terça-feira, 24 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1696: Estórias cabralianas (21): O Amoroso Bando das Quatro em Missirá (Jorge Cabral)

Montemor-O-Novo > Ameira > Herdade da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > 1º encontro da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > Ao centro, em primeiro plano, o Jorge Cabral, tendo à sua esquerda o Vacas de Carvalho, sendo ambos contemporâneos do Sector L1 (Bambadinca) (1969/71). Sentados à mesma mesa, o António Santos (de costas) (Nova Lamego, 1972/74) e o Aires Ferreira (Mansoa, 1967/69).

Foto: © Manuel Lema Santos (2006). Direitos reservados.



Post de 17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 -DXLVI: Estórias cabralianas (5): o Amoroso Bando das Quatro em Missirá (numeração repetida, por lapso do editor) (1).

Na altura deixei-lhe esta nota de admiração e de carinho:

Jorge: Da tua janela vê-se outra Guiné, outra guerra, outro mundo, os homens e as mulheres em carne e osso… O teu sentido de humor é único… Sou fã das tuas short stories… Cuida-me bem dessa mina literária… Eu sei que é uma técnica difícil… Quanto à tua carta (que eu pressupus aberta…), ela merece o meu aplauso e a minha total concordância (2)…

Amigalhão, um abraço. Luís Graça


O Amoroso Bando das Quatro
por Jorge Cabral (3)

Nos Destacamentos em que vivi, todos eram bem recebidos, à boa maneira da gente da Guiné, cuja cativante hospitalidade foi muitas vezes confundida com subserviência ou portuguesismo.

Djilas, batoteiros profissionais, artesãos, doentes, feiticeiros, alcoviteiros, parentes dos soldados, visitavam o aquartelamento e às vezes ali permaneciam, fazendo negócios, combinando casamentos, tratando-se ou tratando, ou simplesmente descansando. Desconfio mesmo que alguns guerrilheiros terão passado férias em Missirá…

Uma regra, porém, tinham todos de cumprir à chegada. Deviam apresentar-se ao Comandante, dizer quem eram e o motivo da visita. Claro que muitos mentiam, o que era irrelevante, pois o que interessava era o significado simbólico da apresentação, como expliquei muitas vezes aos que não concordavam com esta política de porta aberta.

Estávamos, pois, habituados às mais estranhas personagens, mas ficámos agradavelmente surpreendidos, quando num dia de Dezembro, ao pôr-do-sol, entraram no quartel quatro trabalhadoras sexuais. Eram jeitosas fulas do Gabu que, respeitadoras da hierarquia, comigo combinaram os preços e as condições dos serviços, encarregando-me da cobrança.

Encontrando-se o Furriel Branquinho com paludismo e o cabo Morais com dor de dentes, restavam apenas sete brancos, capazes de usufruir de tão inesperada benesse. Efectuados os pagamentos, começou a actividade, que eu previa satisfatória, mas que a curto prazo foi interrompida por alta gritaria.

Primeiro, irrompeu uma, dizendo ter sido enganada, pois cabo e furriel a queriam usar, com um só pagamento. Acontecera que o cabo substituíra o furriel na função, pensando que a mulher não repararia, esquecendo-se que o Furriel tinha um braço engessado, pormenor que logo a alertou. Furiosa, acolheu-se na minha cama, juntando-se à que lá se encontrava.

Ainda nem um quarto de hora passara, logo à porta do abrigo aparece outra, queixando-se do Cabo Rocha. Dizia ela que não era como as raparigas de Lisboa, que até no sovaco… Também esta se meteu na minha cama.

De seguida, surgiu a terceira afiançando que o Básico-Cozinheiro era suma bajuda, pois sangrava, sangrava. Claro, mais uma na minha cama.

Eis-me assim feito sultão, aconchegado entre as quatro, tranquilo e em Paz. Rei e súbdito, protector e protegido, entre seios e ventres, negros e suaves, nunca dormi tão bem.

De manhã partiram.

Quem as teria mandado, passou a perguntar todos os dias o Básico-Cozinheiro, sarado já o freio e louco de desejo.

Garanti-lhe ter sido uma oferta do Movimento Nacional Feminino. Convencido, sei que lhes escreveu, implorando uma repetição. Nunca lhe responderam. E o certo é que elas não voltaram…

Jorge Cabral

___________

Notas de L.G.:

(1) Lista (re)ordenada das Estórias Cabralianas:

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...

13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCC: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti

20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida

3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro

4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa

10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)

26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)

18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1679: Estórias cabralianas (20): Banquetes de Missirá: Porco turra e Vaca náufraga (Jorge Cabral)

(2) Vd. post de 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXVI: Carta (aberta) ao Luís (Jorge Cabral)

Sobre a pessoa do Jorge Cabral, vd. post de 17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXII: Vocês não tenham medo, não fujam, sou o Cabral (Fá, 1969/71)

(...) "O Jorge era, para mim, o mais paisano dos militares que eu conheci na Guiné: alferes miliciano, foi o comandante do Pel Caç Nat 63 (...).

"Em Fá [e depois em Missirá] não se limitava a ser um heterodoxo representante do exército colonial, actor e crítico ao mesmo tempo. Era também homem grande, pai, patrão, chefe de tabanca, conselheiro, amigo do PAIGC, poeta, antropólogo, feiticeiro, cherno, médico, sexólogo, advogado e não sei que mais. Um verdadeiro Lawrence da Guiné. Alguns dos seus amigos e companheiros de Bambadinca (aonde ele ia com frequência matar a sede) chegaram a recear que ele ficasse completamente cafrealizado!" (...).

(3) O Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Era estudante universitário, em Lisboa, quando foi convocado para a tropa. Hoje é advogado e docente universitário, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, sendo o coordenador do curso de pós-graduação em Criminologia.

Guiné 63/74 - P1695: Cancioneiro de Bambadinca: Isto é tão bera (Gabriel Gonçalves)

1. Mensagem do Gabriel Gonçalves (ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71):

Henriques: Lembrei-me que havia uma música que a malta entoava em tom de protesto, quando das nossas tainadas lá em Bambadinca e também no nosso encontro efectuado na herdade do Vacas de Carvalho já há um anos. Segue os versos,

Um Abraço

Gabriel

2. Comentário de L.G.: Gabriel, que saudades, que maravilha!... Ainda me lembro da letra e sobretudo da música... Era cantada em noite de copos e de raiva, pela noite dentro, suficientemente alto para os gajos do comando [do batalhão] nos ouvirem... Era talvez uma das nossas canções preferidas, a par da Pedra Filosofal, do António Gedeão (letra) e Manuel Freire (música)... Lembras-te ? Eles não sabem, nem sonham, / que o sonho comanda a vida. / Que sempre que um homem sonha / o mundo pula e avança / como bola colorida entre as mãos de uma criança.

Obrigado pela tua informação sobre o autor da letra. O seu a seu dono. Aqui feita o teu esclarecimento:

Henriques: Ainda bem que te lembras da música. O Aurélio é um camarada de Leiria do curso de escriturário no RAL 4. Para que conste trata-se do conhecido e conceituado técnico de futebol do SCP, para as camadas jovens, pois passaram por ele nomes como: FIGO, SIMÃO, QUARESMA, RONALDO, estes os mais conceituados. Que pena o Aurélio não ser do SLB.

Um abraço, GG.


ISTO É TÃO BERA
(Letra de Aurélio Pereira / música Guantanamera)

I
Eu sou um pobre soldado
E esta farda é o fim,
Andando assim mascarado
Todos se riem de mim.

As minhas moças-meninas
São as malvadas faxinas.

(Refrão)

Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera,
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera.

II
Logo de manhã cedo
Toca para levantar,
Se não acordas é certo
Logo vais estar a lerpar.

Mais um minuto na cama
Lá vai o fim-de-semana.

(Refrão)
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera,
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera.

III
Era um rapaz engraçado
E de carinha mimada,
Sempre tão bem penteado
Mas levou a carecada.

Agora está como o fel
Nem quer sair do quartel.

(Refrão)
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera,
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera.

Fim

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts sobre os vários Cancioneiros:

Bafatá:


31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche

31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857

11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCII: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (3): O Hotel do RC 8

11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (4): Lavantamento de rancho

Canjadude:

28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)

Empada:
1 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P828: Cancioneiro de Empada (Xico Allen)

Gandembel:

30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel (Zé Teixeira)

Mansoa (autor: Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612, 1974)

1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal

1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: Cancioneiro de Mansoa (2): Guiné, do Cumeré a Brá

7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLVI: Cancioneiro de Mansoa (3): um mosquiteiro barato para um pira...

10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIV: Cancioneiro de Mansoa (4): a arte de ser 'ranger'

1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDIX: Cancioneiro de Mansoa (5): Para além do paludismo

19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas

15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVIII: Cancioneiro de Mansoa (7): Os periquitos do pós-guerra

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXI: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38ª

3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P837: Cancioneiro de Mansoa (9): A mais alta de todas as traições

Xime:

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

Guiné 63/74 - P1694: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Paisagens: a árvore dos dezassete passarinhos




Guiné > Zona leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > A célebre árvore dos 17 passarinhos que servia de mira para os ataques do IN...

Floresta densa nas imediações de Mansambo... Possivelmente junto à Fonte de Mansambo, de triste memória para o pessoal da CART 2339...

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados (1)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole. Na foto é vísivel a célebre árvore dos 17 passarinhos...

Foto: © Humberto Reis (2006) . Direitos reservados.



Fotos falantes (11): Paisagens: a árvore dos 17 passarinhos
por Torcato Mendonça

Desta vez o nosso ex-Alf Mil (e fotógrafo) de Mansambo deixou-nos sem legenda... e passou a bola ao editor do blogue... Ou melhor: para quê legenda ? Esta secular árvore era um verdadeiro ex-libris de Mansambo... É verdade que os tipos do PAIGC estavam gratos à rapaziada, por que ela funcionava como um excelente mira para os apontadores de morteiro e de canhão sem recuo...
O que ainda hoje me intriga é por que razão a deixaram de pé, quando os valentes soldados da CART 2339 construiram o campo fortificado de Mansambo, como lhe chamava o PAIGC... Sempre me intrigou este detalhe, quando por lá passava em colunas logísticas ou operações... Hoje arrisco uma explicação: para aquelas toupeiras humanas, que foram simultaneamente arquitectos, engenheiros, trolhas, carpinteiros, caboqueiros, etc., a árvores dos 17 passarinhos era um traço de distinção no meio daquela paisagem quase lunar, angustiante, de floresta recém desmatada, um buraco no meio do inferno verde, na fronteira com as zonas libertadas do PAIGC, no Sector L1, Zona Leste, ao longo da margem direita do Rio Corubal... Um pouco à semelhança dos grafittis com que os artistas plásticos underground marcam as paredes e os muros da nossas desoladas cidades de cimento armado...
A árvore dos 17 passarinhos humanizava, de algum modo, aquela paisagem de campo de concentração, visível na foto aérea do Humberto Reis... E um dos poucos pequenos luxos que os construtores de Mansambo se permitiram dar foi justamente não deitá-la abaixo...
A primeira impressão que fiquei de Mansambo, quando por lá passei, deixei-a escrita do meu diário, em 17 de Setembreo de 1969:

(...) "O problema nº 1 aqui é o isolamento. A unidade é abastecida a partir de Bambadinca. Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné" (2).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores desta série:

26 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1626: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): O Moicano e os milícias

24 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1459: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Operação Cabeças Rapadas (Estrada Bambadinca-Xitole, Março / Maio de 1969)

16 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1372: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mansambo: Rescaldo da batalha de 28 de Junho de 1968

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...

8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira

11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou ?

(2) Vd. posts de:
30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Luís Graça).

Vd. também os seguintes posts:

29 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CD: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (2): as CART 2339, 2714, 3493 e 3494 (Carlos Marques dos Santos / Manuel Cruz)

24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVII: Mansambo e a árvore dos 17 passarinhos (Carlos Marques dos Santos)

Guiné 63/74 - P1693: Blogoterapia (20): Blogando... há dois anos

Saudosa(s) madrinhas(s) de guerra... Este foi o nosso primeiro post, numerado, não avulso, publicado no dia 23 de Abril de... 2004, no meu blogue pessoal, que na altura se chamava muito simplesmente... Blogue-Fora-Nada... (Criado em 8 de Outubro de 2003).

Eu, que não escrevia aerogramas para madrinhas de guerra, estava longe de imaginar as consequências do meu gesto, dando origem depois a um blogue que se pretendia que fosse colectivo... Para a petite histoire, aqui faço a reprodução desse primeiro post que não teve qualquer eco na blogosfera (1)...

Na realidade, foi preciso que começasse a aparecer, um ano depois, em Abril de 2005, a malta do triângulo Bambadinca-Xime-Xitole: o Sousa de Castro e o David Guimarães, que são historicamente os dois primeiros membros da nossa tertúlia, além de mim próprio...

Foi o Sousa de Castro que me fez chegar, em 4 DVD, a reportagem de vídeo feita pelo Albano Costa e seu filho Hugo Costa, por ocasião da sua viagem à Guiné, em Novembro de 2000... Depois, em Maio de 2005, começaram a aparecer outros camaradas: o Humberto Reis, meu vizinho, amigo e camarada da CCAÇ 12 (6 de Maio), o A. Marques Lopes, de Matosinhos (14 de Maio)... E o nosso primeiro amigo, o José Carlos Mussá Biai (10 de Maio), que vivia no Xime, em criança, no nosso tempo (CCAÇ 12, 1969/71)...

O resto da história sabem-na vocês: criámos a nossa tertúlia e o blogue começou a chamar-se Luís Graça & Camaradas da Guiné... Foi um dique de imagens, textos, lugares, recordações, sentimentos e emoções que se rompeu... e que nos tem ajudado a reconstituir/reconstruir o tal puzzle da memória... Hoje estamos a caminho dos 1700 posts e por aqui já passou mais gente do aquela que era necessária para formar uma companhia... A todos, estou reconhecido e grato. (LG)

23 Abril 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra

Trinta e cinco anos depois.
No 25 de Abril de 2004
presto a minha homenagem às mulheres portuguesas.
Que se vestiam de luto
enquanto os maridos ou noivos andavam no ultramar.
Às que rastejavam no chão de Fátima,
implorando à Virgem o regresso dos seus filhos, sãos e salvos.
Às que continuavam, silenciosas e inquietas, ao lado dos homens
nos campos, nas fábricas e nos escritórios.
Às que ficavam em casa, rezando o terço à noite.
Às que aguardavam com angústia a hora matinal do correio.
Às que, poucas, subscreviam abaixo-assinados contra o regime e contra a guerra.
Às que, poucas, liam e divulgavam folhetos clandestinos
ou sintonizavam altas horas da madrugada
as vozes que vinham de longe
e que falavam de resistência em tempo de solidão.
Às que, muitas, carinhosamente tiravam do fumeiro (e da barriga)
as chouriças e os salpicões que iriam levar até junto dos seus filhos,
no outro lado do mundo,
um pouco do amor de mãe,
das saudades da terra,
dos sabores da comida
e da alegria da festa.
E sobretudo às, muitas, e em geral adolescentes e jovens solteiras,
que se correspondiam com os soldados mobilizados para a guerra colonial,
na qualidade de madrinhas de guerra.

A maioria dos soldados correspondia-se, em média, com uma meia dúzia de madrinhas, para além dos seus familiares e amigos. Em treze anos de guerra, cerca de um milhão de soldados terá escrito mais de 500 milhões de cartas e aerogramas. E recebido outros tantos. Como este que aqui se reproduz.
______________

Guiné, 24 de Dezembro de 1969

Exma menina e saudosa madrinha:

Em primeiro de tudo, a sua saúde que eu por cá de momento fico bem, graças a Deus.

Estava um dia em que meditava e lamentava a triste sorte que Deus me deu até que toquei na necessidade de arranjar uma menina que fosse competente e digna de desempenhar tão honroso e delicado cargo de madrinha de guerra. Peço-lhe desculpa pelo atrevimento que tive em lhe dedicar estas simples letras. Mas valeu a pena e é com muita alegria que recebo o seu aero (1).

Vejo que também está triste por mor (2) da mobilização do seu mano mais novo para o Ultramar. Não sei como consolá-la, mas olhe: não desanime, tenha coragem e fé em Deus. Eu sei que custa muito, mas é o destino e, se é que ele existe, a ele ninguém foge. Nós, homens, temos esta difícil e nobre missão a cumprir.

Nós, militares, que suportamos o flagelo desta estadia aqui no Ultramar, não temos outro auxílio, quer material quer espiritual, que não seja o que nos dão os nossos amigos e entes queridos. E sobretudo as nossas saudosas madrinhas de guerra.

Sendo assim para nós o correio é a coisa mais sagrada que há no mundo. Porque nos traz notícias da nossa querida terra e nos faz esquecer, ainda que por pouco tempo, a situação de guerra em que vivemos e os dias que custam tanto a passar.

As notícias aqui são sempre tristes, nestas terras de Cristo, habitadas por povos conhecidos e desconhecidos. Não lhe posso adiantar pormenores, mas como deve imaginar uma pessoa anda triste e desanimanada sempre que há uma baixa de um camarada.

Lá na metrópole há gente que pensa que isto é bonito. Que a África é bonita. Eu digo-lhe que isto é bonito mas é para os bichos. São matas e bolanhas (3) que metem medo, cobertas de capim alto, e onde se escondem esses turras (4) que nos querem acabar com a vida. E mais triste ainda quando se aproxima o dia e a hora em que era pressuposto estarmos todos em família, juntos à mesa na noite da Consoada. Vai ser a primeira noite de Natal que aqui passo. Com a canhota (5) numa mão e uma garrafa de Vat 69 (6) na outra.

São duas horas da noite e vou botar este aero na caixa do correio. Daqui a um pouco saio em missão mais os meus camaradas. Reze por nós todos. Espero voltar são e salvo para poder ler, com alegria, as próximas notícias suas. Queira receber, Exma. Menina e saudosa madrinha, os meus mais respeitosos cumprimentos. Desejo-lhe um Santo e Feliz Natal.

O soldado-atirador da Companhia de Caçadores (...)

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Notas (L.G.):

(1) Aerograma. Também conhecido por corta-capim (o correio era, muitas vezes distribuído em cima de uma viatura, e o aerograma lançado por cima das cabeças dos soldados, à maneira de um boomerang). Os aerogramas foram uma criação do Movimento Nacional Feminino, dirigida pela célebre Cecília Supico Pinto desde 1961, e o seu transporte era assegurado pela TAP ("uma oferta da TAP aos soldados de Portugal"). Os aerogramas também foram usados na guerra da propaganda do regime, ostentando carimbos de correio com dizeres como "Povo unido, paz e progresso", "Povo português, povo africano", "Os inimigos da Pátria renunciarão" ou "Muitas raças, uma Nação, Portugal" (vd. Graça, L. - Memória da guerra colonial: querida madrinha. O Jornal. 15 de Maio de 1981).

(2) Por mor de = por causa de (expressão usada no norte).

(3) Terras alagadiças da Guiné onde tradicionalmente se cultivava o arroz (... e se pescava). Durante a guerra colonial, foram praticamente abandonadas como terras de cultivo, devido à deslocação de muitas das populações ribeirinhas e à escalada das operações militares. A Guiné, que chegou a exportar arroz, passou a importá-lo.

(4) Corruptela de terroristas. Termo depreciativo que era usado para referir os combatentes do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Os soldados portugueses eram, por sua vez, conhecidos como tugas (diminuitivo de Portugal, português ou portuga).

(5) Espingarda automática G-3, de calibre 7.62, de origem alemã, que passou a equipar as forças armadas portuguesas no Ultramar. Em 1961 o exército português ainda estava equipado com a velha Mauser (!).

(6) Marca de uísque escocês, muito popular na época entre os militares (Havia uma generosa distribuição de bebidas alcoólicas nas frentes de guerra, com destaque para o uísque, "from Scotland for the exclusive use of the Portuguese Armed Forces"). Na época o salário de um soldado-atirador (cerca de 1500 a 1800 escudos, parte dos quais depositado na metrópole) dava para comprar mais de uma garrafa de uísque (novo) no serviço de aprivisionamento militar (cerca de 40 pesos ou escudos por unidade). No entanto, a bebida mais popular entre os soldados era cerveja. Uma garrafa de cerveja de 0,6 litros chamava-se bazuca.


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Nota de L.G.:


(1) Lista dos dez primeiros posts:

23 Abril 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

25 Abril 2004 > Guiné 69/71 - II: Excertos do diário de um tuga (1) (Luís Graça)

28 Abril 2004 > Guiné 69/71 - III: Excertos do diário de um tuga (2) (Luís Graça)

7 Dezembro 2004 > Guiné 69/71 - IV: Um Natal Tropical (Luís Graça)

20 Abril 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca (Luís Graça)

22 Abril 2005 > Guiné 69/71 - VI: Memórias do Xime, do Rio Geba e do Mato Cão (Sousa de Castro)

25 Abril 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

28 Abril 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1) (Luís Graça)

29 Abril 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1692: Morreu (2)... Manuel Ferreira de Oliveira, comandante da CCAÇ 5 (José Martins)

Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 > Brazão da unidade

Foto: © José Martins (2006). Direitos reservados

1. Mensagem do José Martins (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70), com data de 23 de Abril último:

Caro Luís!

Mais um que partiu. Tive conhecimento do infausto acontecimento ontem, quando em telefonema com um camarada da CCAÇ 5 preparávamos um pequeno encontro na Marinha Grande, no próximo dia 25 de Abril.

Manuel Ferreira de Oliveira partiu em 31 de Março de 2007, vítima de doença súbita. Foi o terceiro comandante da CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos.

Segue anexo do que constará dele, em termos biográficos, na História da Unidade.

Curvo-me perante a sua memória.

2. Nota curricular sobre Manuel Ferreira de Oliveira:

Capitão de Infantaria, natural da Marinha Grande, estava colocado no Depósito Geral de Adidos quando foi mobilizado.

Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 3 de Setembro de 1969, assumindo as funções de Comandante da Companhia.

Foi abatido ao efectivo da Unidade em 9 de Março de 1970 por ter sido transferido para o Comando Chefe (ACAP) / CTIG.

3. Comentário de L.G.:

Fica aqui este espaço para o nosso inevitável e doloroso... obituário (1). A geração da guerra colonial (ou do ultramar, como quiserem) começa a desaparecer (2). À parte os que não voltaram connosco, ou que tombaram em combate ou morreram por outras razões em terras de África, na flor da vida, há os que, por doença ou acidente, já na metrópole, nos deixaram precocemente, ainda jovens... Temos nós todos já vários casos em cada um das nossas antigas unidades... Entretanto, estamos nós na calha, pela ordem natural das coisas...

Os camaradas da Guiné poderão sempre deixar aqui uma nota, um apontamento ou um testemunho sobre os camaradas que "da lei da morte se vão libertando" (parafraseando o nosso grande Camões), fossem eles oficiais, sargentos ou praças... Faz naturalmente sentido falar daqueles que conhecemos de mais perto, que connosco serviram a Pátria, com quem nos relacionámos, com quem fizemos operações, com quem partilhámos alegrias e tristezas, com quem tivemos até problemas e conflitos (Refiro-me, nomeadamente, aos nossos comandantes, aos oficiais do quadro permanente que conhecemos em diversos situações de comando: unidade, batalhão, agrupamento, etc.)...

Entretanto, longa vida é o que eu desejo aos membros desta tertúlia, a começar por aqueles de nós que estão a lutar contra a doença. Estou a pensar, por exemplo, no nosso Zé Neto, o capitão José Neto (que pertenceu à CART 1613, Guileje, 1967/68) a quem há dias telefonei e lhe disse: Zé, ainda não vai ser esta a tua última batalha!... Um grande abraço para ele e para todos aqueles de nós que enfrentam, de momento, problemas de saúde. Força e coragem, como sempre!

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1536: Morreu (1)... Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)


(2) Na vigência do nosso blogue - com início, grosso modo, há dois anos - também morreu Carlos Fabião (1930-2006), sobre o qual se publicaram diversos posts. Vd. entre outros o primeiro > 2 Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Depoimentos sobre Carlos Fabião (1930-2006)

Guiné 63/74 - P1691: Convívio da malta da CCAÇ 3 (Barro, Binta e Guidaje): Nazaré, 12 de Maio de 2007 (A. Marques Lopes)

Guiné > Cacheu > CCAÇ 3 > Barro (1968) > Os temíveis jagudis montando uma emboscada


Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


1. Mensagem do A. Marques Lopes, um dos nossos primeiros tertulianos, coronel DFA, na reforma, dirigente da A25A - Delegação Norte, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968), animador da tertúlia do norte, grande amigo e camarada, autor de alguns dos melhores textos já publicados no nosso blogue, profundo conhecedor da actual realidade sócio-política da Guiné-Bisssau (aonde já voltou por duas vezes, depois da guerra colonial) (1):

Caro Luís:

Alguns que passaram pela CCAÇ 3 (em Barro, Binta e Guidaje) vão encontrar-se no Restaurante Arte Xávega, na Nazaré, às 12h00 do dia 12 de Maio próximo.

Esperamos ter lá também alguns soldados que foram dessa companhia (2).
Abraço

A. Marques Lopes

_________

Nota de L.G.:

(1) Há inúmeros posts do A. Marques Lopes, publicados no nosso blogue (I e II Séries). Vd. por exemplo o post de 16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXIII: Do Porto a Bissau (17): Finalmente entrámos em Sinchã Jobel (A. Marques Lopes)


(...) " Pois, camaradas e amigos, eu e o Allen acabámos por entrar na base do IN em Sinchã Jobel, que nunca foi tomada pelas NT, nem quando eu, sem querer, lá fui em 24 de Junho de 1967 (Op Jigajoga), nem em 31 de Agosto de 1967 (Op Jigajoga II), nem em 16 de Setembro de 1967 (Op Jacaré), nem 15 e 16 de Outubro de 1967(Op Imparável), nem em 27 de Outubro de 1967 (Op Insistir), nem em 28 de Outubro de 1967 (Op Instar), nem em 19 de Dezembro de 1967 (Op Invisível) e nem em 21 de Dezembro de 1967 (Op Invisível II), a última que se fez para tomar essa base, comandada durante esse período por Lúcio Soares, como ele próprio me disse" (...).

(2) Sobre CCAÇ 3 e outras unidades baseadas em pessoal do recrutamento local > Vd. post de 2 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1640: A africanização da guerra (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P1690: Presente em espírito no encontro de Pombal (3): Paulo Raposo / Hernani Acácio

Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > CCAÇ 2405 > 1969 > Dulombi > Na messe, os alferes milicianos Paulo Raposo (à direita) e Jorge Rijo (à esquerda), dois dos baixinhos de Dulombi: faltam o Victor David e o Rui Felício. Eles eram os quatro mosqueteiros, ficaram amigos para o resto da vida. É uma pena falharem Pombal. Mas haverá mais marés do que marinheiros... (LG)

Fotos: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados

Mensagens de camaradas que, não podendo estar fisicamente connosco em Pombal, no dia 28 de Abril de 2007, no 2º encontro da nossa tertúlia, estarão no entanto presentes em espírito (1):


1. Paulo Raposo (ex-Alf Mil da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, 1968/70)

Meu caro Luís:

Tenho andado cheio de trabalho. Vivemos tempos apertados e cheios de desafios.

Com muita pena minha não vou poder estar no almoço, porque tenho cá o meu filho Bernardo, que vem ao Hotel fazer uma acção de formação.

O David vai a um casamento, do Rijo já não tenho notícias dele há muito tempo e, quanto ao Felício, julgo que iria se eu fosse. Este Felício está muito mimado (2).

Gostava de estar com todo o pessoal, especialmente com os do meu Batalhão [CAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70] e ainda mais especial com o baixinho do Beja Santos. É um excelente rapaz, já em Mafra vivia afogado em livros e escreve muito bem. Tem uma imaginação para descrever certas histórias que deixa o meu cabo cripto num chinelo.

Quanto ao pessoal do Batalhão 2851 também são como irmãos. O endereço mail do Pimentel [ex-alf mil da CCS do BCAÇ 2851] não está certo. Será que alguém me ajuda e me o envia. Grato.

A todos os abraço com muitas saudades e sã amizade,

do Raposo, El Almançor debaixo de um chaparro.


Paulo Lage Raposo (3)
Alf Mil Inf
BCAÇ 2852
CCAÇ 2405
Guiné 68/70
Tel 266898240
Herdade da Ameira

2. Mensagem do Hernani Acácio (ex-Alf Mil Trms da CCS do BCCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro, 1968/70; vive em Ovar):

Caros amigos:

Por razões que se prendem com a saúde do meu pai, também eu, infelizmente, não posso estar presente em Pombal. Ficará para o próximo encontro, assim o espero.

Um abraço e muita saúde,
Hernani

PS - Paulo, o endereço correcto do António Pimentel é: a44_pimentel@hotmail.com
________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1678: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (2): Manuel Pereira (CCAÇ 3547, Contuboel e Bafatá)

14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1660: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (1): Martins Julião (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)

(2) Vd. post de 16 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1181: Ameira: o (re)encontro de uma geração valorosa (Rui Felício)

Vd. também algumas das deliciosas estórias do Rui que já publicámos no nosso blogue:

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG

5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço

19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1006: Estórias de Mansoa (1): 'Alfero, água num stá bom' (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(3) O Paulo foi o magnífico e generoso anfitrião do 1º encontro da nossa tertúlia, de boa memória, realizado na Herdade da Ameira, Ameira, Montemor-O-Novo: vd. post de


15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

O Paulo também já nos deu o seu testemunho da sua valorosa passagem pelo TO da Guiné, em 19 posts:

Vd. último dos seus posts > 10 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1060: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (19): regresso a Lisboa e à vida civil (fim)

O primeiro post desta série foi publicado em 12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCVI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (1): Mafra

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

Publicada originalmente sob o post de 7 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXIX: O básico apaixonado (estórias cabralianas) (Estória a que corresponderia o nº 3) (1).

O básico apaixonado
por Jorge Cabral (2)

O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão.

Para os Destacamentos eram mandados os especialistas que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás!

Como cozinheiros, eram enviados os básicos, dos quais me lembro especialmente de um, pastor em Trás-os-Montes, semi-analfabeto, de uma ingenuidade tocante. Foi este que me pediu para escrever uma bonita carta à namorada. E assim fiz.

Ainda recordo algumas frases:

"Beijo-te nos rins desta espingarda, bebendo-te no ventre da bazuca. Contigo celebro o orgasmo do canhão. Serei seta no teu alvo aberto à volúpia do sempre. Nunca mais eu, nunca mais tu, apenas um corpo, o nosso, no êxtase da eternidade...".

Enviada a carta, também eu fiquei à espera da resposta. Quinze dias depois, procurou-me o básico, entristecido:
– O meu Alferes é pecador?
– Eu? Porquê? - Estendeu-me então um aerograma com três linhas:
– Não escrevas mais poucas vergonhas. O Senhor Padre disse-me que pecou não só quem as escreveu, mas também quem as leu… Confessa-te, que eu já me confessei… Arminda.

Ainda ganharei o céu?

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post anterior > 23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)

(2) Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Era estudante universitário, em Lisboa, quando foi convocado para a tropa. Hoje é advogado e docente universitário. Ninguém melhor do que ele, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, uma situação-limite, um personagem de carne e osso, um ambiente de caserna, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo, relativamente à nossa passagem pela Guiné...

Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)

Trata-se da segunda estória da série Estórias cabralianas (1). Reformula-se o título e passa a estar mais acessível, no presente blogue. O mesmo acontecerá com a estória nº. 3, que também não estava identificada como tal.

Este texto foi originalmente publicada sob o post de 5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas) (Estória a que corresponderia o nº 2).


Numa tarde de tédio convenci o motorista da viatura existente em Missirá, um humilde Unimog, a dar um passeio. Pretendia visitar o Enxalé, seguindo pela estrada de Mato Cão, pela qual não passava qualquer veículo há muito tempo.

Progredimos alguns quilómetros e, perto de S. Belchior, ouvimos tiros, pelo que retrocedemos, perdendo no regresso um jericã. E o caso teria ficado por aqui, se oito dias depois não fosse chamado ao Batalhão, onde o Major das Operações, me deu conta de uma inquietante informação: os turras possuíam viaturas, com as quais efectuavam abastecimentos, talvez de Mero. Até um jericã tinha sido encontrado.

Fiz um ar preocupado como me competia, e afirmei que iria averiguar e fazer explodir o tal jericã, que devia estar minado. Logo no dia seguinte, fui buscar o jericã, e não pensei mais no assunto. Porém, o Major não se esqueceu, e através de mensagem ordenou-me que informasse qual a origem dos indícios encontrados. Lá lhe respondi:

“Viatura ligeira, presumivelmente soviética, detectados restos de aguardente de cana no jericã destruído”.

Tudo isto se passou a curtos dias do meu regresso [à Metrópole], pelo que desconheço as consequências da minha tão sábia informação…Será que ordenaram aos turras que soprassem o balão?

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P1687: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (9): Maluqueiras na picada Saltinho-Galomaro-Bafatá

Guiné > Zona Leste > Sector L5 > CCS do BCAÇ 2912 (1970/72) > Poilão junto ao quartel de Galomaro, queimado por um ou vários raios... As árvores morrem de pé.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > Fevereiro de 2005 > "Vejam a beleza da miúda ao lado do meu filho. Hoje como ontem... O Pedro é o puto mais alto, ao lado da tia, mãe dos dois miúdos. Ele, por sua vez, é filho de uma fula e de um balanta, antigo guerrilheiro, e hoje oficial superior das Forças Armadasa Guineenses. A moça muito bonita é irmã do Pedro. O João e o Sado estão no lado direito" (1)


Fotos e legendas: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados.

IX Parte das memórias do Paulo Santiago, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72) (2). O Paulo é natural de Águeda.


Já referi, em textos anteriores, a abertura e posterior utilização da picada que ligava o Saltinho a Galomaro, via Pulom. Antes desta abertura, os abastecimentos eram efectuados por colunas, saídas de Bambadinca, via Mansambo, Xitole, seguindo até ao Saltinho (3).

Não sei de quem partiu a ideia da picada, penso que saiu da cabeça do Clemente [, capitão Carlos Clemente, comandante da CCAÇ 2701], encadeada numa sugestão do comerciante libanês Jamil Nasser (4).

A picada não teve grandes problemas de construção, sendo que a sua maior extensão já se encontrava aberta ao trânsito de viaturas, nomeadamente entre o Saltinho e Chumael (ver carta de Contabane), e servia também de via para os djilas que, em Chumael, flectiam à esquerda, abandonando a picada existente, tomando um carreiro - carreiro dos djilas - que seguia em direcção ao Pulom-Duas Fontes-Galomaro.

Houve que alargar aquele trilho, tarefa a cargo da CCAÇ 2701 e da CCS [do BCAÇ 2912] de Galomaro e estava aberta uma nova via, com grandes benefícios para os militares do Saltinho,como seja ir às putas a Bafatá.

Assim, no início de Abril de 71, mais dia menos dia, estava pronta para inauguração aquela nova acessibilidade. Uns dias antes, tinha chegado, de heli, ao Saltinho um Auxiliar de Pecuária, penso ser esta a designação, vindo de Bafatá, com a função de vacinar, contra a febre aftosa, o efectivo bovino existente na área. Por motivos profissionais, conversei muito com o senhor e bebemos também muitos uisques com Perrier. Ele era natural da Metrópole, casado com uma cabo-verdiana.

A inauguração da picada calhou ao Gr Comb do Alf Mil Op Esp Fernando Mota, indo eu à boleia, após um pedido ao Clemente. Acompanhou-nos o tal Sr Auxiliar de Pecuária que de imediato nos convidou para irmos jantar, eu e o Mota, a sua casa em Bafatá. Convite aceite na hora.

O piso da picada, onde tinha sido alargada, estava uma merda, tinham faltado as máquinas da Engenharia para arrancar os cepos dos troncos. Um tipo fartava-se de saltar dentro dos Unimog 404, mas há que aguentar, vamos para a cidade, que se lixem as costelas. Chegamos a Galomaro, com o corpo bem massajado, mas sem qualquer outro problema.

Informamos o comandante de batalhão [BCAÇ 2912], Ten-Cor Octávio Pimentel, que a via se encontra operacional e que seguiremos para Bafatá levar o Sr da Pecuária, onde jantaremos, regressando tarde ao batalhão onde iremos pernoitar. Acrescento que, naquela altura, não havia, em princípio, qualquer problema de encontro com o IN, no trajecto Galomaro-Bafatá e vice-versa.

Chegamos à dita segunda cidade da Guiné [, Bafatá,] perto do fim da tarde. Para mim, estava desde fins de Outubro de 70 no mato, chegar aquela cidade foi um deslumbramento... Havia automóveis, havia restaurantes, havia brancas e verdianas... Maravilha!

Encontro o Alf Mil Médico Abílio Oliveira que encontrara quando da minha chegada/passagem para o Saltinho e dormira uma noite no Esquadrão de Cavalaria (5). É médico e director do Hospital, tem uma carrinha Peugeot onde eu sento o cú, após meses de bancos de GMC e Unimog. Sei que também está convidado para o jantar em casa do Sr. da Pecuária, onde nos dirigimos.

Ficamos, eu e o Mota, embasbacados, a filha do Sr., mistura perfeita de branco com cabo-verdiana, é um espanto, uma beleza em qualquer lugar do mundo, bonita, formas harmoniosas,uma coisa para comer com os olhos. Servem-nos frango à cafreela, está muito bom, mas, aquela moça ali ao lado tira-me o apetite,vou bebendo mais que comendo.

Mais bebidos que comidos, regressamos já bastante tarde a Galomaro, com aquela bela imagem de fêmea a pairar frente aos nossos olhos.Enquanto, eu e Mota jantávamos, o Gr de Comb andou a despejar os tomates nas putas, negras e verdianas, havendo alguns que também arranjaram tempo para se meterem nos copos.Dormimos em Galomaro, regressando na manhã seguinte ao Saltinho.

Passados uns dias, mais uma incursão a Bafatá.D esta vez,vai o Cap Clemente e eu com o Pel Caç Nat 53. Do Saltinho até Galomaro, vamos em dois Unimog 404. Na sede do batalhão o Clemente crava um jipe, para melhor nos movimentar-mos na cidade. Grande parte dos meus homens, negros, tinha família ou amigos, em Bafatá, para eles era também festa, estas saídas. Seguimos directos ao Transmontano, apesar de ter insistido com o Clemente, fazermos uma paragem em casa do Sr da Pecuária.

No Restaurante apareceu o dono de uma escola de condução(será que era também o proprietário da casa ?) que entabolou uma conversa sobre as grandes vantagens com a recente abertura da picada. Os militares do Saltinho que quisessem tirar carta, podiam agora,com grande facilidade deslocarem-se a Bafatá e concretizarem esse objetivo. Claro, a conversa foi sendo acompanhada com petiscos e bebidas, com predominância para estas, e prolongou-se até às tantas da noite, já com o meu grupo à porta do Restaurante, esperando por nós.

Muito bem enfrascados,lá resolvemos regressar a Galomaro. O Clemente comigo no jipe, e, para evitar o pó, os Unimog na nossa rectaguarda. O Clemente era um acelerativo com as viaturas. Poucos minutos após deixar-mos a estrada que seguia para Bambadinca,uma manobra mais arriscada, vai pneu e jante pró caralho. Grande merda,a noite está escura como breu e o jipe não tem roda sobresselente. Foda-se.

O Fur Mil Duarte, instruendo do Clemente nas Caldas, vinha no Unimog atrás de nós foi incumbido de resolver o problema: dirigia-se a Galomaro, sacava uma roda de um jipe,regressando ao nosso encontro. Passada mais de uma hora chegou a desejada roda e a informação que o Octávio Pimentel se fora deitar,todo fodido, por aqueles caralhos do Saltinho nunca mais chegarem.

Trocaram-se as rodas, seguimos para Galomaro, onde chegámos, passava da meia-noite... Maluqeiras. Acordo de manhã com os berros histéricos do Pimentel, eu, que estava com uma ressaca lixada,e o Clemente pouco melhor estaria. O gaijo estava com a manhã estragada, queria ir dar uma volta pela tabanca, ver as bajudas, encontrara o jipe sem uma roda e apoiado num cepo.

Grande azar, como podia o Duarte imaginar que aquele era o jipe do Comandante de Batalhão,os gaijos da CCS poderiam ter avisado na noite anterior, mas fecharam-se em copas, maginando a cena da manhã seguinte. Àuma ameaça de punição (ao Duarte) o Clemente empertigou-se, informando o Ten-Cor que a roda fora retirada por sua ordem.

Terminou por aqui, o Pimentel tinha um certo temor perante o Carlos Clemente.

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca

(2) Vd. post anterior > 12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1653: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (8): A pontaria dos artilheiros de Aldeia Formosa

(3) Vd. posts de:

11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)

20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho) (Luís Graça)

(4) Jamil Nasser, comerciante libanês do Xitole, de cuja casa o Joaquim Mexia Alves e outros milicianos da CART 3492 eram assíduos frequentadores. Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73).

(5) Vd. post de 12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado

domingo, 22 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1686: Fichas de unidades (1): BCAÇ 3872, CCAÇ 3489, 3490 e 3491 (Sector L5, Galomaro, 1972/74) (José Martins)



Guiné-Bissau > Saltinho > Novembro de 2000 > Vestígios da CCAÇ 2701 (1970/72) , deixados na parede lateral de uma caserna em ruínas...

Foto: © Albano M. Costa (2006). Direitos reservados.

Guiné-Bissau > Saltinho > Pousada do Saltinho > Novembro de 2000 > Brasão da CCAÇ 2701 (1970/72) , unidade que foi substituída pela CCAÇ 2490 (1972/74).
Foto: © Albano M. Costa (2006). Direitos reservados.





Guiné-Bissau > Saltinho > Novembro de 2000 > Restos de uma pedra onde se lê a seguinte inscrição, gravada: ... cozinheiros da 3490. Esta unidade, a CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) , era uma das unidades operacionais do BCAÇ 3872 (com sede em Galomaro).

Foto: © Albano M. Costa (2006). Direitos reservados.


BATALHÃO DE CAÇADORES Nº 3872 (Galomaro, 1972/74)

Mobilizado no Regimento de Infantaria nº 2 – Abrantes.

Divisa: O inimigo vos dirá quem somos.

Embarcou para a Guiné em 18 de Dezembro de 1971, desembarcando em Bissau em 24 de Dezembro de 1971.

Era composto pela CCS e pelas companhias operacionais nºs 3489, 3490 e 3491.

Realizou a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional no Centro de Instrução Militar, em Cumeré, entre 27 de Dezembro de 1971 e 22 de Janeiro de 1972.

Em 23 de Janeiro de 1972 deslocou-se para Galomaro, afim de efectuar o treino operacional e sobreposição com o BCAÇ 1912.

A 11 de Março de 1972, assumiu a responsabilidade do Sector L5, com sede em Galomaro, mantendo as suas subunidades integradas no seu dispositivo de manobra que abrangia os subsectores de:

(i) Cancolim - A CCAÇ 3489 iniciou em 24 de Janeiro de 1972 o treino operacional e sobreposição com a CCAÇ 2699, assumindo a responsabilidade do subsector em 11 de Março de 1974, destacando um pelotão para Anambé até 22 de Setembro de 1972. Foi rendida pela 2ª Companhia do BCAÇ 4518/72, em 08 de Março de 1974.

(ii) Saltinho - A CCAÇ 3490 (1) iniciou em 24 de Janeiro de 1972 o treino operacional e sobreposição com a CCAÇ 2701 (2), assumindo a responsabilidade do subsector em 11 de Março de 1972, deslocando um pelotão para guarnecer o destacamento de Cansamba, no subsector de Galomaro. Foi rendida pela 3ª Companhia do BCAÇ 4518/72, em 7 de Março de 1974.

(iii) Dulombi – A CCAÇ 3491 iniciou a 24 de Janeiro de 1971 o treino operacional e a sobreposição com a CCAÇ 2700 (3), assumindo a responsabilidade do subsector em 8 de Março de 1972. Em 9 de Março de 1972 é transferida para Galomaro, por extinção do subsector de Dolumbi, substituindo a CCS do seu batalhão e assumindo a responsabilidade do subsector.

(iv) Galomaro – Esta localidade foi guarnecida com a Companhia de Comando e Serviços do BCAÇ 3872 até a extinção do subsector de Dulombi, passando a CCAÇ 3491 a assumir a responsabilidade deste subsector em 9 de Março de 1973. A 4 de Março de 1973 cedeu um pelotão para reforço da guarnição de Piche. Foi rendida pela 1ª Companhia do BCAÇ 4518/72, em 8 de Março de 1974. Foi rendida pela 1ª Companhia do BCAÇ 4518/72, em 8 de Março de 1974.

O Batalhão de Caçadores nº 3872 foi rendido em 9 de Março de 1974 pelo Batalhão de Caçadores nº 4518/73 e embarcou de regresso à Metrópole em 28 de Março de 1974.


Pesquisa, adaptação e condensação:
José Martins
(ex-Fur´Mil Trms
CCAÇ 5 (Os Gatos Pretos)
Canjadude, 1968/70.

Material consultado:
Resenha Histórica Militar das Campanhas de Africa
Volume 7º - Tomo II – Fichas das Unidades


_____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1681: Efemérides (4): Lista dos mortos no Quirafo (José Martins)

10 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1265: Recordações do ex-Alf Rainha (Xaneco, para os amigos), da CCAÇ 3490 (Saltinho), morto há 20 anos (Maurício Vieira, CCS/3884)

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1119: Um periquito no Saltinho, o ranger Eusébio (CCAÇ 3490, 1972/74)

22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)


(2) Vd. post de 13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P981: Apresenta-se o Alf Mil Inf Martins Julião (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)

(3) Vd. posts de:

4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1494: Tertúlia: Apresenta-se o ex-Alf Mil Fernando Barata, CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912

22 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1541: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (1): Introdução: a 'nossa Guiné'

26 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1550: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (2): A nossa gente

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1595: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (3): minas, tornados, emboscadas, flagelações e acção... psicossocial

11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1651: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (4): Historietas

Guiné 63/74 - P1685: O mistério da morte do soldado José Henriques Mateus, natural da Lourinhã (Benito Neves / Luís Graça / Jaime B. M. Silva)

Guiné-Conacri > Conacri > Masmorra do PAIGC > 1970 > Prisioneiros portugueses, fotografados pelo fotógrafo húngaro Bara István (nascido em 1942). Legenda em húngaro: "Bara István: Portugál foglyok a PAIGC börtönében, Guinea Bissau, 1970". (Pormenor, foto editada). O Benito Neves, da CCAV 1484, admite a hipótese de o segundo prisioneiro, da fila de trás, a contar da esquerda - devidamente assinalado com um círculo a amarelo - possa ser o seu camarada José Henriques Mateus, natural da Lourinhã, dado como desaparecido no Rio Tombar, afluente do Rio Cumbijã, na sequência da Operação Pirilampo (1) (LG). Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...) 1. Mensagem do Benito Neves (ex-furriel mil da CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67). Luís, bom dia: Já estive em contacto com o ex-furriel Teles, comandante de Secção do Mateus, a quem recomendei a consulta do blogue. Sobre o Mateus, disse-me que lhe custa muito aceitar que o 2º. homem da fila de trás [ vd. foto acima] não seja o Mateus. É óbvio que já lá vão 40 anos. Mas penso que, tendo em conta as dúvidas levantadas e constantes, talvez só um contacto com vizinhos ou familiares nos possa ajudar. Vamos esperar e, entretanto, o meu muito obrigado pelo empenhamento e, confesso, muito sinceramente, gostaria muito de ver novamente substituída a pedra do monumento aos que, da tua terra, tombaram em terras de África. Um a menos era sempre bom!!! Um abraço. B.N. 2. Mensagem enviada a Jaime Bonifácio Marques da Silva, meu amigo e conterrâneo, ex-alferes miliciano paraquedista, que esteve em Angola sensivelmente na mesma época em que eu estive na Guiné (1969/71), e que fez parte da comissão organizadora que, na sua (e minha) terra, levou a cabo, em conjunto com a Câmara Municipal da Lourinhã, a iniciativa de monumentalizar a memória dos filhos da Lourinhã, caídos em terras de África, durante a guerra do Ultramar (1961/74). Entre esses bravos, conta-se o soldado José Henriques Mateus (1). Jaime: Como vais tu, a Dina e o resto da família ? Lembrei-me de ti por causa de um camarada e conterrâneo nosso, o José Henriques Mateus, que faz parte do lote dos 20 mortos do Ultramar, naturais da Lourinhã, e constantes do monumento que lhes foi erigido em 2005, na nossa vila. Tu fizeste parte da Comissão Organizadora. Além disso, és vizinho do Mateus... Originalmente até houve uma troca do apelido: na placa original, correspondente à Guiné, ele constava com o apelido Martins... No meu/nosso blogue – Luís Graça & Camaradas da Guiné – apareceu-me agora um camarada de Abrantes que era furriel na CCAV 1484, e que vem relatar os últimos momentos do Mateus... Terá desaparecido nas águas do Rio Tombar, mas a camisa será encontrada, dias depois, nas margens, com a identificação dele, uma imagem de N. Sra. de Fátima e uma nota de 50 pesos (escudos locais)... Há quem o tenha reconhecido mais tarde numa foto dos prisioneiros portugueses em Conacri... Há quem pense (a malta daquela unidade) que ele não morreu, e faça votos para que vocês – comissão organização e autarquia local – voltem a substituir a placa... Sabes alguma coisa deste caso ? Ele era natural da Areia Branca, e devia ser quatro ou cinco anos mais velho do que nós... Por outro lado, é estranho que ele não consta da lista (oficial) dos mortos da Guiné... Sabes quem é a família ? Terá pais e irmãos vivos ou parentes próximos ?... É um estranho caso... Temos que apurar a verdade... Um abraço para ti. 3. Resposta do Jaime, que vive em Fafe e que esteve também por detrás da iniciativa deste município nortenho, de homenagear os seus 37 filhos, mortos no Ultramar (2). Luís: A notícia é estranha. Conheço o irmão. A última vez que falei com ele foi na Páscoa. Foi ele, também, que nos indicou que o nome do irmão não estava correcto. Aliás, estou a recolher elementos dos ex-combatentes da Lourinhã mortos na guerra. Na próxima vez que me deslocar à Lourinhã irei procurá-lo e colocar-lhe esta questão. Logo que tiver novidades contactar-te-ei. Até lá, um abraço para vós Jaime jbms@sapo.pt _______ Notas de L.G. (1) Vd. post de 19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1676: Vivo ou morto, procura-se o Soldado Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves) (2) Vd. post de 9 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXII: Homenagem de Fafe aos seus 37 ex-combatentes, mortos na guerra do ultramar (Américo Marques) (...) "Obrigado, Américo, em nome da nossa tertúlia. Julgo que, por detrás desta iniciativa do município de Fafe, está também o meu amigo Jaime Bonifácio Marques da Silva, professor de educação física, antigo vereador do desporto e cultura, natural da Lourinhã, ex-alferes miliciano paraquedista em Angola por volta de 1969/71" (...).

Guiné 63/74 - P1684: Sepultado em Cinfães e em Bissau: 1.º Cabo Enfermeiro Correia Vieira, da CCAÇ 1419 (Casimiro Vieira da Silva / A. Marques Lopes)

Cinfães > Espadanedo > Cemitério local > 2007 > Campa do José Maria Correia Vieira (1943-1966), cujos restos mortais foram oficialmente trasladados de Bissau, em 1971 ou 1972.

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério militar > 1998 > Foto da campa do José Maria Correia Vieira. Segundo o livro da CECA, consultado pelo A. Marques Lopes (e de que se junta um extracto), o infortunado 1.º Cabo Enfermeiro Correia da Silva, da CCAÇ 1419, repousaria em paz na sua terra...

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério militar > Campas de Abel Pereira da Silva e António Novais Esteves, mortos juntamente com o José Maria Correia Vieira, em 5 de Janeiro de 1966, na Ponte do Rio Blassar - Matar, Olossato.

Fotos: © Casimiro Vieira da Silva (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do A. Marques Lopes, enviada para a tertúlia:

Caros camaradas:

Este texto chegou-me às mãos e quem o escreveu pediu-me para o divulgar junto da tertúlia. A. Marques Lopes (1).


2. Texto do Casimiro Vieira da Silva:

Triste história, verdadeira, de um Cabo Enfermeiro da Companhia de Caçadores 1419, que morreu na Guiné ao serviço da Pátria na noite de 5 de Janeiro de 1966, na Ponte do Rio Blassar - Matar, Olossato [vd. carta de Bigene]. Morreram com ele, nessa mesma noite e no mesmo local, mais dois companheiros [, Abel Pereira da Silva e António Novais Esteves].

Vamos ao que interessa: eu, Casimiro Vieira da Silva, Cabo Enfermeiro, parti para a Guiné em 11 de Janeiro de 1967. Assim que lá cheguei fui visitar o meu amigo José Maria, colega de escola, ao cemitério de Bissau. Lá estavam as três campas, a dele e as dos outros dois companheiros mortos na mesma altura, com os nomes gravados. Fiquei chocado.

Escrevi à minha mãe e contei-lhe que o José estava no cemitério de Bissau, que ela dissesse aos pais dele. A mãe do meu amigo ficou muito chocada e acabou, depois, por morrer cedo demais com o desgosto da morte do filho querido. Quando me vim embora, em 1968, fui despedir-me dele ao cemitério, coloquei um ramo de flores e disse-lhe Descansa em paz.

Mal cheguei a Portugal, regressei à minha casa, em Espadanedo, Cinfães, onde a mãe do José me procurou logo e agarrou-se a mim a chorar, tanto que eu também chorei. O desgosto desta mãe que nunca mais largou o luto. Pediu a Salazar, ou alguém de direito, que lhe devolvessem o corpo do seu filho para junto dela, para o poder velar. Responderam-lhe que, para isso acontecer, era preciso pagar uma quantia de 15 ou 20 contos, não sei ao certo, ou, então, que esperasse cinco anos para devolverem o corpo do filho sem pagar nada.

Sim, senhor. Devolveram o corpo talvez em 1971 ou 1972, já não me lembro a data ao certo, e fizeram um funeral nunca visto na freguesia de Espadanedo, Cinfães, com um pelotão do Regimento de Artilharia Ligeira N.º 5, de Penafiel, a fazer a honra a este bravo militar.

Voltei à Guiné em 1998, e ao cemitério de Bissau, e qual não é o meu espanto quando vejo lá na mesma as três campas. Fui ter com os empregados do cemitério, já muito velhotes, e perguntei se estas campas tinham sido remexidas. Prontamente me responderam que não tinha sido levantado nenhum corpo daquelas campas. Se tivesse sido retirado algum, o respectivo mármore teria também sido retirado.

... E, assim, continua a mentira, já com 40 anos. E, agora, pergunto: só veio o caixão, sem nada? ou com alguma coisa lá dentro? O caixão terá vindo de Bissau ou de Lisboa? Não sei. Só me interrogo sobre quantos, como o meu amigo José Maria, estarão enterrados nos cemitérios de Portugal e da Guiné ao mesmo tempo. Como é possível isto acontecer? - Pergunto eu.
Junto envio fotografias para provar como o José Maria se encontra nos dois lugares, em Bissau e em Portugal.


3. Comentário do A. Marques Lopes:

A dúvida do Casimiro é legítima. Vão, em anexo, as fotografias que ele tirou no cemitério de Bissau com as campas dos três que morreram na mesma noite. O livro da CECA confirma (em baixo) que dois deles continuam lá e que o José Maria está em Espadanedo. Parece-me que seria lógico que a campa deste não estivesse em Bissau... não me parecendo que, em 1971 ou 1972, não tivessem tido a preocupação de varrer os vestígios dela, tendo havido, de facto, a trasladação. Evidentemente, aquela Comissão transmite as informações que colheu ou lhe foram fornecidas.

Disse-me o Casimiro que a Zélia Cardoso, mulher do Xico Allen, depois de ver o filme Monsanto, escreveu à SIC uma carta onde levantava esta questão concreta do José Maria, levantando a questão de, eventualmente, poder haver outras situações idênticas. Mas essa estação televisiva nunca respondeu nem deu sinais de se interessar por tal. Este é um caso concreto. A partir dele, era bom que se esclarecessem as dúvidas que pairam, ainda mais que não seja por respeito às famílias. Que a velha senhora não tenha feito isso, compreende-se. Mas, agora...

 
4. Comentário de L.G.:

Infelizmente, estas trocas e baldrocas foram mato. Até na morte, muitos dos nossos camaradas foram vítimas da burocracia e da incompetência. O mínimo que era exigível ao Estado Português era que tratasse com dignidade os seus soldados caídos em combate... Em tempos o Albano Costa trouxe à baila um caso parecido, o do Manuel Agostinho Oliveira Mendonça, natural da freguesia de Soutelo de Matos, concelho de Vila Pouca de Aguiar.

Vd. post de 25 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1112: Os mortos do Talhão do Ministério do Exército: o caso do Agostinho, da CCAÇ 4150, Guidaje (Albano Costa)
______

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)

sábado, 21 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1683: Estórias do Gabu (3): Um capitão, amigo do seu escriturário (Tino Neves)

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > Quartel Novo > 1971 > O 1º Cabo Escriturário Constantino Neves nas valas...

Foto: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.


1. Texto do nosso camarada Tino Neves (1) a quem agradeço o envio periódico destas pequenas estórias ou croniquetas (2) que nos ajudam a reconstituir ou reconstruir o quotidiano das nossas vidas de caserna, no tempo da guerra da Guiné, há trinta e quarenta anos atrás:


Camarada Luís:

Vou contar um pequena estória passada comigo. Uma noite, estava eu na Vila de Nova Lamego, com a intenção de ir ao cinema. O Aquartelamento do Batalhão, o Quartel Novo, ficava a 1 Km da Vila. Chega junto de mim um jipe, conduzido pelo Soldado Condutor Loupas, pedindo para que o ajudasse a passar a palavra a todos os camaradas, que se juntassem todos junto da porta do cinema, que logo viria uma Berliet buscá-los a todos, porque tínhamos recebido uma mensagem de que vinha em nossa direcção um grupo de turras para nos atacar.

Assim foi. Após todos terem sido transportados para o quartel, o meu Comandante da CCS, o Sr. Capitão Miliciano Herlânder Loureiro Rodrigues, mandou todos irem-se equipar e armar, em seguida formar na parada, que ele os iria distribuir pelas valas e postos ao redor do quartel.
Estando quase todos distribuídos e faltando ainda eu, perguntei:
-Meu Capitão, então, aonde fico eu?
-Tu ficas aqui, porque os turras vêm daquele lado!
-OK, obrigado! - Agradeci.

Enquanto esperamos a chegada dos turras, tínhamos o hábito de, nas valas, estendermos umas tábuas por cima e deitarmo-nos sobre elas, com mostra a foto junto. Estávamos bastante descontraídos a ouvir o som da selva e vozes e palmas de bajudas a cantarolar, ali perto.

Pela minha parte, eu estava com muita atenção - como era hábito, diga-se de passagem, já que não brincava em serviço (quando estava de reforço), nem deixava que fumassem junto a mim e às claras (se o quisessem fumar, teriam que o fazer como eu, abaixar-se dentro da vala e cobrir o cigarro com o quico, para anular o clarão.

A um determinado momento, notei que as bajudas tinham deixado de cantar e que se podia ouvir... o som da selva, em silêncio, para além do ladrar de um cão. De imediato, alertei para esse pormenor o Furriel Miliciano Batista, que se encontrava a meu lado, respondendo-me ele logo de seguida:
- Tens razão, todos para baixo.

Dito isso, passa por cima de nós um roquete (que foi o sinal dos guerrilheiros para o início do ataque), e logo de seguida várias rajadas de balas tracejantes a rasparem a nossa posição, mas logo um soldado condutor que tinha ao seu dispor uma metralhadora Dryse (leia-se Draise), começou logo a disparar e nós, ao ver a sua coragem, de imediato também começámos a disparar as nossas G3. Em poucos segundos estávamos todos tão empolgados, só faltava saltar da vala e ir atrás deles.

Eles não esperavam a nossa reacção tão rápida e comtão grande potencial, pois perto de nós estava uma antiaérea de 4 canos, não me recordo o calibre, mas era um espectáculo de balas tracejantes, 4 canos a disparar ao mesmo tempo!

Acabado o ataque, ficámos todos parados e em silêncio, aguardando possível novo ataque, quando eu novamente reparo nuns vultos a passarem a correr à nossa frente, mas do lado de fora do arame farpado. Alertei novamente o Furriel Batista que de imediato grita:
- Lá vão eles outra vez! - e fizemos fogo e do outro lado ouvimos gritar. Entusiasmados, gritávamos:
-Tomem, seus cabrões...

Nisto aparece o nosso 2º Comandante aos gritos, para que nós não disparássemos, porque era tropa nossa que ia ao encalço dos turras. De imediato o Furriel Batista saltou da vala, todo irritado, quase à beira de um ataque de nervos, gritando:
- Não sabiam avisar, vocês, os profissionais!... Deixarem-nos disparar e atingir os nossos camaradas, que nós bem os ouvimos gritar!...

Graças a Deus que não acertámos em ninguém, eles gritavam a dizer para não dispararmos, que eram eles, tropa amiga.

Enfim, esta estória mostra duas vertentes: (i) a do Capitão, amigo do seu Cabo Escriturário, que escolheu aquele local, julgando que seria o melhor, quando o não foi, porque foi precisamente ali que se iniciou o ataque em grande potencial.; e (ii) e a do Comando, que teve uma grande falha ao não comunicar, via telefone de campanha que todos os postos tinham, para que não disparássemos porque iam sair grupos de combate no seu encalço.

Transcrevo o descrito em Ordem de Serviço:


GRUPO IN, ESTIMADO EM 100 ELEMENTOS, FLAGELOU NOVA LAMEGO DE OESTE (PISTAS E QUARTEL NOVO), COM RPGS 2 E 7 E ARMAS LIGEIRAS DURANTE 10 MINUTOS. AS NT REAGIRAM PELO FOGO E MANOBRA DE INTERCEPÇÃO, TENDO O IN RETIRADO PRECIPITADAMENTE. AS NT SOFRERAM 8 FERIDOS (4 GRAVES) E A POPULAÇÃO CIVIL 4 FERIDOS (1H-3M).

Dia 03/ABR/1971 (2)

Um AbraçoTino Neves
1º Cabo Escriturário
CCS/BCAÇ 2893
Nova Lamego (Gabú)
1969/71
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).

(2) Vd. último post do Tino Neves > 5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1647: Estórias do Gabu (2): A Spinolândia (Tino Neves)