Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
Guiné 61/74 - P21471: Historiografia da presença portuguesa em África (236): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (3) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Julho de 2017:
Queridos amigos,
Faço apelo a que leiam atentamente estas três recensões à volta da memória descritiva de Travassos Valdez da Senegâmbia ou Guiné Portuguesa. É alguém que vem bem habilitado, tem importante currículo colonial, é culto e bom observador. E escreve com facilidade, cede aos sentimentos mas não transige na importância do relato: a importância do Ilhéu do Rei, a situação na Fortaleza de S. José de Bissau e o estado deplorável em que se vive dentro da cidade, deplorável e de incompleta instabilidade, a quase total ausência de missionários, a natureza dos negócios, como se processa o comércio, quem são e como atuam os negociantes de Bissau e Cacheu, quais os pontos significativos da presença portuguesa que segundo o seu relato não passa de Geba na região Leste, fala dos Felupes, do Cacheu, dos Bijagós e do rio Grande.
É pois um relato deliberadamente preparado para se saber o que existe naquela parte do mundo, lembre-se que o autor dedica a edição portuguesa ao rei D. Luís I.
Era esta a Guiné em 1861, para que conste.
Um abraço do
Mário
Francisco Travassos Valdez e a Senegâmbia (3)
Beja Santos
O livro intitula-se “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez, impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864. Primeiramente, a publicação surgiu em Londres com o título Six years of a traveller’s in western Africa, 1861. Francisco Travassos Valdez tem um curioso currículo: ex-árbitro das Comissões Mistas Luso-Britânicas e do Cabo da Boa Esperança; ex-Secretário da Comissão Especial de Colonização e Trabalho Indígena das Províncias Ultramarinas; Secretário do Governo da Província de Timor.
O volume é apresentado como 1.º, abarca as seguintes descrições: Porto Santo e Madeira; Canárias; Cabo Verde (ilhas de Barlavento), Cabo Verde (ilhas de Sotavento); Senegal e Senegâmbia (Guiné Portuguesa). Nesta recensão trata-se exclusivamente o que o viajante viu e sentiu na Senegâmbia, mais tarde reportaremos o que do Senegal tem interesse relevante para a Guiné do século XIX. Sente-se que está bem informado e viaja cheio de curiosidade pelas porções de território onde há presença portuguesa. Não abordará o vasto território do Gabu nem a península de Cacine, é tudo ainda região ignota, só ficará legalmente confirmado como território português depois da Convenção Luso-Francesa, que ainda vem longe.
Está a subir o rio Geba, dá-nos um quadro pitoresco de Fá, no Geba estreito, o presídio de Fá defronte do Porto das Almadias: “O território onde está situado este pequeno estabelecimento pertencia a uma preta denominada a Fidalga de Fá, Beafada, que patrocinava muito os brancos desde que tomara amores com um morgado do engenho de S. Tiago de Cabo Verde, que passara a Bissau e dali a Geba, chamado José Valério de Santa Maria, e que deu causa a que se estabelecesse ali povoação portuguesa de Europa e de Cabo Verde, pelo ano de 1820, chamando a dita fidalga cristãos de Bissau, para sossegar o seu amante que se queria retirar com o receio de que pela sua morte não houvesse quem lhe rezasse por alma. Por morte dele, a fidalga querendo que não se realizasse o que o seu amante tanto receara, e vendo que os cristãos se queriam retirar, cedeu o território então a Portugal, tendo nós hoje ali um sargento com meia dúzia de soldados e sem haver forte algum!”. Nesta linha de pensamento o autor tira uma ilação da falta de ocupação do território: “E há quem se admire de que os estrangeiros nos vão usurpando os nossos territórios na Senegâmbia ou Guiné Portuguesa, como a ilha de Bissau, Sello ou Casamansa e no rio Grande, etc, quando não temos ou não tínhamos na maior parte nem ao menos quem içasse a bandeira de Portugal”. Fá maravilha-o e não o esconde: “Chega até ao estabelecimento de Fá a maré com água salgada, continuando ainda muito acima, mas já com água doce. O solo é fértil, tendo o sítio muitas laranjeiras, limoeiros, coqueiros, cana-de-açúcar, mandioca, bananas, palmares, muitos ananases e até cerejeiras e macieiras importadas de Portugal”.
Depois de lamentar a decadência de Geba, tece considerações sobre a falta de missionários: “Por mais de uma vez nesta obra temos chamado à atenção sobre a extraordinária e lamentável falta de sacerdotes instruídos e morigerados nas possessões africanas. Mas ainda mais sensível, por assim dizer, se torna esta falta em Geba, até sob o ponto de vista político; porque atenta a influência que naqueles povos exercem as pompas do culto católico, e a inclinação decidida que têm para assistir às festividades nos tempos, se se tivesse cuidado seriamente em ter ali a igreja por vida de sacerdote, e se este fosse de um procedimento regular, cresceria muito o nosso poderio na mesma proporção que se aumentasse ou estendesse o número de convertidos”.
Antes de se voltar para o Sul da colónia ainda deixa uma descrição de Geba: “Geba não tem fortificação alguma ou paliçada nem maior guarnição de que um dez soldados com um comandante militar; mas é um mercado sofrível onde se vende algum ouro, marfim, couros e outros produtos do país, que todos são permutados por sal, cola e mercadorias europeias”.
Agora o Sul, aquele em que os portugueses tinham tido ou mantinham presença: “Passando agora a falar das dependências de Bissau no rio Grande, sentimos dever ter de dizer que o grande comércio que tinham no meado do século XVI os habitantes de S. Tiago de Cabo Verde com o Porto da Cruz na foz do rio, na ponta do Norte, em Biguba, 18 milhas mais acima, na margem direita, e em Guinala, quase que chegou a paralisar-se de todo, indo lá nos modernos tempos raras vezes os nossos navios comerciar com os Beafadas e Mandingas ao Norte, com os Nalus ao Sul, e com os Bijagós nas suas ilhas, à entrada do rio”.
Procede a descrições primorosas das diferentes etnias, começando pelos Beafadas, Nalus e Bijagós, aborda a questão de Bolama (não esquecer que ainda não tinha sido proferida a sentença do presidente Ulysses Grant). A incursão muda de rumo, vai-se para Cacheu, sua praça e dependências. Eis o que ele viu ou sentiu: “Gozemos a pitoresca vista de arvoredos frondosos que cobrem as margens, onde, como alinhamentos de marcas de pedras, se descobrem de espaço a espaço, enfileiradas com a maior singularidade, cardumes de pelicanos brancos, bem como grandes graças. Fundeemos finalmente em frente da praça, cuja perspectiva é realmente pitoresca e agradável, vendo-se bons edifícios, entre os quais sobressai o magnífico palacete que o falecido Comendador Honório Pereira Barreto fazia para a sua residência”. E viaja-se até Casamansa, o rumo é Ziguinchor: “Este presídio de Ziguinchor é importante porque comunica pelo interior com o rio da Gâmbia, e porque nas terras sitas no Norte de Casamansa abundam as gomas e uma espécie de cocos muito oleaginosos, mas de que nunca tirámos partido por desleixo, e de que já não podemos tirá-lo desde que os franceses se instalaram no Sello (bem como os ingleses). A defesa deste presídio consta de uma estacada ou tabanca e três fortins de pedra e barro, com oito más peças de artilharia e de apenas oito soldados de guarnição; mas apesar disso, Ziguinchor é talvez a única excepção honrosa da maneira por que geralmente se portam os seus moradores em relação ao gentio. Com efeito, os gentios respeitam muito o presídio, porque os notáveis e o povo se armam, e vão denodadamente bater, mesmo sem socorro algum do governo, o gentio que se atreva a fazer-lhes o mais pequeno insulto”. Prossegue as suas descrições étnicas, é muito minucioso com as cerimónias religiosas dos Felupes.
E muito curioso é o termo da sua viagem à Senegâmbia, como se pode ler: “Terminaremos a descrição da Guiné Portuguesa dizendo que uma das insígnias do Mordomo-Mor em Portugal (o bastão, a que chamamos negrinha) teve origem em comemoração da descoberta e conquista daquela região.
Com efeito, no reinado de El Rei D. Afonso V, O Africano, pelos anos de 1442, vindos os primeiros negros trazidos da Guiné a Portugal, por António Gonçalves, criado do Senhor Infante D. Henrique, e pelos anos de 1448 os primeiros dentes de elefante da costa do sul de Cabo Verde, ordenou aquele monarca a Álvaro de Souza, Senhor de Miranda, seu Mordomo-Mor, que a todos os actos públicos da corte assistisse à direita do soberano com um bastão ou bengala de marfim, tendo por castão uma cabeça de negro como para indicar o novo domínio da Coroa Portuguesa naquela parte do mundo”.
Aqui finda a narrativa, mas voltaremos a Travasses Valdez para escutar o que ele diz da presença portuguesa no Senegal.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 14 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21449: Historiografia da presença portuguesa em África (235): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P21470: Consultório militar do José Martins (53): o Estatuto do Antigo Combatente: isenção das Taxa Moderadoras na utilização dos serviços de saúde
Assunto - Isenção de taxa moderadora para ex-combatentes
1. Cosulta de um camarada nosso ao Zé Martins, com data de ontem:
Como vai isso, mesmo tendo estado a levar porrada em Canjadude não te afasta não teres deste covidado indesejável... Espero que nada do bicho te incomode.
Estou a chatear pela razão da Isenção da Taxa Moderadora no SNS para os ex-Combatentes e por saber que és um amigo em que posso pôr a questão.
A Isenção só vai ser possível com a apresentação do tal Cartão que ainda não foi entregue ou já estamos Isentos mesmo sem o Cartão ?
Com o meu problema de saúde, cada vez mais preciso de consultas, exames ou outras chatices médicas e lembrei-me da Isenção e o Centro de Saúde responder 'não sabemos de nada'.
Agradeço a tua disponibilidade para me dares uma resposta.
2. Resposta do Zé Martins, na volta do correio:
Como dizes só com o Cartão é que é possível obter qualquer dos "benefícios" com que a PÁTRIA nos brindou, mas não só.
Falta toda a legislação complementar que irá reger esse direito, e terá que ser acordado entre o Ministério da Defesa e:
- O Ministério das Finanças, que é quem tem a ma$$a;
- O Ministério da Saúde, que deixa de receber as taxas moderadoras;
- O Ministério dos Transportes, que deixa de vender passes;
- O Ministério da Cultura, que deixa de cobrar os bilhetes nos museus e monumentos;
- o Ministério da Administração Interna, que tem de fornecer as Bandeiras Nacionais, para os funerais.
Etc, etc, mas terá de haver Cartão.
Não sei como estás de matemática, mas vejamos: o Cartão terá de ser impresso nas duas faces. É produzido no mesmo material que os "cartões vulgares que utilizamos", mas há uma máquina que o produz, e outra que o imprime. Aqui não há incompatibilidade, a não ser que as máquinas se encontrem em locais distantes.
Se cada Cartão levar a imprimir, já com a assinatura da entidade responsável, dois minutos, em cada hora serão impressos apenas trinta, Como só se trabalham 7/8 horas por dia, fazendo as contas a 6 horas teremos, com otimismo, 1.000 cartões por semana.
Como são 200.000, levarão 4 meses, sem contar os feriados e os lay-off, a produzir.
Depois faltará a impressão individual, a carta a acompanhar o dito, a sua entrega aos correios e a "disposição" destes para a sua entrega.
Estamos a falar, na melhor das hipóteses, em Março ou Abril de 2021...
Nesta altura só nos resta verificar todas as manhãs se o dedo grande do pé ainda mexe, o que é bom sinal, e tudo fazer para que não nos arrefeça o céu da boca.
Esta resposta está um "pouco" sarcástica, mas, se não pensarmos assim, damos em loucos.
Resumindo: ainda é cedo, porque agora o que é preciso é haver orçamento, sem ser às pinguinhas.
Abração e saúde da boa.
Zé Martins
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Nota do editor:
Vd. postes anteriores da série >
28 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21301: Consultório militar do José Martins (52): O Estatuto do Antigo Combatente (2)
27 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21299: Consultório militar do José Martins (51): O Estatuto do Antigo Combatente (1)
terça-feira, 20 de outubro de 2020
Guiné 61/74 - P21469: Notas de leitura (1316): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - V (e última) parte (Luís Graça): Em Brá, no final da comissão, tem como companheiro de quarto o furriel mil 'comando' Vassalo Miranda, uma 'figura ímpar', grande autor de banda desenhada da nossa guerra
Guiné > Bissau > Brá > 1965 > Fur mil at cav Gonçalo Inocentes, de rendição individual, tendo passado pela CCAÇ 423 (São João e Jabadá) e pela CCAV 488 (Bissau e Jumbembem), entre 1964 e 1965. Fez 16 meses de comissão. Foi em Brá que conheceu o Vassalo Miranda, quando ambos aguardavam o regresso à Metrópole.
Foto (e legenda): © Gonçalo Inocentes (20w0) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Quinto e último apontamento decorrente da leitura do livro do Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (Vila Franca de Xira, ModoCromia, 2020, 126 pp, ilustrado).(*)
De rendição individual, o fur mil Gonçalo Inocentes juntou-se à CCAÇ 423, em 8 de abril de 1964. Um ano depois acaba a comissão dos "velhinhos". É com consternação que o autor vive esse dia, 14 de abril de 1965. Vê-os partir, por via terrestre, a caminho de Tite, sede do batalhão.Chega, por fim, o grande dia, o regresso do Niassa ao Tejo, em 14 de agosto de 1965... Com a companhia a marchar, mal, sob o comando de um alf mil médico que não sabia marchar, o dr. José Hipólito Sousa Franco, o médico da companhia (O que será feito dele?)...
7 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21426: Notas de leitura (1313): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte IV (Luís Graça): as primeiras minas e fornilhos A/C
10 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21344: Notas de leitura (1305): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte II (Luís Graça): a importância de se ter uma máquina fotográfica e um bloco de notas
9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21339: Notas de leitura (1303): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte I (Luís Graça): voltar a ouvir a máquina "Singer" da mamã nas matas e bolanas de Quínara,,,
Último poste da série > 19 de outubro de 2020 > Guiné 671/74 - P21465: Notas de leitura (1315): “Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”, um artigo de Victor Andrade de Melo na Revista Análise Social de 2017 (1) (Mário Beja Santos)
(**) Vd. poste de 23 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20587: Agenda Cultural (724): Palestra sobre a Op Mar Verde (22/11/1970) pelo escritor António José dos Santos Silva: Palacete Viscondes de Balsemão, Pr Carlos Alberto, 71, Porto... Sábado, 1 de fevereiro de 2020, às 14h30
Guiné 61/74 - P21468: Tabanca Grande (504): Manuel Inácio, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68). Apadrinhado pelo nosso camarada Abel Santos, vai ocupar o lugar n.º 820 do nosso poilão sagrado
Formei Batalhão, em Tomar, chegando à Guiné em 15 de agosto de 1966.
Estive em Bissau na CCAÇ 1589, aquartelado no antigo 600. Esta Companhia funcionava como Companhia de Intervenção sob as ordens diretas do Comando-Chefe.
Fez várias operações pelas zonas de Portogole, Enxalé, Xime, Oio, Ilha do Como, seguindo passados 10 meses para Madina do Boé, onde permaneceu 11 meses, sendo depois rendida pela Companhia que sofreu o acidente na jangada, no rio Corubal.
Durante esse período sofreu uma baixa, e nunca ninguém ou do comando, ou particular, fez uma visita a esse aquartelamento, salvo as escoltas anuais, fim das chuvas que abasteciam o destacamento.
Além de tocar a corneta em cima do abrigo quando eles atacavam, também fazia caricaturas, versos e tabuletas com vários "epitáfios" do momento. Logo à entrada se podia ver uma tabuleta,:
Caro Manuel Inácio
Bem-vindo à nossa Tabanca Grande. Muito obrigado por te juntares à tertúlia e pelas fotos enviadas que suponho ser todas de Madina do Boé. Obrigado também ao Abel Santos por "apadrinhar" a tua entrada. Sentas-te no lugar n.º 820, à sombra do nosso mágico, fraterno, acolhedor e protector poilão. Como gostamos de dizer, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Cabemos cá todos com tudo o que nos une e até com o que nos pode separar... Fico à espera de mais memórias tuas para alimentar o blogue, que é um "bicho comilão e sedento"... Como vês, em 16 anos de existência já publicámos cerca de 21 mil e 500 postes, a par de 85 mil comentários... Para não falar em mais de 100 mil imagens... E vamos a caminho das 12,5 milhões de visualizações de páginas (, grosso modo, visitas).
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Nota do editor:
Último poste da série > 4 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21387: Tabanca Grande (503): António Baltazar Valente Ramos Dias, ex-Alf Mil Art MA da CART 1745 (Ingoré e Bigene, 1967/69): senta-se no lugar n.º 819 do nosso poilão
Guiné 61/74 - P21467: (De)Caras (165): Cecília Supico Pinto, em Cufar, em fevereiro de 1966 (Mário Fitas, ex-fur mil op esp, CCAÇ 763, 1965/67)
Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas" (1965/67) > Fevereiro de 1966 > Delegação do MNF, de visita a Cufar. Sabemos que nessa delegação estva integrada a Cecília Supico Pinto, presidente do MNF, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento.A elas se juntaram também a esposa do cap Costa Campos.Mas temos sérias dúvidas sobre se alguma destas semhoras era a Cecília Supico Pinto,
1. Em fevereiro de 1966, a então presidente do Movimento Nacional Feminino (MNF) visitou a Guiné, pela primeira vez, acompanhada de Renata da Cunha e Costa. (**)
Fomos agora recuperar várias fotos do Mário Vicente Fitas Ralhete, o nosso querido amigo e camarada Mário Fitas, cofundador e "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô, que vive no Estoril.
2. Contexto das fotos acima reproduzidas (, fotogramas de um DVD, proveniente muito provavelmente de um filme em 8 mm, a cores, feito na altura da visita, em fevereiro de 1966):
No Hospital Militar [, onde entretanto é internado para uma cirururgia à hérnia], ao princípio da tarde Mamadu acordou. (...)
Na tarde seguinte, apareceram umas senhoras simpáticas do MNF, a quem Mamadu informou gostar bastante de ler, e pediu se lhe arranjavam “A Besta Humana”, do Émile Zola. Muitas desculpas mas não conheciam a obra, no entanto iam tratar do assunto. Até hoje não teria sido lido, se o próprio não o tivesse comprado. (...)
Neste tempo todo, desleixou um pouco a correspondência. Fragilizado, como pedinte, apenas mandou um bate-estradas (aerograma) à Tânia, muito simples e cauteloso, a solicitar se queria ser sua madrinha de guerra. Era uma forma hábil de contornar e chegar lá. Sem problemas, podia morrer mouro porque ao SPM. 2628 nada chegou, vindo de Terras do Lado do Norte. Madrinha não haveria. (...)
(...) Sem qualquer preconceito político, revelo aqui a minha admiração por uma mulher que soube conviver com os jovens soldados nos tempos da guerra (hoje velhos Combatentes).
Julgando ser de interesse para o Blogue e para a história do conflito na Guiné, anexo algumas fotos da D. Cecília Supico Pinto (com a esposa do Cap Costa Campos, comandante da CCAÇ 763) em Cufar, terra dos Lassas.
Em duas das fotos podemos vê-la acompanhada de D. Maria da Glória (França). (...)
Morreu uma grande Senhora!
Conheci-a pessoalmente por diversas vezes, visto que a minha mãe foi dirigente do MNF em Leiria.
A mim não me interessam neste momento quaisquer ilações politicas ou outras, mas tão só olhar a mulher que dedicou a maior parte da sua vida aos soldados de Portugal e sobretudo das suas famílias.
Quem assim se dá em prol dos outros merece sempre a nossa bondade e o nosso elogio.
Que Deus a tenha no Seu descanso.
Um abraço camarigo para todos e também para ela, que à sua maneira era nossa camariga.
Parei e reconheci a senhora. Era a Cilinha Supico Pinto. Disse-lhe que era o responsável comercial da Empresa e que no seu caso iríamos abrir uma excepção. «Porque a Senhora visitou em tempos a minha Companhia no norte da Guiné. Em Binta. A Companhia 675 do Capitão Tomé Pinto, que pertencia do Batalhão 490, do Tenente Coronel Fernando Cavaleiro... Eu fui um dos seus rapazes combatentes. E a minha Mãe, Maria Fernanda Oliveira, tinha pertencido em Alcobaça ao MNF em meados da década de 60.»
Não mais esquecerei o seu sorriso e o seu abraço. Estou a escrever de lágrimas nos olhos.
Devo a essa Grande Senhora este momento de ternura e de saudade.
(*) Vd. poste de 31 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17413: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXII Parte: Cap XIII - No início do ano de 1966, o Movimento Nacional Feminino (MNF) visita Cufar e premeia os "Lassas"... Mamadu baixa ao hospital
(**) 19 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21464: (De)Caras (130): Cecília Supico Pinto, a líder do Movimento Nacional Feminino: visitou 4 vezes o CTIG (em 1966, 1969, 1973 e 1974), mas nunca deve ter ido a Madina do Boé...
(***) Vd. poste de 3 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8371: In Memoriam (82): Fotos de Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, antiga Presidente do Movimento Nacional Feminino (Mário Fitas)
(****) Vd. poste de 31 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8350: In Memoriam (81): Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, Presidente do Movimento Nacional Feminino (30 de Maio de 1921 - 25 de Maio de 2011) (Teresa Almeida / José Martins)
Guiné 61/74 - P21466: Parabéns a você (1883): Fernando Súcio, ex-Soldado CAR do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74) e Rogério Cardoso, ex-Fur Mil Art da CART 643 (Guiné, 1964/66)
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Nota do editor
Último poste da série > 19 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21463: Parabéns a você (1883): Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 3460 (Guiné, 1971/73)
segunda-feira, 19 de outubro de 2020
Guiné 671/74 - P21465: Notas de leitura (1315): “Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”, um artigo de Victor Andrade de Melo na Revista Análise Social de 2017 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2017:
Queridos amigos,
Aqui se procede a um resumo de um investigador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro com basta bibliografia sobre o desporto na Guiné Portuguesa desde a governação de Sarmento Rodrigues até ao período da Independência. O investigador analisou um conjunto de publicações periódicas guineenses e revela que com Sarmento Rodrigues arrancou uma política de desporto na Guiné, associada a outros movimentos ligados ao lazer e entretenimento. Benfica e Sporting tiveram aqui as suas antenas, um revolucionário como Bobo Keitá jogou nos Balantas de Mansoa; a par disso, a UDIB tinha futebol, recebia muitos grupos caseiros (um deles era o BNU) que faziam desporto ou teatro, organizavam-se bailes e festividades. O que o autor assinala neste texto é a evolução dessa política desportiva à escala caseira e dentro da região, tudo se vai alterar com os novos países independentes, ficará interdita a presença portuguesa em certames desportivos internacionais em qualquer ponto de África, com exceção da África do Sul.
Um abraço do
Mário
Usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1)
Beja Santos
O número 225 da revista Análise Social, de 2017, inclui um artigo de Victor Andrade de Melo intitulado “Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”. Victor Andrade de Melo é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e encontram-se vários documentos e referências a livros na internete que abonam que o investigador tem manifesto interesse por esta problemática do desporto na Guiné Portuguesa. Veja-se por exemplo o artigo intitulado “A nação em jogo: exporte e guerra colonial na Guiné Portuguesa (1961-1974)”, publicado na revista mexicana Antíteses. Vale por isso a pena cobrir todo este vasto período entre o pós-guerra e a independência.
Estamos em Maio de 1949, no Estádio Sarmento Rodrigues homenageia-se o Governador do mesmo nome, a sua obra introduzia uma nova dinâmica no desenvolvimento da colónia, desde as obras públicas à investigação científica, às instituições de saúde e ao ensino. Sarmento Rodrigues chega à Guiné em 1945, a atividade desportiva já estava a dar os seus primeiros passos, os Balantas de Mansoa tinham sido constituídos no ano anterior. Mas o garboso oficial da Marinha trazia inspiração para o desporto no âmbito colonial.
Recorde-se que Bissau ganha nova dimensão neste período expansionista, cresce a administração e a economia, há mais europeus e cabo-verdianos e mais “indígenas” ganharam o estatuto de “civilizados”. Sarmento Rodrigues extinguira em 1946 a categoria de “assimilados” o que na prática somente atenuou a discriminação racial.
Quem diz desporto diz lazeres e entretenimentos. Em Janeiro de 1953 organizou-se uma temporada de touradas em Bissau e escrevia-se em O Arauto: “pela primeira vez vamos apreciar um grupo de forcados indígenas que enfrentará um touro da metrópole a fim de mostrar a sua coragem e a rijeza das pernas para fugir a tempo”. E falou-se muito em portugalidade.
Muitos jovens foram atraídos pela possibilidade dada pela Mocidade Portuguesa. Fundam-se clubes, um Benfica em Bissau, um Sporting em Bafatá, há clubes de curta duração, como o Porto de Bissau. Em 1955, há um novo alento, foi criado um Conselho Provincial de Educação Física, diz Victor de Melo que a decisão começara a ser delineada quando Sarmento Rodrigues era Ministro do Ultramar, mas este conselho provincial só começou a funcionar em 1959.
O futebol foi desde sempre a modalidade mais popular. Sarmento Rodrigues estimulou jogos e torneios de diversas modalidades disputados entre clubes e selecionados os guineenses e de outras colónias, promovidos dentro ou fora da província. O desporto aparecia como forma de construir um sentido de pertença e de identidade com a nação. E dá-se o exemplo da seleção de futebol de Bissau ter ido a Dakar, em Abril de 1952, para disputar o Torneio da África Ocidental, e escreveu-se com apreensão quanto à participação da equipa representativa da colónia: “A seleção da Guiné não está à altura de representar condignamente desporto da província num torneio internacional”.
À guisa de conclusão quanto a esse período, observa o autor que a Guiné em meados dos anos 1940 estava bastante distante, no âmbito desportivo, do que ocorria em outras colónias portuguesas, daí o esforço para uma maior estruturação do desporto e em diferentes modalidades. E conclui deste modo:
“A participação de equipas da Guiné em desafios internacionais, a vinda de equipas da metrópole e a ida de jogadores para Portugal continental foram ocorrências mobilizadas para exaltar as supostas contribuições do colonizador para o progresso e civilização da província. Essas ocasiões, contudo, também acentuaram algumas contradições e ambiguidades, na medida que expunham a falta de estrutura da colónia, acirravam o conflito entre colónias portuguesas (no caso dos encontros com Cabo Verde) e permitiam contactos com povos que já estavam entabulando processos de independência.
O envolvimento com a prática desportiva, portanto, já prenunciava uma dimensão que ria crescer na década de 1960: seria tanto mobilizada pelos que desejam manter a ordem colonial quanto pelos que desejam a libertação da Guiné”.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 12 de outubro de 2020 > Guiné 671/74 - P21445: Notas de leitura (1314): “Guerra Colonial", por Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes; Porto Editora, 2020 - O mais rigoroso manual de divulgação de toda a guerra colonial (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P21464: (De)Caras (164): Cecília Supico Pinto, a líder do Movimento Nacional Feminino: visitou 4 vezes o CTIG (em 1966, 1969, 1973 e 1974), mas nunca deve ter ido a Madina do Boé...
Guiné > s/l > Fevereiro de 1966 > Cecília Supico Pinto, falando para um grupo de militares; em segundo plano, um dos seus "braços direitos", também elemengo da comissão central do MNF, [Amélia] Renata [Henriques de Freitas] da Cunha e Costa .
Há apenas duas ou três páginas com escassas referências à Guiné:
"Eu fui a quase todo o lado [da Guiné]. com excepção de Guerrilhe [, Guileje ?], Medina (sic) do Boé e Gadamaela [, Gadamael ?]. Não me venham dizer a mim que a Guiné estava toda tomada, por amor de Deus". (Entrevista dada em 2004, em Cascais, excerto transcrito no livro, na página 116.)
Houve, por certo, erro (grosseiro) de transcrição dos topónimos, imputável à investigadora. Com quatro viagens à Guiné, a presidente do MNF sabia, por certo, soletrar os nomes das principais povoações, não chamando Gadamaela a Gadamael (que, de resto, visitou a pouco menos de um mês do 25 de Abril de 1974)... Ou queria referir-se a Gandembel ?
Na página 117 do citado livro, é referido que a “Cilinha”, como gostava de ser tratada por toda a gente, foi promovida duas vezes, a título honorífico: de soldado Pinto a 1º cabo Pinto, com direito a camuflado e a uma G3, em Bula, ao tempo do ten cor cav Henrique Calado, comandante do BCAV 790 (Bula, 1965/67).
Em 11 de maio de 1969, a “Cilinha”, de visita ao Olossato, na região do Oio, é promovida a capitão, pelo comandante da CCAÇ 2402, cap inf Vargas Cardoso. (****). Na visita a Jolmete, nesse mesmo dia, ela terá vindo expressamente de Bissau, de helicóptero, na companhia de Spínola e da esposa Maria Helena.
Na pág. 119, é referido ter sido ela atingida por um estilhaço (, em março de 1974, numa coluna de Nova-Lamego a Piche]. O seu batismo de fogo teria sido nos arredores de Mueda, Moçambique, em 1966, em que seguia com Renata da Cunha e Costa (pág. 116).
(...) "A guerra em Angola estava ganha. A Guiné era um problema e sendo ela perdida, seria muito complicado para o resto. A Guiné foi grave. A minha 'Guinezinha', como eu costumo dizer, tão pobrezinha... Olhe que tenho a camisola amarela de zonas de intervenção visitadas. Cheguei a ir umas quatro vezes a Madina do Boé, a Buruntuma, a Nova Lamego e a muitas outras zonas de combate. Nunca virei a cara e posso andar em qualquer sítio de cabeça bem levantada. Muitas vezes ia à frente das colunas e cheguei inclusivamente a 'picar' a estrada." (...)
Em março de 1973, esteve em Mansoa, Teixeira Pinto, Carenque… Mas também na região de Quínara: por exemplo, em Nova Sintra, (Nessa altura, ainda teve direito a viagem de heli, com apoio de helicanhão; dias depois, em 25/3/1973 era abatido por um Strela a primeira aeronave da FAP.)
Podia-se discutir se, face à penúria de meios aéreos no CTIG, fazia sentido a presidente do MNF, em viagem "quase de Estado", andar normalmente de heli, no mato, ou de DO-27... Em geral, ela viajava "by air"...
Não sabemos se os "privilégios" do MNF se alteraram com a mudança de líder do regime, Marcello Caetano, substituto de Salazar, de quem a Cecília Supinco Pinto guardou uma imagem de "fraco"... O que era compreensível: Salazar, para ela, só poderia haver um...
Na última visita à Guiné, em finais de fevereiro e primeira quinzena de março de 1974, sabemos que ela (e possivelmente a secretária que a acompanhava) dormiu pelo menos duas vezes no mato: em Gadamael (segundo informação do nosso camarada Carlos Milheirão) e em Bafatá, segundo relato do então já major de infantaria Vargas Cardoso (****).
2. Portanto, pelo que conseguimos apurar, a Cecília Supico Pinto esteve então por 4 vezes no CTIG: 1966, 1969, 1973, 1974…
Em 1974, esteve em Nhala e Aldeia Formosa. Mais exatamente, sabemos que esteve em Nhala, em 10/3/1974, pernoitando em Aldeia Formosa nesse dia, a menos que tenha regressado a Bissau de helicóptero, nesse fim de tarde, o que nos parece menos provável (*****)…
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Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
17 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21457: (Ex)citações (377): As visitas da D. Cecília Supico Pinto ao leste da Guiné (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)
11 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21442: Fotos à procura de... uma legenda (128): Em maio de 1969, ao tempo do BCAÇ 2852, a Cilinha terá pernoitado em Bambadinca?Guiné 61/74 - P21463: Parabéns a você (1883): Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 3460 (Guiné, 1971/73)
Nota do editor
Último poste da série > 18 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21460: Parabéns a você (1882): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533 (Guiné, 1969/71)
domingo, 18 de outubro de 2020
Guiné 61/74 - P21462: Blogues da nossa blogosfera (144): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (55): Palavras e poesia
Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.
Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge dos comedores de cabeças
que vivem dentro de nós.
Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge da ferida aberta
no mais fechado segredo
dos brancos lençóis do nosso íntimo prazer.
Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge dos vampiros da mente
devoradores de sonhos e sentimentos
que habitam cobardemente
os cantos e esquinas da nossa cidade interior.
Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge do terror
de ver entrar a vida pela porta de saída
para os abismos da dor.
Dizem que é louca
mas não é.
Loucos somos nós.
Sorrimos
bocejamos
e calmamente nos sentamos
todos os dias
cegos e mudos
à mesa do café.
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Nota do editor
Último poste da série de 11 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21441: Blogues da nossa blogosfera (143): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (54): Palavras e poesia
Guiné 61/74 - P21461: Blogpoesia (701): "A força do sangue", "Ruela estreitinha" e "Coincidência ou acaso", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
A força do sangue
Telúrica a força do sangue.
Faz-se ouvir das profundezas do magma humano.
Irrompe infalível e faz estremecer as afinidades dos ancestrais.
Atravessa os oceanos nos barcos da emigração.
Poisa nas margens dos continentes.
Aí germina.
Forma comunidades.
Mantém perpétuas as semelhanças de cada ramo.
Reproduz o modo de viver dos antepassados.
Assim se revestiu de gente a terra e o mundo coloriu.
Dificilmente se misturam com as gentes autóctones.
Reparte e gera saudades das terras donde se partiu.
Melhor seria que não ocorressem.
Sua causa, as mais das vezes são as carências vitais.
Berlim, 13 de Outubro de 2020
14h44m
Jlmg
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Ruela estreitinha
Ruela estreitinha da cidade de Évora.
Mergulhada em silêncio.
Pintada de branco.
Afitada de azul nas ombreiras das portas.
Algumas vermelhas.
Janelas fechadas.
Ninguém à janela.
É hora da sesta.
Solstício de Verão.
Queima para burro.
Ao longe e à volta,
Montados ermos de sobreiros e mansos pinheiros.
Brancas aldeias, de casas serenas,
Baixinhas, um banco corrido de pedra.
A parede é a costa.
Ali sentam pacatos,
alentejanos castiços.
Conversando da sorte da vida.
Não a trocam por nada...
Berlim, 15 de Outubro de 2020
8h30m
Jlmg
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Coincidência ou acaso?
Nossos encontros nas encruzilhadas,
a horas espúrias.
Com alguém que muito queríamos.
Não é obra do acaso.
Há alguém de fora que alcança tudo.
Sem ser árbitro.
Apenas assistente atento.
é bom sabê-lo.
Nunca vamos sós.
Não somos apenas peças dum xadrês anónimo.
Nossos passos têm controlo total.
Não há lugar para receios.
A caminhada está vigiada.
Uma central atenta,
Vinte e quatro horas por dia.
Totalmente grátis...
Bar dos Motocas, arredores de Berlim, 16 de Outubro de 2020
14h11m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 11 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21440: Blogpoesia (700): "Santuário de São Bento da Porta Aberta", "A força da inspiração" e "Ser o primeiro", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
Guiné 61/74 - P21460: Parabéns a você (1882): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533 (Guiné, 1969/71)
Nota do editor
Último poste da série de 13 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21446: Parabéns a você (1881): Mário Ferreira de Oliveira, 1.º Cabo Condutor de Máquinas Ref da Marinha (Guiné, 1961/63)