Guiné-Bissau > Bissau > 1996 > A antiga piscina da antiga messe de oficiais do Quartel General (QC), entretanto transformado no Hotel 24 de Setembro. No tempo do Rui Felício (1968/70), a messe de oficiais do QG era conhecida como a
Vala Comum... Quem ia passar uns dias a Bissau e tinha dinheiro, instalava-se no Grand Hotel...
Foto: ©
Humberto Reis (2005)
Guiné > Bissau > 1969 > O Paulo Raposo, alferes miliciano da CCAÇ 2405, camarada e amigo do Rui Felício, com o seu pai, de férias, no Grand Hotel.
Foto: ©
Paulo Raposo (2006)
Mais uma estória de Dulombi, da autoria do
Rui Felício, ex-Alf Mil, CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaroi e Dulombi, 1968/70)
Meu Caro Luis Graça,
Em primeiro lugar, mantém presente o dia 14/10 na Ameira!
Em segundo, peço-te, se tal for possivel, que no teu blogue alguém possa dizer algo sobre o paradeiro do Parrot, que andou por Mafra em 1967 e de quem perdi completamente o rasto.
Depois disso foi para a Guiné e depois nada mais soube àcerca do que foi a sua vida.
Insiro abaixo uma história passada com ele na Guiné que divulgarás se para isso lhe achares interesse.
Um abraço do
Rui Felicio
A PISCINA( onde se aborda o grave problema de não existir fato de banho no espólio do fardamento militar ...)
No começo, em Mafra...Já de si, o apelido originário da ascendência estrangeira da sua Família, o tornava notado.
A sua invulgar estatura de quase dois metros, os olhos salientes, o cabelo arruivado, a pele branca e sardenta e o corpo magro, longilíneo e desengonçado, completavam a estranha figura propicia ao sorriso e aos mais díspares comentários.
Falo do Parrot, que conheci em Mafra e que fez parte do meu pelotão do 1º Ciclo do COM da incorporação de Abril de 1967.
Não era fácil, porém, tirar o Parrot da sua fleumática postura de
não te rales, por mais provocações que se lhe tentassem fazer. Ele era a calma personificada, e senhor de uma inteligência fora do comum.
Não eram portanto as piadas sem graça que alguns lhe dirigiam que o faziam reagir ou mostrar desagrado. Mostrava-se superior a essas coisas...
Era fácil perceber que colmatava os sacrifícios da vida militar, para a qual claramente não nascera, substituindo-os por insondáveis pensamentos que lhe davam o ar de quem pairava acima dos comesinhos problemas de quase todos nós.
Fez quase toda a recruta em Mafra de fato de treino e sapatilhas, porque só já muito perto do juramento de bandeira é que lhe foi conseguido fardamento adequado às suas medidas. Enquanto não teve fardamento, estava autorizado a sair do quartel à civil o que lhe proporcionou algumas vantagens em relação ao resto dos cerca de 800 cadetes que como ele ali recebiam instrução militar.
De facto, enquanto todos nós, para sairmos do quartel, tínhamos de nos sujeitar a formatura de saída e à revista, com os inerentes riscos de sermos
chumbados nessa revista, o cadete Parrot saía calmamente à civil do quartel pela porta de armas, como se de um oficial se tratasse. Aliás, por mais de uma vez o sentinela da porta de armas, incapaz de conhecer todos os muitos oficiais que serviam no Regimento, tomava o Parrot como mais um e saudava-o com as honras militares que supunha lhe serem devidas!
Perdi completamente o rasto do Parrot desde que saí da tropa, o que lamento... Assim como já o havia perdido antes, quando depois da recruta ele foi fazer a especialidade não sei em que outra Escola Militar.
O reencontro, em Bissau...Reencontrei-o uns dois anos mais tarde em Bissau, onde ambos pernoitávamos na
Vala Comum do Quartel General.
A
Vala Comum, para quem não se recorde, era uma espécie de caserna situada no QG, onde dormiam os oficiais milicianos que por algum motivo vinham do mato até Bissau, durante alguns dias.
Das poucas vezes que consegui pretexto para vir a Bissau, esquecendo por alguns dias a monotonia e os perigos do mato, fiquei quase sempre no
Grand Hotel, a minhas expensas, mas desta vez em que reencontrei o Parrot, tinha decidido ficar na
Vala Comum.
Não lhe perguntei o que fazia em Bissau, porque era óbvio que a razão oficial para ali estar não passaria de mero pretexto, tal como o meu, para fugir por uns dias à chatice do mato. E nem sequer lhe perguntei nada sobre o que tinha sido a sua vida militar desde que saiu de Mafra, porque quem conhecesse o Parrot sabia que ele não gostaria de falar disso. Preferia falar de coisas ligeiras, de preferência sem qualquer ligação à tropa.
Ao lado da
Vala Comum, existia a piscina do Quartel General que o Parrot frequentava pelo meio da manhã, depois de acordar. Como não tinha calções de banho, enrolava uma camisa nº 3 da sua farda de trabalho, atava as mangas em volta da cintura e dirigia-se para a prancha de saltos mais alta da piscina, de onde se despenhava em mergulho desengonçado para a água da piscina. Repetia isto duas ou três vezes e regressava à
Vala Comum, para tomar um duche, vestir-se e sair para dar uma volta pela cidade.
Acontece que as esposas dos oficiais do QG que viviam com os maridos nas instalações do quartel, como não tivessem nada que fazer, estacionavam ora no Bar de Oficiais ora na Piscina, tentando matar o tempo com conversas e mexericos. E, qual púdicas e ofendidas damas da falsa alta sociedade militar guineense, decidiram queixar-se ao Tenente Coronel que geria a Piscina, pelo comportamento, a seu ver incorrecto e imoral, do Sr. Alferes Parrot!
O motivo da queixa assentava no facto de o Parrot não só não se apresentar decentemente ataviado para frequentar a piscina, mas também e principalmente porque ao voar da prancha de saltos para a água, permitir que a camisa nº 3 que lhe servia de fato de banho esvoaçasse ao vento, deixando exposto aos olhares das senhoras o seu sexo pendurado e desnudo.
Na verdade, o Parrot achava que não valia a pena usar cuecas por baixo da camisa nº 3!
O Tenente Coronel, contra a sua vontade, mas pressionado pelas esposas dos seus camaradas, não teve outro remédio senão mandar chamar o Parrot.
Esclareço que os oficiais colocados no QG, na sua maioria, nunca tinham estado no mato e evitavam entrar em conflito com os alferes que de lá vinham esporadicamente a Bissau, porque receavam as reacções indisciplinadas de alguns que,
apanhados do clima, achavam que já nada tinham a perder.
Por isso, o Tenente Coronel rodeou-se de todos os cuidados, mediu bem as palavras e abordou cautelosamente o Parrot, dizendo-lhe que as senhoras que frequentavam a piscina se sentiam incomodadas pelo facto dele usar a camisa nº 3 da farda de trabalho quando ia mergulhar.
Pedia-lhe por isso, para evitar problemas, que não a usasse quando quisesse ir para a piscina.
O Parrot, com o seu habitual ar desprendido acatou a sugestão do Tenente Coronel e sossegou-o, prometendo-lhe que tal não voltaria a suceder.
Parecia tudo resolvido. Mas não estava...
O Parrot, logo na manhã seguinte, voltou à piscina, com a camisa enrolada à cintura a fazer de fato de banho, subiu as escadas da prancha de saltos e mergulhou como habitualmente!
À semelhança dos dias anteriores, repetiu os saltos duas ou três vezes e regressou impávido e molhado à
Vala Comum.
Comportamento atípico este! O Parrot era desprendido mas não era um provocador, e muito menos propositadamente indisciplinado! Posso garantir! Inexplicável portanto o seu comportamento!
O Tenente Coronel também sabia disso e não compreendia... Por isso, chamou de novo o Parrot e pediu-lhe que se justificasse, que lhe explicasse porque quebrara a promessa do dia anterior...
O Parrot, com ar cândido e aparentando grande admiração por ter sido de novo chamado ao Tenente Coronel, explicou:
- Oh meu Coronel, acho que houve aqui uma deficiência de comunicação. Quando o Senhor ontem me disse para eu não voltar a usar a camisa nº 3, entendi que a não considerava adequada por fazer parte do fardamento de trabalho...E acatei... Compreendi que queria que, em vez dessa, eu usasse antes a camisa do fardamento de saída, ou seja, a camisa nº 2, da farda de saída, atendendo a que se tratava de um local onde se justifica alguma etiqueta na apresentação... E foi o que fiz!!!! - culminou o Parrot, com o ar mais celestial do mundo - A camisa que hoje usei era uma camisa nº 2, meu Coronel!
Rui Felício
Ex-Alf Mil Inf
CCAÇ 2405
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Nota de L.G.
(1) Vd. última estória: post de 5 de Setembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço