quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21882: In Memoriam (391): Manuel Amaral Campos, ex-Soldado Rec Inf da CCS/BART 1913 (Catió, 1967/69) (José Martins, ex-Fur Mil TRMS)

IN MEMORIAM
MANUEL AMARAL CAMPOS
Ruivães, Vieira do Minho 16 de Janeiro de 1945 – HFAR, Lisboa 21 de Janeiro de 2021


Estas notícias, seja qual for o adjectivo que se use, são sempre tristes e inesperadas.

Boa tarde,
Recebemos há pouco a última comunicação do hospital. Partiu em paz.
Amaral 1945 - 2021
75 Anos, 7 meses e 12 dias; ou 907 meses e 12 dias; ou 27.620 dias
Nasceu no fim duma guerra e morreu a meio de outra. Pelo meio muitas outras guerras, umas dele, outra imposta: a do ultramar. Tudo isso esculpiu a grande pessoa que se tornou. Gerou duas vidas. As nossas. Valeu a pena ter cá andado!
Obrigada a todos os que estão desse lado, juntando as vossas memórias às nossas.
Obrigado e obrigada Pai!
Das vidas que originou:
Rui Campos e Isabel Dantas dos Reis


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Quase de imediato, publiquei um post, na minha página de FB, tendo a foto acima e a seguinte, com o texto:

À noite, recebi a seguinte mensagem da Isabel, que conheço há longos anos:

Sr. Martins, tomo a liberdade de lhe enviar as imagens originais, parte de um trabalho fotográfico que fiz sobre o meu pai e uma das guerras que travou.


São fotos, da autoria da Isabel, comparando o “antes” e o “depois”, acompanhada do texto que a própria escreveu.

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A partir de 1961, Portugal viu partir para África dezenas de milhares de jovens portugueses com o objectivo de defender aquilo que era considerado território nacional e parte integrante de uma nação multi-continental. No cais de embarque, mais não eram que uma massa de gente: os que partiam e os que ficavam. Mas na realidade, cada um dos elementos dessa massa era um indivíduo singular, com história e personalidade únicas. Ainda hoje o são - os sobrevivos. Eles e cada membro da sua família: as suas mulheres, as suas mães, os seus pais, os seus filhos. Cada um com uma guerra distinta: a sua guerra. Cada um a absorveu e processou - ou não - da sua forma única. Quem eram estes indivíduos? Quem são? Um deles era o soldado 32216. Embarcou no “Uíge” no dia 30 de Abril de 1967, com destino à Guiné, na época o mais temido dos destinos da Guerra do Ultramar. Foi evacuado com ferimentos graves em Janeiro de 1969.Tudo isto pode ser consultado nos registos militares. Mas quem era o soldado 32216? Em quem se tornou? E os à sua volta? Como prosseguiu a sua vida? Porque a sua filha sentiu necessidade de o fotografar mais de 40 anos depois? Este trabalho é o início de uma caminhada que surge da inquietação - e pretende incitá-la - provocada do silêncio que normalmente sucede eventos desagradáveis, mas cujos efeitos são inegáveis. Colocar lado a lado fotografias da mesma pessoa, separadas por décadas, mantendo a mesma postura corporal leva, num primeiro momento, a procurar as semelhanças e diferenças, para logo a seguir conduzir à reflexão sobre o que está nos bastidores: o que recheou essas quatro dezenas de anos. E as lesões que se percebem nas imagens mais recentes, são ferimentos de que guerras? Com quem foram partilhadas? Também com a autora deste projecto...

Como combatente, vizinho e amigo, não poderia deixar de, junto de outros camaradas da Guiné, mas também de Angola e Moçambique, não poderia deixar de lhe prestar esta simples homenagem traçando, em traços muito largos devido há ausência de elementos e actual situação Covid não permitir o acesso aos arquivos. Com base em “notas soltas” organizadas pelo Amaral e cedidas pelos filhos, tento mesmo assim alinhar os factos que fazem a história deste combatente, finalmente e desde 1 de Setembro de 2020, é “Titular do Reconhecimento da Nação”, assim como todos os que passaram pelo, então, Ultramar Português.


Soldado n.º 03221666 - Manuel Amaral Campos

Incorporado no dia 2 de Agosto de 1966, para frequentar a Escola de Recrutas, provavelmente no Regimento de Infantaria n.º 8, em Braga, de acordo com memórias familiares. Deve ter Jurado Bandeira nos últimos dias de Setembro ou primeiros dias de Outubro de 1967.
A especialidade a que foi destinado, “Reconhecimento e Informações”, pela ausência de documentos, não sabemos em que Unidade foi ministrada.
Nas notas referidas, há referência à apresentação do Regimento de Infantaria n.º 4, em Faro, no dia 2 de Abril de 1967 e a saída em 14 desse mês, para se apresentar no Regimento de Artilharia Pesada n.º 2, em Vila Nova de Gaia, para integrar a Companhia de Comando e Serviços da Batalhão de Artilharia n.º 1913.
De acordo com a Comissão de Estudos para as Campanhas de África (l961/1974), Volume 7 – Tomo II – Guiné, o Batalhão de Artilharia n.º 1913, sob o comando do Tenente-Coronel de Artilharia Abílio Santiago Cardoso, e tendo como Divisa "Por Portugal - um por todos, todos por um", embarcou em 26 de Abril de 1967, com destino ao Comando Territorial Independente da Guiné, tendo chegado a Bissau no dia 1 de Maio seguinte.  Recebe ordens para seguir para a vila de Catió, no sul do território.
Chegou a Catió em 4 de Abril, rendendo o Batalhão de Caçadores n.º 1858 e assumindo a responsabilidade do Sector S3, com sede nessa vila e abrangendo os subsectores de Bedanda, Cufar, Catió, Cachil (este extinto em l8Ju168, após evacuação) e Cabedú (também extinto em 30Jul68 e integrado no subsector de Catió).
Guião do Batalhão de Artilharia n.º 1904
Foto: Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné

Em Setembro de 1967, o Soldado Campos, é transferido para a Companhia de Artilharia nº 1646, comandada pelo Capitão Miliciano de Artilharia Manuel José Meirinhos, que era uma unidade orgânica do Batalhão de Artilharia nº 1904, mobilizada igualmente no Regimento de Artilharia nº 2, Vila Nova de Gaia, que tinha como Divisa "Firmes e Generosos", que tinha chegado ao CTIGuiné em 18 de Janeiro de 1967, ou seja mais de três meses antes do que a unidade a que pertencia o Soldado Manuel Amaral Campos.
Quando este se apresenta na nova unidade, em Setembro de 1967, esta encontra-se em Fá Mandinga, na Zona Leste da Guiné, desde o dia 4 de Agosto e integrando o dispositivo e manobra do Batalhão de Caçadores nº 1888, com um pelotão destacado em Bambadinca.
No dia 14 de Novembro de 1967, troca com a Companhia de Caçadores nº 1551, assumindo a responsabilidade do subsector de Xitole (Zona Leste), com pelotões destacados em Saltinho e Mansambo (até 05Mai68), ficando integrada no área do mesmo batalhão, que em 18 de Janeiro de 1968 passou a ser da responsabilidade do sua unidade de origem, o Batalhão de Artilharia n.º 1904.
Foi na Companhia de Artilharia nº 1646, e sob o comando do Alferes Miliciano António de Oliveira e Castro, fez parte de um grupo auto intitulado “Boinas Verdes”, que nas operações actuava como um grupo de assalto.
Em Agosto de 1968, quando participava numa operação, durante um percurso auto transportado, devido a um salto da viatura provocado pelo acidentado do terreno, rebentamento de pneu ou accionamento de mina, o Soldado Amaral é projectado para o solo, o que lhe provoca a fractura da coluna, que motivou a sua evacuação para o Hospital Militar nº 241, em Bissau.
Em Outubro de 1968, encontrava-se na situação de evacuado no hospital, quando a unidade, a que pertencia, concluiu a sua comissão de serviço e regressou à Metrópole em 31 de Outubro de 1968, pelo que o Soldado Manuel Amaral Campos, que alem de internado não tinha terminado o tempo de comissão, foi transferido para o Batalhão de Intendência, criado em 1 de Junho de 1964 tendo, em 1 de Abril de 1967, passado a fazer parte da Guarnição Normal do CTIGuiné.
Bilhete de Identidade Militar, passado pelo Batalhão de Intendência/Guiné.
© Arquivo da Família Campos

No dia 21 de Janeiro de 1969 foi evacuado para o Hospital Militar Principal, na Estrela, Lisboa, onde se manteve até ao dia 15 de Março desse ano e, dado pela Junta Militar de Inspecção, como apto para o Serviço Militar e mandado apresentar no Depósito Geral de Adidos, na Ajuda, Lisboa. A sua unidade de origem, o Batalhão de Artilharia n.º 1913, já se encontrava na Metrópole.
Ficou adido àquela unidade, vindo a ser mandado apresentar no Regimento de Artilharia Pesada n.º 2, em Vila Nova de Gaia, a fim de passar à disponibilidade, o que aconteceu a 3 de Junho de 1969. Porém, “a sua guerra”, não ficaria por aqui.
Um quarto de século passado, e sofrendo as sequelas adquiridas em campanha, inicia um processo para determinar que a sua saúde tinha sido afectada e, por isso, ser reconhecido como DFA - Deficiente das Forças Armadas.
A “ausência de elementos” que referi no início, são também o início das questões que se colocam aquando da tentativa de abertura do processo de reconhecimento de deficiência sofrida em serviço.
Falta da caderneta militar? Extravio do processo individual? Processo médico não localizado? São várias as hipóteses, e todas elas válidas, mas o processo não podia deixar de seguir os seus trâmites normais. Na falta de elementos documentais, recorre-se à prova testemunhal, e foi dessa forma que foi declarado deficiente das Forças Armadas.
Partiu mais de 50 anos depois de ter jurado solenemente defender a Pátria perante a Bandeira Nacional.
E foi coberto com a Bandeira que jurou defender, que efectuou a sua viagem, rumo à sua última morada.

Odivelas, 02/02/2021
José Marcelino Martins
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21879: In Memoriam (390): Paulo Fragoso, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 2616 (Buba, 1969/71) (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarada José Martins, da arma de trms. Obrigado pelo testemunho que acabo de lêr.
Á família do camarada que nos deixou, em particular à sua descendente Isabel, as sentidas condolências e um reconhecido Bem Haja pelo testemunho que nos legou, tão originalmente documentado!
Vasconcelos

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Aqui, no "campo da igualdade", que é o talhão dos combatentes da Tabanca Grande, todos somos iguais, não há alguns "mais iguais do que outros"... Gosto desta designação, sinóimo de cemitério, que encontro nalguns sítios do nosso país... Infelizmente, a "foice da morte", nestes últimos meses, tem trabalhado bem... e sem olhar a quem.