sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5353: Notas de leitura (38): Prefácio ao livro do Manuel Maia, História de Portugal em Sextilhas, a ser lançado na Tabanca de Matosinhos, em 9/12/09 (Luís Graça)


Prefácio (1º versão, posteriormente modificada e abreviada), de Luís Graça, ao livro de Manuel Maia, História de Portugal em Sextilhas (Editora Esses & Erres, 2009) (*)

Um pequeno grupo de homens, generosos e solidários, que têm em comum a experiência da guerra colonial na Guiné-Bissau (1963/74), sob o comando do Vasco da Gama, e onde se incluem – é justo citá-los – os nomes do Hélder Sousa, José Manuel Dinis e Belarmino Sardinha [ e eventualmente outros que seria injusto omitir] – deu corpo à ideia, já há uns meses acalentada no nosso blogue, de publicar A História de Portugal em Sextilhas, do nosso camarada Manuel Maia.


Pedem-me agora um prefácio, ou seja , um texto preliminar, claro, conciso, e preciso, que vem antes da obra, onde se fala do autor, do conteúdo e, às vezes, do próprio making of do livro… (Etimologicamente, o termo vem do latim praefactionem, a acção de falar ao princípio de)…

Falemos, pois, do poeta e das suas musas, já que é de poesia (épica) que se trata. Conheci, virtualmente falando, o Manuel Maia quando ele me escreveu para o blogue Luis Graça e Camaradas da Guiné, apresentando-se em Fevereiro de 2009: “Português dos quatro costados, apreciador de ditados populares (…), sou licenciado em História [ pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto ] e pretendo (…) enviar a história da minha Companhia em sextilhas (…) onde são respeitados os cânones desta vertente poética”…

Logo percebi, pelo mail e pelas primeiras estrofes recebidas, que, para além do sangue, suor e lágrimas, havia ali talento a rodos, e que a sua musa inspiradora era a Guiné, sedutora, da cor do ébano, mas também verde e vermelha….


Furriel miliciano da 2.ª CCAÇ – Os Terríveis, do BCAÇ 4610, andou por desvairadas terras, entre o purgatório e o inferno, de Bissum Naga (sector de Bula, região do Cacheu, a norte de Bissau) a Cafal Balanta e Cafine (zona do Cantanhez, região de Tombali, a sul), entre 1972 e 1974… A (re)ocupação do Cantanhez é descrita, por ele, como um “trabalho insano(…) nove ou dez meses ali passados, naquela zona minguada de tudo menos de mosquitos e balas”…

Ao ler e inserir no blogue as suas primeiras sextilhas, logo o alcunhei, com irreverência e humor, de “Camões do Cantanhez”, “bardo do Cafal Balanta”… Não lhe regateei elogios:

“E, olha, parabéns, pela arte e engenho de narrar, com humor, os feitos gloriosos dos Terríveis que ousaram penetrar no Santo dos Santos, que era, para o PAIGC, o Cantanhez. Furriel Maia, estás aprovado com 20 valores. São trinta e três sextilhas, ou seja, estrofes de seis versos de dez sílabas métricas. Não os revi todos, mas batem certo: são mesmo decassílabos... Ou não fosses tu um homem de letras, e quiçá um émulo de Camões.... O Camões do Cantanhez!”…

E acrescentava:


“Fico a aguardar o resto do poema épico, agora a entrar - espero bem - no mítico Cantanhez, lá por alturas de Novembro/Dezembro de 1972, quando o velho Spínola decidiu reconquistar e ocupar essas míticas terras de Tombali, numa prova de força contra o PAIGC: Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine, Jemberém”…

E assim nasceu mais um Cancioneiro, no nosso blogue, o Cancioneiro do Cantanhez…

Os primeiros fãs das sextilhas do Manuel Maia não tardaram a revelar-se, até que, no início de Maio de 2009, o novo membro do nosso blogue submeteu à apreciação dos editores a sua História de Portugal em Sextilhas, que foi mandando segundo uma ordem cronológica (dos primórdios da nacionalidade, às quatro dinastias da nossa monarquia, e até ao fim da República, em 1926).


Em carteira, ficava – segundo confidências do poeta (cuja voz ouvi hoje e pela primeira vez ao telefone) – a futura História da Guerra Colonial em Sextilhas, outro trabalho insano que vai desafiar a sua imaginação, o seu talento, as suas musas e o seu saber, vivencial, poético e historiográfico…  E o mote até pode ser este, de um qualquer anónimo poeta popular, que uma leitora do blogue, Maria Teresa Parreira, nascida em 1957, em Castro Verde, cita de cor, ligado às suas memórias de infância, quando os militares partiam para a guerra:

Lá vai mais um barco
para o Ultramar,
levam nossos filhos
p'ra irem lutar.

P´ra irem lutar
deixam cá cadilhos,
para o Ultramar
levam nossos filhos.


Os portugueses têm um fascínio pela poesia oral, desde o tempo (medieval) dos trovadores da corte e dos cantadores de feira, e esta que hoje ganha forma, em letra de imprensa, é para ser lida em voz alta, em público ou em privado, em tertúlia ou no espaço mais íntimo do lar, na escola ou no quartel. Tem um propósito lúdico mas também didáctico… Não é um livro de história, é mais do que isso: é uma narrativa épica, baseada no conhecimento dos factos históricos (alguns mitológicos), da sua sequência e do seu contexto, em que é o poeta, o artista (e não o historiador, o cientista) quem mais ordena…


Mas desengane-se quem pensar que a imaginação e a liberdade criativa do artista não são compagináveis com o rigor historiográfico… Por detrás destas 4 centenas de estrofes, estão anos de labor, de pesquisa bibliográfica, de estudo, de leitura, de reflexão… Inéditas, ainda não divulgadas no nosso blogue, são as cerca de oito dezenas de estrofes respeitantes ao período que vai da Ditadura Militar (1926-1932) ao fim Estado Novo, em 1974.

Quanto resto, é sabido que o nosso Portugal foi (e ainda é) um país de poetas e de soldados onde a poesia não enchia a barriga do pobre, é verdade, mas onde o soldo do soldado também não dava para a caneta, a tinta e o papel... Mesmo assim, ontem como hoje, a malta escreve, e canta, até o dedo doer, até a voz doer...É o teu fado, Manel, meu vate, nosso bardo, nosso épico...Alegras-nos a alma, aguças-nos a curiosidade intelectual, enriqueces a nossa cultura e a nossa história, dás um bela lição a quem te quiser ler, os mais novos e os mais velhos...


É costume dizer-se que os portugueses conhecem mal a sua própria história, porque se calhar a escola, a nossa escola, a nossa escolinha, não nos ensinou amar, de alma e coração, os nossos poetas, os nossos heróis, os nossos santos, a amar e a criticar os nossos reis, os nossos comandantes, o nossa elite dirigente... Por que só critica quem ama, e só se critica quem se ama…

O que o Manuel Maia nos oferece, fruto do seu talento e saber, produzido com generosidade e paixão, é poesia, é pedagogia, é amor às nossas coisas, à nossa Pátria... São as nossas raízes, é a nossa idiossincrasia, é a nossa identidade...

Não tenhamos pejo nem pudor de ser e de cantar o que fomos e o que somos… O conhecimento do passado e do presente (e a poesia é também uma forma de conhecimento, não sendo aliás incompatível com o conhecimento, científico, erudito, académico, da história) é a também ponte levadiça que, mesmo com valas, fossas e cavalos de frisa logo a seguir, nos abre horizontes sobre o que haveremos de ser e o que seremos… Mal vai o povo a quem for amputada a memória do seu passado…


Termino, transcrevendo a primeira das belas estrofes que o autor dedicou ao grande Camões, sua figura tutelar (a outra creio que é o Bocage, truculento, iconoclasta, irreverente, selvagem, livre, pobre e magoado):

(…) Camões lhe dedicou sua grande obra
que mostra o peito luso ter de sobra
a força, a coragem e ousadia
que afasta, de uma vez, velhos temores
ao galgar mar, vencer Adamastores
que o mito popular criara um dia...


Fica bem, Manel, tu e as tuas musas.

Lisboa, 9 de Outubro de 2009 / Porto, 27 de Novembro de 2009

Luís Graça,
Sociólogo,
Doutor em Saúde Pública (ENSP/UNL)
Criador e editor do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné

_________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5335: Agenda Cultural (47): Lançamento do livro do Manuel Maia, dia 9 de Dezembro, em Matosinhos (José Manuel Dinis)

27 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5165: Agenda Cultural (36): A sair, em breve, o livro da História de Portugal em Sextilhas, do nosso camarada Manuel Maia

29 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4755: Blogpoesia (55): História de Portugal em Sextilhas (Manuel Maia) (IX Parte): Do início da República à Grande Guerra (1910/17

5 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Ao Manuel Maia espero abraçá-lo pela primeira vez no Porto na apresentação do seu livro e dizer-lhe que o talento poético não é menor que o rigor histórico neste seu livro.

Ao Luís Graça dar-lhe os parabéns pelas palavras que escreve e que tão bem sabe utilizar.

Abraço camarigo para os dois e para todos

Nota: Não sei se é de propósito mas há uma repetição de paragráfos no texto agora publicado.

Luís Graça disse...

Obrigado,Joaquim, pelo tei "olho clínico"... Já corrigi... Sabes, o que é: fazer trés coisas ao mesmo tempo, dá sempre buraco... Estoiu com um olho no blogue e dois numa tese de doutoramento, de 400 pp., que tenho de ler, corrigir, croticar até 3ª feira...

Para o Vasco, muito em especial, um abraço amigo: ele sabe porquê! E ao nosso bardo, os meus reiterados parabéns!

Antonio Graça de Abreu disse...

Uma saudação, um forte abraço e parabéns pelo teu livro, meu caro Manuel Maia, vate do Cantanhez, e da nossa História.
António Graça de Abreu

Antonio Graça de Abreu disse...

Uma saudação, um forte abraço, parabéns pelo teu livro, meu caro Manuel Maia, vate do Cantanhês, poeta da nossa História.
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Muitos parabéns, Manuel Maia. E um abraço a todos os que tornaram possível que a obra viesse a público. Não poderei estar presente no lançamento. Ainda não temos voos low-cost.
Um abraço,
Carlos Cordeiro