segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19468: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte I: A partida no T/T Quanza, em 8/1/1964


Lisboa > Cais da Rocha  Conde de Obidos > dia 8 de Janeiro de 1964. > Partida do BCAÇ 619 para o TO da Guiné, no T/T Quanza (, navio, da CNN - Companhia Nacional de Navegação, construído  na Alemanha, tendo estado ao serviço da marinha mercante 4 décadas, de 1929 a 1968).


Lisboa > Cais da Rocha Conde de Óbidos > T/T Quanza > 8 de janeiro de 1964 > Partida do BCaç 619 para o TO da Guiné > A criança que está no cais de pé no ar é a minha filha Paula Cristina que fazia 2 anos naquele dia. Hoje tem 57 anos e é advogada.


Lisboa > Cais da Rocha  Conde de Óbidos > T/T Quanza > 8 de janeiro de 1964 > BCAÇ 619 > A partida... Adeus, até ao meu regresso!
 

T/T Quanza > BCaç 619 > 8 de janeiro de 1964 > Saída da Barra de Lisboa ao pôr do Sol.


T/T Quanza > BCaç 617 > 9 de janeiro de 1964 > Exercício de salvamento a bordo



T/T Quanza > BCAÇ 619 > A caminho da Guiné > c. 8-15 de janeiro de 1964 > Missa a bordo


T/T Quanza > BCaç 617 > c. 8-15 janeiro de 1964 > Cinema ao ar livre.

Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O João Sacôto  {, João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, de seu nome completo,] foi alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66). Foi Trabalhou depois como Oficial de Circulação Aérea (OCA) na DGAC [Direção Geral de Aeronáutica Civil]. Foi piloto e comandante na TAP, tendo-se reformado em 1998.

Estudou em Instituto Superior de Ciencias Económicas e Financeiras . Andou no Liceu Camões em 1948 e antes no  Liceu Gil Vicente. É natural de  Lisboa. É casado. Tem página no Facebook (a que aderiu em julho de 2009, sendo  seguido por mais de 8 dezenas de pessoas. É membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011 (*)

Da mesma companhia, a CCAÇ 617, é o nosso grã-tabanqueiro Carlos Alberto Rodrigues Cruz, ex-fur mil. Do mesmo batalhão, mas da CCAÇ 616 (Empada, 1964/66), temos Joaquim da Silva Jorge ex-al mil, régulo da tabanca de Ferrel, concelho de Peniche.Tal como  Francisco Galveia, ex-1º cabo cripto, residente em Fronteira. Da CCAÇ 618 (Binar e Susana, 1964/74) temos o João Pinho dos Santos, ex-alf mil, infelizmente já falecido. Ao todo, temos 5 representantes do BCAÇ 619, na Tabanca Grande, o que está dentro da média: um em cada em camaradas da Guiné apresenta-se ao portão de armas da Tabanca Grande...



2. Começamos hoje a publicar uma seleção de fotos (a cores e a preto e branco) do álbum do João Sâcoto, de inegável interesse documental. Tanto quanto possível vamos seguir uma ordem cronológica e temática, começando hoje pela partida para o TO da Guiné no N/M Quanza, em 8 de janeiro de 1964. 

Mas antes convém dizer aqui duas palavrinhas sobre  a CCAÇ 617 e o BCAÇ 619


2.1. Do historial do BCAÇ 619 (Catió, 1964/66), destaca-se o seguinte:

(i) foi mobilizado pelo Regimento de Infantaria nº 1, Amadora;

(ii) sob o comando do tenente-coronel de Infantaria Narsélio Fernandes Matias; 2º comandante o major de infantaria Manuel de Jesus Correia; oficial de informações e operações/adjunto,  o cap inf Rogério Jorge Vale de Andrade; cmdt da CCS (Companhia de Comando e Serviços ),  o  capy  SGE José Francisco Galaricha;

(iii) a sua divisa era: “Sentinela do Sul”;

(iv) embarca em Lisboa no dia 8 de janeiro de 1964 e desembarca em Bissau a 15, juntamente as suas subunidades de quadrícula: CCAÇ 616, CCAÇ 617 e CCAÇ 618;

(v) em 17 de janeiro de 1964 assume a responsabilidade do Sector F, substituindo o BCAÇ 356;

(vi) tem a sede em Catió e os subsetores de Catió, Empada, Bedanda e Cabedú;

(vii) integrou a Operação Tridente (Ilha do Como, de 5 de janeiro a 24 de março de 1964);

(viii) passou a integrar na sua zona de acção o subsetor de Cachil;

(ix) entre as operações que coordenou destacam-se as operações “Broca”, “Campo”, “Razia” e “Satan”, tendo apreendido 1 metralhadora pesada, 4 ligeiras, cerca de meia centena de espingardas e pistolas metralhadoras, 30 minas e 59 granadas de armas pesadas;

(x) no dia 11 janeiro 1965 o setor passa a ser designado por Setor S 3 e em 17 de janeiro de 1965 passa a incluir o subsetor de Cufar, então criado na sua zona;

(xi) com as populações dispersas, a 17 de março de 1965 iniciou a experiência de reagrupamento de populações, sendo criada a tabanca de Ualala, para o efeito;

(xii) é rendido em 21 de janeiro de 1966, pelo BCAÇ 1858, seguindo para Bissau e ficando a aguardar embarque.


2.2. Quanto à CCAÇ 617:

(i) permaneceu inicialmente em Bissau, como força de reserva do CTIG, colaborando na segurança e protecção das instalações e das populações da área, tendo integrado o dispositivo do BCaç 600 em substituição da CCaç 273.

(ii) em 1 de março de 1964, por troca com a CCaç 414, foi colocada em Catió como subunidade de intervenção e reserva do sector e ficando então integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão, tendo actuado em várias operações realizadas nas regiões de Ganjola, Cobumba, Cufar Nalú, Cabolol e Catunco, entre outras.

(iii) em 22 de setembro de de 1965, por troca com a CCaç 728, assumiu a responsabilidade do subsector de Cachil, onde se manteve até ser rendida pela CCaç 1424 em 16 de janeiro de 1966,, após o que recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

(iv) comandante: cap inf António Marques Alexandre.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19467: Parabéns a você (1570): Cap Inf Ref José Belo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70) e Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Guiné, 1971/72)


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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19461: Parabéns a você (1570): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305 (Guiné, 1970/73)

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19466: Agenda cultural (670): As Rotas da Escravatura, série de 4 episódios na RTP 1: 2ª feira, dia 4/2/2019, 4º (e último) episódio > 1789-1888: As Novas Fronteiras da Escravatura




RTP1 | 2ª feira, 4 Fev 2019 | 23h43

Género > Documentário - História


1789-1888: As Novas Fronteiras da Escravatura 
| Episódio 4 de 4 | 

Duração: 53 min


Sinopse>

Em 1790, o tráfico negreiro atinge o seu zénite. Mais de 100 000 cativos são deportados todos os anos.

No advento do séc. XIX, a violência dos negreiros dita a condenação do tráfico transatlântico. Doravante, a Europa terá de encontrar um meio de enriquecer sem recorrer a este tráfico, agora, imoral.

Nos anos que se seguem à proibição do tráfico, os europeus vão fazer recuar as fronteiras da escravatura.

O Brasil guarda nele a herança dos últimos anos da escravatura.

No momento em que o comércio de escravos é proibido, uma segunda vaga de deportações de cativos chega à Baía do Rio de Janeiro.

Com mais de dois milhões de escravos desembarcados no séc. XIX, o Rio tornou-se o maior porto de tráfico do mundo.


Rever últimos episódios no RTP Play

1620-1789: Do Açúcar à Revolta  | Episódio 3 | 28 Jan 2019


Ficha Técnica

Título Original: Les Routes de l´esclavage
Realização: Daniel Cattier, Juan Gelas, Fanny Glissant
Produção: Compagnie des Phares et Balises, ARTE France, Kwassa Films, RTBF, LX Filmes, RTP, Inrap
Música: Jérôme Rebotier
Ano: 2017
Duração de cada episódio: 53 minutos

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Guiné 61/74 - P19465: Blogpoesia (606): "O Fado de Lisboa", "Acridoces..." e "Meu pensamento", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:

O fado de Lisboa

Rezam as lendas que, vindo da Grécia,
deixou o mar, subiu o Tejo, numa madrugada de luar.
Era Ulisses. Deixara Ítaca e sua esposa.
Lisboa era uma urbe humilde.
Estendida pela colina que, hoje, é do Castelo.

Extasiado com sua beleza, aqui ficou.
Por ela andou e cirandou.
Fez-se um seu.

Saíam à porta a ouvi-lo as gentes
quando, pela madrugada, passava entoando loas, em voz sonora.
Ninguém entendia.
Eram saudades.
Faziam chorar.

Até que um dia, de madrugada,
não resistindo,
desceu o rio e se fez ao mar.
Penélope o esperava, longe.

Tão forte e belo era o seu canto,
calou profundo na alma das gentes.
Ainda hoje perdura nas suas ruelas,
nas casas de fado.
À guitarra:

- Ai, Mouraria, na velha rua da Palma...
- Foi Deus...
- Mãe negra...

Ouvindo Carlos Paredes

Berlim, 27 de Janeiro de 2019
10h27m
Jlmg


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Acridoces...

Acridoces são as saudades de Lisboa.
Distante, para lá dos Pirinéus.
Onde o sol se põe em cada dia.
E o mar é o fim do mundo.

Me rendo ao esplendor dos seus clarões.
Me consolo com a memória dos dias doces que por lá andei.
Aquelas descidas à Baixa pelo Chiado.
Ao Rossio engalanado de verdura.
À Rua Augusta que é augusta e elegante, com suas vitrinas.
O Elevador altivo donde se alcança Lisboa para todo o lado.

Subir a Avenida larga e saborear a doçura da liberdade.
Aquele Parque solene ao cimo, que nos transporta até ao céu.
Girar de eléctrico por toda a parte, no meio das gentes atarefadas.
Como se está à janela da nossa casa.

Quem me dera, agora, sentar-me à mesa e tomar uma bica com o Pessoa...

Ouvindo Tchaikovsky - Hymn of the Cherubim - USSR Ministry Of Culture Chamber Choir

Berlim, 29 de Janeiro de 2019
8h28m
Jlmg


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Meu pensamento

Largo ao vento meu pensamento livre.
Qual condor, de asas abertas,
Sobre os penhascos das escarpas imensas.
Procurando a presa.

Desfaço em pedras minha mole inerte,
Como brasa a arder.
Queimo no chão a lenha inútil.
Garimpo na areia pepitas d'oiro,
Sonhando ser rico.

Incendeio na eira toda a palha seca e para nada serve.

Exponho ao sol minha alma a arder.
De olhos fechados, subo aos céus e contemplo o infinito.
Inibrio meu espírito sedento, de perfumes de alabastro.
Enlevo-me a ouvir acordes sublimes de beleza.
Nem a tela nem a pena conseguem traduzir...

Ouvindo HAUSER - Song from a Secret Garden

Berlim, 1 de Fevereiro de 2019
8h25m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19444: Blogpoesia (605): "Andorinhas de Lisboa", "Fugacidade da vida" e "As calçadas de Lisboa", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19464: Os nossos seres, saberes e lazeres (306): Viagem à Holanda acima das águas (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
Era sonho muito antigo, conhecer esta herança portuguesa, a mais importante Sinagoga na Europa, que não a mais antiga. É ofuscante, deslumbra este compromisso entre um luxo contido e uma sobriedade de mobiliário e ornamentação, numa outra dimensão. E o diálogo das culturas, está ali a traça europeia e a especificidade dos artefactos e alfaias judaicas. Creio que a sinagoga mais antiga está em Praga, era ali que os nazis se preparavam para ter uma mostra dos "homens inferiores", no seu dizer racial. A Esnoga é o espelho de uma sociedade que ganhara opulência, os judeus sentiam-se seguros naquele país onde se gozara da liberdade de expressão enquanto nos demais as guerras religiosas destruíam civilização e cultura.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (10)

Beja Santos

Fotografia dos canais de Amesterdão, retirada de http://www.dutchamsterdam.nl/6623-amsterdam-canals, com a devida vénia.

Para um neófito, sair do Rijks de Amesterdão e querer ir diretamente à Sinagoga Portuguesa, pode ser uma dor de cabeça, andarilhar por aqueles canais, apanhar um elétrico na boa direção e sair no sítio certo, e depois palmilhar ruas e ruelas até chegar à Sinagoga. O viandante procurara saber um pouco mais sobre Amesterdão, lendo um dos livros de Bill Bryson (“Nem Aqui, Nem Ali, a Europa, de Estocolmo a Istambul”, Quetzal Editores, 2008). Bryson é considerado o autor de livros de viagens mais lido em todo o mundo, o que o viandante leu sobre Amesterdão não deu grande esclarecimento. Escreve ele: “Em virtude de os Holandeses se terem vindo a congratular a si mesmos pela sua tolerância inteligente durante todos estes séculos, é-lhes agora impossível não se acomodarem generosamente aos graffiti, aos hippies desgastados, à caca de cão e ao lixo”. Depois de visitar o bairro da prostituição declara ter passado a manhã no Rijks e não esconde elogios rasgados aos 250 compartimentos repletos de quadros maravilhosos. E dali seguiu para a casa de Anne Frank. O viandante não seguiu esse itinerário, pediu ajuda a Laurens Van Krevel, e atravessou-se o centro de Amesterdão.



Bem gostaria o viandante de dizer que morre de amores por esta cidade, tal não acontece, o que não significa que não haja encontro auspicioso com esta ligação aos canais, as fachadas de edifícios com ar tão mercantil, o céu está um pouco plúmbeo, reflete-se na luminosidade, como é óbvio, e até no estado de alma, vai-se cheio de curiosidade conhecer esse templo que ancestrais portugueses, fugidos à perseguição da Inquisição, aqui construíram, a monumental Esnoga, a Sinagoga Portuguesa, a mais ampla de toda a Europa, escapou à fúria dos nazis.



A Esnoga está no coração do velho bairro judeu de Amesterdão, foi recentemente restaurada, ao seu lado funcionam alguns museus que acolhem uma importante coleção de objetos de ritual, o viandante a determinada altura viu escrito Livraria Montezinos, aquilo cheirou a Portugal ou a Espanha, informaram-no na receção que estava fechada. A Sinagoga foi construída em 1675 por judeus sefarditas fugidos de Portugal e Espanha, imigrantes e descendentes daqueles judeus fugitivos do final do século XV e princípio do século XVI. Foram os imigrantes, eles próprios chamaram à Sinagoga Portuguesa porque os Países Baixos ao tempo estavam em guerra com o império espanhol. Aqui os judeus encontraram a liberdade religiosa que fora promulgada pela União de Utrecht (1579), estamos então na Idade do Ouro dos Países Baixos, Amesterdão é uma mescla de asquenazes e sefarditas. A fachada, como se vê, é pouco impressionante, muito austera, parece um armazém reconvertido, o esplendor está sempre presente no interior.




A atual Sinagoga aproveitou o local da anterior (que datava de 1639), preparou-se para receber 1200 homens e 440 mulheres, foi consagrada em 2 de agosto de 1675. A que podemos visitar está exatamente como era, só com os acrescentos do progresso, caso da eletricidade. Mesmo que o viandante ande de brochura em punho, tem dificuldade em falar de artefactos e alfaias religiosas como Teba, Hechal, Ner tamid, vai regalando os olhos pelos belos móveis, pela profusão de luzes, pelo coro. Acaba por descobrir que em 1889 o livreiro David Montezinos ofereceu a sua preciosa biblioteca que está hoje incluída no registo da UNESCO, a ver se na próxima visita o viandante pode dar uma espiada pelos 20 mil volumes, centenas de manuscritos e dezenas de milhar de documentos avulsos. Há livros em todos os idiomas, incluindo o Yiddish e o Ladino.




A Esnoga tem muito para ver e um viandante português não perde ocasião para ver nas lápides os nomes dos portugueses prosélitos e generosos que puseram de pé este monumento incomparável. Porque há tesouros de objetos cerimoniais, tecidos de uma grande beleza. E há o bairro cultural judeu, que inclui o Museu Histórico Judeu, a Sinagoga em si com a sua biblioteca, o Monumento a Auschwitz, o Museu do Holocausto, o Monumento a Espinosa, são imensos os percursos propostos, o mais importante de tudo é que o viandante já registou os nomes Mendes Coutinho, vários Pereira, a família de Pinto, Jerónimo Nunes da Costa, está consolado, a idade não perdoa, está bem esmoído, vai regressar a Alphen, mas antes ainda quer percorrer a pé alguns troços por Amesterdão, amanhã é dia para Haia. À noite, a ler um livro sobre o Rijks de Amesterdão encontrou uma pintura de Emanuel de Witte, de 1680, com o interior da Sinagoga Portuguesa de Amesterdão. Despede-se o viandante com tal imagem, é orgulho de andarmos pelas sete partidas, se dói não haver a feitoria portuguesa na Flandres, ao menos temos a Esnoga em todo o seu esplendor a falar da alma lusa.




(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19440: Os nossos seres, saberes e lazeres (305): Viagem à Holanda acima das águas (9) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19463: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XII: cap inf Izidoro Azevedo Gomes Coelho (Vila Real, 1936 - Ambriz, Angola, 1964), cmdt da CCAÇ 539, morto por uma mina A/C com mais 7 dos seus homens





Eis os mortos desse dia, para além do capitão:

Agostinho Arromba Soares Fonseca,  1º cabo;
Alberto José Fernandes Machado,  fur mil;
Joaquim Gonçalves de Magalhães,  sold;
Armando Augusto Oliveira Moreira, sold;
Manuel Fernando Alves Nogueira, 1º cabo;
Augusto Martinho Rodrigues, sold.



1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia)Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972. Foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar.


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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de janeiro de 2019 > Giné 61/74 - P19453: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XI: cap cav António Lopo Machado Carmo (Coimbra, 1933 - São Domingos, Guiné, 1963), comandante da CCAV 252 (1961/63)

Guiné 61/74 - P19462: (In)citações (125): Por histórias de amizade e camaradagem como as do Jonas (que combateu depois pelo MPLA e morreu no Huambo em 1982) e do Sessendje (que se alistou na UNITA), eu posso orgulhar-me de ter pertencido à CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 (Zemba, Angola, 1972/74), que promoveu a amizade e não o ódio (Fernando de Sousa Ribeiro)


Foto nº 1 A > À frente do pelotão o furriel miliciano Luís Macedo; o sexto militar que se vê à direita do Macedo, e que é o mais pequeno de todos, era  o Domingos Jonas, que tinha como alcunha "Miúdo", um soldado natural do Huambo [Nova Lisboa]


Foto nº 1 B > O resto do pelotão, em formatura


Angola > Zemba > CCAÇ 3535 (1972/74) > O meu  grupo de combate que comandei, quase todo, em Zemba.


Foto (e legenda): © Fernando de Sousa Ribeiro (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso editor Luís Graça , enviada em 12/1/2019 ao Fernando de Sousa Ribeiro [, foto à esquerda]


Fernando: vejo que tens montes de recordações boas de Angola e dos teus/nossos camaradas angolanos... E mais: tens um livro inédito... À espera de quê ?

Podes partilhá-lo no todo ou em parte no nosso blogue...Pelo menos, chegas a um público mais vasto... E há cada cada vez mais gente interessada em conhecer a história, a geografia e a cultura de Angola... e nomeadamente a segunda metade do sec. XX, terrível para o povo angolano...Quando fui lá pela primeira vez, em 2003, havia dezenas e dezenas, talvez centenas, de mutilados de guerra nas ruas... 400 mil deficientes diziam-me, terá sido o balanço da chamada 2ª guerra da independência...

Pediram-me para lá voltar em 2019, não sei se já terei forças... Angola, hoje, não é para todos!

Gostava de poder publicar o texto que escreveste, com as nevessárias adaptações, não vou exibir o vídeo, até porque não falamos da "atualidade política" dos nossos países... Por uma questão de coerência, autenticidade, economia de meios, etc. Seria uma "caixinha de Pandora"... E eu só me interessa o "material vivido", as experiências, as emoções, as recordações do tempo da guerra colonial...

2. Resposta do Fernando de Sousa Ribeiro, com data de  13/01/2019, 17:56



 Caro Luís,

Tenho a maior relutância em publicar o meu livro por várias razões. 


Uma prende-se com o facto de eu fazer nele acusações claras e diretas a diversas pessoas e organismos, com nomes, descrições, fotografias, etc. Eu quis que as minhas memórias fossem tão factuais quanto possível, mas não pretendo atingir ninguém em concreto, apesar dos pormenores que dou. O que pretendo é mostrar como aconteceram certos factos que não deviam ter acontecido, independentemente de quem os protagonizou. Assim, só no futuro é que o meu livro poderá interessar (ou não) a alguém, mas não enquanto eu estiver vivo.

Por outro lado, publicar um livro de memórias da guerra colonial é o mesmo que deitar dinheiro fora, a menos que eu me chame António Lobo Antunes ou Carlos Vale Ferraz. Já existem dezenas e dezenas de livros publicados sobre a guerra, com os mais diversos pontos de vista, mas cada um deles só tem vendido meia-dúzia de exemplares. 


O meu seria mais um livro a acrescentar ao monte. Lembro o caso do primeiro capitão que a minha companhia teve e que também publicou um livro. Dois ou três anos depois de o livro ter sido lançado no mercado, o autor foi contactado pela editora (a D. Quixote), informando-o que os exemplares não vendidos estavam a ocupar um espaço precioso nos armazéns e perguntando-lhe se pretendia ficar com eles ou se preferia que fossem destruídos. Ele quis ficar com eles e agora tem a casa atulhada de livros!

A guerra colonial em Angola foi uma coisa terrível, é verdade que sim, mas ela foi uma brincadeira de crianças comparada com a guerra civil que se seguiu, a qual atingiu um número incomparavelmente maior de pessoas, durou muitíssimo mais tempo e teve consequências infinitamente mais devastadoras. Ainda agora há pessoas que são mortas ou ficam mutiladas por acionarem minas terrestres, apesar dos milhões e milhões de minas que já foram levantados.

A propósito, refiro-te um facto que talvez desconheças e que se prende com o destino que foi dado aos angolanos que combateram nas fileiras das Forças Armadas Portuguesas. Muito ao contrário do que se terá passado na Guiné, em Angola todos os movimentos procuraram atrair para si os ex-militares que os tinham combatido na guerra colonial, para aproveitarem a sua experiência de combate na guerra civil. 


Os meus maravilhosos camaradas angolanos também foram aliciados para aderirem a este ou àquele movimento, depois de terem passado à disponibilidade. Uns aderiram ao MPLA, outros à UNITA, nenhum aderiu à FNLA e a maior parte deles preferiu manter-se na condição civil, sem que fossem molestados por esse facto.

Mando-te em anexo uma fotografia que mostra o grupo de combate que comandei, quase todo, em Zemba. À frente da "formatura" vê-se o heróico furriel Luís Macedo, que é português (Foto nº 1A]. O sexto militar que se vê à direita do Macedo, e que é o mais pequeno de todos, era um soldado natural do Huambo chamado Domingos Jonas, que tinha como alcunha "Miúdo". A valentia deste soldado era inversamente proporcional à sua estatura. Ele e o furriel Macedo foram precisamente os dois militares mais valentes do grupo. 


Depois de ter concluído o serviço militar no Exército Português, no fim de agosto de 1974, o soldado Jonas alistou-se nas FAPLA, o braço armado do MPLA, pelas quais combateu até que morreu perto do Huambo em 1982. A notícia da morte do soldado Jonas foi dada por um outro antigo soldado da minha companhia, mas não do meu grupo, chamado Mário Sessendje, que aderiu à UNITA. 

Agora repara: o Jonas e o Mário conheceram-se na minha companhia, tornaram-se amigos e a sua amizade prevaleceu sobre o ódio que opôs os movimentos a que aderiram, o MPLA e a UNITA. Mesmo combatendo em campos opostos, o Jonas e o Mário mantiveram-se em contacto e conservaram a sua amizade intacta, até que a morte de um deles os separou. 

Só por isso, acho que me posso orgulhar de ter pertencido à Companhia de Caçadores 3535, que promoveu a amizade e não o ódio.


Um abraço


Fernando de Sousa Ribeiro
membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780]

2. Nota do editor:

A CCAÇ 3535 foi mobilizada pelo RI 16, partiu para Angola em 13/6/1972 e regressou em 28/8/1974. Esteve em Zemba, P. R. Zádi. Comandantes: cap mil inf José Manuel de Morais Lamas Mendonça e Silva, e cap mil inf José António Pouille Nobre Antunes. Pertencia ao BCAÇ 3880, sediado em Zemba e Maquela e comandado  pelo ten cor inf Armando Duarte de Azevedo. As outras duas subunidades eram a CCAÇ 3536 (Cambamba, Fazenda Costa) e a CCAÇ 3537 (Mucondo, Béu).

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Nota do editor:

Último poste da série >  1 de fevereiro de  2019 > Guiné 61/74 - P19458: (In)citações (124): A Angola e os angolanos que eu conheci e que ficaram no meu coração: os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo, do admirável e sofrido povo de Angola; (...) para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual, olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem ... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, 1972/74)

Guiné 61/74 - P19461: Parabéns a você (1570): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305 (Guiné, 1970/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19451: Parabéns a você (1569): Luís Graça, ex-Fur Mil Armas Pesadas Infantaria da CCAÇ 12, fundador e editor deste Blogue e Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil SAM do BCAÇ 1933 (Guiné, 1967/69)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19460: In Memoriam (338): José Arruda (1949-2019): fotos da última homenagem no cemitério dos Olivais, com Honras Militares prestadas por um Pelotão do Exército, e Alas de Cortesia, compostas por praças dos três Ramos das Forças Armadas (José Martins)


Foto nº 1 > Cortejo auto



Foto nº 2 > Força para prestação de honras militares



Foto nº 3 > Alas de Cortesia


Foto nº 4 > Força em ombro e funeral armas.



Foto nº 5 > Carros para transporte de flores



Foto nº 6 > Carro com o caixão coberto pela Bandeira Nacional




Foto nº 7 > Distribuição de munições de salva



Foto nº 8 > Três salvas de ordenança


Foto nº 9 >  Três salvas de Ordenança.

Lisboa > Cemitério dos Olivais > 1 de fevereiro de 2019 > O funeral do José Arruda


Fotos (e legendas): © José Martins (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo, camarada e colaborador permanente José Martins, com data de hoje, às 18h07


Boa tarde

Acabo de chegar do funeral do José Arruda.

Como muitos gostariam de ter estado presente, e não lhes foi possível, envio as fotos possíveis.

Apesar de pertencer à Classe de Sargentos DFA, teria direito a uma Guarda de Honra a nível de pelotão.

Porém foi entendido que, devido ao cargo que ocupou nos últimos tempos em prol dos Deficientes das Forças Armadas, a maioria dos quais combatentes, foi decidido que as Honras Militares fossem prestadas por um Pelotão do Exército, e as Alas de Cortesia, compostas por praças dos três Ramos das Forças Armadas.

O velório decorreu no salão nobre da ADFA, tendo uma guarda de dois militares em permanência. O funeral seguiu para o Cemitério dos Olivais (Lisboa) onde o corpo foi cremado.

Fotos:

1 > Cortejo auto
2 > Força para prestação de honras militares
3 > Alas de Cortesia
4 > Força em ombro e funeral armas.
5 > Carros para transporte de flores
6 > Carro com o caixão coberto pela Bandeira Nacional
7 > Distribuição de munições de salva
8 e 9 > Três salvas de Ordenança.


Abraço
Zé Martins

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Nota do editor:

Vd. postes anteriores da série > 

30 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19455: In Memoriam (337): José Arruda (1949-2019), presidente da direção nacional da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas: o corpo estará em câmara ardente com guarda de honra militar, na sede na associação, em Lisboa, a partir das 16h00 de amanhã, 5ª feira, sendo a última cerimónia fúnebre, 6ª feira, às 16h00, no crematório do cemitério dos Olivais

27 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19446: In Memoriam (336): José Arruda (Movene, Moçambique, 1949 - Lisboa, 2019), líder histórico da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas

Guiné 61/74 - P19459: Notas de leitura (1146): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (71) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Pôs-se termo ao expediente do gerente de Bissau quanto à evolução da luta armada, a partir do momento em que ele se limitou a enviar para Lisboa os Boletins Oficiais das Forças Armadas, deixámos de ter uma outra maneira de olhar os acontecimentos, cortou-se com a pluralidade.
O documento de Castro Fernandes, não hesito em classificá-lo assim, é uma das peças mais relevantes que constam do Arquivo Histórico do BNU.
Figura proeminente do regime de Salazar, vai produzir nestes apontamentos observações sulfúreas, não esconde que vem aí uma nova era e que não se pode iludir o separatismo. E se neste texto dá nota negativíssima ao Perfeito Apostólico, o que iremos ler a seguir sobre o meio social encerra alguns dos parágrafos mais eloquentes da descrição do colonialismo guineense.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (71)

Beja Santos

Concluída a viagem pelo expediente “Acontecimentos Anormais”, em síntese, a documentação enviada pelo gerente de Bissau para a governação em Lisboa sobre a eclosão e desenvolvimento da luta armada entre 1962 e inícios de 1964, temos agora por diante um conjunto de tarefas que culminarão com a cessação de funções do BNU na Guiné, tendo dado lugar ao Banco Nacional da Guiné-Bissau.

De 9 de março a 8 de abril de 1957, António Júlio de Castro Fernandes, o administrador do BNU com a tutela da Guiné, viaja à Província e produz uma coletânea de apontamentos que, atrevo-me a dizer, é um dos documentos fundamentais para análise sociopolítica e económica da década de 1950, e em certos domínios lança luz para tudo quanto se vai passar no tumultuoso itinerário que leva à saída das forças portuguesas em 1974. Daí a ênfase se irá fazer a um documento que, em termos historiográficos, estimo como incontornável, como se verificará.

O administrador, antigo Ministro da Economia, e mais tarde figura de proa da União Nacional (foi presidente da Comissão Executiva), elabora os seus apontamentos a partir da situação política que constatou.
Saltando imediatamente os considerandos geográficos, demográficos, por demais conhecidos, vejamos o que o administrador observa sobre a população dita civilizada:
“A grande maioria da população civilizada é constituída por comerciantes e funcionários. Há apenas um reduzido número de indivíduos exercendo profissões liberais e artes ou ofícios. Os ponteiros, quando não são puramente comerciantes, têm pequenas culturas, principalmente de cana-de-açúcar, feitas com mão-de-obra indígena.
Não há qualquer diferenciação de funções entre os civilizados por grupos rácicos: brancos, mestiços e negros constituem uma sociedade homogénea. Os libaneses dedicam-se exclusivamente ao comércio. Trata-se de uma sociedade burguesa, sem quaisquer preocupações de ordem intelectual. Vive este pequeno grupo em permanente emulação e intriga”.

E quanto à outra população:
“Não existem na Guiné elites nativas cultural e politicamente europeizadas, desligadas da minoria civilizada que dirige a vida da Província. Muitos régulos e chefes que mantêm o seu estatuto mas receberam forte influência europeia conservam uma ligação harmoniosa quer com a sociedade civilizada, quer com a sociedade indígena. Não há elites negras repelidas pela sociedade europeia e pela sociedade africana. Na Guiné Portuguesa não há elites nativistas, política ou culturalmente. O indígena quando tem razões de queixa é sempre contra determinada pessoa e não contra a sociedade civilizada”.

E tece o primeiro comentário que se prende com o mundo envolvente e as ideias separatistas:
“A situação geográfica da Guiné, encravada na África Ocidental francesa, não deixa de criar preocupações quanto às ideias separatistas que dominam o território francês e que podem ou infiltrar-se ou, quando tais infiltrações não sejam relevantes, ser postas no plano internacional.
O Perfeito Apostólico, sobretudo na sua paixão contra o Governador, mostra-se extremamente preocupado com as infiltrações que, segundo afirma, são já gravíssimas. Segundo me disse, não tardará que a Guiné Portuguesa constitua um caso idêntico ao de Goa.
O Governador, por seu lado, considera a nossa situação no plano internacional, no que diz respeito à Guiné, de extrema gravidade. Em sua opinião, é insustentável a nossa afirmação de que não temos colónias, de que a Guiné não é uma colónia, enquanto se mantiver a distinção legal entre cidadãos e indígenas. Para uma população de 509 mil indígenas, há 8,3 mil cidadãos, dos quais 360 são estrangeiros. À pergunta que nos farão qual a população da Guiné no seu total, a resposta de 518 mil indivíduos dos quais só 15% são cidadãos – conduz, naturalmente, à conclusão de que se trata de uma colónia, digamos nós o que dissermos. Em sua opinião, esta distinção entre cidadãos e indígenas deveria acabar: todos seriam cidadãos, embora uma parte desses cidadãos vivessem em regime tribal, respeitando o Estado o direito próprio de cada tribo, protegendo-os e educando-os por forma a que venham a gozar os benefícios da civilização. Claro que tal regime traria como consequência que todos os indígenas que soubessem ler e escrever teriam direito de voto. Tal perspectiva não o atemoriza – pelo contrário. Prefere um eleitorado disperso e sobre o qual os administradores possam exercer a sua influência a um eleitorado concentrado, muito fácil de manobrar pela oposição. Perguntando-lhe eu se a Guiné Portuguesa poderia vir a constituir um problema idêntico ao de Goa, respondeu-me ‘Pior, muito pior, porque na Índia temos uma obra em profundidade com 500 anos e aqui, na Guiné, não temos nada’.”

Segue-se uma descrição no campo das intrigas envolvendo o topo das instituições da colónia:
“Durante o interregno Melo e Alvim (fora Governador até 1956) exerceu a encarregatura do Governo o Inspector Superior Capitão Abel Moutinho. Pondo de parte o que dizem de bom, de mau e de péssimo, a respeito do Capitão Abel Moutinho, não restam dúvidas de que o senhor pretendeu ser nomeado Governador. Para tanto, foi organizando os seus quadros, formando à sua volta um grupo que o obviava e através do qual dirigia a Província. Também me não restam dúvidas – até por documentos que vi – que o seu orientador era o Perfeito Apostólico. Naturalmente que, por outro lado, foi preocupação do encarregado do Governo desmantelar o quadro que lhe era hostil. E, à cabeça, investiu com o Intendente (Chefe dos Serviços da Administração Civil), Santos Lima. Para tanto, instaurou-lhe um processo disciplinar com três fundamentos: actividades nativistas com ligações com os separatistas de Dakar, hostilidade à situação, irregularidades administrativas. O processo, para a instauração do qual contribuiu activamente o antigo Comandante Militar Neves e Castro, agradou ao Perfeito Apostólico – só por escrúpulo me não atrevo a dizer que foi por ele inspirado – e tinha como finalidade desmantelar com o Santos Lima o grupo que, de qualquer forma, lhe estava ligado.

A nomeação do Dr. Silva Tavares caiu como uma bomba no grupo Abel Moutinho. Este, em vez de desistir da almejada nomeação, tentou e tenta ainda – sempre através dos seus sequazes, tornar impossível a acção do Governador, obrigá-lo ou a estender-se ou a desistir. Para tanto, criaram-lhe – no intervalo entre a nomeação e a posse – todas as dificuldades possíveis.
O Perfeito Apostólico não escondeu nunca a sua hostilidade ao novo Governador. E marcou desde logo a sua posição, não esperando o Governador quando este chegou à Província e não assistindo à sua posse – claro que pretextando impedimentos pouco plausíveis.
Entretanto, o processo de Santos Lima foi seguindo o seu curso, mesmo antes da chegada do novo Governador tinham caído, por ausência de qualquer fundamento, as acusações de nativismo e hostilidade política. O Intendente foi reintegrado nas suas funções – ficando o processo disciplinar reduzido a duas ou três acusações sem a menor importância (Posso afirmá-lo, porque me foi facultada a leitura do processo). Como o Governador não investiu contra o Santos Lima e, pelo contrário, lhe deu e continua a dar consideração correspondente ao lugar que ocupa – embora tenha mandado que o processo siga o seu curso normal – tal atitude serviu de pretexto para o Perfeito Apostólico o atacar violentamente. Digo violentamente porque a mim mesmo me disse que a amizade do Governador pelo Santos Lima – homem desonesto e inimigo declarado das missões – era um autêntico escândalo. A verdade, porém, é que o Governador não é, nem deixa de ser, amigo do Santos Lima. O Governador não pode – só para satisfazer o Perfeito Apostólico e os amigos de Abel Moutinho – tratar mal, desprestigiar o Intendente. A hostilidade do Prefeito Apostólico manifestava-se um pouco em surdina, não se exibia publicamente. Até que surge o pretexto… Apareceu na Guiné um sujeito de Cabo Verde, dizendo-se vendedor de livros. Foi ao Gabinete, pedindo facilidades. O Chefe do Gabinete escreveu um cartão para o Director do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, enviando-lhe o indivíduo e dizendo-lhe se os livros podiam interessar ao Centro. E é tudo… e foi um trinta e um. O camarada era propagandista de uma seita protestante e os livros aparentemente de cultura geral tinham o veneno na cauda. O Perfeito Apostólico escreveu uma carta violentíssima e malcriadíssima ao Governador, este responde-lhe em termos (li toda a correspondência e o relato do Governador para o Ministro – não me ficando dúvidas sobre a fragilidade do terreno em que o Perfeito se colocou).

A hostilidade agora é feita à luz do dia – por parte do Perfeito. Assim: do próprio púlpito da catedral, na presença do Governador, o Perfeito leu uma prática desancando-o e mandou que essa prática fosse lida em todas as igrejas da Guiné (os padres, porém, apenas a resumiram); quando o Governador chegou da Costa do Ouro, o Perfeito não assistiu nem à recepção nem à transmissão dos poderes (eu estava presente e vi que todos os padres estiveram no aeroporto); recusou – sempre com pretexto de doença ou ausência – o convite para assistir ao banquete que o Governador me ofereceu; pretextando uma pane, que certamente não houve, não veio ao cocktail que o Banco ofereceu; no dia da minha partida, foi ao cais mas despediu-se logo para se não encontrar com o Governador. Não esconde a sua má vontade. Acusa o Governador de seguir uma política económica errada, acusa-o de não favorecer a acção missionária, dificultando a sua missão, acusa-o de proteger o desqualificado Santos Lima, e muito mais.
Em minha opinião, a atitude do Perfeito Apostólico, além de indefensável, é erradíssima.
Pessoalmente, acho o Perfeito Apostólico uma pessoa muito simpática, activo, devotado – mas falta-lhe altura intelectual. É, por outro lado, um apaixonado, um violento, um recalcado. Não me parece que esteja à altura da missão extremamente oficial que lhe cabe.

A evangelização exige, num meio como a Guiné, uma técnica muito especial e que, a meu ver, não reside na imposição. Pretende o Perfeito que a coisa se passa através da acção policial ou governativa – mas de tal sorte que o antipático recaia apenas nas autoridades. Assim, a islamização da Guiné – que não constitui apenas um problema religioso, porque pode vir a constituir – e já constitui – um obstáculo à integração do indígena na comunidade nacional – é assunto que tem que ser encarado com uma delicadeza muito especial. Os islamizados (são os indígenas mais evoluídos) querem aprender a ler e a escrever, mas se forem instituídas escolas católicas mandam os filhos para o território francês. A única forma de actuar é pois instalar escolas laicas – o que constitui pretexto do ataque do Perfeito Apostólico contra o Governador, acusando-o de favorecer escolas não pertencentes às missões…”

E a seguir o administrador Castro Fernandes ajuíza um novo Governador e dá-nos um quadro espantoso do meio social.

(Continua)

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Notas do editor:

Poste anterior de 25 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19435: Notas de leitura (1144): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (70) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 28 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19449: Notas de leitura (1145): Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19458: (In)citações (124): A Angola e os angolanos que eu conheci e que ficaram no meu coração: os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo, do admirável e sofrido povo de Angola; (...) para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual, olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem ... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, 1972/74)

Fernando de Sousa Ribeiro. Vive no Porto.
Mss também gosta de Lisboa  onde viveu e trabalhou
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1. Mensagem de Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 (Angola, 1972/74), membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018_

Obrihgado, Luís, pelos votos e pelo vídeo.

Alguma coisa tem vindo a mudar em Angola desde que João Lourenço assumiu a presidência. Este vídeo [, em que o comandantenacional da política denuncia, publicamente, a corrupção na instituição e expulsa das suas suas fileiras alguns dos seus mais elementos] é uma demonstração real disso.

Mas as dificuldades que o João Lourenço está a enfrentar são provavelmente maiores do que as que ele esperava encontrar, sobretudo no que ao repatriamento de capitais desviados para os paraísos fiscais diz respeito.

Até agora, ele só tem ouvido palavras aparentemente muito simpáticas de vários governos e entidades internacionais, mas sem consequências práticas. O Reino Unido, então, já recusou repatriar os 500 Milhões  de dólares desviados do Fundo Soberano de Angola pelo filho mais novo do José Eduardo dos Santos, José Filomeno dos Santos, e sua quadrilha. É a pérfida Albion no seu "melhor".

De qualquer modo, o tempo parece estar a jogar a favor de João Lourenço, que vai consolidando o seu poder, mas também joga contra ele, porque a economia angolana não parece estar a "levantar voo", nem pouco mais ou menos. Espera-se que este ano a economia do país entre em recessão, o que é muito mau.

Esperemos para ver, desejando que as coisas melhorem, para bem de um povo que eu aprendi a amar, graças aos maravilhosos subordinados angolanos que tive o supremo privilégio de comandar e pelos quais choro copiosas lágrimas de saudade.

A este respeito, permito-me reproduzir as seguintes palavras que lhes dediquei no meu livro inédito de memórias da guerra, a que dei o título de "Dignidade e Ignomínia":


Sinto um orgulho enorme nos subordinados [portugueses e angolanos] que me coube comandar.

(...) Posso (...) afirmar categoricamente que fui um privilegiado por ter tido a meu lado companheiros dotados de uma tal fibra.

Fui ainda mais privilegiado porque entre eles havia angolanos, que foram das pessoas mais extraordinárias que conheci. Não há dinheiro no mundo que pague toda a sua sabedoria, toda a sua generosidade e toda a sua sensibilidade. Depois de os ter conhecido, nunca mais fui o mesmo.


Tenho os seus nomes escritos em letras de ouro no meu coração: Domingos Amado Neto, Silva Alfredo dos Santos, Domingos Cangúia, Diogo Manuel, Ramiro Elias da Silva, Domingos Jonas, Mateus Tchingúri, Jonas Vitorino, Lucas Quinta, Henrique Luneva, Raimundo Nunulo, Domingos Dala, Fortunato Francisco João Diogo e Simão João Leitão Cavaleiro. Nunca os esquecerei.

Os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo. Do admirável e sofrido povo de Angola. Quer isto dizer que, para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual. Olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem. E eles foram insuperáveis no companheirismo e na dignidade com que se relacionaram connosco, os europeus da companhia.


Encontrando-se na mesma situação que nós, os nossos camaradas angolanos não se limitaram a partilhar as suas vidas connosco no seio da companhia; eles fizeram parte integrante de nós mesmos, tanto quanto isto foi possível.


Eles travaram os mesmos combates que nós.


Eles caíram nas mesmas emboscadas que nós.


Eles enfrentaram as mesmas minas que nós.


Eles contornaram as mesmas "bocas‑de‑lobo" que nós.


Eles suaram os mesmos cansaços que nós.


Eles enjoaram as mesmas rações de combate que nós.


Eles dormiram debaixo da mesma chuva que nós.


Eles tremeram os mesmos medos que nós.


Eles riram as mesmas alegrias que nós.


Eles choraram as mesmas saudades que nós.


Eles acalentaram as mesmas esperanças que nós.


Eles foram nós. Todos fomos nós." (...)(**)
Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro
Porto, 12 de janeiro de 2019