1. Recomeçamos hoje a publicação das Memórias do nosso camarada José João Domingos (ex-Fur Mil At Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 (Colibuía, Ilondé e Canquelifá, 1973/74), interrompidas em 2015, e reenviadas ao Blogue em mensagem do dia 29 de Janeiro de 2021.
Trata-se de uma série de curtas estórias que culminam com a independência da Guiné.
4 - PIRA DESENFIADO
Saídos de Bolama, aportámos a Buba com destino a Aldeia Formosa (Quebo). A coluna partiu pela picada de ligação que estava em péssimo estado pois corria a época das chuvas. Após largas horas de caminho, chegámos a Mampatá onde demorámos pouco tempo para deixar o que era para lá ficar e também alguém que não era para ficar.
Evoluindo para Aldeia, que era relativamente perto, ninguém se apercebeu que faltava um soldado da CCS, cuja especialidade não recordo, mas cuja silhueta a esta distância me lembra um jovem alto, magro, sempre com um livro ou caderno debaixo do braço e um semblante ausente.
Após a chegada ao aquartelamento, onde habitava o BCAÇ 4513, alguém deu pela sua ausência e, após uma rápida inspeção ao pessoal, concluiu-se que teria ficado em Mampatá.
Pôs-se a hipótese de ir uma viatura buscá-lo a Mampatá mas, confesso, não me recordo se chegou a partir e o encontrou no caminho ou se, entretanto, ele teria chegado ao quartel pelos seus pés.
Nunca mais o vi e chegou-me aos ouvidos que teria sido evacuado para a Metrópole.
Esperteza? Talvez. Mas, do que não tenho dúvida é que bastava olhar para ele para se perceber que não devia estar ali.
5 - A PRAXE
A primeira noite que passamos em Aldeia Formosa foi difícil em termos logísticos pois, além de estarmos a ração de combate, dormimos 11 furriéis num pequeno quarto deitados em colchões de ar, que em poucas horas ficavam vazios, após uma cansativa viagem desde Bolama.
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5 - A PRAXE
A primeira noite que passamos em Aldeia Formosa foi difícil em termos logísticos pois, além de estarmos a ração de combate, dormimos 11 furriéis num pequeno quarto deitados em colchões de ar, que em poucas horas ficavam vazios, após uma cansativa viagem desde Bolama.
Cansados e famintos, deitámo-nos, vestidos, no nosso canto. Pouco passava das 23 horas apareceu um camarada do Batalhão residente, também furriel, com a finalidade de aplicar uma praxe aos periquitos que consistia, grosso modo, numa chuveirada. O pessoal, chateado, não achou piada à situação mas o cavalheiro argumentava que era tradição e o enfermeiro, chegado dias antes, já tinha sido submetido à tal praxe o qual, aliás, confirmou.
A coisa estava a azedar e, alguns berros depois, o dito cujo meteu a viola no saco e foi praxar para outro lado.
O que ele não percebeu é que a sorte dele e o azar do enfermeiro foi este ter chegado antes e sozinho.
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6 - OS RAY-BAN
Estava o BCAÇ 4516 estacionado na zona de Aldeia Formosa, em sobreposição com o BCAÇ 4513, quando foi convocado para uma operação de 4 dias, com o nome de código “Operação Pertinente”, juntamente com outras forças, com o objetivo de chegar ao Unal que era área frequentada pelo inimigo (IN).
A deslocação fez-se de véspera para Buba e, aí chegados, a ração de combate, dormimos pelos cantos nessa noite.
Dos locais onde passei Buba constituía para mim o ideal para fazer o serviço militar na Guiné: bons banhos e peixe fresco. Como invejava aqueles camaradas.
A meio da manhã iniciou-se a operação com a presença do oficial de operações do meu Batalhão, protegendo os olhos do sol por uns óculos Ray-Ban, dando palpites sobre a deslocação do pessoal que foi feita de viatura até ao ponto de entrada na mata.
Quando o pessoal se apercebeu de que o solista ficava a banhos em Buba, começou a “cuspir fininho” de dentro das viaturas e a coisa tornou-se desagradável mas o homem fez-se de desentendido.
Creio que foi por aí que ouvi (ou disse) pela primeira vez: “vai para o mato, malandro!”
Textos: © José João Domingos
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Nota do editor:
Poste anterior de 27 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14935: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (1): Bolama, chegada e primeiros contactos com a população
5 comentários:
Destaque-se o que escreveu há cinco anos o nosso camaarada José João Domingos:
(...) "Reparei que existe pouca participação do pessoal que esteve na Guiné em 1973-1974 (talvez por acharem não ter cumprido o que esperavam deles). Por isso, puxei pela memória e mais de 40 anos depois fiz uma resenha da passagem da minha Companhia (e de mim próprio) pela Guiné.
"Se lhe encontrarem algum mérito façam dela a utilização que entenderem.
Quase trinta anos depois do regresso esta Companhia reuniu-se pela primeira vez num convívio e foi formidável. Temos continuado a encontrar-nos e no próximo dia 6 de Junho lá estaremos na Quinta das Carrascas, Carrascas, Alcobaça." (...)
10 DE JUNHO DE 2015
Guiné 63/74 - P14727: Tabanca Grande (467): José João Braga Domingos, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (Colibuia, Ilondé e Canquelifá, 1973/74), 691.º Grã-Tabanqueiro
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2015/06/guine-6374-p14727-tabanca-grande-467.html
Bom regresso ao blogue, camarada!... LG
José João... Tudo tem o seu "tempo"... As nossas memórias precisam de "fermento" cono a massa de cozer pão... E depois têm que "aboborar"...
E, sobretudo, temos que as cruzar com as memórias dos outros...
Gostei de te ler!...Continua.
Saudações. Cuida-te. Luis Graça
Vejo que o teu batalhão, tirando os ofciais superiores (comandante, 2º comandante, oficial de operações), já não tinha comandantes operacionais do QP: o comandante da CCS era capitão SGE (Serviço Greal do Exército), os das unidades de quadricula eram todos milicianos...
Sinal dos tempos...
Quanto a praxes, neste caso não foi bem uma praxe foi antes uma treta.
As latas de conserva de sardinhas da ração de combate eram muito boas, também as havia na Cantina, mas algumas estavam opadas e deitavam um fedor incrível quando se abriam.
Para substituir o Fur.mil Renato Monteiro transferido com uma porrada para o Xime, apareceu em Nova Lamego um Furriel periquito João Almeida, da região de Setúbal.
O João Almeida chegou de avião a Bissau, pouco tempo depois apanhou o Dakota e no mesmo dia chegou à nossa CART.11.
Vamos festejar a tua admissão, trazes aí alguma coisa que se coma? Foi como nos apresentamos ao periquito, que na manhã seguinte seguia na coluna para Piche.
Ele abriu uma mala e sacou de algumas dez latas de conserva de várias qualidades.
É pá como vieste de avião essas conservas devem estar todas estragadas, juntas a estas para amanhã serem queimadas, dissemos nós abrindo uma das opadas mal cheirosas que estavam de parte. Vá que também trazia paio que aguentava longas viagens de avião.
No outro dia lá seguiu o João Almeida para Piche e nós a deliciarmo-nos com as conservas de polvo, lulas, sardinhas e especialmente as de bacalhau.
Não me recordo de mais nada deste João Almeida, apenas durante algum tempo ainda se ouviu a treta 'não comas isso que está estragado'.
Abracelos
Valdemar Queiroz
Camarada José João Braga Domingos.
Repara como as nossas experiências de guerra às vezes se cruzam inopinadamente: lembro-me perfeitamente dessa operação que referes a partir de Buba em direcção ao Unal. Era a segunda tentativa de lá chegar. Estive na primeira tentativa a partir de Cumbijã que falhou redondamente devido a uma "espera" que o PAIGC nos fez após termos percorrido umas horas de marcha. Estávamos ainda a longos quilómetros do Unal. O Comando (a partir de Cumbijã) deu-nos ordem de retirada e traçaram uma nova linha no mapa, com a mesma direcção mas a partir de Buba. Isto foi um ou dois dias depois da primeira operação. Eu já não fui capaz de prosseguir devido a esgotamento e, depois de visto no posto médico, fiquei também a "banhos" em Buba. O meu pelotão seguiu comandado por um dos meus furriéis. Esta 2º tentativa também foi um fracasso, para sorte dos que nela participaram. Também ficaram muito longe do Unal. É que o Unal não era "uma área frequentada pelo PAIGC", como tu dizes, era uma base militar considerada por muitos como um santuário "turra". Havia quem dissesse que nos subterrâneos até um hospital eles tinham.
Abraço.
António Murta, ex-Alf Mil da 2ª CCAÇ (Nhala) do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa)
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