terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7789: Portugalidade(s) (4): Os nossos mútuos estereótipos lusófonos (Cherno Baldé / Antº Rosinha)

1. Comentário de Cherno Baldé e de António Rosinha, de 14 do corrente, ao poste P7769:


(i) Cherno Baldé [, foto à esquerda, enquanto estudante, Kiev, Ucrânia, 1989]:



Caro Mais velho Rosinha,

Há muito tempo que a gente não discutia, não é verdade? Ultimamente não tenho acompanhado com regularidade o Blogue.

Na minha opinião, todas as utopias são descomunais e nascem e crescem e morrem sem serem absorvidas ou compreendidas pelo povo a quem se destinam pois não é dado a todos enveredar pela senda dos percursores.

Certamente o povo português absorveu e compreendeu a utopia dos Afonso Henriques e outros logo no inicio da aventura do que viria a ser "as grandes descobertas das terras dos outros".


Um abraço amigo,


Cherno Baldé


(ii) António Rosinha[, Fur Mil, Angola, 1961]:

Amigo Cherno, para já é um prazer saber que ainda aí estás (há tanto tempo!)...

Agora vou dizer-te a primeira impressão que tive quando com 18 anos cheguei a Luanda (África) em 1957.
Fiquei com a ideia que os luandenses de todas as cores conheciam melhor Portugal e todos os portugueses desde o Minho ao Funchal, do que eu, que nunca tinha saído da minha parvalheira.

Isto em 1957, e mais tarde em Bissau no tempo de Luís Cabral e de Nino, confirmei que os guineenses detinham a mesma perspicácia sobre o tuga, que os luandenses.

E hoje chego à conclusão que aprendi com os guineenses, brasileiros, caboverdeanos e angolanos a olhar para Portugal e portugas, tugas, caputos, cabeças de porco, etc. etc.


Nem fazes ideia de quantos amigos e colegas porreiríssimos que deixei no Brasil, Luanda, e Bissau.

E, tal como em Portugal, é difícil encontrar nessas terras políticos que respeitem o povo. E foi nessas terras que ouvi que em Portugal não nos sabemos governar, como é que queriamos governar outros?

E Amilcar tambem escreveu mais ou menos isso, e era uma das justificações dele para fazer a guerra da independência. Mas guerra sem armas tinha sido a verdadeira utopia posta em prática, como aconteceu em Caboverde.

Ouvi isto a um angolano na RTP no 4 de Fevereiro,  50º aniversário da revolução de Luanda. O angolano que disse isso foi o escritor Agualusa.


Um abraço e não desapareças por tanto tempo.

Antº Rosinha

____________


Nota de L.G.:

Último poste desta série > 8 de Janeiro de 2011 >
Guiné 63/74 - P7574: Portugalidade(s) (3): Salut le copain Vasco!...

3 comentários:

Torcato Mendonca disse...

O Viajante ou O Descobridor

Em 57 não sei.Gente culta!
Mas, em 68,quando chegamos a Fá Mandinga, fomos recebidos com música. A 5ª Sinfonia de Bethoven e o Coro de "Bajudas de Fá". Haviam sessões culturais todas as semanas.

Isso, de utopia não sei o que é. Agora se o Afonso Henriques esteve na Guiné só prova que somos Povo viajado. Não sabia.

Eu, se fosse assim viajado, se tivesse aprendido assim com tanta e tão diversa gente, ainda lá estava ou para lá ia. Que maravilha.Aqui não.

Assim nunca saí daqui...tirando ida á Guiné...já nem sei como...
AB T

Anónimo disse...

Confirmo Torcato.Fui ensaiador desse maravilhoso Coro que actuou em todo o Mundo.

Abraço.

Jorge Cabral

Antº Rosinha disse...

Cherno, não te disse antes, mas sabes provavelmente,que quando Amilcar e os caboverdeanos que formaram o PAIGC, já sabiam que a campanha de Salazar da luta anti-analfabetização, foi em Caboverde que essa campanha teve o maior sucesso, ao ponto de desde o Minho a Timor, nos anos 50 se falar em percentagens acima de 70% de analfabetos na metrópole,e mais nas colónias, já se excluia Caboverde e Goa dessa calamidade.

Ao ponto de os chefes de posto e administradores coloniais eram em maioria goeses e caboverdeanos na política do governo de Lisboa.

E já havia em Coimbra e Lisboa muitos universitários ultramarinos e muitos ficavam por Portugal em altos cargos e outros, muitos, como Amilcar regressavam.

Quero com isto dizer, que, sem armas mortíferas, tanto Amilcar como todos os dirigentes MPLA, FRELIMO, e outros, facilmente minavam o regime colonial português, e o resultado final podia ser semelhante ao de Caboverde, sem armas.

Porque com a capacidade desses, dirigentes em conseguir apoios,e conhecendo as limitações do adversário (500 anos a aturá-lo)
era possível fugir às armas.

Penso que o escritor Agualusa que refiro é neste sentido que fala no exemplo da independência de Caboverde.

E esses dirigenntes sabiam que Salazar não tinha armas nem homens preparados para uma guerra de qualquer espécie.

A ignorância lusa ultramarina era de tal grandeza, que quando em 1961, o comandante militar de Angola General Libório, foi chamado à responsabilidade, teve uma frase historicamente célebre "Isto não passa de uma guerra de catanas".

Claro que Salazar substituiu-o imediatamente.

E os chefes militares lusos como Spínola estavam tão ultrapassados que independentemente do valor militar que se conhece, escreve um livro em que não tem uma única ideia própria, pois o livro não passa de umas ideias já escritas por Norton de Matos, antiquíssimas, mas que foi o suficiente para levar à desistência dos militares e à queda do governo de Lisboa.

Camarigo Torcato, já muitos ultramarinos "gozavam" (atenção às aspas) e continuam,ainda hoje, a gozar simpaticamente com o velhinho tuga: O que se passa neste momento com a "brincadeira" dos bancos luso-angolanos e até já querem meter dinheiro no sporting, essa actuação é um retrato de coisas similares que tinhamos que ouvir quando íamos daqui. Que dependiamos de África.

E um dos primeiros directores que tive em Angola foi um Ten.coronel (na reserva)guineu-verdeano, chamado Medina Carreira. Aqui no blog tem mais bloguistas que o conheceram.

Esse que vemos na televisão a "gozar" com isto tudo, veio dos trópicos. Evidentemente pelo nome...e como nasceu na Guiné deve ser parente.

Infelizmente nem toda a "Gente Culta" retornou para Portugal, a mais jovem foi para o Brasil e América, foi uma pena.

Imagina Torcato, que até o moçamedense Carlos Castro veio de Moçâmedes, a terra da Riquita, que tambem cá está.

Enfim, em 500 anos nós não aprendemos a dança do batuque, nem esse tal de Bethoven nos é muito familiar.

Um abraço.