Maia > 21 de Julho de 2007 > o encontro com o António da Silva Batista (ao centro). à esquerda, o Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492, Xitole, 1971/74) ; à direita, o Paulo Santiago (ex-Alf Mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)
Fotos: © João Santiago (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Paulo Santiago que no chegou esta madrugada, dando conta do encontro com o o António da Silva Batista, ex-soldado atirador de infantaria, da CCAÇ 3490 (Saltinho,1972/74), feito prisioneiro peloPAIGC na sequência da emboscada do Quirafo, em17 de Abril de 1972 (1):
Luís: Ontem, acompanhado pelo meu filho João Santiago (que foi o fotógrafo de serviço), fui à Maia encontrar-me com o Állvaro Basto, camarada que descobriu o Batista, através da lista telefónica,e, tendo-lhe telefonado, ficou a saber o local onde o encontrar.
Tinha-te dito pelo telefone estar apreensivo com este encontro, já que ia encontrar-me com um homem dado como morto, prisioneiro de guerra, e , como a emoção por vezes se apodera de mim, não sabia como iria reagir.
Na 5ª feira passada, telefonei também ao Vitor Junqueira, hoje almocei em casa dele, após ter feito uma caminhada, com a minha amiga/camarada Rosário, na Serra de Sicó. Também lhe falei do encontro do dia seguinte e do receio das minhas emoções. Tal como tu me aconselhaste, manter-me calmo e dominar-me, o Vitor deu-me conselho semelhante.
Tinha-te dito pelo telefone estar apreensivo com este encontro, já que ia encontrar-me com um homem dado como morto, prisioneiro de guerra, e , como a emoção por vezes se apodera de mim, não sabia como iria reagir.
Na 5ª feira passada, telefonei também ao Vitor Junqueira, hoje almocei em casa dele, após ter feito uma caminhada, com a minha amiga/camarada Rosário, na Serra de Sicó. Também lhe falei do encontro do dia seguinte e do receio das minhas emoções. Tal como tu me aconselhaste, manter-me calmo e dominar-me, o Vitor deu-me conselho semelhante.
(i) Batista: Um homem precomente envelhecido, mas humilde e sem rancores
Chegados ao café indicado, eu, o Alvaro e o João, encontrámos o Batista. Quando o cumprimento, domino o sentimento emotivo com alguma facilidade. Estava perante um homem lúcido, de aspecto - é a minha opinião - mais envelhecido que aquele que deveria apresentar, para a idade que tem (58 anos), mas sem apresentar qualquer sintoma de perturbação psíquica, o que vim a confirmar durante a nossa conversa.
É um homem sem rancores, de uma humildade que me tocou profundamente. Levei o meu Portátil com placa de ligação à Net. Falei-lhe no teu/nosso blogue mas, como deves imaginar, é uma pessoa ao lado destas coisas da blogosfera. Perguntei-lhe se poderia mostrar-lhe a foto da GMC, tirada em Fevereiro de 2005, e a foto do Paulo Malu, comandante da emboscada (2). Quando viu a GMC, vi-lhe qualquer coisa nos olhos, mas dominou essa reacção momentânea. Quanto ao Malu, a cara não lhe diz nada, não é para admirar, passados todos estes anos.
Vamos agora ao dia da emboscada, rectificando algumas imprecisões que me foram transmitidas e que tinha apresentado como verdadeiras. O Batista não era de Transmissões, era Atirador de Infantaria, levando uma G3 com dilagramas. Morreu, de facto, na emboscada um 1º Cabo, Ferreira, Radiotelegrafista, a quem o IN tirou o AVP 1 (3).
Chegados ao café indicado, eu, o Alvaro e o João, encontrámos o Batista. Quando o cumprimento, domino o sentimento emotivo com alguma facilidade. Estava perante um homem lúcido, de aspecto - é a minha opinião - mais envelhecido que aquele que deveria apresentar, para a idade que tem (58 anos), mas sem apresentar qualquer sintoma de perturbação psíquica, o que vim a confirmar durante a nossa conversa.
É um homem sem rancores, de uma humildade que me tocou profundamente. Levei o meu Portátil com placa de ligação à Net. Falei-lhe no teu/nosso blogue mas, como deves imaginar, é uma pessoa ao lado destas coisas da blogosfera. Perguntei-lhe se poderia mostrar-lhe a foto da GMC, tirada em Fevereiro de 2005, e a foto do Paulo Malu, comandante da emboscada (2). Quando viu a GMC, vi-lhe qualquer coisa nos olhos, mas dominou essa reacção momentânea. Quanto ao Malu, a cara não lhe diz nada, não é para admirar, passados todos estes anos.
Vamos agora ao dia da emboscada, rectificando algumas imprecisões que me foram transmitidas e que tinha apresentado como verdadeiras. O Batista não era de Transmissões, era Atirador de Infantaria, levando uma G3 com dilagramas. Morreu, de facto, na emboscada um 1º Cabo, Ferreira, Radiotelegrafista, a quem o IN tirou o AVP 1 (3).
(ii) Deferido o seu requerimento de amparo de mãe, dois dias antes da fatídica emboscada
O Batista já não tinha pai, os irmãos eram mais novos, a mãe vivia com dificuldades, tendo metido um requerimento de amparo de mãe. Este tinha acando de ser deferido e comunicado ao quartel do Saltinho, através de msg, dois dias antes. Aguardava,por isso,regresso à Metrópole. Também por este motivo, tinha pedido ao Alf Armandino para não voltar para o mato. Trabalhava, antes de ir para a tropa, como porteiro, no então chamado Aeroporto de Pedras Rubras [, hoje Aeroporto Sá Carneiro].
Não sabe precisar se alguém,em Madina Buco, avisou o Alf Armandino da presença de um grupo do PAIGC, emboscado no sábado anterior, nas imediações do Quirafo. É verdade que a GMC levava tanto pessoal, militares, milícias e civis, tudo tão apertado, mal se podendo mexerem.
Quando rebentou a emboscada, atirou-se abaixo da viatura, para o lado onde estava o IN, não tendo sido ferido por qualquer tiro. De seguida, lembra-se,ver a GMC incendiar-se no meio de grandes rebentamentos. Há um guerrilheiro, chega junto dele, que estava deitado no terreno entre a viatura e o Bi-Grupo atacante, agarra-lhe na arma e leva-o para o interior da mata.
(iii) Sentiu medo na travessia, a vau, do Rio Corubal, a caminho da fronteira. Em Concacri, foi interrogado pelo Nino e pelo Aristides Pereira
Ninguém lhe bateu. Sentiu medo na travessia do Corubal. Começou a ver os guerrilheiros a entrarem no rio com a água a chegar-lhes ao peito,e o Batista pensou ir morrer afogado pois não sabia nadar.Para seu grande espanto, verificou que havia um cordão de rochas submersas, por onde passaram para o lado do Boé.
Conforme a afirmação do Paulo Malu (2), seguiu de Boké para Conacri num camião.
Seguiram-se 15 dias de isolamento, sendo várias vezes interrogado, nomeadamente pelo Nino Vieira e pelo Aristides Pereira. Nunca foi torturado. Passados os 15 dias, juntaram-no a mais quatro prisioneiros, tendo, mais tarde, aparecido mais três, perfazendo um total de oito.
(iv) Encostado à parede, prestes a ser fuzilado, como eventual represália pelo assassinato de Amílcar Cabral
A comida era à base de arroz, havendo, poucas vezes, alguma carne. Cigarros também muito raramente havia.
A seguir ao assassinato do Amílcar Cabral, houve um dia em que pensou ir ser fuzilado. Um dos guardas encostou-os a uma parede para os liquidar,felizmente,outros guardas,impediram que ele o fizesse.
Os guardas eram guerrilheiros,uns sem um braço, outros sem uma perna, já não aptos para a luta no mato.
Deram-lhe papel,escrevendo várias cartas à família,entregues à Cruz Vermelha,que nunca chegaram ao destino.Terá sido a CV que não as enviou, ou foram interceptadas pela PIDE ?
Também a seguir ao assassinato do Amilcar Cabral,foram deslocados de Conacri para a zona de Madina do Boé, onde viviam em casas de mato semelhantes às da guerrilha.
(Continua)
O Batista já não tinha pai, os irmãos eram mais novos, a mãe vivia com dificuldades, tendo metido um requerimento de amparo de mãe. Este tinha acando de ser deferido e comunicado ao quartel do Saltinho, através de msg, dois dias antes. Aguardava,por isso,regresso à Metrópole. Também por este motivo, tinha pedido ao Alf Armandino para não voltar para o mato. Trabalhava, antes de ir para a tropa, como porteiro, no então chamado Aeroporto de Pedras Rubras [, hoje Aeroporto Sá Carneiro].
Não sabe precisar se alguém,em Madina Buco, avisou o Alf Armandino da presença de um grupo do PAIGC, emboscado no sábado anterior, nas imediações do Quirafo. É verdade que a GMC levava tanto pessoal, militares, milícias e civis, tudo tão apertado, mal se podendo mexerem.
Quando rebentou a emboscada, atirou-se abaixo da viatura, para o lado onde estava o IN, não tendo sido ferido por qualquer tiro. De seguida, lembra-se,ver a GMC incendiar-se no meio de grandes rebentamentos. Há um guerrilheiro, chega junto dele, que estava deitado no terreno entre a viatura e o Bi-Grupo atacante, agarra-lhe na arma e leva-o para o interior da mata.
(iii) Sentiu medo na travessia, a vau, do Rio Corubal, a caminho da fronteira. Em Concacri, foi interrogado pelo Nino e pelo Aristides Pereira
Ninguém lhe bateu. Sentiu medo na travessia do Corubal. Começou a ver os guerrilheiros a entrarem no rio com a água a chegar-lhes ao peito,e o Batista pensou ir morrer afogado pois não sabia nadar.Para seu grande espanto, verificou que havia um cordão de rochas submersas, por onde passaram para o lado do Boé.
Conforme a afirmação do Paulo Malu (2), seguiu de Boké para Conacri num camião.
Seguiram-se 15 dias de isolamento, sendo várias vezes interrogado, nomeadamente pelo Nino Vieira e pelo Aristides Pereira. Nunca foi torturado. Passados os 15 dias, juntaram-no a mais quatro prisioneiros, tendo, mais tarde, aparecido mais três, perfazendo um total de oito.
(iv) Encostado à parede, prestes a ser fuzilado, como eventual represália pelo assassinato de Amílcar Cabral
A comida era à base de arroz, havendo, poucas vezes, alguma carne. Cigarros também muito raramente havia.
A seguir ao assassinato do Amílcar Cabral, houve um dia em que pensou ir ser fuzilado. Um dos guardas encostou-os a uma parede para os liquidar,felizmente,outros guardas,impediram que ele o fizesse.
Os guardas eram guerrilheiros,uns sem um braço, outros sem uma perna, já não aptos para a luta no mato.
Deram-lhe papel,escrevendo várias cartas à família,entregues à Cruz Vermelha,que nunca chegaram ao destino.Terá sido a CV que não as enviou, ou foram interceptadas pela PIDE ?
Também a seguir ao assassinato do Amilcar Cabral,foram deslocados de Conacri para a zona de Madina do Boé, onde viviam em casas de mato semelhantes às da guerrilha.
(Continua)
(Ex-Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 53,
Saltinho, 1970/72)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)
(2) Vd. posts de:
21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)
17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)
12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)
25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)
26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)
28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)
15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)
(3) Vd. post de 20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1681: Efemérides (4): Lista dos mortos no Quirafo (José Martins)
(...) "António Ferreira, 1ºCabo, natural de Cedofeita, Porto" (...).
Vd. também post de 22 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1686: Fichas de unidades (1): BCAÇ 3872, CCAÇ 3489, 3490 e 3491 (Sector L5, Galomaro, 1972/74) (José Martins)