"A sorte protege os audazes". Estas afirmações no ambiente tenso que pairava na sala, tiveram um impacto extraordinário. Gerou-se uma descompressão colectiva, embora estivessem todos ainda apreensivos.
Faltava na sala o único piloto, furriel Santos, por se encontrar de serviço às operações. Nesse momento a porta do fundo da sala abriu-se e entrou o piloto em falta, pedindo licença para falar. Toda a assembleia virou a cabeça em sua direcção. O comandante Moura Pinto autorizou-o a falar. Com desenvoltura, o furriel Santos informou ter recebido um pedido de evacuação de feridos graves de um batalhão do Exército que tinha sido atacado. Vinha pedir instruções. Diz-lhe o Cor Moura Pinto:
-Responda que se vai fazer a evacuação. Mande preparar o helicóptero, quem vai fazer a evacuação sou eu.
Voltou-se para a assistência e perguntou:
- Meus senhores, quem quer colocar alguma questão? - Reinou o silêncio entre toda a gente.
- Se não têm perguntas, eu já disse tudo e, como há coisas mais importantes a fazer,vou-me embora. Foi fazer a evacuação.
O desfecho desta reunião teve um impacto fortíssimo no moral dos pilotos, o ânimo passou a falar mais alto, abafando os últimos resquícios do medo natural.
Descanse em paz, meu COMANDANTE!
Victor Barata
__________
Notas de L.G.:
(1) Há uma outra versão publicada em 17 de Junho de 2007 > Blogue do Victor Barata > Especialistas da Base Aérea 12 (Guiné, 1965/74)
(2) Vd. post de 21 de Junho de 2007 Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa)
(3) Fonte: A Força Aérea na Guerra de África, de Luís Alves de Fraga, Coronel da FAP na reserva. Lisboa: Editora Prefácio. Vd. blogue Fio de Prumo, de Luís Alves de Fraga
Foto: © Victor Barata (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem de Victor Barata (ex-Especialista da Força Aérea Portuguesa, MELEC de Aviões e Instrumentos de Bordo, Bissalnaca, 1971/73). Vive em Vouzela, onde é empresário.
O Grande Comandante! (1)
Camaradas, há personagens na nossa vida que, pela sua conduta, actos praticados ou simples acções, nos marcam para sempre.
Obviamente que nem todos nós podemos compartilhar da mesma ideia, mas uma das virtudes do ser humano é saber respeitar-se mutuamente.
A foto que te envio recorda um aniversário no Clube de Especialistas, na Base Aérea nº 12, em Bissalanca, em que os convidados eram ao comandantes da Base, o da esquerda, Cor Pil Av Moura Pinto, o da direita , Ten Cor Pil Av Lemos Ferreira.
Pois bem,vou falar do Coronel Moura Pinto, como um verdadeiro líder, homem de poucas falas, sisudo,alto, magro com grandes qualidades humanas.
Isto passa-se no ano de 1973, quando entre Março e Abril, a nossa Força Aérea estava a perder Grandes Homens na frente de combate, companheiros do diaa dia que lutavam pela mesma causa que nós mas que o destino quis que partissem mais cedo: Ten Cor Pil Av Brito, Maj Pil Av Montovani e Furriéis Pil Av Baltazar e Ferreira (2).
A instabilidade estava instalada, o receio - principalmente em quem operava com aeronaves de pequenas velocidades - apoderou-se por se desconhecer o tipo de arma utilizada para abater os nossos aviões.
É nestas ocasiões que se distinguem os grandes COMANDANTES, o coronel Moura Pinto mandou reunir na sala de operações os 42 pilotos presentes na Base e, com a serenidade que lhe era virtude, foi dizendo (3):
Havia garantia de que a arma utilizada pelos guerrilheiros para abater as nossas aeronaves era um míssil. Em seguida afirmou ter duas certezas,uma fruto das suas convicções pessoais, outra, resultado da sua experiência como oficial.
A primeira era muito subjectiva e resumia-se numa frase: só é atingido pelo míssil quem tiver esse destino traçado. A segunda também se dizia em poucas palavras: ninguém pode ter medo do míssil, porque o piloto que vai voar com medo está mais vulnerável e acaba por ser atingido.
Depois para reforçar a sua argumentação linear, recordou o ditado latino:"A sorte protege os audazes". Estas afirmações no ambiente tenso que pairava na sala, tiveram um impacto extraordinário. Gerou-se uma descompressão colectiva, embora estivessem todos ainda apreensivos.
Faltava na sala o único piloto, furriel Santos, por se encontrar de serviço às operações. Nesse momento a porta do fundo da sala abriu-se e entrou o piloto em falta, pedindo licença para falar. Toda a assembleia virou a cabeça em sua direcção. O comandante Moura Pinto autorizou-o a falar. Com desenvoltura, o furriel Santos informou ter recebido um pedido de evacuação de feridos graves de um batalhão do Exército que tinha sido atacado. Vinha pedir instruções. Diz-lhe o Cor Moura Pinto:
-Responda que se vai fazer a evacuação. Mande preparar o helicóptero, quem vai fazer a evacuação sou eu.
Voltou-se para a assistência e perguntou:
- Meus senhores, quem quer colocar alguma questão? - Reinou o silêncio entre toda a gente.
- Se não têm perguntas, eu já disse tudo e, como há coisas mais importantes a fazer,vou-me embora. Foi fazer a evacuação.
O desfecho desta reunião teve um impacto fortíssimo no moral dos pilotos, o ânimo passou a falar mais alto, abafando os últimos resquícios do medo natural.
Descanse em paz, meu COMANDANTE!
Victor Barata
__________
Notas de L.G.:
(1) Há uma outra versão publicada em 17 de Junho de 2007 > Blogue do Victor Barata > Especialistas da Base Aérea 12 (Guiné, 1965/74)
(2) Vd. post de 21 de Junho de 2007 Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa)
(3) Fonte: A Força Aérea na Guerra de África, de Luís Alves de Fraga, Coronel da FAP na reserva. Lisboa: Editora Prefácio. Vd. blogue Fio de Prumo, de Luís Alves de Fraga
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