sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7813: Blogues da nossa blogosfera (42): Coisas da Guiné, de A. Marques Lopes



Coisas da Guiné, o blogue do nosso camarigo A. Marques Lopes (*)... Desde Setembro de 2010. Já lá vão cerca de 70 postes.  O que se pode ver e ler ?  "É conforme me vou lembrando, e vou também pescando algumas coisas minhas que já publiquei ou que outros publicaram em blogues existentes" (incluindo o nosso, Luís Graça & Camaradas da Guiné)... 

Recorde-se que o   A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf, CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) (1967/69)  tem uma vasta colaboração no nosso blogue, e em especial na I Série (entre Maio de 2005 e Maio de 2005). A actividade operacional das subunidades por onde ele andou (CART 1690 e CCAÇ 3) está aqui bem documentada, em texto e fotografia.


O A. Marques Lopes tem alguns dos melhores postes publicados no nosso blogue... De entre todos quero, mais uma vez,  destacar a história da professora de Samba Culô, morta por ele num ataque à aldeia sob controlo do PAIGC...  Foi uma história que o atormentou durante anos, até pelo menos a 2005, ano que voltou (de novo) à Guiné e a Samba Culo, tendo aí feito as pazes (o luto ou a catarse) consigo próprio e com a memória da guerrilheira abatida (**)...

Vou (re)negociar com o António a publicação, aqui, de uma ou outra das suas novas histórias. Para já, e para "abrir o apetite", tomo a liberdade de publicar a seguir um excerto do poste onde ele conta a sua viagem, em Dakota, de evacuação para o Hospital Militar Principal, ma sequência de graves ferimentos em combate (em 21 de Agosto de 1967, apenas 4 meses depois de ter chegado ao TO da Guiné):

Quinta-feira, 23 de Dezembro de 2010 > 29-Como fui evacuado 


(...) A 21AGO67, fui ferido por uma mina no caminho de SARE BANDA  [, link quebrado,] para BANJARA (A mina da minha vida) [, link quebrado]. Estive uma semana no Hospital de Bissau (HM241) e daí saí para a Base Aérea para ser evacuado para a Metrópole. Foi num Dakota C47.




Fui só com as calças e uma camisa. Foram também outros feridos que entraram no avião. Os bancos que vêem na gravura foram ocupados por uma senhoras, não sei quem eram, nós os feridos, uns cinco ou seis, fomos esticados numas macas no corredor. Ainda disse que não estava assim tão mal e que podia ir numa cadeira. Mas que não, que devia ir numa maca. Lá fui, e quando o avião já estava alto comecei a deitar sangue pelos ouvidos (era o meu ferimento principal), por causa da descompressão. Ninguém ligou mas eu tratei de mim. 

Ao fim de cinco ou seis horas, não sei bem, chegámos ao aeroporto militar de Las Palmas [, nas Canárias,], disseram-nos. Que quem quisesse podia sair para descontrair. Saí e estava cheio de fome, não nos tinham dado nada para comer, nem as "queridas" rações de combate. Vi vários militares e olhei para uma porta que me pareceu a entrada de um bar. Fui até lá e entrei.

Olharam para mim, mas ninguém pareceu espantado, já deviam estar habituados a estas visitas. Pedi uma cerveja e uma sandes. Devorei-as, era a fome. No fim fiquei atrapalhado porque vi que não tinha dinheiro. Nem escudos, nem pesos, muito menos pesetas. Baixei a cabeça e fui-me afastando do balcão até à porta. Ninguém olhou para mim, pareceram-me distraídos. Zarpei para o dakota e estiquei-me na minha maca. Passados tempos o avião arrancou até Lisboa. Ainda agora não sei se fui eu que fui esperto ou se foram eles que me deixaram ir sem me agarrarem para pagar.

Depois de quatro ou cinco, ou cinco ou seis horas, não sei, chegámos ao Figo Maduro. Estava lá os meus pais e a minha irmã, tinham-lhes dito que eu fora ferido e vinha. Choraram e ficaram contentes por me ver de pé. Foi pouco tempo, porque me meteram numa ambulância para ir para a Estrela, o HMP. (...)


____________

Notas de L.G.:

(**) Vd. postes de: 

29 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXX: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes) 

(...) "Tenho de partir, de voltar a Portugal. Gostei muito de falar contigo, tinha mesmo necessidade de o fazer, já que, naquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez, só eu te disse “firma lá!” e tu não me disseste nada. Percebo que nem me quizesses ouvir... E nunca mais dormi descansado até agora. (...)

"Quero pedir-te uma última coisa, que desculpes aquele meu soldado que tentou violar-te quando estavas agonizante. Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso. Perdoa-lhe, era bom rapaz, um camponês minhoto que para aqui foi lançado e, sabes, é fácil perder a cabeça numa guerra de inimigos fabricados. Talvez o encontres por aí, o teu camarada Gazela matou-o em Jobel e o corpo dele por cá ficou. Deve andar, como tu, no meio desta floresta do Oio. Fala com ele agora". (...)
7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II (A. Marques Lopes)

" (...) o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.

"E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito 
prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência.

"Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida" (...).

2 comentários:

Anónimo disse...

Ia fazer um comentário mas desisto.
Que dizer aqui por palavras, por sons que a alma tem dificuldade para reconhecer?
Se não fosse agnóstico diria que bendito povo que é capaz de desentrar assim, reconhecendo a dor e tentar dar-lhe fim.
obrigado camarada
José Brás

Anónimo disse...

Caros 'camarigos'

O nosso A. Marques Lopes tem andado agora um tanto 'arredado' deste nosso Blogue, aliás como outros 'veteranos' que com ele começaram.

É claro que se pode admitir que decidiram dar 'lugar aos novos', dar mais espaço a que outras intervenções, de outros novos amigos que se decidiram a vencer as suas resistências psicológicas e se juntaram neste amplo espaço, possam ter mais visibilidade.

É claro que também se pode admitir que, tomado o gosto por estas coisas dos blogues, o AMLopes se tenha decidido, com toda a justiça, por se abalançar por criar o seu próprio espaço, o que naturalmente lhe 'roubará' algum tempo.

É também sabido (porque foi noticiado) que o nosso amigo e camarada esteve doente embora, felizmente, já recuperado.

Tudo isso é justo e perfeito mas o que se pretende mesmo é que o AMLopes volte a partilhar connosco as suas experiências, as suas histórias, as suas visões da nossa vivência comum, as suas opiniões.

E se isso tiver que ser em partilha com o seu "Coisas da Guiné", pois que seja!

Abraço
Hélder S.