Gabu em memórias
Ambulância apanhada ao PAIGC
Tento, amiúde, fixar-me em restos de memórias que me sobram dos tempos em que passei por terras de Gabu onde me deparei e ouvi falar de viva voz com as incessantes atividades guerrilheiras de índole diversa. Hoje, porém, trago à estampa uma dessas muitas atividades operadas pelo grupo de Marcelino da Mata, então um Alferes que se apresentava para o IN como um alvo a abater, sendo o tema uma ambulância apanhada ao PAIGC.
Sabeis, ou ouviste falar, caros camaradas da versátil mobilidade no terreno de guerra do requintado grupo comandado pelo Marcelino da Mata. Não vou, como é evidente, focar-me na plenitude das muitas operações que tiveram o cunho do antigo guerrilheiro. Desconheço o detalhe da ação. Vou, sim, focar-me, resumida e exemplarmente, sobre a sua eficácia determinante no momento de enfrentar o IN.
Não comento e nunca farei pressupostas opiniões, algumas quiçá devastadoras para quem deu o corpo às balas, acerca de um homem pelo qual guardo imenso respeito. Cada um opina dentro de valores que lhe vão na alma, não obstante os consensos de pareceres sobre uma realidade pública de “assaltos” consumados em pleno palco de guerra.
A guerrilha no terreno impunha precaução ao mais humilde militar. O insólito do exato momento de luta, sempre inesperada, obrigava a minuciosas cautelas. E, pelo que me foi dado saber, Marcelino da Mata era um guerrilheiro que não temia uma missão que lhe fora confiada.
Aliás, as suas diversas condecorações, ofertadas pelo Exército Português, são a prova evidente que o atual Tenente Coronel foi, sem dúvida, um osso duro de roer para o PAIGC. Neste contexto, não vou negligenciar a sua atividade ou os atos de bravura averbados na guerrilha. A sua história está concluída.
Conheci-o pessoalmente na então Nova Lamego. Dele contavam-se surpreendentes explanações guerrilheiras. Histórias que iam pela qualidade da limitadíssima formação de homens que integravam o seu pequeno grupo, até ao conteúdo das suas ações no confronto direto com o IN.
Um belo dia “aportou” no meu quartel, Gabu, uma ambulância apanhada ao PAIGC com o cunho do grupo do Marcelino. O Marcelino da Mata conhecia, e muito bem, as “silhuetas” do terreno ao pormenor, bem como os trilhos por onde o IN se movimentava.
Estudado ao pormenor o objetivo previamente traçado, eis que o surpreendente golpe de mão às forças guerrilheiras contrárias, causou a “safra” de uma ambulância, desconhecendo-se o “rombo” de capital humano. Falou-se em vários cenários, todavia, o que se constou é que na ambulância seguia uma enfermeira sueca.
Verdade ou mentira só o Marcelino, e os seus subordinados, poderiam testemunhar. A voz corrente que passava de boca em boca nos aquartelamentos da zona, findava pela valentia do grupo sobre aos “turras”. Baixas? Não se sabe se as houve!
A curiosidade da narrativa passa, naturalmente, que junto ao veículo “sequestrado”, que acusava inúmeras batidas na chapa, está o saudoso enfermeiro Dinis, um rapaz, natural do Porto, ao qual já dediquei um texto, frisando o seu excelente companheirismo.
O Dinis era moço simpático. A sua fisionomia atirava para o franzino e a sua estatura para o baixo. Porém, assumia-se como um jovem amigo do seu amigo e sempre disponível para mais uma missão ao interior de um mato que persistentemente camuflava o medo.
Naquelas rondas às tabancas para a execução de mais uma missão dominada “psicó”, o Dinis transportava na sua sacola “mezinhos” para a cura dos nativos. Outras vezes era o Dinis que “desenrascava” o pessoal com comprimidos que ocasionalmente a malta procurava, de entre outros instantes de aflição em que a necessidade imperava e o nosso enfermeiro, sempre com um sorriso nos lábios, amavelmente aplicava medicamentos para a cura.
Hoje rendo-me à humildade do saudoso Dinis, evocando o momento em que o "ronco" causado ao IN serviu para mais uma conversa entre ambos numa guerra em que o Marcelino da Mata era figura de proa no palco de um conflito que terminou pouco tempo depois.
(Foto do 1º Cabo Enfermeiro Alfredo Diniz - Já falecido)
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
20 DE OUTUBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P19123: Memórias de Gabú (José Saúde) (72): Jau, o nosso guia (José Saúde)