sexta-feira, 7 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22177: In Memoriam (393): Carlos Domingos Gomes, "Cadogo Pai" (Bolama 1929 - Coimbra, 2021), membro da nossa Tabanca Grande desde 2010

 

Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) (1929-2021). 

Foto:cortesia de ANG - Agência de Noticias da Guiné


Cópia do texto, de 26 páginas,  que foi me entregue em 7 de março de 2008, em Bissau, pelo próprio autor, no final do Simposium Internacional de Guildje (Bissau, 1-7 de março de 2008). Está dividido em duas partes, com numeração autónoma: 1ª parte (9 pp.): Memórias de Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai, Galardoado com a Medalha de Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Luta de Libertação Nacional. Guiledje, Simpósium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008; a II parte (17 pp): Simpósium Internacional, História da Mobilização da Luta da Libertação Nacional: Memórias de Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai.



1. Acabamos de saber, pelas redes sociais e agências notíciosas, da morte de Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai), ocorrida anteontem por volta das 23 horas, em Coimbra, vitima de doença prolongada.

Era pai de Carlos Gomes Júnior (Cadogo Júnior), talvez o mais conhecido dos empresários guineenses e antigo 1º primeiro-ministro, bem como presidente  do PAIGC, ao tempo de 'Nino' Vieira.

Reproduz-se aqui a notícia da ANG:

Bissau,06 Mai 21(ANG) - O empresário Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai), faleceu quarta-feira por volta das 23 horas, em Coimbra(Portugal), vitima de doença prolongada.

Cadogo Pai como é vulgarmente conhecido, é pai do antigo 1º Ministro da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior, também conhecido por Cadogo Júnior, nascido em Bolama em 1929.

Segundo os dados fornecidos à ANG pela família, Carlos Domingos Gomes começou a  actividade empresarial como Paquete no escritório da família Barbosa, junto ao Grande Hotel. Com ambições e desejoso de ter outro futuro, foi trabalhar na SCOA (proprietária do edifício onde está instalada a Pensão Central), foi depois transferido para Bolama e mais tarde regressou à Bissau como chefe de loja, antes de voltar para Bolama em 1951.

Em 1967,Carlos Domingos Gomes, sofre a prisão e tortura pela PIDE e foi libertado no tempo de Spínola em 1968, tendo depois se refugiado em Portugal, em 1973 e regressado ao país depois do 25 de Abril de 1974.

Depois da independência do país, Cadogo Pai continuou a sua actividade empresarial tendo criado a Loja Abelha Mestra, que dedicava ao comercio geral e venda de vinhos em divisas.

Posteriormente veio a criar nova empresa denominada de Carlos Gomes & Filhos que igualmente dedicava ao comércio geral import e export.

Carlos Domingos Gomes foi acionista do Banco Internacional da Guiné-Bissau(BIGB), e um dos accionistas fundador do Banco de África Ocidental (BAO), e também accionista do Banco Panafricano (Ecobank).

No domínio político, o malogrado foi candidato as eleições presidenciais de 1994, onde tinha como adversários João Bernardo Vieira (Nino) e Kumba Yalá.

Em 1999 foi nomeado Ministro de Justiça e Poder Local, no governo de Unidade Nacional liderado pelo Francisco José Fadul ,depois do conflito político militar de 7 de junho de 1998.

Durante o período de conflito político militar de 7 de junho que durou 11 meses, o falecido empresário Carlos Domingos Gomes juntamente com o Bispo Don Setímio Artur Farazeta, se destacaram como ativista que trabalharam afincadamente na busca da paz e reconciliação entre as partes envolvidas no conflito. (...)


2. Era membro da nossa Tabanca Grande, desde 16 de agosto de 2010, com cerca de dezena e meia de referências no nosso blogue.  Conheci-o em Bissau, no decurso do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008).

Estava ainda no poder o ‘Nino’ Veira. Era presidente do PAIGC o seu filho Carlos Gomes Júnior (também conhecido na sua terra como Cadogo Júnior), e que chegou a ser considerado como delfim do próprio ‘Nino’ Vieira até ao conflito de 1998. Dez meses depois do Simpósio, o filho de Carlos Domingos Gomes, no final desse ano, seria indigitado para o cargo de Primeiro-Ministro,

Tal como o pai, o Carlos Gomes Júnior nasceu em Bolama em 1949. Sabemos que, antes de entrar na política, e chegar a dirigente máximo do PAIGC, foi um empresário e gestor de sucesso. Não participou na luta armada como combatente.

Já o pai, o Cadogo Pai, em contrapartida, reclamava-se da condição de Combatente da Liberdade da Pátria, sem todavia nunca ter pertencido ao PAIGC, e muito menos combatido na guerrilha. 

Considerava-se um  nacionalista, embora tenha colaborado com o poder colonial, como autarca (em Bolama e depois em Bissau), o que lhe trouxe alguns alguns amargos de boca nos primeiros tempos, após a independência. Dizia-se amigo de Aristides Pereira. Em contrapartida, teve problemas com Luís Cabral que “tentou impedir a minha candidatura às primeiras eleições legislativas realizadas em Bissau, após a Independência” (1ª Parte, p. 2).

Publiquei aqui, em 2010,  a sua  história de vida, a partir de um texto autobiográfico, policopiado, de que ele me ofereceu uma cópia autografada (*). Conheci-o por acaso, na sala de conferências do hotel onde estava a realizar-se o Simpósio. Na mesma altura conheci o Joseph Turpin, o sobrinho do Élisee Turpin, esse sim um histórico do PAIGC.
.
O Simpósio Internacional de Guiledje  terá sido um bom pretexto para o Cadogo Pai escrever, eventualmente retocar e sobretudo divulgar as suas memórias, quer como cidadão quer como empresário, balizadas entre os anos de 1946 e 1974. Mas nem toda a gente o levava muito a sério, em 2008, em Bissau.
 
3. Recordemos aqui alguns marcos da sua história, de acordo com a sua narrativa autobiográfica (*):

(i) em 1946, aos 17 anos (nasceu portanto em 1929), o autor era “paquete de escritório da família Barbosa, junto do Grande Hotel”; ganhava 120 escudos de salário mensal, essa família Barbosa incluía Antoninho Barbosa e César Barbosa, tios do Caló Capé.

(ii) achando que não era lugar de (ou com) futuro, candidatou-se a (e ganhou) o lugar de auxiliar de escriturário numa firma francesa, a SCOA – Sociedade Comercial do Oeste Africano,  com várias lojas espalhadas pela Guiné de então (Bissau, Bolama, Bissorã…);

(iii) está-se em agosto de 1946, a escrituração das receitas da loja era feita em francês, língua que ele não dominava, mas iria contar com a ajuda (inesperada) do empregado que fora substituir, nada menos que o José Costa, colega de escola, entretanto transferido para Bissorã;

(iv) ele próprio, Cadogo,  será transferido, meses depois, a 24 de dezembro de 1946, para Bolama; em Bissau ganhava 250 escudos. wm Bolama, passou a ganhar 300, “quantia exígua para tomar conta da minha vida” (1ª Parte, p. 3);

(v) fica em Bolama três anos; em 26 de Dezembro de 1949 é convidado “para vir ocupar o posto de chefia da loja nº 2 em Bissau”, enquanto o José Costa, regressado de Bissorã, chefia a loja nº 1;

(vi) tinha 20 anos, “ainda era menor”, só fazendo os 21 em Maio de 1950; é  em Bolama que nasce o seu filho, futuro 1º ministro, em 19 de Dezembro de 1949;

(vi) volta a Bolama, em Março de 1951, como chefe operacional da mesma empresa, a Sociedade Comercial Oeste Africana (onde trabalhou como contabilista, de 1942 a 1956, Elisée Turpin, um dos fundadores do PAIGC).

(vii) foi e  Bolama que conheceu "o camarada Aristides Pereira",  pessoa que ele descreve como "muito reservada"; tem uma tertúlia de que fazem parte, a
lém de Artistides Pereira, Alcebíades Tolentino, Barcelos de Lima, Adelino Gomes e Afredo Fortes; falava-se de tudo, “mas sobre a política africana nada"  (1ª Parte, p. 4);

(viii) é em Bolama que passa a ter "consciência política",  e se torna   um nacionalista, próximo do PAIGC;

 (ix) sera através do  Elisée Turpin, seu colega em Bissau, que lhe chegavam a Bolama as notícias das primeiras “movimentações”, de “cariz político”, que surgiam em Bissau. 

(x) é por essa altura, na 1ª metade da década de 1950, que a SCOA e as outras empresas francesas, NOSOCO e CFAO, começam a sentir restrições na sua atividade comercial, dada a posição monopolista da Casa Gouveia: tendo vocação exportadora, eram "obrigadas a vender os seus produtos à Gouveia" (sic); naa realidade, a CUF (, através da Casa Gouveia, ) detinha o monopólio da exportação do amendoim da Guiné, até à independência da Guiné-Bissau;

(xi) é também  nessa altura que o Cadogo Pai  começa a ponderar a hipótese da demissão e começar a trabalhar por conta própria. o  seu chefe, francês, não apoiou logo a ideia; em contrapartida, ter-lhe-á proposto "uma transferência para Paris, dada a confiança que ganh[ara] em toda a organização, a exemplo de muitos colegas que foram transferidos na altura para Ziguinchor, Dakar, etc."; e, mais: tê-lo-á avisado que "o vento da independência iniciada nos países vizinhos (Conakry, Senegal, etc.) chegaria à Guiné-Bissau", pelo que , se ficasse na Guiné, iria passar mal, como veio a acontecer...

(xii) estabelece-se por conta própria em 5 de setembro de 1955;

(xiii)  casa-se em 1956 e em 1957 é eleito vereador da Câmara Municipal de Bolama, "palco dos meus primeiros confrontos com o poder colonial, que marcaram bem a minha vida de luta e experiência";

(xiv) diz que  não completou o mandato, "porque começou a repressão colonial, após a fundação do PAIGC a 19/9/1956 e os acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no Cais do Pinjiguiti", obrigando-a refugiar-se por uns tempos  em  Portugal  entre junho e novembro de de 1960;

(xv) instala-se em Bissau e  é vereador da Câmara Municipal de Bissau, "com o velho companheiro Benjamim Correia, Dr. Armando Pereira e Lauride Bela"; era presidente o major Matos Guerra;

(xvi) é preso,pela primeira vez pela PIDE em 17 de janeiro de 1967, ao tempo do governador Arnaldo Schulz; depois de libertado no tempo de Spínola em 1968, refugia-se em Portugal em 1973 e só regressa ao  país depois do 25 de Abril de 1974. (*)

Sem ter sido uma figura de primeiro plano na história recente da Guiné-Bissau, "Cadogo Pai" deverá ser lembrado, em todo o caso,  como um nacionalista, um cidadão e um empresário cuja experiência, saber e exemplo devem inspirar as gerações mais novas. (**)

Ao filho, Carlos Gomes Júnior  (que conheci, se não erro,  no funeral da mãe do Pepito,  a dra. Clara Schwarz, em 2016) e demais  família e amigos mais próximos, em nome pessoal e em nome da Tabanca Grande, apresento sentido pêsames. 

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6856: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (Fim): Prisão e tortura pela PIDE em 1967, libertação no tempo de Spínola em 1968, refúgio em Portugal em 1973 e regresso ao país depois do 25 de Abril de 1974

 (**) 29 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22152: In Memoriam (392): Claúdio Ferreira (1950-2021), ex-fur mil art, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74)... Passa a integrar, a título póstumo, a Tabanca Grande, sob o nº 840 (Jorge Araújo)

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22176: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte III: Chengdu, província de Sichuan, China, c. 2005. Aqui nasceu Deng Xiaoping (1904-1997), o sucessor de Mao Zedong (1893-1976)...Mas também o maior poeta chinês, Li Bai (séc. VIII)



Foto nº 1 > China >  Sichuan > Chengdu >  Base de Pesquisa de Reprodução do Panda Gigante de Chengdu
 


Foto nº 2 > China >  Sichuan > Chengdu  > A estátua de Mao Zedong


Fpotonº 3 > China > Sichuan > Chengdu > Centro histórico


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2021). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. C
ontinuação da  série  "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: escritor e docente universitário, epecialista em língua, literatura e história da China; natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos dessa união, João e Pedro; membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 270 referências no blogue]


Chengdu, província de Sichuan, 
China,c. 2005


A província tem o tamanho da França. Aqui veio nascer o pequeno Deng Xiaoping, que lançou às urtigas as excelsas virtudes do socialismo radical de Mao Zedong e pôs o império a prosperar, bafejado pelas brisas galopantes do capitalismo inteligente.

A este vastíssimo planalto entre mil montanhas, um dos celeiros da China, chegou há catorze séculos um rapaz, o maior poeta da China, de nome Li Bai, que por aqui espadeirou contra inimigos de ocasião, aqui amou pela primeira vez, aqui se fez homem, e fala de Chengdu, capital de Sichuan, como 锦城 Jincheng, a "cidade do Brocado" e de infindáveis prazeres. 

Até Bertoldt Brecht, que veio um dia à China, entendeu e escreveu sobre o teatro do mundo na sua A Boa Alma de Sichuan.

Nas estadas em Chengdu, no calor do Verão, caminhar pela cidade velha, com casas de dois sobrados de madeira e empenas trabalhadas, as gentes a comerem em mesas improvisadas, na rua, sentadas em cadeirões de bambu, bebericando chá, um cigarro ou um cachimbo na ponta dos lábios, jogando cartas, weiqi ou mahjong.

Avanço para a reserva florestal de Wulong, tenho os pandas à minha espera. Porque sou estrangeiro e pago mais uns yuans, sou autorizado a entrar sozinho no recinto dos pandas e a dar uma maçã a um deles. Faço uma festa na cabeça do pacífico e ternurento animal, e tiram-me o retrato.

[ Texto enviado em 28 de abril último ]

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Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série:

Guiné 61/74 - P22175: 17º aniversário do nosso blogue (5): homenageando todas as "nossas lavadeiras", na pessoa da Amélia de Bissorã (Maria Dulcinea, "Ni", esposa do ex-fur mil Henrique Cerqueira, 3ª C/BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74)

 

Guiné > Região do Oio > Bissorã > c. Out 1973 / jun 1974 > A Amélia de Bissorã, "uma senhora muito bem esclarecida, muito divertida e muito bonita".

Foto (e legenda): © Maria Dulcine (NI)  (2011). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Em homenagem às "nossas lavadeiras" e celebrando também o nosso 17º aniversário, voltamos a reproduzir aqui um belíssimo testemunho, já com 10 anos,  da Maria Dulcinea (NI), membro da nossa Tabanca Grande, com cerca de 3 dezenas de referências no noss blogue, e esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira (. Esteve com o marido e o filho em Bissorã, de outubro de 1973 a junho de 1974; recorde-se que o Henrique Cerqueira foi fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74] (*)

As nossas lavadeiras: A Amélia de Bissorã

por Maria Dulcinea ("Ni") (**)



Hoje resolvi escrever um pequeno texto em homenagem às “Lavadeiras” da Guiné e muito especialmente à “nossa” Lavadeira,  de seu nome Amélia.

Creio que na generalidade todos os militares na Guiné “tiveram“ ao seu serviço essas valorosas Mulheres que conseguiam um meio de subsistência lavando as roupas dos militares em serviço na Guiné e,  como não fugia à regra, o meu marido tinha a “sua” Lavadeira. 

Quando cheguei a Bissorã e após a nossa instalação de acomodamento aos usos e costumes da nossa “Tabanca”, o Henrique disse-me que iríamos continuar com a Amélia. De pronto foi-me apresentada a “Famosa“ e desde logo se criou uma grande empatia entre nós, pois que a Amélia era uma senhora muito bem esclarecida, muito divertida e, como a foto documenta, era muito bonita.

Na realidade o que eu pretendo é fazer uma singela homenagem a todas as “Amélias” que de uma forma ou de outra acabaram por fazer parte da vivência dos militares que permaneciam longe dos seus familiares, sendo muitas vezes as suas "Lavadeiras"  as suas confidentes e quiçá terem que aturar os devaneios de jovens “desgarrados” e ausentes do convívio de suas mulheres ou namoradas.

Quero ainda salientar o quanto eram importantes aquelas horinhas certas, no final da tarde, quando as “Lavadeiras” com as suas trouxas de roupa lavada percorriam os locais dos militares a entregar as suas roupas e recolhendo outras. Que giro era vê-las em “bandos”, entrando pelo quartel, falando muito alto e rindo,  como se aquele momento também fosse de alegria para elas porque sentiam que o seu trabalho era útil e ajudava à sua subsistência .

Jamais esquecerei a Amélia e alguns momentos de cumplicidade que existiram entre nós, assim como jamais esquecerei tudo o que passei e aprendi com as Mulheres da Guiné. Daí o meu sincero reconhecimento a todas elas.

Fui de certo modo despertada para esta lembrança quando esta semana visitei um menino internado no Hospital de S. João, que é da Guiné, de seu nome Tigná e que, segundo ele, a sua avó é de Bissorã e assim todas as lembranças despertaram.

Não incomodo mais, até porque não tenho muito jeito para a escrita e só escrevi este texto porque fui incentivada pelo Henrique. No entanto se virem que não tem pés nem cabeça podem enviar para o “arquivo”.

Um beijinho para todos os Tertulianos e um especial para as mulheres da Guiné.
NI (Maria Dulcinea Rocha)  (***)

[Revisão / fixação de texto / bold e realce a amarelo, para efeitos de edição deste poste: LG ]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8329: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (11): Como fui parar à Guiné (Maria Dulcinea)

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22174: Efemérides (347): Dia Mundial da Língua Portuguesa 2021: celebrou-se hoje, em 44 países, em centenas de comunidades... Língua oficial de 9 países, com 260 milhões de falantes, (que serão o dobro no final do século), é a quarta língua materna mais falada do mundo (depois do mandarin, do inglês e do espanhol)... A nossa Tabanca Grande regojiza-se com a celebração deste dia.



Cartaz do Instituto Camões, alusivo ao Dia Mundial da Língua Portuguesa



Vídeo 1' 26'', disponível no You Tube  / Delegação Permanente de Portugal junto da UNESCO


"Sem encontros, o que aproxima tantos povos? Sem proximidade, o que partilham 9 países e centenas de comunidades pelo mundo?"



1. Proclamado em 2019 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), este é o segundo ano em que se celebra o Dia Mundial da Língua Portuguesa. 

A Tabanca Grande também se quer associar à celebração deste dia, desejando a todos os falantes da língua portuguesa que editam, escrevem, comentam e leem o nosso blogue o reforço dos nossos laços linguísticos e afetivos nos cinco continentes.

Apesar das restrições impostas pela pandemia de Covid-19, um vasto conjunto de atividades foi programado e coordenado pelo Instituto Camões para celebrar a efeméride.

(...) "No presente ano, a comemoração do Dia Mundial da Língua Portuguesa procura constituir um meio de celebração da Língua e da sua dimensão crescentemente global, refletindo e dando voz à multiplicidade de vozes que a compõe e que constitui um dos seus traços fundamentais.

Afirmar a Língua Portuguesa enquanto língua global de ciência, cultura, economia, diplomacia e paz é também objetivo da comemoração deste Dia que, como tal, procura envolver diferentes intervenientes e protagonistas destas múltiplas dimensões da Língua Portuguesa."(...)


2. Dados sobre a Língua Portuguesa, divulhados neste dia pelo Instituto Camões:

(i) é uma língua falada por mais de 260 milhões de pessoas nos cinco continentes;

(ii) em 2050 serão quase 400 milhões e em 2100 serão mais de 500 milhões, segundo estimativas das Nações Unidas;

(iii) as projeções para o final do século apontam que será no continente africano que se registará o maior aumento do número de falantes; estima-se que Angola tenha uma população superior a 170 milhões de pessoas e Moçambique uma população superior a 130 milhões de pessoas;

(iv) é a língua mais falada no hemisfério sul;

(v) 3,7% da população mundial fala português;

(vi) . é a quarta língua mais falada no mundo como língua materna, a seguir ao mandarim, inglês e espanhol;

(vii) é a língua oficial dos 9 países membros da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - e em Macau; as 9 economias da CPLP, em conjunto, valem cerca de 2,7 biliões de euros, o que faria deste grupo a sexta maior economia do mundo, se se tratasse de um país;

(viii) os países de língua portuguesa representam 3,6% da riqueza total do mundo, 5,48% do global das plataformas marítimas, 16,3% de disponibilidade global de reservas de água doce, 10,8 milhões de km2.

(ix) são já cerca de duas dezenas as organizações internacionais em que a Língua Portuguesa é língua oficial e/ou de trabalho, a começar pela União Europeia;

(x) há 47 universidades na República Popular da China que ensinam o português como língua estrangeira e cerca de 5.000 alunos que frequentam esses cursos;

(xi) o português é a quinta língua mais utilizada na internet, teve uma taxa de crescimento de quase 2000 %  entre 2000 e 2017, é a terceira ou a quarta mais utilizada no Facebook;

(xii) na área da ciência, embora o inglês seja a língua dominante, a língua portuguesa tem conseguido criar os seus espaços próprios de comunicação e publicação científica: o Brasil criou a Scientific Eletronic Library Online, amplamente participada por países de língua portuguesa e espanhola; as revistas e cientistas de língua portuguesa também vão tendo presença crescente em outras bases de revistas científicas de alcance global, como a SCOPUS e a Web of Science: há também vários repositórios académicos e portais de conhecimento de acesso aberto online, designadamente no Brasil, Cabo Verde e Portugal.

Fonet: Adapt de Instituto Camões (2021)

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22035: Efemérides (346): No Dia Mundial da Árvore, lembrando o castanheiro do Barriguinho a que cheguei fogo involuntariamente (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

Guiné 61/74 - P22173: 17º aniversário do nosso blogue (4): recordando os resultados de um inquérito "on line", de há cinco anos, sobre as nossas lavadeiras, que de facto não eram "lava-tudo"



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné >Região do Cacheu >  Teixeira Pinto > Março de 1973 > As lavadeiras no lavadouro público. Foto do álbum de Francisco Gamelas, que vive em Aveiro, ex-alf mil cav., cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73).

Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. No 17º aniversário do nosso blogue (*), e a propósito do tema das "lavadeiras", vale a pena relembrar aqui os resultados de um  inquérito "on line" que lançámos há 5 anos atrás (**),  numa época em que éramos cinco anos mais novos e ainda tínhamos pachorra para responder a questões como estas...

Recorde-se que os nossos leitores tinham 7 dias para responder e havia 4 hipóteses de resposta... O número total de respondentes foi de 122. 

"SIM, NO TO DA GUINÉ, TIVE LAVADEIRA"...


1, Sim, tive lavadeira, mas só me lavava a roupa > 
105 (86,1%)

2. Sim, tive lavadeira, lavava a roupa e fazia outras tarefas domésticas > 1 (0,8%)

3. Sim, tive lavadeira e também me fazia "favores sexuais" > 12 (9,8%)

4. Nunca tive lavadeira  > 
4 (3,3%)

Votos apurados > 122 (100,0%)

Sondagem fechada em 28/6/2016, às 14h36

II. Na altura, a divulgação dos resultados não suscitou muitos comentários. Mas, apesar das conhecidas limitações metodológicas deste tipo de instrumentos de pesquisa, os resultados parecem ir ao encontro do "conhecimento empírico, espontâneo", que tínhamos da situação há mais de meio século atrás:  

(i) praticamente toda a gente tinha uma lavadeira (, pelo menos nos aquartelamentos e destavamentos onde havia população civil); 

(ii) a lavadeira lavava e passava a roupa a ferro; 

(iii) só uma pequeníssima minoria dos rspondentes (menos de 10%) procurava obter adicionalmente, e eventualmente obtinha, da sua lavadeira, algum tipo de "favor sexual", não se especificando qual (, mas podendo ir das simples carícias e beijos à masturbação e ao coito),

É pena que a jornalista do "Observador", Tânia Pereirinha, não tenha feito referência a estes dados, na elaboração da sua reportagem, publicada no "Oservador", em 10 de junho de 2020 (***). Talvez a sinopse da reportagem fosse mais contída na generalização (que nos parece abusiva) da imagem da "lavadeira lava-tudo": 

(...) "Em Portugal não se falava, mas em África todos sabiam que muitas lavadeiras não tratavam só da roupa" (Negritos nossos). (...). 

Tãnia, o que é são "todos" ?  E o que é que são "muitas" ?  Quantifique-me lá isso, numa escala de 1 a 100 ?!...   

[Declação de interesses: não tenho acesso ao "Observador", não sou assinante, li uma cópia do artigo que me chegou as mãos, através de um assinante, troquei ao telemóvel algumas ideias com a jornalista, que me pediu "ajuda", sobre o tema, sobre o nosso blogue e sobre outros contactos, em 14 de janeiro de 2020; não se tratou de nenhuma entrevista formal, nem eu tive oportunidade de rever o texto, muito menos de o ler, depois de publicado.]

Enfim, não se trata de "salvar a honra do convento" (, cada um fala por si...), mas tão apenas de dar um retrato, tanto quanto possível aproximado, da realidade que conhecemos e vivemos no TO da Guiné (Vd. também poste P22169) (****).

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 24 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22135: 17.º aniversário do nosso blogue (3): Para muitos, e já lá vão décadas, [este Blogue] tornou-se um indispensável ponto de encontro (José Belo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2391, Ingoré, Buba. Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70))


(***)  Tânia Pereirinha, texto; Raqule Martins, grafismo - Abuso ou amor ? As histórias das lavadeiras que cuidavam dos militares portugueses na Guerra de África /premium "Observador", 10 de junho de 2020  

(...) Em Portugal não se falava, mas em África todos sabiam que muitas lavadeiras não tratavam só da roupa. Exército diz que não tem informação sobre estas relações. Que nem sempre terão sido consensuais." (...) 

(****) Vd. poste de 4 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22169: (Ex)citações (384): Em louvor das "nossas lavadeiras" que, na sua esmagadora maioria, não foram "lavadeiras lava-tudo"... (Joaquim Costa / Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / José Teixeira / Jorge Pinto / Luís Graça)

Guiné 61/74 - P22172: Historiografia da presença portuguesa em África (261): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Fica por saber se este brilhante general nascido em Varsóvia e falecido em Tavira, cumulado com as mais importantes condecorações portuguesas, andou por Cabo Verde e pela Guiné por sua iniciativa ou missão governamental. O que fez é uma autêntica corografia, uma descrição em grande ecrã, temos história, administração, o estado das praças e dos presídios, localizando a presença portuguesa, faz recomendações de índole política, vê-se que estudou e que falou com quem conhecia os diferentes contextos, não esconde a fragilidade da presença portuguesa, procede a um roteiro das atividades económicas e do sistema defensivo. É trabalho de leitura obrigatória para quem quer conhecer a Guiné da primeira metade do século XIX, sabia-se que o tráfico de escravos tinha os seus dias contados, era preciso injetar novos processos para que a colonização da Guiné frutificasse, o que não aconteceu. Ao tempo em que Chelmicki publica este magnífico documento, Honório Pereira Barreto tem na forja a sua desembaraçada Memória da Senegâmbia Portuguesa, onde diz verdades com punhos, só que Portugal caminha para a Regeneração e o fontismo e os negócios brasileiros ainda eram muito atrativos. As consequências, pesadíssimas, irão sentir-se ao longo da segunda metade desse século, com o ziguezague das guerras de ocupação, uma quase metade da Guiné enfronhada em guerras étnicas, os Fulas a impor a submissão de outras etnias e a estabelecer alianças com os Portugueses, tudo numa enorme medorra, nem na fortaleza de S. José de Bissau se vivia e podia dormir seguro. E sabe-se muito bem no que deu esta ténue presença portuguesa.

Um abraço do
Mário



Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (3)

Mário Beja Santos

José Conrado Carlos de Chelmicki é autor da "Corografia Cabo-verdiana ou Descrição Geográfico-Histórica da Província das Ilhas de Cabo Verde e Guiné", em dois volumes, tendo sido o primeiro publicado em 1841. Este tenente do Corpo de Engenharia nasceu em Varsóvia, é um jovem quando vem combater pela causa liberal em Portugal, distingue-se pela sua bravura, foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, da Torre e Espada, de Nossa Senhora da Vila Viçosa, igualmente condecorado em Espanha, distintíssimo oficial colocado em vários pontos do país, deve-se-lhe uma obra singular, uma descrição ampla e certamente documentada de uma Guiné que poucos anos depois da publicação dos Tomos I e II é alvo de um documento que vem confirmar o que ele observara na sua digressão numa Guiné sem fronteiras, refiro-me concretamente à Memória da Senegâmbia, de Honório Pereira Barreto.

Recorde-se que o nosso narrador procede a uma resenha histórica, fala na divisão da Guiné Portuguesa em dois distritos, no texto anterior fez-se um resumo de tudo o que ele nos diz do distrito de Cacheu e vamos seguidamente falar do distrito de Bissau. Abarca a fortaleza de S. José, as ilhas de Bolama e das Galinhas, o Ilhéu do Rei, Fá e Geba, computando a população sujeita às autoridades portuguesas em três mil habitantes. A Força Armada do distrito era composta por 145 praças. Falando em S. José, observa que há um ponto que Portugal possui na Ilha de Bissau sujeito a vários régulos, e que tem doze léguas de comprido sobre seis de largo. Recorda que foi no reinado de D. José I, em 1766, que se mandou construir a fortaleza que tem a forma de um quadrado abaluartado. A aguada faz-se uns 300 passos ao sul da praça, à beira-mar, nalguns poços escavados na profundidade de 5 a 6 palmos de areia, e trata-se de uma água que não é agradável ao paladar. É uma descrição minuciosa, temos um militar por detrás: “O fundeadouro defronte da praça é muito seguro em todas as estações porque o mar está sempre em calma com um fundo tão firme que com boas amarras em tempo algum há perigo. Apesar da bondade do porto, as entradas e saídas são de muita demora, visto que não é possível bordejar por causa dos numerosos baixos”. Dá elementos sobre o povoado de Bissau: “Umas 300 habitações, todas miseráveis palhoças, sendo seis mais sofríveis abertas com telha, formam a povoação que jaz debaixo do fogo da praça. Aqui assistem alguns negociantes portugueses, e o resto são pretos cristãos ou apenas batizados. Os gentios vizinhos não têm nenhum respeito, nem temor, deixam tremular a bandeira portuguesa por ser do seu interesse, tirando daqui a pólvora, aguardente e outros artigos que já são para eles quase de primeira necessidade. Todavia, vêm sempre ao mercado armados, e dizem por vezes que chegando as chuvas hão-de arrasar a fortaleza. É muito frequente matarem alguns habitantes da povoação e entram quando querem em casa do governador sendo muitas vezes paisano e negociantes, habita fora das portas da fortaleza, tiram-lhe o chapéu da cabeça ou algum outro traste que lhes agrada, e tudo isso ele sofre impunemente. O comércio é na totalidade explorado por Franceses, Ingleses e Americanos, porque navios portugueses poucos lá vão”.

E dá-nos igualmente outras informações sobre a nossa posição no distrito. Fala assim do Ilhéu do Rei: “Defronte do fundeadouro da Praça de Bissau está o lindo e arborizado Ilhéu do Rei, chamado pelos Ingleses e Franceses Sorciers e que nalgumas cartas portuguesas vem denominado de Superstição: nome que lhe foi dado por existir neste ilhéu a crença de que qualquer indivíduo que for caçar ou matar alguma coisa ali infalivelmente morre em breve. É de suma importância ocupar este ilhéu e talvez estabelecer ali sede das autoridades. O Governador Marinho por intervenção do Sr. Honório (Pereira Barreto) obteve em 1837 do gentio a cessão dele; resta agora fazer algum forte e construir casas para o governador e a tropa”.

É pormenorizado na descrição das ilhas dos Bijagós, faz largos comentários à cobiça inglesa, e depois segue para descrição de Fá e Geba. Fá situava-se a 40 léguas acima de Bissau, era uma posição ocupada depois de 1820, então um comerciante português dera início a uma feitoria que nos primeiros anos trouxe prosperidade, o comerciante morreu e o governador de Bissau mandou alguns soldados para ali. “Porém, não há forte algum, no ano passado havia um sargento e seis soldados desarmados que moram numa palhoça. O território pertence à Fidalga de Fá”. Geba situava-se a 60 léguas acima de Bissau, território de Mandingas. No princípio do século XIX tinha até 2 mil batizados que habitavam em 400 casas baixas. “Hoje existem ali só seis brancos. Há uma igreja que muitas vezes está sem sacerdote”.

Este general de origem polaca mostra que estudou metodicamente a geografia, as populações, o comércio, a indústria, é extremamente crítico sobre o estado geral das fortificações: “Não há senão miseráveis fortins, que fora do alcance da sua artilharia não exercem influência nenhuma, e os portugueses estabelecidos preferem o ganho fácil na troca dos géneros, à nobre, honrada e já tão adiantada arte nos países civilizados, a arte de cultivar a terra. O nome do colono tão estimado e honrado, é aqui ignorado. A fazenda da D.ª Rosa de Cacheu, no Poilão do Leão, é a única que existe nos limites da Guiné Portuguesa. Nos últimos anos, principiou o Sr. Honório alguma cultura da ilha de Bolama, e o Sr. Matos na das Galinhas; mas isto são coisas tão insignificantes que mal se podem mencionar. Talvez até a de Bolama já acabasse, desde que no ano passado os Ingleses invadiram esta ilha e roubaram ao colono 300 escravos que empregava nesta cultura. Na vizinhança de Farim, o Sr. Pascoal comprou terrenos que à falta de força não pode nem sequer semear por causa dos atrevidos ladrões gentios. A agricultura portanto não faz ainda nenhuns progressos nesta parte de África". E considera que chegou o momento de falar da população gentílica:
“Cada aldeia dos gentios é cercada de um vasto território, composto de bosques, prados e terras que são concedidas a quem quiser encarregar-se do trabalho e das despesas. No resto pastam os gados. Não é conhecido entre eles o direito da propriedade. A terra entanto é tão fecunda, que sendo húmida em oito dias depois de semeada já é um prado, em dois meses um campo coberto de espigas douradas. Nestes climas de fogo, a água é a principal condição de fertilidade. Todos os cereais, é verdade, são pequenos, de grão muito duro, mas em paga a natureza oferece aos mandriões dos habitantes palmas de diversas qualidades, milhares de várias árvores de fruta, debaixo das quais, tendo a sombra para abrigo e descanso, o suculento fruto lhes serve de alimento”.

E curiosamente vamos passar a ter informação sobre a cultura do arroz: “É principalmente cultivado no país dos Felupes, país abrangido entre o rio de Cacheu e o de Casamansa, ocupando uma região de mais de vinte léguas quadradas. Como o terreno é em parte lodoso, em parte arenoso, mas em geral cortado de regatos e alagadiço, promove muito as cearas de arroz que aqui se chamam bolanhas; como todavia, por falta de indústria nos seus trabalhos rurais, são expostos a verem num momento, pela invasão do mar, frustradas todas as esperanças da colheita. Não vendem nunca os Felupes a colheita do ano anterior sem terem já a do corrente segura. A única produção deste país é um arroz ordinário, muito miúdo, mas de bom gosto e de muita nutrição. A cor escura que ele tem, resultará talvez, como observou muito judiciosamente o Sr. Lopes Lima na sua Memória sobre os Felupes, de arrecadarem eles o seu arroz na palha dos sótãos das casas, aonde durante o decurso de todo o ano é exposto a um fumo insuportável. Nas beiras do rio de Cacheu cultiva-se também bastante arroz, que é muito claro, e de onde o vêm buscar os Ingleses da Gâmbia, e depois debaixo do nome desta sua colónia metem em comércio. A culpa disso não é só do Governo, como dos negociantes portugueses que deixam explorar aos estrangeiros um género tão lucrativo, não se lembrando que tomando o meio termo das importações, sai de Portugal só pelo arroz, 1 milhão e 300 mil cruzados por ano”. Refere igualmente Chelmicki que há culturas de milho, arroz, algodão e uma espécie de milho-painço nas vizinhanças das aldeias. Também refere que os Papéis de Bissau cultivam o arroz e o fundo. A lavoura dos Mandingas difere no milho e no arroz dos mais gentios. Mais adiante tem outra curiosidade: “Noutro tempo houve ali um grande ramo de comércio para Portugal, pimenta da Guiné. Os holandeses ao fim de muitos esforços conseguiram desacreditar tanto esta como a de S. Tomé, para poder lucrar mais na sua, que traziam das Molucas; por isso hoje, totalmente deixado ao esquecimento, esta especiaria já não é procurada”.

Exposto o estado da agricultura em Cabo Verde e na Guiné, enfatiza as causas, tome-se em consideração que ele está conjuntamente a falar de Cabo Verde e da Guiné: a imensidade dos morgados; os caminhos impraticáveis; a falta de instrução e educação; a miséria em que são criados os habitantes; a falta de povoações e o facto de não se facilitar aos colonos estrangeiros o seu estabelecimento. Mas Chelmicki ainda tem muito para nos dizer, a indústria, o comércio, o sistema defensivo e muito mais.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22147: Historiografia da presença portuguesa em África (260): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22171: Parabéns a você (1960): Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835 (Gandembel e Nova Lamego, 1968/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22166: Parabéns a você (1959): Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAV 3366/BCAV 3846 (Susana e Varela, 1971/73)

terça-feira, 4 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22170: Consultório militar do José Martins (66): Heráldica Militar: Respondendo a dois "enigmas" apresentados pelo Serra Vaz (ex-fur mil inf / op esp, CCAÇ 2335, Angola, 1968/70)



Imagem nº 1


Imagem nº 2


Imagem nº 3

Fotios: Cortesia de Serra Vaz (2021)



1. Mensagem do Serra Vaz, ex Fur Mil Inf / Op Esp CCAÇ 2335, Angola (Madureira, Nambuangongo, Zala, Malange), 1968/70, membro da nossa Tabanca Grande, estudioso da heráldica militar e dos nossos memoriais:

Date: quarta, 21/04/2021 à(s) 11:10
Subject: Pedido de informações


Amigo Luís Graça:


Os meus cumprimentos. Já falámos há algum tempo, e apesar de eu ser um sanzaleiro porque estive em Angola, tu tiveste a amabilidade de me incluir no teu Blogue.

Como eu disse na altura, estudo diversas matérias sobre a nossa guerra passada , sendo uma dessas matérias a HERÁLDICA MILITAR: O estudo de toda a simbologia de todas as Unidades militares mobilizadas para as Campanhas de Africa 61/74.

São milhares de guiões, flâmulas, bandeiras, emblemas, crachás. E também incluo o estudo das divisas; nomes etc, etc.

Assim sendo, venho por este meio expor junto dos meus ilustres camaradas tabanqueiros, dois enigmas na expectativa de que alguém me possa elucidar:

ENIGMA 1; duas primeiras imagens em anexo (Vd,. imagens nºs 1 e 2, acima.)

Em toda a simbologia relativa à Guiné aparece (quase) sempre no canto superior direito aquele pequeno "pau" encimado por uma cabeça de um negro. O que é aquilo? Um amuleto? E que significado tem? Refere-se a alguma etnia em particular?

ENIGMA 2. A terceira imagem: emblema da Companhia de Milícias de Jugudul.... Em cima, no que parece ser uma divisa lê-se: "Ape Cumbainhi". O que quer dizer? E em que dialecto?

Desde já muito grato pela atenção dispensada, me subscrevo com abraço, 

Serra Vaz
ex Fur Mil Inf /  Op Esp  CCAÇ. 2335
Angola (Madureira; Nambuangongo; Zala, Malange) Jan 1968 / Abr70
 
José Martins, ex-Fur Mil Trms,
CCAÇ 5, Gatos Pretos, 
Canjadude, 1968/70)

2. Resposta do nosso colaborador permanente José Martins, com data de 3 de maio, às 22:28:

Viva

De heráldica nada sei. Quanto à Heráldica Militar sei que não obedece a qualquer norma, ou seja, parece que é naïf.

Dos exemplos que foram anexados, existe uma analogia entre todos os Brasões das antigas províncias.

Em baixo, o ondeado significa o mar: à esquerda, tem as quinas nacionais e á direita tem um símbolo diferente para cada uma das províncias.

No da Guiné sempre ouvi tratar-se da "cabeça de um preto", não sabendo qual o simbolismo.

Abraço, Zé Martins

Guiné 61/74 - P22169: (Ex)citações (384): Em louvor das "nossas lavadeiras" que, na sua esmagadora maioria, não foram "lavadeiras lava-tudo"... (Joaquim Costa / Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / José Teixeira / Jorge Pinto / Luís Graça)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "Lavadeiras da Fonte Antiga... Todos os soldados tinham a sua lavadeira. A lavagem da roupa era feita na tabanca com água retirada através do único furo,  feito por uma companhia de caçadores estacionada em Fulacunda em 1969/70], a CCAV 2482, "Boinas Negras"[,subunidade que esteve em Fulacunda entre 30 de Junho de 1969 e 14 de Dezembro de 1970, data em que foi rendida e partiu para Bissau].

 Contudo, quando havia muita roupa para lavar, as lavadeiras deslocavam-se à Fonte Antiga que se localizava na parte exterior do aquartelamento e portanto sujeita a “surpresas” [, acções do IN].


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Comentários ao poste P22028 (*) sobre um tema - as lavadeiras  (e as relações com os militares que passaram pela Guiné) - , sobre o qual temos mais de 3 dezenas de referências...  

O tema tem-se prestado, desde o início da guerra colonial / guerra do ultramar, há 60 anos,  a especulações e generalizações  abusivas, levando a criar-se o estereótipo de que as lavadeiras  também  faziam (ou eram obrigadas a fazer) "favores sexuais", como se  os militares portugueses, em geral,  se tivessem comportado como "tropa ocupante" (, segundo a propaganda do PAIGC).., E, pior ainda, como uma cambada de "predadores sexuais".

Enfim, há quem diabolize os antigos combatentes com o velho chavão do sexo em tempo de guerra, esquecendo-se que muitas das "nossas lavadeiras" também eram mulheres ou familiares dos nossos camaradas guineenses, ou elementos da população que vivia dentro do mesmo "perímetro de arame farpado" onde flutuava a bandeira portuguesa... 

Há quem nos queira ver com os olhos de hoje, os novos "santos inquisidores,", os do feminismo, dos direitos humanos, do revisionismo da história, do pós-colonialismo, do pós-modernismo, enfim, do "politicamente correcto"...  É bom lembrar aqui, e a propósito, o saudável e pedagógico discurso do PRP no dia 25 de Abril de 2021, na Assembleia da República (**)...

Nada como recorrer aos testemunhos dos nossos camaradas que estiveram no CTIG, entre 1961 e 1974. Dos outros teatros de operações  não temos falado (nem falamos), porque não estivemos lá. E como não há tabus no nosso blogue (só evitamos  falar de política, futebol, religião... e desertores!), não temos pejo em lembrar aqui  as "nossas lavadeiras", sempre que nos apetecer. E sem pedir licença a ninguém!... Não, as nossas lavadeiras não eram "lavadeiras lava-tudo"...  Havia exceções, claro.. Mas a exceção confirma a regra. 

Lembro-me que à minha, em Bambadinca (, infelizmente já não sou capaz de me lembrar do nome... "Binta" ?), pagava acima da tabela "tácita": pagava 100 euros... E desculpava-lhe uma ou outra peça de roupa  estragada ou extraviada... Sei que era jovem, mandinga, sem ser particularmente bonita, mas também ela filha de lavadeira que, em meados dos anos 60, terá tido um filho de um militar... A minha lavadeira, que falava um crioulo "carrancudo", trazia geralmente às costas o meu mano mais novo, de feições "arianas"... Bambadinca era já um meio semi.urbano, com muita população "refugiada", vítiam do terror do PAIGC... 100 pesos pagos a uma lavadeira já era bastante dinheiro para quem nada tinha: lembre-se que era um sexto do pré do soldado guineense de 2ª classe... 

Com o fim da guerra (e com o fim destas e doutras entradas de dinheiro no rendimento das famílias, incluindo a partida dos cmerciantes locais), agravaram-se as condições de fome e miséria da população de Bambadinca. E, infelizmente, a independêmcia trouxe também o triste espectáulo do revanchismo, da "justiça revolucionária", do "poilão dos fuzikamentos", dos ajustes de contas contra "os cães e as cadelas do colonialismo"...  O que terá sido feita da minha "Binta", da sua mãe e do seu mano, "fidjo di tuga" ?... 

Fica aqui um aviso aos nossos camaradas, que falam com os jornalistas, contam histórias  e disponbibilizam fotos dos seus álbuns, sem a devida "legendagem e contextualização"... Sessenta anos depois alguns jornais lembraram-se que os antigos combatentes, agora com os pés para a cova, ainda têm "histórias e fotos exóticas" (e até "escabrosas") que ajudam a vender jornais e aumentar as audiências, em tempo de pandemia... Porque os fotojornalistas profissionais e os nossos "fotocines", esses, preferiram não arriscar o coirão no mato da Guiné... (Há quem os desculpe: o regime e o exército não os terão deixado trabalhar...). (LG)


(i) Tabanca Grande Luís Graça

É um dos mais bonitos elogios que já li sobre as "nossas lavadeiras" e "o dia da lavadeira" (que, tanto quanto me recordo, era à quinta-feira, em Bambadinca):

(...) "O dia da lavadeira era o mais esperado da semana no quartel. Vinham em rancho com os seus trajes coloridos, com a trouxa de roupa à cabeça e uma alegria contagiante nos rostos. Aguardavam impacientes junto ao sentinela a autorização para entrarem no quartel, o que geralmente acontecia ao meio da tarde, e era vê-las entrar em grande algazarra, de sorrisos rasgados, dispersando-se pelo quartel como rebanho comunitário acabado de chegar, do monte, ao povoado.

"Quem não viveu e/ou participou na guerra colonial, ouvindo falar das lavadeiras dos militares logo associa a alguém que lavava a roupa e não só. Nada de mais errado e injusto para a maioria destas mulheres: dignas, afáveis, competentes e que compreendiam melhor do que ninguém o sofrimento e angústias destes jovens, ansiosos por regressarem à terra e ao seio da família, desculpando-os de um ou outro pequeno devaneio, sabendo que nelas projetavam alguém bem longe para além do oceano." (...)

23 de março de 2021 às 11:58
 

(ii) Valdemar Queiroz:

Costa, mais um belo texto.

Vamos à lavandaria, dizíamos nós, quando em Contuboel íamos à praia do rio Geba e passávamos junto da lavandaria (umas pedras junto do rio) ver as bajudas lavadeiras de tronco tu e saiote molhado a lavar a roupa da rapaziada da tropa.

No Quartel da nossa CART n11, em Nova Lamego, não havia um dia certo para as lavadeiras entregar a roupa lavada e recolher a suja. A nossa CART 11,  de soldados fulas, com os quadros e poucos soldados metropolitanos,  não dava grande negócio às lavadeiras que na maioria eram as mulheres ou familiares dos nossos soldados.

Julgo que em Contuboel seria assim, mas lavadeiras em Nova Lamego tinham uma tabela de preços. Não era um preçário especial à peça, era um preçário à patente ou seja os soldados pagavam um preço, os furriéis, o 1º. sargento, os alferes e capitão pagavam cada um preço diferente pelo mesmo tipo de roupa lavada. 

Toma lá qu'é democrático, diríamos nós agora, mas a explicação dada era bem simples: ganha mais patacão, paga mais à lavandeira, diziam.
Quanto ao resto, havia sempre a mesma 'lava tudo?' mas no geral o respeitinho era muito bonito.

23 de março de 2021 às 15:05

(iii) Cherno Baldé

Caros amigos,

O tema é deveras interessante e a descriçao do Joaquim Costa é quase perfeita, como costuma dizer o nosso Luis Graça, nem tudo era a preto e branco, claro.

 “Os pequenos devaneios” desculpáveis, devido as saudades da terra natal aconteciam, assim como aconteciam inúmeros outros casos dos quais os de “lava tudo”, porque se a tropa passava por respeitar a disciplina militar na geralidade, com a irreverência já conhecida e que muitas vezes se evidênciava através do dedo médio nas costas do chefe hierárquico, com o pessoal africano e sobretudo com as mulheres já era muito diferente, pelo que estas quando tinham mesmo que entrar no quartel por obrigação do serviço mas também porque dava algum gozo apreciar a rapaziada branca (acho eu), faziam-no com algumas cautelas como por exemplo levar um bébé as costas, mesmo não sendo a mãe para intimidar e afastar os mais atrevidos ou levar um(a) guarda-costas que seguia grudada(o) as suas costas para gritar e fazer barulho quando as apalpadelas passavam do limite e não eram consentidas. 

Com as minhas primas-irmãs na condição de lavadeiras, faziamos várias vezes de guarda-costas a uma delas, a mais velhas, pois a mais nova nunca queria e fugia de nós como do diabo pelo que, claro está, ela era suspeita de práticas menos decentes aos nossos olhos.

Mas, para dizer a verdade, até 1970, periodo que coincide com a chegada da CART 2742 do Cap Carlos Borges Figueiredo (todas as anteriores eram muito bélicas e acreditavam poder ganhar aquela guerra), a nossa verdadeira motivação, enquanto guarda-costas, era conseguir o livre trânsito que nos permitia atravessar a porta d’armas e deambular dentro do quartel e, eventualmente, conseguir um pedaço de pão com ou sem marmelada, com ou sem autorização ou uma latinha de sardinhas quando não era a milagrosa Coca-Cola espumante, o que raramente acontecia. Mas, valia sempre pela aventura de entrar naquele lugar proibido que atraia a nossa curiosidade sobre aquela gente estranha vinda de outras paragens, jovem e saudável e de hábitos muito esquisitos.

As meninas e mulheres lavadeiras da nossa aldeia sabiam que os rapazes não eram de confiança, pois com eles na guarda, as cunhas eram permitidas e, nesse caso, faziam vista grossa ou abandonavam o local para ir atrás da bola a troco de pouca coisa e assim o truque do bébé nas costas era o recurso mais seguro para entrar no quartel que mais parecia um ninho de vespas para as nossas mulheres.

Gostaria de esclarecer que, geralmente, todas as mulheres queriam ser lavadeiras e ganhar algum dinheiro da tropa, mas dos casos que conheço em concreto, so as meninas e mulheres solteiras eram permitidas a ter laços contratuais com a tropa (os brancos) e estas por sua vez podiam ou não dividir os seus clientes (contratantes) a outras mulheres casadas que se encarregavam de lavar e passar a roupa ou so lavar e entregar a lavadeira contratada para o serviço. E quando recebia dos seus clientes o valor do contrato entregava repartia com as outras co-lavadeiras que ficavam na sombra e nunca eram conhecidas por seus clientes. E esta pratica nao era isenta de problemas que so vinham a tona quando se verificava a perda ou mau estado de alguma peça, por falta de alguns botões, entre outros casos.

 23 de março de 2021 às 17:59

(iv) Tabanca Grande Luís Graça:

Irei publicar em breve uma lista dos mais de 30 postes publicados com o descritor (ou marcador) "lavadeiras"...Há histórias edificantes (e outras menos...).

Também tenho a mesma iamgem do Joaquim Costa, a do dia da lavadeira, se bem que a CCAÇ 12 não fosse uma unidade de quadrícula e andasse muitas vezes no mato...

No nosso caso, em Bambadinca, era junto do edifício do comando, quartos/camaratas, e messes de oficiais e sargentos... Recorde-se que: (i) as praças dormiam em camaratas (, com exceção dos gyuineenses, que vivia na tabanca); (ii) os furrieis/sargentios viviam em quartos com 5 camnas); (iii) os alferes, em quartos de 3 camas: (iv) os capitães e oficiais superiores eram os únicos que tinham quartos individuais...

Parecia uma feira e era, aqui como em outros lados, um momento de "socialização" e de convívio... Uma feira, colorida e animada, com muita gente da tabanca (miúdos, bajudas e mulheres grandes, de várias etnias, com destaque para fulas e mandingas...) a entregar roupa suja e a receber roupa lavada...

Eu pagava 100 escudos à minha lavadeira, que era mandinga. Não tenho ideia de me ter perdido menhuma peça.

23 de março de 2021 às 22:39

(v)  José Teixeira;

A minha lavadeira em Mampatá era a jovem bajuda mais linda que havia na tabanca. Como era uma tabanca pequena e apenas havia um Grupo de Combate instalado, que juntamente com um Grupo de milícia assegurava a segurança, havia uma excelente relação pessoal com os autóctones. 

O comandante da milícia era o Régulo Aliu Baldé e minha lavadeira estava comprometida com o seu filho Hamadú a cumprir o serviço militar em Bolama. Era uma jovem que impunha respeito, como, aliás, todas as bajudas e mulheres grandes, pela relação humana que se gerou e pela forma como elas se faziam respeitar. 

Fiquei preso àquelas gentes que recordo com muita saudade, apesar de só ter estado cerca de meio ano. Nos meus regressos à Guiné (e já vão cinco!) reativei as amizades e a Fatumata, o marido Hamadú e os seus filhos e outros familiares estão no meu rol de amizades.

Em Buba era uma jovem que devia ter cerca de doze anos, que tinha alguns cuidados, como andar sempre acompanhada e nunca entrar dentro da caserna. Como havia muita tropa estacionada, as bajudas e mulheres grandes quase não chegavam para as encomendas.

24 de março de 2021 às 11:45

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22028: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte V: As nossas lavadeiras... e o furriel 'Pequenina'


segunda-feira, 3 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22168: Desaparecido do nosso radar (1): António Duarte de Paiva, ex-sold cond ambulâncias, HM 241, Bissau, 1968/70







1.  A propósiio do Dia da Mãe e do belíssimo texto escrito pelo Francisco Baptista (*) ("as nossas não se esquecem, nunca morrem"), foi "respescar" o primeiro poste da série, "As Nossas Mães", escrito pelo António Paiva (**).

É um poema pungente, escrito pela mãe do nosso camarada, Leopoldina Duarte: "Recordação da Saudade"... com a seguinte nota de rodapá: "O que fez uma mãe dominada pela dor"... O texto merece ser de novo reproduzido... Na altura, o Paiva explicou-nos a sua origem:

(...) "Andando por aqui, nesta casa,  só, vasculhando malas e caixinhas, algumas do meu tempo de menino, pertences de minha mãe que me deixou em 1996, sou surpreendido por uma folha de papel dobrada em 12 partes, da qual não tenho a mínima ideia de ter tido conhecimento e com os nossos tertulianos quero partilhar. Minha mãe também a eles se dirigia.

 (...) "Minha mãe, mal sabia ler ou escrever, mas em quadras soltas era mestra. Hoje tenho pena de nunca ter escrito o que ela dizia. Não sei quem lhe escreveu isto à máquina, mas pouco importa. Está com data de 10 de Dezembro de 1969, em cima, mas não consegui aqui no scan apanhar data e assinatura, preferi a assinatura Leopoldina Duarte." (...)

Recordação da Saudade

Meu filho, a tua mãe
Tanto suspira por ti,
Até chego a pensar
Que não te lembras de mim.

Se tu soubesses, meu filho,
O amor que a tua mãe te tem,
Vejo vir os aviões
E notícias tuas não vêm.

Será que tu me esqueceste
Ou a carta se perdeu ?
Mas perdoa-me, meu amor,
Se a criminosa sou eu.

Tinha a carta quase feita
E ainda fui ao correio,
Agora estou satisfeita
Porque a notícia já veio.

Lá vinha o meu querido filho
A ler o que me mandava,
Com uma cara de riso
E eu com saudades chorava.

Agora estou satisfeita
Assim como tu também,
Já recebeste notícias
Da tua mãe por alguém.

Adeus, meu filho querido,
Eu do coração te peço
Que não esqueças a tua mãe
Que aguarda o teu regresso.

Trago-te no coração
Mas ando sempre em cuidados,
Daqui mando um forte abraço
Para todos os nossos soldados.

Eu aqui peço, a Deus
E à Virgem Santa Maria,
Que seja a vossa protectora
E de todos a vossa guia.

Adeus, amor, que eu cá fico,
Com o coração em pedaços
E saudades de não te ver
Para te apertar nos meus braços.

Leopoldina Duarte

[Revisão e fixação do texto: L.G.]

2. O António Paiva desapareceu literalmente do nosso radar muiti antes de 2018... E há 99,9% de probabilidades de já ter morrido... Já em 2017 (e antes) os problemas de saúde o atormentavam, para além da solidão... Creio que foi por essa altura que falei com ele, ao telemóvel, e soube que estava a ser tratado no IPO de Lisboa. Tentei ajudá-lo com contactos.

Simplesmente, até agora ainda não encontrei nenhuma fonte, escrita ou verbal, que confirme a funesta notícia  da sua morte. O seu telemóvel deixou de tocar. O seu mail, antoniodpaiva@gmail.com, deixou de responder. O último mail que lhe mandámos dizia o seguinte_:

Assunto - O que é feito de ti, camarada ?
Data - 15/12/2018, 22:49

António: boa noite, precisamos...da tua prova de vida!... Vamos saber se este teu endereço de email ainda está ativo... Tudo OK ? Luís Graça


Ele tinha entrado para a Tabana Grande em 2008 (***). E quem mais lidou com ele foi o nosso coeditor Carlos Vinhal. 

No final de 2008 descobtriu-nos com grande alegria e entusiasmo e fez um esforço por melhorar as suas competências em matéria de literacia informática de modo a acompanhar-nos... Publicámos inclusive algumas das suas histórias, mais de uma dúzia (****).. Descobriu ainda, através do nosso blogue (e conviveu ainda com)  alguns dos nossos camaradas que prestaram serviço no HM 241 como o Manuel Freitas.

Fazia anos em 16 de dezembro, tendo nascido em 1946 (*****).



Lisboa, CulturGest > 13 de Maio de 2011 >  O António Paiva e a Giselda Pessoa numa aparição pública a propósito do filme "Quem Vai à Guerra", da jovem realizadora Marta Pessoa em cuja elenco entraram, além da Giselda, as nossas grã-tabanqueiras, Maria Arminda, Rosa Serra e Maria Alice Carneiro.

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa(2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]

3. Conhecemo-nos pessoalmente, julgo eu, em 2011, na altura da apresentação do filme da Marta Pessoa, "Quem Vai à Guerra". Depois disso, a sua colaboração no nosso blogue tornou.se mais esparsa (******). Mas mandava-nos todos os anos as "boas festas"...até 2015.

Em 16 de dezembro de 2018, o nosso coeditor Carlos Vinhal escreveu a seguinte nota no seu último cartão de parabéns: 

(...) As últimas notícias que tivemos do nosso amigo António [Duarte] Paiva davam conta de que ele estava muito doente. Chegou a ir à Tabanca da Linha e a outros convívios. Vivia muito só. Telefonou em tempos ao nosso editor a pedir ajuda. Agradecemos desde já a quem nos possa actualizar o seu estado de saúde uma vez que não é possível aceder ao seu telemóvel. Talvez o Manuel Freitas, de Espinho, que organiza o convívio anual do pessoal do HM 241 (Bissau), nos possa dar alguma pista. Oxalá tenhamos hoje boas notícias do Paiva, mas o Juvenal Amado diz-nos que o nº de telemóvel que nós tínhamos até 2016, não está atribuído, o que é mau sinal.(...)

Também não tinha página no Facebook, não fazendo parte dos amigos da Tabanca Grande Luís Graça.  Em 30 de setembro de 2010, tinha mudado de endereço de email, alegadamenet por razões de segurança:

"Caro Carlos: Suspeitando de mãos alheias a entrarem no meu correio, me vi forçado a alterar o meu e-mail. Se algum camarada recebeu e-mail com escritos em meu desabono, ou mesmo servindo-se do meu mail para tal, agradeço que me informem, para que não fiquem a pairar no ar duvidas sobre a minha pessoa. Não enviar nada para o e-mail anterior." (...)

Tudo indica, infelizmente, que o António Duarte de Paiva nos tenha deixado definitivamente, sem tempo sequer para se despedir de todos nós.  Não tinha família nem amigos próximos. Não será caso virgem: ao perfazermos 17 anos de existência, há muitos camaradas de quem deixámos de ter notícias. Nalguns casos, como o do António Paiva, podemos temer o pior. (LG)

__________

Notas do editor:



(****) Vd. postes de:


24 de nvembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3511: O meu baptismo de fogo (23): Uma vacina para o enjoo... (António Paiva)

13 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3615: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (1): Corrida com triste fim

17 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3641: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (2): Aventura de Domingo

22 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3775: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (3): Ir a Mansoa, não é perigoso?

20 de fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3917: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (4): Não cobiçar a mulher do próximo

20 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P4058: Memória dos lugares (20): Hospital Militar 241 de Bissau (António Paiva)

5 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4143: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva ) (5): A Justiça Militar ou um processo... kafkiano

17 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4203: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (6): É uma alegria a notícia de que se vai ser pai

28 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4432: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (7): 4 dias de inferno em Junho de 1969

30 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4613: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (8): Pôr os pontos nos "is"

2 de julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4629: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (9): Dois pequenos amigos de quatro patas

30 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P6075: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (10): Quando a missão não deixa ver

30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6075: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (11): Quando a missão não deixa ver




20 de julho de 2011  > Guiné 63/74 - P8580: Ordem de Serviço de 1970 do HM 241 de Bissau, uma relíquia com 41 anos (António Paiva)