segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19328: Blogoterapia (290): O Medo - como nunca pensei que sentisse (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor do BCAÇ 3872)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 21 de Dezembro de 2018:

Carlos e Luís
Após a leitura do livro do nosso camarada António Martins de Matos e em especial o capitulo escrito pela psicóloga Teresa Matos sobre o medo, resolvi fazer uma pequena viagem sobre o meu medo ou medos.
Junto vai uma foto onde estão vários dos que seriam sobreviventes da emboscada do Quirafo em Abril de 1972. De notar que o que está na primeira fila ao centro é o condutor único sobrevivente da primeira viatura. Ao lado dele, à nossa esquerda, é o condutor da segunda.

Um Feliz Natal e um próspero Ano Novo para todos os membros da tabanca mais para as suas famílias.

Abraços
Juvenal Amado


O MEDO

No dia 24 de Dezembro faz 47 anos que desembarquei em Bissau integrado no meu Batalhão 3872, o que quer dizer, que no momento que escrevo estas linhas navegava ou estava ao largo da ilha da Madeira. Não tive medo quando fui mobilizado, nem quando embarquei, nem quando desembarquei. Havia um misto de curiosidade e distanciamento, que quase parecia que não me estava a acontecer aquilo e que era um simples observador.

Mas na noite do desembarque, já no Cumeré, provei o medo como nunca pensei que existisse tal sentimento. A violência da guerra chegou até mim, que tinha dado duas dúzias de tiros de G3 e era esse o som mais próximo que tinha dela. Não sabia na altura que a espiral do medo tinha tantos patamares e que, aquele som das antiaéreas, a fazer batimento de zona, que faziam tremer o chão, não era nada comparado com som de um ataque onde as explosões e o matraquear das armas ligeiras têm um resultado tão aterrador.

O medo tolda-nos os sentidos, desfaz-nos o discernimento, penetra perniciosamente nos músculos, tolhe-nos as passadas, encharca-nos a roupa com suor gelado, deixamos de ver e ouvir com clareza, por vezes não se tem controle sobre as mais elementares necessidades fisiológicas, a irracionalidade sobrevem à amálgama de sensações descontroladas, em que nos tornamos seres sem quereres nem vontades próprias. Desse estado, saímos em várias direcções e soluções impensáveis, quando, no estado da razão de que normalmente somos proprietários, faríamos ao contrário .

Ao longo da vida passamos por diversos medos por ou ignorância rotulamos de medo, pois o medo na infância do escuro, do professor, do resultado do exame, o medo de ser rejeitado, o medo do ridículo, em nada é equiparado ao medo que nos descontrola ao ponto de nada mais ter interesse que a preservação da vida.

O medo como escreve a psicóloga clínica Teresa Matos* (vale a pena ler) é bem mais complexo do que até aqui eu pensava. Envolve a produção ou ausência de substâncias que na nossa condição de humanos produzimos. Escreve ela, que sujeitos ao medo o nosso corpo se transforma com reacções físico-químicas, que nos preparam para receber em antecipação o impacto de qualquer agressão que nos ponha em perigo.

Depois respondemos ao medo por ordem de um superior, porque por vezes existe o medo hierárquico, que suplanta o medo do inimigo. Se assim não fosse, como se explicaria, que à ordem de comando um soldado salta para a frente afrontando cortinas de balas?

Noutras, o individuo reage em autodefesa, porque é necessário responder à agressão. Finalmente o medo pode tolher de tal maneira o individuo que nada fará para se defender.

No principio da guerra, falou-se de quem se matou após a mobilização com medo de morrer na guerra, quando afinal dessa forma certeira cumpriu o destino que temia mas, que lhe era incerto.

“o medo tem alguma utilidade, mas a covardia não”. Mahatma Gandhi

Quem esteve em situações de combate, ou participou em colunas em que minas mataram camaradas, sabe do terror que se sente após os acontecimentos, a dificuldade de abandonar a vala e em especial, em mexer os pés do sítio onde nos abrigamos na urgência.

Conheço um camarada que tendo sofrido uma emboscada onde morreram vários companheiros (Quirafo - Saltinho) sofre de stress pós-traumático e o medo apodera-se dele de tal forma que não consegue responder-lhe, não dorme, é visitado pelos acontecimentos e as caras dos que morreram não lhe saem da cabeça. Os sons da tragédia compõem a banda sonora do que poderia ser um filme. Neste caso são os psicólogos e psiquiatras a administrar químicos em substituição dos que não se produzem naturalmente de que fala a autora Teresa Matos. O organismo do nosso camarada não consegue responder ao medo que se pegou a ele de forma visceral. Cumpre-me aqui informar, que já não falo com o camarada desde que ele começou a ser tratado e por isso, não ter real conhecimento do seu estado hoje.

Alguns destes camaradas sobreviveram à emboscada do Quirafo. O que está na primeira fila ao centro é o condutor único sobrevivente da primeira viatura. Ao lado dele, à sua direita, é o condutor da segunda

Naquele tempo também sofri do medo real e em antecipação ao que poderia acontecer quando ia em colunas mas por outro lado pernoitei em sítios onde só alguma inconsciência da minha parte, permitiu ignorar o perigo. Conheci quem com medo dos ataques, só se deitava após as 11 horas da noite, pois era norma que se não nos atacavam até aquela hora, já não fariam com medo de serem apanhados pela madrugada na retirada.

Fez no dia 1 de Dezembro anos que fomos atacados ao arame farpado. O sentinela na dúvida se eram cabras a pastar ou guerrilheiros, não quis disparar com medo de levar uma porrada do comandante. Valeu-nos outro camarada que pegou na G3 e despejou o carregador sobre os vultos.

Mas o medo também é motor da actividade humana. O medo de ficar para trás, o medo que pareça mal, o medo da solidão e da incompreensão, o medo da velhice quando afinal devíamos ter mais medo de não chegarmos a velhos.

Assim existem vários patamares para o medo. O medo é um sentimento que se revisita como nenhum outro, pois há quem tenha medo de ter medo.

“Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem”. Jean Paul Sarte

Um Feliz Natal em paz é o meu maior desejo para todos os camaradas

(*) - Livro de António Martins de Matos Voando Sobre Um Ninho de Strelas, capitulo 42
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19145: Blogoterapia (289): Aquele toque a finados é uma coisa que me arrepia... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Guiné 61/74 - P19327: Notas de leitura (1134): “O Homem do Cinema, A la Manel Djoquim i na bim”, por Lucinda Aranha Antunes; edição da Alfarroba, 2018 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,

Oxalá o realizador guineense Flora Gomes encontre inspiração nesta bela narrativa para fazer um filme único sobre o homem do cinema que encheu os confins da Guiné com risos e lágrimas.

Manuel Joaquim teve vários requisitos que permitiriam um filme assombroso: as mudanças operadas na Guiné com as comunicações e depois com a guerra; a relação que manteve com a administração e os colonos no mato; o caçador e o comerciante; e aquela espantosa vida familiar, a família em Lisboa e ele a chegar ao aeroporto da Portela na época da chuva sempre em calção, para fúria da Julinha, e temos o meio familiar desse colono que ele julgava vigiar noite e dia, pura ilusão.
Que belíssima narrativa!

Um abraço do
Mário


Com o Manuel Joaquim, o cinema chegou a toda a Guiné (2)

Beja Santos

É possível questionar se a obra “O Homem do Cinema, A la Manel Djoquim i na bim”, por Lucinda Aranha Antunes, edição da Alfarroba, 2018, é um romance, um relato memorial ou uma investigação de caráter biográfico. Um homem dos sete ofícios, apaixonado pela mecânica, parte da Europa para Cabo Verde e daqui para a Guiné, já com família constituída. A narrativa de Lucinda Aranha Antunes começa num quase presente e num quase presente desagua, num tumulto de revelações e mágoas. É um texto intercultural, o crioulo está sempre presente, Manuel Joaquim e Julinha, a sua amada esposa, pontificam, com filharada, criadagem, amigos certos e desertores nas horas incertas.

Manuel Joaquim não era só o homem do cinema, desenrascava no setor público e no setor privado, a autora conta uma história bem curiosa:

“Certa vez, em 1964, a Central Elétrica de Gabu teve uma avaria que deixou a cidade às escuras por quinze dias. Em desespero, o secretário Barros e o administrador Faria Leite mandaram-no chamar.

Chegou, pela manhãzinha, mandou desmontar o motor, viu as avarias, reparou-as e supervisionou a montagem do motor. Pelas seis horas, já ao lusco-fusco, deu-se o milagre da luz. A criançada, em círculo, batia palmas, dançando e gritando a compasso, Manel Djoquim, Manel Djoquim. O Aguinaldo Évora, o encarregado da Central, dizia para quem o queria ouvir, é um mecânico de mão-cheia, o melhor de toda a Guiné. A ele recorria a própria Central Elétrica de Bissau para a produção de peças, porque não tinha grandes oficinas (…) Pelo trabalho de iluminar a Guiné não cobrava nada, mas em troca os governantes facilitavam-lhe a projeção dos filmes, publicitavam a sua chegada e, frequentemente, encarregavam-se mesmo de fazer vender os bilhetes”.

A sua chegada a qualquer local gerava uma atmosfera de euforia, fosse qual fosse o destino onde arribasse, tocava duas buzinadelas, o altifalante jorrava música. “Era único. A miudagem, de cabeça perdida, batia latas e entoava uma música que corria por toda a Guiné e que marcava o início do momento solene, a chegada do cinema:

A la Manel Djoquim i na bimA la Manel Djoquim cú seu cinema
Olalé, olelá.”

A administração tocava o tantã, o homem do cinema merecia todas as honras:

“Os administradores e os chefes de posto encarregavam-se de anunciar a vinda de Manuel Joaquim, os sipaios, alguns feitos homens-sanduíches, publicitavam o cinema em todas as localidades, os régulos também avisavam toda a gente, afixavam-se cartazes nas árvores. Caso a publicidade não chegasse, lá estavam os sipaios para ir buscar, forma simpática de dizer, os espectadores às tabancas”.

Manuel Joaquim era um moralista, escolhia nos catálogos segundo critérios cinematográficos rigorosos, nada de beijos prolongados, havia cuidados com a toilette, evitava a todo o transe excessos indecorosos.

“As escolhas recaíam em musicais, dramas românticos, comédias, filmes históricos, bíblicos, de capa e espada, de guerra, de aventuras, de terror (…) Eram êxitos garantidos os filmes do Charlot ou do Tarzan, cujo grito de guerra a criançada e até muitos adultos imitavam, e em que a Chita era uma mais-valia, as comédias portuguesas, o Cantinflas, o Totó, o Fernandel, o Jerry Lewis, com gargalhadas a esmo, o Joselito, que fazia sempre as senhoras verterem lágrimas copiosas”.

A narrativa de Lucinda Aranha Antunes multiplica-se em pormenores, em peripécias, assistimos às grandes alterações de Bissau, a luta armada, no início, parecia que não ia bulir com o homem do cinema, as dificuldades surgiram, em Lisboa, a família começa a aperceber-se por quem chegava dos imensos riscos, nas longas temporadas que passava na metrópole Manuel Joaquim levava a família a reboque para passeatas. Regressava à Guiné e a guerra passou a ser um assunto sempre presente nas andanças, a autora desvela o que mudava no território e na sociedade, a própria comunicação social dera muitas voltas, desenvolvera-se a rádio, Bissau tinha cinema na UDIB e no quartel-general. Manuel Joaquim meteu-se em negócios ruinosos, a saúde começou a faltar, começaram os tempos difíceis, os falsos amigos desertaram, um AVC derrubou o homem do cinema, é um rosário de intrigas, de desfeitas, de mudanças radicais.

É uma bonita homenagem que se presta ao homem do cinema da Guiné, mostrar um mapa da colónia e apercebermo-nos que ele percorria todo aquele território com filmes de todos os géneros, deu alegria e alimentou sonhos, jamais se repetiria tão espantosa experiência desse senhor que tinha a sua própria carripana, com atitudes de autossuficiência, mecânico exímio, caçador e negociante, guiava-se por um amor extremo à vida do mato, fugia ao aliciamento citadino e na época das chuvas desembarcava em Lisboa em calções, meia alta e sapato grosso, para desespero da Julinha, pouco dada a exibicionismos.

Lucinda Aranha Antunes dá-nos o contexto familiar em pinceladas sóbrias, onde não falta o colorido das observações em crioulo. E temos os cenários dessa Bissau que se desenvolve e prospera na economia da guerra, um Bissau velho pejado de coisas fartas, há muito dinheiro para as comprar. E também o desânimo desse colono com princípios que era prestável, ingénuo nos negócios e nas amizades, só se apercebeu de muito oportunismo de quem com ele se relacionava nos tempos difíceis, derrubado pela doença. Um percurso humano de alguém que desde criança adorava desmontar máquinas, se embevecia com o celuloide e encheu os matos da Guiné com horas de fantasia, entre a comédia e o drama. Uma belíssima narrativa que devia chegar rapidamente a Cabo Verde e à Guiné, tão poderoso é o texto intercultural e a mensagem inerente a este audaz homem do cinema.

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Notas do editor:

Poste anterior de 17 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19300: Notas de leitura (1132): “O Homem do Cinema, A la Manel Djoquim i na bim”, por Lucinda Aranha Antunes; edição da Alfarroba, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 21 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19313: Notas de leitura (1133): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (65) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19326: Parabéns a você (1547): Fernando Jesus Sousa, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 6 (Guiné, 1970/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P13921: Parabéns a você (1546): Albano Costa, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 4150/73 (Guiné, 1973/74); Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS do STM/QG/CTIG (Guiné, 1968/70); Felismina Costa, Amiga Grã-Tabanqueira e José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2679 (Guiné, 1970/71)

domingo, 23 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19325: Estórias do Zé Teixeira (48): "Um Novo Natal" (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Em mensagem de hoje, dia 23 de Dezembro de 2018, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias, esta alusiva à quadra que atravessamos, o Natal.

O tempo de Natal é tempo de encontro entre o presente e o passado, entre o presente e um futuro carregado de esperança. Futuro esse, que será tanto melhor, quanto nós, os seus construtores, formos capazes de fazer da vida um Natal permanente. 

Lamento que o "pai natal" tenha vindo, impulsionado pela febre do consumismo e maneira fácil de ganhar dinheiro, transformar o verdadeiro Natal numa festa de comércio, embrulhada em mensagens de amor e afeto tangidas por sinos ocos e sem o verdadeiro timbre. 
Por isso ouso desejar a todos os camaradas um Natal feliz, cantando Glória a Deus nas alturas e paz aos homens de boa vontade. 

Zé Teixeira 

Junto um pequeno conto de Natal.


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Nota do editor

Último poste da série de 5 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18987: Estórias do Zé Teixeira (47): Binta - a lavadeira do alfero Barbosa (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné 61/74 - P19324: Feliz Natal 2018 (3): Fernando Tabanez Ribeiro, 2.º Tenente da Reserva Naval; Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546 e Ernestino Caniço, ex- Alf Mil Cav, CMDT do PEL REC Daimler 2208

1. Mensagem do nosso camarada e amigo Fernando Tabanez Ribeiro (2.º Tenente da Reserva Naval, LFGs "Lira" e "Cassiopeia",  CTIG, 1972/73), com data de 11 de Dezembro de 2018:

Estimado camarada Carlos Vinhal: 
2018. Mais um Natal. 
Recordando o Natal ao calor da lareira nas nossas aldeias de outros tempos, aí vai um soneto para fazer o contraponto com os que passámos na Guiné "Até ao meu regresso. 
Como em tudo na vida, também o Natal é fruto dos tempos e das circunstâncias. 

Votos de saúde e paz para todos.
Fernando Tabanez Ribeiro


NATAL DAS ALDEIAS

Era assim o Natal antigamente, 
nas aldeias, em volta da lareira, 
velando uma chama verdadeira 
à luz da candeia, resplandecente. 

O cavador sorri benevolente, 
tem a neta ao colo na brincadeira 
com a boneca comprada na feira. 
Paz sublimada no rosto de um crente. 

Os velhos contam histórias às crianças, 
de embalar sonhos, que calam fundo. 
E avivam o lume e as lembranças. 

Natal de outros tempos, sereno e profundo, 
consoada simples das almas mansas, 
com Jesus presente a abraçar o Mundo.

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2. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 22 de Dezembro de 2018:

Nesta quadra festiva desejo a todos os que, serenamente, sob a sombra da grande árvore da Tabanca Grande, passam algum do seu tempo, BOAS FESTAS de Natal, e um ano de 2019 cheio de saúde, e muitas coisas boas.

Que a todos, o Menino Jesus, tão celestial, proporcione um alegre Natal. Já quanto a esse velhote barrigudo, que tantas quimeras promete, tanta coisa virtual, não lhe liguem muito. Deixem-no subir pelas janelas, ou vaguear pelos telhados. Mas não lhe entreguem a chave da casa.

FELIZ NATAL
BOM ANO NOVO

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3. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, MansabáMansoa e Bissau, 1970/71):

Caros amigos 
Votos de Boas Festas, um óptimo 2019, especialmente com saúde, e, esperançado num bom 2050. 

Um grande abraço 
Ernestino Caniço



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4. Mensagem do nosso camarada José Firmino (ex-Soldado Atirador da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/71) com data de 4 de Dezembro de 2018:

Amigos e camaradas da Tabanca Grande
Para todos vós e respectiva família, os meus votos de um Santo Natal e um 2019 cheio de saúde.

José Firmino
CCAÇ 2585
Jolmete
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Nota do editor

Último poste da série de22 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19319: Feliz Natal 2018 (2): Fantasias de Natal (Manuel Luís R. Sousa, ex-Soldado At Inf do BCAÇ 4512/72)

Guiné 61/74 - P19323: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (10): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 e Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF


1. Mensagem do nosso camarada e amigo José Manuel Cancela (ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382, Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2018:

Olá,amigos Tabanqueiros. 
Aqui vai a prova que estou cá, e continuarei. 

Um grande abraço a todos, com votos de festas felizes.
José Manuel Cancela

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2. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 6 de 29 de Abril de 2018:

Caros Amigos
Acho que a proposta que foi feita para aproveitarmos esta Quadra para fazer "prova de vida" foi uma boa iniciativa e tenho pena que esteja com fraca resposta. Por isso vou tentar dar o meu pequeno contributo.

Sim, de facto "estou vivo" e agora com melhor ânimo, já que as análises e outros "elementos auxiliares de diagnóstico" têm dado resultados bons. Não é uma decisão definitiva, afinal a intervenção foi há apenas (vai fazer) 10 meses e é preciso, segundo o urologista, passar mais algum tempo para declarar a "morte dos bichinhos" mas lá que anima, isso sim.

Não quero fazer falsas promessas (deixo isso para os decisores do poder), apenas afirmo a minha intenção de poder aprofundar a minha colaboração com o Blogue.

Entretanto, umas "Festas Felizes"!

Abraços
Hélder V. Sousa
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19320: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (9): Faz hoje 47 anos que parti para o CTIG, com o meu BART 3873, e a minha CART 3494 (António Bonito, ex-fur mil)

Guiné 61/74 - P19322: Manuscrito(s) (Luís Graça) (148): Revisitando o Portugal profundo de 1960...Festa de Nª Sra. do Socorro, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses: 7 contos e 600 de foguetório, 2 bandas filarmónicas, 4 quilos de cavacas... para os anjinhos; 450 escudos para os padres; e mil escudos de vinho para os músicos...Quando as festas populares davam prejuízo e os mordomos tinham de abrir os cordões à bolsa, honrando a palavra dada...





Marco de Canaveses > Antiga freguesia de Paredes de Viadores  > Festa de Nossa Senhora do Socorro > Estrutura da despesa e receita > Documento s/d c. 1950/60]. Fonte: Arquivo da Quinta de Candoz

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)



1. Gosto de mexer nos papéis antigos: cartas, fotografias, faturas, diários, jornais... Estão lá pedaços dos nosso passado, das nossas vidas, individuais e coletivas 

Ontem, remexendo nos papéis do meu falecido sogro, José Carneiro (1911-1996), voltei a examinar, com mais atenção,  um documento manuscrito, sem data, com a discriminação das despesas e receitas da comissão das festas de Nossa Senhora do Socorro, que se realiza todos os anos, no último fim de semana do mês de julho. É uma romaria antiga, se bem que a capela tenha sido edificada nas últimas décadas do séc. XIX (c. 1875).

Estas terras são antiquíssimas. Já o concelho de Marco de Canaveses é uma criação do liberalismo, remonta a 1852, tendo resultado da anexação dos concelhos de Benviver, Canaveses, Soalhães, Portocarreiro e parte dos de Gouveia e Santa Cruz de Riba Tâmega.

O meu sogro, José Carneiro,  foi várias vezes mordomo destas festas, as fr N. Sra. do Socorro, consideradas uma das maiores e mais concorrids festas populares do concelho. O documento que encontrámos deve dizer respeito ao ano de 1960, segundo informação das mulheres da família que nestas coisas têm melhor memória do que os homens.

A minha cunhada Nitas  [Ana Carneiro] lembra-se, tinha ela 13 anos já feitos, de andar na festa a angariara dinheiro com as florinhas de papel, com um alfinete,  que eram espetadas na lapela do casaco dos cavalheiros, à entrada do recinto. As receitas que daí provieram ainda atingiram uma cifra razoável para a época: c. de 650$00... Mas, mesmo assim, insuficientes para pagar o imposto de selo: selar 35 programas, nas finanças, custava na altura  914$40  (!), uam exorbitância.
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O total de despesas desse  ano ultrapou os 24 contos, o quivalente, a preços de hoje,  a 10 726 euros.  Repare-se, que o foguetório já nessa altura representava quase um terço (31,1%)  do total das despesas.  Havia 4 fogueteiros,  que deitavam fogo à competição, havendo um prémio para o melhor...

Para a contratação de duas bandas de músicas, mais os Zés Pereiras, uns e outros pagos em dinheiro e em géneros, ia a maior fatia do bolo  (41,7%):

  • Banda de música dos Bombeiros Volunários: 4100;
  • Banda de música de Tio Mau: 2500;
  • Zés Pereiras: 450
  • Carne para os músicos: 1222;
  • Vinho para os músicos: 1000.
  • Mercearias, e pão:

Subotal: 10191,6.

As duas rúbricas somavam mais de 70% das despesas...  Ontem como hoje... Com uma diferença: as bandas filarmónicas tem de competir hoje com os "artistas de variedades" e "bandas de música ligeira" que têm cachês de dezenas de milhares de euros.

Deliciosa é a rúbrica das cavacas:  100 escudos de cavacas (4 quilos) para...os anjinhos (que animavam as procissões...). Ou as dos Zés Pereiras (450 escudos), sem esquecer a GNR que não andava a cavalo nem tinha meio de transporte próprio (400 escudos). Nas despesas com os padres (450 escudos),  inclui-se o pregador, que vinha de fora, e cuja obrigação era de arrebatar as almas e de pôr os corações a sangrar...

Apesar da pobreza generalizada (estamos em terras de rendeiros e de grande emigração...), também era vulgar as pessoas ofereceram à Nª Srª do Socorro objetos em ouro (brincos, cordões,  fios, pulseiras, etc.), como forma de pagamento de promessas. Essa prática terá aumentado com a emigração e com a guerra colonial, nos anos 60/70. Ainda me lembro de ver, nos anos 70, já no pós-25d e Abril, o andor da santa coberto de notas, escudos, francos, marcos...

 As receitas, nesse ano de 1960, foram inferiores às despesas... O prejuízo foi dividido pelos seis mordomos da comissão organizadora (cabendo 961$63, a cada um…).

 O meu sogro, além de proprietário agrícola, era construtor de ramadas, ofício que herdou do irmão mais velho. Temos registo da sua facturação de 3 ou 4 décadas.  A equipa de ramadeiros era flexível, variando entre 3 a 7, incluindo o próprio construtor e pelo menos um dos seus filhos (primeiro o mais velho, o António que irá para o Brasil e depois para Moçambque,  e a seguir  o Manuel Ferreira Carneiro, no final dos anos e, mais tarde, nos anos de 1963 a 1967, o José Ferreira Carneiro, o benjamim da família, que também foi mobilizado para Angola (1969/71)

Em geral, o construtor ganhava o dobro dos seus oficiais. Os honorários do construtor vão, nesta época (em que praticamente não havia inflação, até  meados dos anos 60) , entre os 30 e os 50 escudos, dependendo do cliente e da distância da obra em relação ao local do estabelecimento principal (que era Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses). As ferramentas eram dele. O material (esteios, em pedra, e mais tarde em cimento, bem como o fio de arame) eram fornecidos pelo cliente (, o proprietário). Fazia ramadas na região mas também em Trás-os-Montes, nas Quintas do Douro.

 Tudo isto para dizer que a soma que ele teve de desembolsar, como mordomo da festa,em 1960, equivalia a um mês de trabalho nas ramadas... Mas a palavra dada para ele era "sagrada",,, Ser mordomo era, de resto,  um privilégio e uma honra.

Enfim, outros tempos, outras gentes, outros princípios, outros valores!... E outras formas de sociabilidade e de de lazer.



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > 7 de Dezembro de 2007 > A Linha de Caminho de Ferro do Douro, entre o Juncal  e Mosteiró,   vista da Quinta de Candoz.


Foto (e legenda): © Luís Graça  (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, Adro da Igreja de Nª Sra. do Socorro > 7 de setembro de 2013 > Festa da Família Ferreira  > Fotografia de grupo... Pelas nossas contas, e pelas fotos, teremos tido nesse ano mais de uma centena de presenças. A a nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro é filha de Maria Ferreira e José Carneiro.

Foto (e legenda): © Luís Graça  (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné 61/74 - P19321: Parabéns a você (1546): Albano Costa, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 4150/73 (Guiné, 1973/74); Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS do STM/QG/CTIG (Guiné, 1968/70); Felismina Costa, Amiga Grã-Tabanqueira e José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2679 (Guiné, 1970/71)




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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P13914: Parabéns a você (1545): Miguel Vareta, ex-Fur Mil Comando da 38.ª CCom (Guiné, 1972/74)

sábado, 22 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19320: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (9): Faz hoje 47 anos que parti para o CTIG, com o meu BART 3873, e a minha CART 3494 (António Bonito, ex-fur mil)


Lisboa > 22 de dezembro de 1971 > Partida do N/M Niassa para a Guiné


Bissau > Chegada do N/M Niassa, a 29 de dezembro de 1971

Fotos (e legendas): © António Bonito / Sousa de Castro  (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



 2. Nota complementar do Sousa de Castro:
Excerto do livro "BART 3873: HISTÓRIA DA UNIDADE"  >  Mobilização


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Nota do editor:

Último poste da série  > 22 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19317: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (8): Ainda ando por cá no reino dos vivos (Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor da CCAV 489)

Guiné 61/74 - P19319: Feliz Natal 2018 (2): Fantasias de Natal (Manuel Luís R. Sousa, ex-Soldado At Inf do BCAÇ 4512/72)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa, Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma, (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4512/72, Jumbembem, 1972/74), com data de 20 de Dezembro de 2018:

Nesta quadra festiva que se aproxima, que todos os meus familiares e amigos, que saúdo especialmente, se deixem envolver pela fantasia de que na noite de Natal o Menino Jesus, indiferente ao frio e à chuva, desce pela chaminé, enfarruscando as suas vestes, para deixar os presentes que ao longo do ano vamos pedindo.
A mesma fantasia que eu vivi há uns bons anitos atrás:


Fantasias de Natal…

Sempre me disseram, em criança, alimentando a minha fantasia, que o Menino Jesus, que eu via habitualmente num dos altares da capela de S. Luís, muito pequenino, de feições angelicais, de cabelo loiro, vestido com umas vestes brancas e resguardado numa redoma de vidro, nos visitava na altura do Natal, entrando pela chaminé, para deixar uns presentes nos sapatos que ali encontrasse.

Como é que aquele ser tão frágil e indefeso, – pensava comigo próprio, embora criança – tinha o vigor físico para, pela calada da noite, ao frio, à chuva ou à neve, subir ao telhado da nossa casa e descer depois ao interior, com a dificuldade acrescida de ali não existir qualquer chaminé? As chamas da fogueira crepitavam livremente até ao tecto, saindo o fumo por entre as telhas.
Mesmo assim, pelo sim e pelo não, na noite de Consoada, à falta de sapatos, lá ia colocando os socos junto à lareira, condição essencial para Ele deixar os presentes, segundo me diziam, na expectativa de que aquele Menino seria mesmo capaz de vencer tais obstáculos e descer através das "lares" para me deixar qualquer coisa – um carrinho, uma gaita. Oh...! Que alegria seria a minha.

No dia seguinte, ansiosamente, bem cedo, ia ver os socos que, para minha decepção e tristeza, continuavam intactos e sem qualquer presente. A explicação dos meus pais era a de que Ele não teria brinquedos suficientes para todas as crianças, mas que, provavelmente, no ano seguinte seria a minha vez, ou então, diziam-me, que ele não teria entrado pelo facto de a nossa casa não ter chaminé e de não querer "enfurretar" as suas vestes alvas de neve na fuligem das "lares".
Serviam-me de algum consolo estas explicações e consolidava-se em mim aquela ideia de que o Menino Jesus, tão frágil, correndo o risco de se partir o barro de que era feito, não seria capaz de subir ao telhado da nossa casa. Isto por um lado. Por outro, chegava a pensar que Ele discriminava os meus socos, daqueles que o Zé "Baloiro" dos Pereiros fazia, visto que o habitual, segundo me diziam, era porem-se na lareira na noite de Natal os sapatinhos. Coisa que eu não tinha.

Num desses anos da minha meninice, também por altura do Natal, encontrava-me na aldeia da Carrapatosa, onde passava alguns períodos com a minha avó materna. Mais uma vez, na noite de Consoada, levado pela mesma fantasia, a minha tia Aninhas aconselhou-me a colocar os socos no canto da lareira antes de ir para a cama. Com alguma relutância o fiz, pela experiência anterior e visto que a casa da minha avó também não tinha chaminé.

No dia seguinte, bem cedo, "inspeccionados" os socos, para minha surpresa e alegria, estavam atacados de rebuçados. Como criança que era, rejubilei de felicidade! Perante esta realidade, e não perdendo tempo em trincar e chupar alguns deles, percorrendo com o olhar toda a altura entre o tecto e a lareira, não pude deixar de pensar que o Menino Jesus da Carrapatosa era muito mais audaz do que o da minha terra, e imaginava como as suas vestes teriam ficado negras pela fuligem do cadeado das "lares", por onde ele teria descido feito alpinista.

Logo nesse dia, na ida à missa de Natal com a minha avó, a tia Aninhas e os meus primos, à capela de Santa Luzia, tive a curiosidade de reparar na sua imagem, supondo eu, pelo que fez durante a noite, que estaria toda enfarruscada de fuligem.
Para minha admiração, estava imaculadamente limpa, como era habitual, o que me deixou pensativo, concluindo que aquele menino em nada se comparava a outro qualquer. A mim, por exemplo. Porque se eu fizesse o que ele fez, a minha roupa estaria que nem a de um carvoeiro, impregnada de pó negro da lareira.

Só mais tarde tive a noção de que o Menino Jesus, para não se sujar e não apanhar o frio da noite, fez o cambalacho com a tia Aninhas, que era mordoma da capela, incumbindo-a de ali colocar os rebuçados, que Ele tinha requisitado nas tabernas do Eugénio ou do Cassiano de Campelos para serem debitados na Sua "conta". Aqueles a que eu tinha direito – os socos estavam repletos – em compensação dos anos anteriores que não me tinha trazido nada.

Manuel Sousa
(Excerto do meu livro ONDE A CEGONHA POISOU")
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19316: Feliz Natal 2018 (1): Natal diferente (Paulo Salgado, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721)

Guiné 61/74 - P19318: Os nossos seres, saberes e lazeres (299): Viagem à Holanda acima das águas (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
O viandante desconhecia inteiramente o acervo monumental do museu Kroller-Muller, de Van Gogh sabia da existência de um museu em Amesterdão, de alguns quadros no Rijks, também de Amesterdão, nada sabia desta impressionante coleção privada. Mas a senhora Helen Kruller-Moller era profundamente eclética e deixou a Fundação com um espantosíssimo património que tem vindo a ser aumentado até aos dias de hoje. Se nos temos que orgulhar dos espaços da Gulbenkian e de Serralves, não deixa de assombrar a visita a um museu que abre para estes hectares mimosamente tratados e com um conjunto escultórico que não deve ter paralelo no mundo inteiro.
E depois de passear pelos jardins e até de visitar o acervo da sua escultora predileta, Barbara Hepworth, atirou-se impaciente para as salas mágicas dos óleos e desenhos de Vincent Van Gogh.
Como se contará a seguir.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (4)

Beja Santos

O viandante ciranda pelo Museu Kröller-Müller, está fascinado pela coleção, pelas instalações, pelo espaço envolvente. Felizmente que pode entrar e sair quando lhe apetece. À hora da pitança do almoço, perdeu amor aos euros e comprou um catálogo para se situar o quando, o como e porquê desta esplendorosa casa de arte. A colecionadora Helene Kröller-Müller tinha dinheiro a rodos, em 1921 era detentora da mais importante coleção particular de Arte dos Países Baixos, e só estava a dar os primeiros passos. Em 1933, possuía 4 mil desenhos, 275 esculturas e centenas de quadros, a maior parte de altíssima qualidade. Depois leio os projetos arquitetónicos que envolveram alguns dos nomes mais importantes de arquitetos do seu tempo. A fatia de leão, o que sobretudo atrai o visitante é a impressionante coleção de Van Gogh, ocupa o núcleo central, mas o visitante é habilmente induzido a passear-se entre a Arte antiga e expoentes da Arte mais contemporânea, o mesmo se passa com o itinerário escultórico que se pode contemplar nos jardins. James Ensor, Seurat, Signac, aguçam o apetite logo à entrada. Veja-se este Signac intitulado “O Pequeno-Almoço”, obra pontilhista, próxima de Seurat, e com referências a Monet. O que atrai neste quadro de Signac são as cores complementares e contrastantes, as figuras são pintadas de frente ou de perfil, imóveis, sem nenhuma expressão ou sentimento, nada têm de retratos, Signac era um admirador dos anarquistas e daí a crítica implícita que faz à suficiência do mundo burguês.


Ensor é useiro em atmosferas de Carnaval, notabilizou-se pelas suas criações burlescas, há qualquer coisa de Bosch ou Breughel, são criaturas estranhas mascaradas, parecem retiradas do teatro popular e do confronto entre o bem e o mal. Para Ensor, a vida é uma mascarada onde se procuram dissimular as paixões e a bestialidade em cores vaporosas, alegres, que marcam o contraste com os temas cáusticos que ele explora.


A notável coleção inclui Picasso, Juan Gris, Fernand Léger, Mondriaan, Giacomo Balla, Marino Marini, Claes Oldenburg, Richard Serra ou Christo. Este Giacomo Balla intitulado “O Voo das Andorinhas” é uma das marcas de água de um dos maiores futuristas italianos. Os futuristas viviam centrados no movimento e na dinâmica. O que aqui há de inovador é o efeito que se pode comparar à sucessão de diferentes imagens de um filme, e o cinema era uma invenção bem recente.




Esta escultura é hoje um ícone da Arte italiana, aparece nas moedas de 20 cêntimos de Itália. É da autoria de Umberto Boccioni e chama-se “Forma Única da Continuidade no Espaço”. É menos importante o homem que marcha, o significado está na modificação das formas que sobrevêm quando se move no espaço. Entre o que separava os cubistas dos futuristas é que os primeiros consideravam que só havia um movimento, o observador desloca-se à volta do objeto e representa todas as facetas desse objeto; para os futuristas, o movimento é complexo porque há os homens e há as máquinas, ficaram célebres as telas futuristas com ciclistas e automóveis.


Esta composição em losango é de Piet Mondriaan, por quem o viandante tem uma indisfarçável admiração, inclui-o na trindade que revolucionou as Artes Plásticas no século XX , ao lado de Picasso e Matisse. Porque este Mondriaan experimentou de tudo, desde o figurativismo até ao geometrismo mais ousado. Começou no naturalismo, relacionou-se então com Van Gogh e Seurat, sofreu influências do cubismo analítico de Picasso, rompeu com os determinismos, considerando que as formas de base da beleza, o que dá harmonia e ritmo precisa de linhas diretivas ou linhas curvas, mesmo sinaléticas. Construiu tramas de linhas verticais e horizontais, que explorou nas suas idealizações arquitetónicas e até no design de interiores. Vê-se e é sempre uma lufada de ar fresco.


Fernand Léger foi um cubista que seguiu uma via diferente da de Picasso e Braque, chegando a soluções em que o volume é o dado plástico que funciona como elemento central. Foi infatigável a investigar os contrastes nas formas, nas cores e nos assuntos. Com a evolução, fascinou-se pelas máquinas no meio de um certo número de superfícies e de formas com cores vivas, é tudo referenciado à mecânica, com alusões à ideia de democracia, às possibilidades que devem ser facultadas a todos sem exceção.






A colecionadora julgava-se autora de um conceito original de Arte: até finais de século XIX a primazia pertencia aos realistas, aí começaram a marcar posição os idealistas, onde ela incluía Van Gogh, o seu artista de culto. Adquiriu pintura dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII, e daí este Lucas Cranach, o Velho, esta tela de Vénus com o Amor percorre o mundo inteiro. Adquiriu Picasso como adquiriu Renoir, Gauguin ou Cézanne, veja-se antes de Lulas Cranach “O Barco Ateliê” de Monet, uma obra-prima do impressionismo: o que estava em causa era a imaterialidade da luz exterior, a instabilidade do céu e da água, a fugacidade do momento. Neste quadro as formas não possuem nenhum contorno nítido. Que beleza! E já chega de depenicar, voltear em torno do grande mestre que trouxe o viandante a este local, vamos mergulhar fundo nessa piscina olímpica de Vincent Van Gogh.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19294: Os nossos seres, saberes e lazeres (298): Viagem à Holanda acima das águas (3) (Mário Beja Santos)