segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22997: Notas de leitura (1418B): A teoria e a prática de Amílcar Cabral por Ronald H. Chilcote (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Março 2019:

Queridos amigos,
Se me perguntarem quais os livros mais importantes para estudar o pensamento e a obra de Cabral, não hesitarei em pôr este trabalho de Chilcote no escasso punhado de obras obrigatórias. Todos os conceitos que este académico expõe estão baseados numa amplíssima investigação, procedeu com a sua equipa a um levantamento minucioso de todos os artigos, intervenções e comunicações de Cabral, igualmente o que publicou na imprensa de Cabo Verde, de Portugal e um pouco por toda a parte e traça-nos uma bibliografia sobre os principais documentos referentes à luta armada, muitos deles de consulta obrigatória para quem quer conhecer a luta armada na Guiné. E mesmo o escol das entrevistas que fez em Cabo Verde e Guiné-Bissau não é raridade histórica para guardar num museu, podem-se tirar elações e uma delas salta imediatamente à vista, o que distinguia a classe intelectual cabo-verdiana dos principais combatentes guineenses. Leitura imperdível, pois, para os mais estudiosos deste período.

Um abraço do
Mário



A teoria e a prática de Amílcar Cabral por Ronald H. Chilcote (2)

Beja Santos

“Amílcar Cabral’s, Revolutionary Theory and Practice, A Critical Guide”, por Ronald H. Chilcote, Lynne Rienner Publishers, 1991, é, indiscutivelmente, um dos estudos mais detalhados e bem organizados sobre o pensamento de Amílcar Cabral feito por um investigador estrangeiro. É um documento de referência, Ronald Chilcote é um académico norte-americano detentor de uma apreciável obra de investigação, desde cedo que se interessou pelo império colonial português, já aqui se fez referência a uma outra obra também de consulta obrigatória, a documentação que ele e a sua equipa organizaram sobre as posições assumidas perante a descolonização portuguesa, é um histórico muito bem elaborado para qualquer consultor à escala internacional.

Recapitulemos em síntese o que o académico releva como essencial do pensamento e da ação daquele que foi considerado um dos principais teóricos revolucionários africanos: dá-nos o itinerário curricular, a sua experiência em Lisboa onde já germina o nacionalismo africano, a construção da teoria do nacionalismo revolucionário, a originalidade do conceito de vanguarda da revolução; a construção do modelo de denúncia do colonialismo português nos areópagos internacionais e o papel desse colonialismo português como meramente subsidiário do imperialismo internacional; a conceção de nacionalismo com base na luta de libertação nacional, onde instituiu uma unidade de dois povos, sem minimizar a importância primordial das culturas étnicas, Cabral estimava que estava a emergir uma nova cultura e uma nova economia decorrente da originalidade da luta armada; percorre-se o seu pensamento quanto à transição da luta armada para a construção do Estado, como ele supunha edificar um modelo de desenvolvimento com o máximo de democracia sob a liderança do PAIGC. Resta dizer que este vasto modelo tem sido objeto de críticas, mormente depois da independência e como em breve veremos aquando da análise da obra “Descolonizações, Reler Cabral, Césaire e Du Bois no século XXI”, com organização de Manuela Ribeiro Sanches, os conceitos de unidade e desenvolvimento, por exemplo, são altamente contestados por estudiosos com provas dadas.

Ronald Chilcote percorrera Cabo Verde e a Guiné entre agosto e setembro de 1975, entrevistou um bom punhado de dirigentes do PAIGC em ambos os países, um apêndice que ele intitula “Perspetivas da vanguarda revolucionária”, entrevista Luís Cabral, Fernando Fortes, dois dirigentes da primeira hora, Felinto Vaz Martins, Paulo Correia, Domingos Brito dos Santos, Manuel Boal, Juvencio Gomes, Carmen Pereira, Augusto Pereira da Graça, José Araújo, Chico Bá, Otto Schacht, entre outros. Para o estudioso, a consulta destes respondentes não é uma mera raridade histórica. Encontram-se contradições, como a questão do envolvimento do PAIGC nos acontecimentos do Pidjiquiti, em 3 de agosto de 1959, há quem diga abertamente que o PAIGC não teve qualquer envolvimento com o protesto dos trabalhadores Manjacos. Recorde-se que estas entrevistas decorrem naquele estado de graça do sonho de um socialismo africano em que a ajuda internacional parecia fadada a pagar todos os devaneios das nacionalizações e de uma industrialização sem pés nem cabeça, muitos dos respondentes dão respostas uníssonas quanto à organização do Estado, à política externa. Ponto curioso, nenhum deles põe acento tónico na necessidade de uma reconciliação nacional após tão longo período de luta armada, com cavadas divisões da população, incluindo as etnias que procuraram a neutralidade, como os Felupes e os Bijagós. Há respostas de grande qualidade, caso de Juvencio Gomes, que foi o responsável pela presença do PAIGC em Bissau no período de transição, quando se deu a retirada portuguesa. Os líderes ligados à educação mostram um compreensível entusiasmo, e apercebemo-nos de alguns homens da envergadura intelectual, caso de José de Araújo que depois dos acontecimentos do 14 de novembro de 1980 se retirou para Cabo Verde. Vale a pena pôr em comparação as respostas dos guineenses e dos cabo-verdianos, sente-se a identidade cultural, sente-se que o verdadeiro fio de ligação são os sonhos de Cabral para a construção de um Estado com dois países.

De primeiríssima importância é o estudo conduzido pela equipa de Ronald Chilcote quanto ao levantamento de todos os escritos de Cabral (livros, discursos, documentação panfletária, textos de ocasião, intervenções em conferências,…), é um levantamento datado de 1942 até à sua morte, bem como edições posteriores até 1988. Também em anexo se juntam por ordem cronológica os artigos de Cabral na imprensa de Cabo Verde, de Portugal e um pouco pelo mundo inteiro. Em secção à parte, a relação dos trabalhos sobre a Guiné e Cabo Verde tendo a luta pela libertação nacional como eixo principal, um impressionante alfobre documental que nenhum estudioso pode ignorar.

Como é evidente, os estudos sobre o pensamento e ação de Cabral conheceram uma significativa evolução depois de 1991. Mas só por pura incúria é que não se deixa referência maior a todo este trabalho de Ronald Chilcote. Está aqui a matriz de um pensamento que foi evoluindo de um adolescente a um cientista que gizou uma teoria sobre o colonialismo e o imperialismo. Não se ilude uma certa confusão entre expetativa e realidade, aquela ideia de federações e de unidades entre países que Cabral viu nascer e que de um modo geral foram um malogro. Cabral distinguia entre o colonialismo e o neocolonialismo, a dominação direta e a dominação indireta, pretendia que o PAIGC estivesse municiado contra o neocolonialismo. Igualmente o seu pensamento traduzia-se numa ideia de nacionalismo diferente daquela que era experienciada pela cultura europeia. O seu conceito de nacionalismo revolucionário articulava perfeitamente cultura e economia, ele imaginou que a luta armada e o processo da independência, em si próprios, esbateriam os sentimentos étnicos, afinal tão profundos. O seu olhar sobre as classes e o desenvolvimento das forças produtivas é indiscutivelmente original e contenda com a cartilha soviética e até chinesa do tempo, nunca quis iludir a inexistência de um proletariado industrial, alçapremou a pequena burguesia à condição de decisor revolucionário, sem contestação a sua análise desobedecia aos cânones marxistas convencionais. Se igualmente se pensar que este teórico revolucionário criou um partido, uma escola-piloto, uma estratégia militar, alcançou gradualmente apoios internacionais para formar os seus quadros e receber armamento cada vez mais sofisticado, se notabilizou pela habilidade diplomática e liderou os termos de uma coesão entre os independentistas das colónias portuguesas, fica-se com o quadro completo de um construtor, um homem de ação, um visionário como houve poucos em África.

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22989: Notas de leitura (1417): A teoria e a prática de Amílcar Cabral por Ronald H. Chilcote (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22996: Os nossos médicos (92): Nunca na vida te deixarei sozinho (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico, CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

© ADÃO CRUZ


1 - Em mensagem de 12 de Fevereiro de 2022, o nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68) enviou-nos este seu conto:


NUNCA NA VIDA TE DEIXAREI SOZINHO

Nunca na vida te deixarei sozinho, disse a Isabel ao seu marido Joãozinho, na véspera de meter outro homem na sua cama.

A Isabel não andou na Faculdade, para assim falar tão bem nas traseiras do sentimento, mas foi criada de servir em Bissau, o que, numa aldeia do mato, era um curso superior. Isabel era uma mulher muito bonita, daquelas que são sempre futuro, ainda que a pele se engelhe. As suas formas afeiçoavam-se aos olhos, mais despindo a existência do que o corpo. Uma espécie de mulher à flor da pele, bem calculada por dentro. Mulheres paridas de si mesmas, sem vida nos outros. Mulheres de além-desejo, voo de ave caminhando fora dos passos. Isabel, o torvelinho das tonturas do Joãozinho.

Joãozinho, servente da messe, sabia a mulher que tinha e todo se babava quando a gente dizia que ela era mais linda que surucucu empinada, mais pura que fruto de cajú. Todo ele era uma viagem por dentro da Isabel, adivinhando-lhe o mundo no contar das coisas. Manhã levantada era sol de todo o dia, noite deitada era sonho que não morria.

Um dia…

Encontrava-me eu frente à palhota da Isabel, limpando com uma compressa embebida em permanganato de potássio, as feridas do dorso das vacas, verdadeiros buracos abertos pelos estilhaços das granadas e pelos pássaros pica-sangue, impiedoso tormento dos animais, quando ouvi atrás de mim uma voz de asas, leve de tempo, onde não havia destino, medida por lonjuras de sonho.
- Sr. Doutor, Sr. Doutor.

Do peito me nasceu um soluço que só anos mais tarde se escapou.
- Olá Isabel, que bela surpresa!
- Doutor, tenho galinha que consegui arranjar e vou fazer frango à cafreal para Doutor e nosso Capitão.
- Isabel, tu és um anjo, e nosso capitão, todo católico, vai pensar que é dádiva do céu, quando eu lhe contar.

Todos somos fingimento quando o sangue não se entorna no desaconchego da solidão. O provisório serve o regresso da alma, o fogo de outros calores invade os olhos através de janelas que há muito se não abriam. O capitão não mediu a fome nem a galinha, esqueceu a comunhão do Padre Gama, sonhou o despir da Isabel até à nudez pecaminosa e espetou os olhos no cair da noite.

Ao cair da noite, lá fomos os dois à palhota da Isabel, enquanto o Joãozinho lavava a loiça na messe. A Isabel estava no último acto da confecção do delicioso cafreal da tabanca. Primeiramente refogado, apenas em sumo de limão e piripiri, depois grelhado na brasa e em seguida frito com cebola.

Notei que os olhos do capitão se cruzavam constantemente com os meus, não na galinha mas nas ancas da Isabel. Seguiam a luz sensual do petromax, que penetrava abusivamente na malha de tule até às roupas que vinham de dentro. Senhora de reflexos e de encontros, Isabel não prestava menos atenção à sedução do que à galinha.
- Doutor, nosso Capitão, tenho gira-disco e morna, mim dançar para doutor e nosso capitão.

Não nos empenhámos em perceber como é que uma pequena caixa e um disco de madeira giravam música. O esvoaçar do tule era o centro do mundo, o arder da fogueira de todo o nosso frio. Toda a força daquele colo maternal, toda a ternura da silhueta envolta em cabelos penosamente desfrisados durante longos anos, toda a firmeza das carnes subtis, todo o trigo desse abrigo adormecido, toda a tempestade recolhida nesse pedaço de noite tombaram sobre nós quando a Isabel iniciou o strip-tease.

Não me lembro do sabor da galinha. Recordo apenas uma espécie de vento fustigando as entranhas, reduzindo-me a um calção e uma camisa, ardendo dentro de mim com sabor a cinza.
Olhámos um para o outro, sorrimos, assumindo o que sempre estivera assumido, antes de darmos ao espírito a momentânea liberdade de um passeio pelo sonho que morre ao pé dos coqueiros.

Aconteceu nessa noite ou na noite seguinte. O Joãozinho entrou em casa e deu com alguém a fugir da cama da Isabel. Pobre do Joãozinho, sofreu mais com a sova que deu na mulher do que com a traição. Sofreu mais pelo avesso do que ela dissera na véspera, nunca na vida te deixarei sozinho, do que em todas as noites que passara enterrado na bolanha à espera de turra. Doeu muito mais do que picada de escorpião.

Isabel apresentou queixa no Chefe de Posto. Argumentava e provava com as equimoses dificilmente visíveis na sua pele de negra. Dolorosas como as equimoses em pele de branca. Afastara bondades de Joãozinho, denegrindo sua violência, grande de mais para coisa de momento. Não ser vontade de ela mas força de imaginação que vem de dentro. Destino de todo fogo que acende rápido.

Foi constituído o tribunal. Perante o Chefe de Posto, Capitão e eu, compareceram queixosa e réu. O Joãozinho estava disposto a perdoar, a despeito de um sonoro desabafo, bengala de toda a sua alma, letra de toda a sua filosofia, resguardo de toda a sua defesa.
- Boca de ela ser boca de mim, olho de ela ser olho de eu ver, dor de ela corpo de mim qui dói, vida de ela valer morte de mim, mim ca pude pensar que Zabel durme cum gajo na cama de mim, dibaxo di memo tecto… inda si foi sinhô dôtô ou nosso capeton…!

(Conto rigorosamente verdadeiro. Mas nem dotô nem capeton estiveram na cama de Zabel).

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21878: Os nossos médicos (91): recordando o sentido do humor do nosso saudoso J. Pardete Ferreira (1941-2021), ex-alf mil médico (CAOP, Teixeira Pinto, e HM 241, Bissau, 1969/71)

Guiné 61/74 - P22995: Blogpoesia (764): "O perfume das cores"; "Remate" e "As flores do rio", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66):


O perfume das cores

Cheiravam a camélias as alamedas floridas da entrada no palácio da fidalga que era viúva.
Vinham de longe os carros para os banquetes, noite adentro.
Enquanto batiam a fome as horas famintas do povo escravo.
Eram um mar de cores os campos lavrados dos rendeiros.
Se ouvia o zumbido doce das abelhas esfaimadas.
Caíam lentas as horas em saudosas badaladas.
Da torre ao alto, às horas certas, caíam as trindades, convidando à oração ao Criador.
Enquanto a manta do negrume recolhia as gentes em quentes madrugadas.
Era assim que se vivia nos meus tempos saudosos de criança.
Era escassa a abundância mas se respirava de abundante felicidade.


Berlim, 26 de Janeiro de 2022
16h38m
Jlmg


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Remate

Tudo no campo flui para o remate.
Dribles. Corridas esquadrinhadas sobre o relvado.
Por tudo se esforçam os jogadores.
Fintam. Fazem que vão mas ficam.
Avançam por trás e pela frente.
Fazem sempre o contrário.
A surpresa é o seu forte.
A rapidez estonteante traz sempre o sucesso.
Quem quer ganhar tem de rematar.
Seu inimigo atento é o guarda-redes.
Só perde quando deixa cair as chaves.
À volta rugem os apupos estridentes da populaça, dando saída aos maus instintos.
No final aquele relvado verde fica um deserto de silêncio

Onde só vagueiam os fantasmas.


Berlim, 1 de Fevereiro de 2022
16h48m
Jlmg


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As flores do rio

Orquídeas, acácias e camélias, tingem às cores as margens verdes do rio.
Tecem enseadas. As praias do sonho para quem o mar está longe.
Se enchem as praias de tendas às cores.
Se regalam nas cadeiras as gentes sedentas de iodo do mar.
De tempos a tempo, passam os vendedores de guloseimas.
Engodo das crianças e regalo dos pais.
- "línguas de sogra"! gritam os vendedores que palmilham a praia.
O sustento da casa que o espera à ceia.


Berlim, "bar dos motocas" arredores de Berlim
8 de Fevereiro de 2022
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22933: Blogpoesia (763): "Quando o nome é maior que a pessoa"; "Os botões caem" e "De nariz arrebitado", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22994: Agenda cultural (799): ATO (DES)COLONIAL: Exposição temporária, de 20 de janeiro a 12 de junho de 2022, Museu do Aljube Resistência e Liberdade, Lisboa


Museu do Aljube Resistência e Liberdade, Rua de Augusto Rosa, 42 • 1100-059 Lisboa


EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA 

ATO (DES)COLONIAL

20 DE JANEIRO A 12 DE JUNHO DE 2022


Sinopse

A violência está na génese, na prática e na simbologia de um processo de ocupação. Mas a violência encontra resistência, com diferentes expressões e impactos. Esta exposição pretende revelar e relevar diversos processos de resistência ao colonialismo português entre 1926 e 1974, período objeto deste museu.

A exposição ATO (DES)COLONIAL pretende contribuir para o questionamento da herança colonial no nosso país, em particular durante o período da ditadura, e para a valorização das experiências de resistência anticolonial enquanto processos determinantes para a autodeterminação e independência dos povos africanos, mas igualmente essenciais para o derrube do fascismo em Portugal.

ATO (DES)COLONIAL convida-nos a pensar sobre abordagens necessárias a uma prática antirracista, nas escolas, nos espaços públicos de cultura e na sociedade.

Que este ATO (DES)COLONIAL seja mais um, entre outros, e que gere mais pensamento e ação anticolonial e antirracista, abolicionista de todas as formas de violência.

Esta exposição temporária terá um ciclo de programação paralela que incluirá ciclo de cinema, conversas e visitas orientadas.

Horário: de terça a domingo, das 10h00 às 18h00. Entrada livre.

Fonte: Museu do Aljube
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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22959: Agenda cultural (798): Apresentação do livro "Guerra, Paz... e Fuzilamentos - Guiné 1970-1980" da autoria de Manuel Bernardo, dia 15 de Fevereiro, pelas 15h00, na Livraria-Galeria Municipal Verney, Rua Cândido dos Reis, 90 - Oeiras. A obra será apresentada pelo Coronel Tirocinado Comando Raul Folques

Guiné 61/74 - P22993: Parabéns a você (2036): Miguel Rocha, ex- Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22984: Parabéns a você (2035): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68)

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22992: (In)citações (195): Estou a preparar a 2ª edição, revista e acrescentada, do meu livro "A Pesca à Baleia na Ilha de Santa Maria" (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72)


Arsénio Puim, natural de Santa Maria, Açores, a viver em São Miguel, 
escritor, ex-alf mil capelão, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72):



1. Mensagem do nosso amigo e camarada Arsénio Puim:

Data - 11 de fevereiro de 2022 17:25
Assunto - Nota de leitura
 

Obrigado pela tua “nota de leitura” relativa ao meu livro (*). Um livro, sem dúvida, simples e limitado, de cariz popular e muito mariense-açoriano, mas que julgo será um bom documento para a posteridade.

Posso informar-te que, desde há algum tempo, estou a preparar uma nova 2.º edição, também revista e acrescentada. Desta vez , é a reedição do livro “A Pesca à Baleia na Ilha de Santa Maria”, que publiquei em 2001 (, edição do Museu de Santa Maria, 109 pp.). Espero que venha a lume no próximo verão.

Luís, apreciei o pequeno debate relativo a alguns termos marienses de influência americana (**). Penso que esta foi no passado, em maior ou menor dimensão, uma realidade frequente em meios populares mais isolados e menos escolarizados que sofreram a influência doutras culturas. 

Em Santa Maria a influência foi americana, noutros meios será francesa ou alemã e ainda noutros foi portuguesa. É o caso, “mutatis mutandis”, do crioulo, que também se insere nesta dinâmica linguística corrente, proporcionada pela oralidade corrente, no caso, a associação da língua nativa e a língua dos colonizadores. São fenómenos curiosos.

Relativamente ao termo “calafona”, não há duvida que vem de “Califórnia”. Porém, no uso mariense popular o termo foi alargado a todo os emigrantes de qualquer área da América que apresentam características muito americanizadas, tanto no sotaque como no vestuário, maneiras de ser e linguagem. Já o termo “calafão” é muito menos usual em Santa Maria.

Quanto ao termo “raivar”, é verdade que às vezes, numa versão mais evoluída, se diz draivar, mas num americanismo mais retinto é mesmo “raivar”.

Do termo “estôa” não conheço em Santa Maria a variante estoro. Sei, porém, que os termos podem adquirir nas diversas ilhas um cunho próprio. E quanto aos nomes próprios, eles sofrem habitualmente grandes adaptações na América.

E tu, Luís,, quando é que escreves o teu livro? Com a tua bagagem e capacidade, há que pensar nisso.

Sabes que o Mário Ferreira, médico do nosso Batalhão, também publicou em 2007 o livro “Tempestade em Bissau”? (***) Numa ocasião em que fui a Lisboa , há quinze anos, ele ofereceu-me um exemplar. É uma visão da Guiné e da guerra, romanceada mas ao mesmo tempo baseada na realidade, à maneira talvez de romance histórico - escrita por alguém que (vê-se) esteve lá - e onde afloram conceitos filosóficos e sociais muito válidos.

Muita saúde! Um grande abraço.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22977: Notas de leitura (1418): "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada (2021), por Arsénio Chaves Puim, um caso de grande sensibilidade sociocultural e de amor às suas raízes (Luís Graça ) - Parte III: a influência dos "calafonas"

(**) Último poste da série > 10 de dezembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22796: (In)citações (194): Divulgação do Prémio Literário Antigos Combatentes - Ministério da Defesa Nacional (Mário Beja Santos)

(***) Vd. poste de 29 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7525: Notas de leitura (181): Tempestade em Bissau, Ano 1970, de Mário Gonçalves Ferreira (Mário Beja Santos)

Vd. também poste de 10 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2092: Antologia (61): Tempestade em Bissau (Mário G. Ferreira)

Guiné 61/74 - P22991: Recortes de imprensa (120): A seca e os incêndios florestais fora de época... (Apontamento de Carlos Pinheiro no semanário O Almonda de Torres Novas)

1. Em mensagem do dia 11 de Fevereiro de 2022, o nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), enviou-nos um recorte do seu apontamento publicado no Semanário "O Almonda" de Torres Novas, onde colabora regularmente:

Com a devida vénia ao Semanário "O Almonda" de Torres Novas
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22584: Recortes de imprensa (119): Reacção de Mário Beja Santos ao artigo do "Diário de Notícias", de 29 de Setembro de 2021, "Comandos africanos nas Forças Armadas Portuguesas. Histórias de abandono e traição"

Guiné 61/74 - P22990: Os nossos seres, saberes e lazeres (491): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (37): Óbidos, diferentes povos, presenças régias, rico maneirismo, restauros e omissões (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Há riscos que se correm quando se visita um lugar histórico e não se tem a faculdade de olhar sem ver o que está por detrás das alterações arquitetónicas e urbanísticas. Há evidentemente vestígios da vila medieval em Óbidos, basta percorrer a Rua Direita, foi sempre a coluna vertebral da povoação. O que é mais evidente é período quinhentista e seiscentista, não é por acaso que se volta a visitar o Museu Municipal e a esplêndida Igreja Matriz, marcada por uma obra-prima do Renascimento e a pintura do pai de Josefa d'Óbidos e dela própria. Mas é tanta a riqueza, há tanto para olhar sabendo ver, que um dia destes voltaremos a este magnífico lugar onde a Rainha D. Leonor veio chorar a morte do seu único filho.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (37):
Óbidos, diferentes povos, presenças régias, rico maneirismo, restauros e omissões

Mário Beja Santos

É sempre um prazer voltar a Óbidos: a tal fortificação que parece assentar num castro celta, por aqui houve mouros e judeus e cristãos, depois da conquista pelos portugueses; mirar as suas torres, percorrer as suas muralhas, determo-nos na Porta da Vila, encimada pela inscrição “A Virgem Nossa Senhora foi concebida sem pecado original”, deambular por ruas tortuosas, visitar os seus templos, em particular a Igreja de Santa Maria, bisbilhotar vestígios do passado, portais góticos ou janelas manuelinas, andar de lupa em riste à procura de cruzes, azulejos, insculturas, a peregrinação é fértil. Desta feita, entra-se para a visita com um trabalho publicado sobre arquitetura e urbanismo referente aos séculos XVI e XVII, de autoria de Teresa Bettencourt da Câmara, dissertação de mestrado, edição de 1989, da autarquia e da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, e volta-se ao museu municipal à procura que o novo olhar propicie novas surpresas.
Castelo de Óbidos
Porta da Vila

Fala-se da vila medieval, seguramente que o foi, mas o que hoje se oferece ao visitante tem fundamentalmente a ver com edificações dos séculos XVI e XVII, os múltiplos restauros depois do terramoto de 1755 e das intervenções proporcionadas pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em 1952. Em jeito introdutório à sua tese de mestrado, Teresa Câmara refere a presença de grandes maciços calcários a dominar a paisagem, acrescentando que “Em épocas não muito recuadas toda a zona ribeirinha desde Óbidos até Leiria era constituída por terrenos recentemente conquistados ao mar, que originaram novos espaços de cultura e de floresta e até povoações como Peniche, Baleal e Alfeizeirão. Situada numa colina despida e seca, que contrasta fortemente com a zona plana que a rodeia, de grande riqueza florestal e solo fértil, a vila de Óbidos tem a protege-la ventos e pestes um dos grandes maciços estremenhos: a serra de Montejunto”. Fala-se muito da Rainha D. Leonor e menos da Rainha D. Catarina que, beneficiou largamente a vila de Óbidos, oferecendo-lhe o aqueduto, um enorme progresso.
Mas que não se pense que os tempos medievais não foram marcantes, obviamente que foram, dada a excecional posição defensiva de Óbidos, as suas muralhas foram refeitas por reis da primeira dinastia, como mais tarde D. Manuel, D. João III e D. João IV. Mas é irrecusável que o que o visitante tem à mostra é mais resultado das transformações urbanísticas operadas a partir do século XVI até às grandes operações de restauro datadas de 1952. Segue-se com prazer as descrições que a mestranda faz das alterações da Rua Direita, o pelourinho e o chafariz, a praça que envolve a igreja de Santa Maria, de que um pouco mais à frente iremos falar. E permita-me o leitor que nesta Rua Direita entre para de novo visitar riquezas artísticas que tanto aprecio, com eles as partilhando.

Aqueduto de Óbidos e da Usseira, é aqui que está a mãe d’água, três quilómetros que custaram 32 mil cruzados à Rainha D. Catarina de Áustria
Museu Municipal, fundando em 1970. Foi a casa onde viveu pintor Eduardo Malta, que a cumulou de azulejaria e obras de arte. A coleção de arte testemunha a ação das colegiadas religiosas e o enriquecimento cultural marcado por encomendas a alguns dos maiores nomes da Arte Portuguesa. Destaca-se a coleção de pintura dos séculos XVI e XVII, onde constam obras de André Reinoso e Josefa d’Óbidos.
Escultura de São João Baptista
Uma natureza morta assinada por Josefa d’Óbidos
Lamentação sobre o Cristo morto, por Josefa d’Óbidos
Um belíssimo retrato
A mulher de Eduardo Malta pintada pelo artista
Crucifixo indo-português
Interior da igreja de Santa Maria, foi transformada em Mesquita durante a ocupação dos mouros. O interior é revestido de azulejos atribuídos a Gabriel del Barco. Igreja profusamente decorada com quadros de pintores locais. Os quadros nas paredes atribuem-se ao pintor obidense Baltazar Gomes Figueira (pai de Josefa d’Óbidos). As oito pinturas sobre madeira, no altar-mor, são do pintor, também obidense, João da Costa.
No altar colateral sul, há 5 pinturas assinadas por Josefa d’Óbidos, veja-se este pormenor.
Pormenor do altar-mor, quadros de Baltazar Gomes Figueira
Túmulo de D. João de Noronha, alcaide de mor de Óbidos, obra executada em pedra de Ançã, este túmulo é considerado das primeiras e mais belas obras do Renascimento Português. A autoria do trabalho é polémica, há quem o atribuía a João de Ruão ou a Nicolau de Chanterenne
Pormenores do teto da igreja de Santa Maria de Óbidos

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22970: Os nossos seres, saberes e lazeres (490): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (29): Numa Lisboa de fronteira, soluções ousadas com gente saloia e corrida de touros (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22989: Notas de leitura (1418A): A teoria e a prática de Amílcar Cabral por Ronald H. Chilcote (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Março 2019:

Queridos amigos,
Não é a primeira vez que aqui se faz referência à investigação deste universitário norte-americano. Este seu trabalho está datado de 1991, contempla uma gama de entrevistas que ele efetuou em 1975 na Guiné-Bissau e recomenda-se vivamente, para quem pretenda estudar aprofundadamente este período da luta armada, os comentários que apresenta na sua bibliografia, extensíssima, ao tempo. Há factos apresentados que investigação posterior, é essa uma das grandes dívidas que temos ao trabalho de Julião Soares Sousa, demonstradamente mitificados: a fundação do PAI em 1956 (quando a sua primeira referência em público surge no início de 1960), a ligação direta entre o PAIGC e o massacre do Pidjiquiti, nunca se provou que os Manjacos sublevados tivessem recebido qualquer influência deste partido. É notório que ainda existe uma forte mitologia, a despeito do trabalho de investigação que põe a nu acontecimentos e situações que foram forjadas ao serviço da hagiografia. Acontece assim em muitos atos fundadores.

Um abraço do
Mário



A teoria e a prática de Amílcar Cabral por Ronald H. Chilcote (1)

Beja Santos

“Amílcar Cabral’s, Revolutionary Theory and Practice, A Critical Guide”, por Ronald H. Chilcote, Lynne Rienner Publishers, 1991, é, indiscutivelmente, um dos estudos mais detalhados e bem organizados sobre o pensamento de Amílcar Cabral feito por um investigador estrangeiro. É um documento de referência, Ronald Chilcote é um académico norte-americano detentor de uma apreciável obra de investigação, desde cedo que se interessou pelo império colonial português, já aqui se fez referência a uma outra obra também de consulta obrigatória, a documentação que ele e a sua equipa organizaram sobre as posições assumidas perante a descolonização portuguesa, é um histórico muito bem elaborado para qualquer consultor à escala internacional.

Chilcote trata sempre Amílcar Cabral como um dos mais importantes pensadores do terceiro mundo, resume o seu percurso curricular (Cabral e o contexto histórico), socorre-se das impressões de outros biógrafos como Patrick Chabal, Gérard Chaliand, Basil Davidson, Mário de Andrade ou Joshua Forrest, o mundo universitário de Lisboa, os seus trabalhos como agrónomo e podólogo, a formação da teoria revolucionária, o diplomata, o seu legado; dedica um capítulo à teoria do colonialismo e imperialismo, disseca as considerações de Cabral sobre a situação colonial da Guiné Portuguesa, o estado de desenvolvimento das forças produtivas; a teoria do nacionalismo revolucionário e da libertação nacional, segundo Chilcote, é original em Cabral, este era conhecedor das teses marxistas-leninistas, estava plenamente informado das diferentes correntes do nacionalismo revolucionário emergentes dos anos 1950 para os anos 1960, o seu pensamento levou-o a desenvolver a cultura popular como acompanhante obrigatório da luta de libertação nacional, é nessa observação que ele vai intuir uma teoria de libertação nacional com dados inovadores, num território sem proletariado, a chamada luta de classes forjada pelas correntes marxistas, pertenceria a vanguarda da libertação a uma pequena burguesia que em determinada fase do processo revolucionário teria que decidir um suicídio de classe, optando pela doutrina revolucionária, ou resignando-se a ser um apêndice do neocolonialismo; daí outra vertente do seu pensamento, o que ele considerava ser uma teoria de classe e luta de classes.

Partindo do conceito consagrado de que classe e luta de classes eram em si o resultado do desenvolvimento das forças produtivas em conjugação com o sistema de propriedade dos meios de produção, Cabral questionou se a imensíssima massa humana dependente da agricultura estaria habilitada a tomar como eixo mobilizador a luta de classes quando, como no caso específico da Guiné, o colonizador não possuía terra, nem indústria, era um instrumento dentro de uma colónia-feitoria, assim havia que repensar a conceção de classe e luta de classes, e de novo o líder do PAIGC enfatizava o caráter marginal dessa pequena burguesia e da sua decisão histórica de se mobilizar, ou não, para as transformações revolucionárias; também nesse contexto, Cabral tomava como objeto de estudo as divisões e contradições existentes na sociedade guineense, os grupos étnicos, a essência religiosa, as chefaturas, as alianças ou hostilidades ao poder colonial, as formas primitivas das forças produtivas, a apropriação dos meios de produção e a ausência da luta de classes, daí passando para a importância da agricultura comunitária em oposição aos processos agrários feudais, considerando, no topo de todas estas reflexões a instituição de um modelo socialista que teria como sigla libertadora do jugo colonial “a unidade e a luta”, uma unidade étnica, conjugando os povos guineense e cabo-verdiano; neste processo de análise, Chilcote procede a uma curta síntese, convocando um conjunto de autores que estudaram a realidade socioeconómica da Guiné sobre as alianças que Cabral pôde instituir e o processo ideológico em que organizou a vanguarda revolucionária.

Assim se chega à explanação de como Cabral forjou uma teoria de Estado e desenvolvimento, Chilcote destaca que Cabral não deixou uma teoria consumada, ia-se formando por etapas, nas áreas libertadas foram erguidas escolas, infraestruturas de saúde, armazéns do povo, tudo numa lógica de desenvolvimento autocentrado, montou-se um sistema de justiça popular e esquemas de participação na vida comunitária, logo através da figura dos comités de tabanca. Para solidificar a emergência do Estado, dotou-o de estruturas políticas, caso do Conselho Superior de Luta, em determinada fase considerou que estavam criadas as condições para abalar a presença portuguesa através de uma consulta popular para chegar à independência e aprovação de uma constituição. Observa Chilcote que Cabral dava grande importância à tríade dirigente, à organização militar com as FARP à frente mas custodiadas por comissários políticos. Cabral considerava que o órgão supremo do povo seria a Assembleia Nacional Popular, esta seria a trave-mestra do novo Estado.

Chilcote analisa seguidamente a transição da luta de libertação para a construção do Estado e os problemas postos quanto ao modelo de desenvolvimento, optar pela agricultura, pela descentralização política ou, pelo contrário, enveredar pelo desenvolvimento industrial, concentrar o poder em Bissau, confiar em pleno nos projetos dos doadores. Sabe-se qual o modelo de desenvolvimento centralizador seguido pelos dirigentes do PAIGC e o seu falhanço, as tensões entre guineenses e cabo-verdianos que tiveram o seu desfecho no golpe de 14 de novembro de 1980.

Em jeito de conclusão, o investigador norte-americano resume os tópicos para futuras discussões sobre o pensamento e obra de Cabral, tópicos esses que ele considera os cinco principais em análise: o líder do PAIGC entendia que a luta pela independência da Guiné-Bissau ajudaria a suprimir a História interrompida do país, essa luta contra o colonialismo era o dínamo da História contemporânea, a matriz da identidade do Estado emergente; Cabral tinha uma visão singular de um socialismo, a sua teoria de nacionalismo revolucionário e libertação nacional fazia o entrosamento entre a cultura e a condição económica, acreditava que todo aquele sacrifício e dedicação pela causa da independência induziriam uma nova consciência em todas as linhas do progresso; a teoria da luta de classes das correntes do marxismo ortodoxo não eram por ele consideradas aceitáveis, ele identificou várias classes sociais, refletiu sobre as divisões e contradições existentes na sociedade guineense e nunca se iludiu com a noção de proletariado, reservou o papel de vanguarda para uma pequena burguesia sobre a qual teceu uma terrível consideração: ou se “suicidaria” ou aderiria ao nacionalismo revolucionário, deixou em muitos escritos uma organização de participação e confiava plenamente que o Estado independente iria absorver ou assimilar as novas estruturas das zonas libertadas.

Ronald Chilcote considera que tudo quanto se vier a estudar sobre o pensamento e a ação de Cabral não pode pôr de parte dois factos históricos: ele foi, acima de toda a luta pela libertação na Guiné, o pensador que dotou o novo país de um quadro organizativo e acreditava plenamente que mesmo com a modéstia de recursos a Guiné pudesse caminhar, também com a ajuda internacional, para novas sendas do progresso, com grandes transformações da economia agrícola; Cabral manejou, graças a uma análise independente do marxismo por uma fórmula nova que pretendia imprimir à situação revolucionária que ele sonhava para a Guiné-Bissau, a despeito de certas cedências ao marxismo ortodoxo.

O estudo de Chilcote inclui um importante apêndice e uma bibliografia anotada que merecem ser verificados, o que se fará seguidamente.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22977: Notas de leitura (1418): "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada (2021), por Arsénio Chaves Puim, um caso de grande sensibilidade sociocultural e de amor às suas raízes (Luís Graça ) - Parte III: a influência dos "calafonas"

Guiné 61/74 - P22988: O segredo de... (36): Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74): louvado pelo comando do BART 3873, por, no decorrer da Acção Guarida 18, em 3/2/1973, em Ponta Varela, "ter a peito descoberto enfrentado o IN, abatendo um guerrilheiro"


Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); nosso coeditor, ea viver, até há alguns dias atrás em Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos. Volta a Portugal por um período mínimo de seis meses.


Louvor


CTIG > Bambadinca > BART 3873 > 24 de outubro de 1973 > Ordem de serviço nº 251 > 


"Louvo o Fur Mil 13839871 Jorge Alves de Araújo, da CART 3494, por durante o desenrolar da Acção Guarida 18, realizada em 3 de fevereiro de 1973, no contacto havido com o IN, ter a peito descoberto enfrentado o IN, abatendo um guerrilheiro.

Pela sua decisão revelou dotes de coragem, pelo que é digno de público louvor."



1. Comentário do editor LG: 

O nosso querido amigo, camarada e coeditor  Jorge Araújo nunca fez gala, que eu saiba, deste louvor... que no tempo do gen Arnaldo Schulz daria, por certo, lugar à atribuição  de uma cruz de guerra... (Vd. poste P13844) (*)

Refere ele, mais abaixo, que "só após o falecimento da minha mãe, em 27Dez2015, é que tomei conhecimento da Ordem de Serviço n.º 251, do meu Batalhão, de 24 de outubro de 1973. Este documento foi encontrado no vasto espólio que me deixou (estou a falar de papel), e  ao qual designei, na altura, como o 'Baú de Minha Mãe' "... 

Ele não faz questão, mas eu faço, de partilhar este "segredo" na série que criámos há uns largos anos, em 30 de novembro de 2008,  "O segredo de...".  (**) 

(Tem ainda poucos postes, umas escassas três dezenas e meia, mas começou muito bem com um espantosa revelação do Mário Dias,  vd. poste P3543: O segredo de ... (1): Mário Dias: Xitole, 1965, o encontro de dois amigos inimigos que não constou do relatório de operações.)



CTIG > Bambadinca > BART 3873 > 24 de outubro de 1973 > Ordem de serviço nº 251 > 


Louvor atribuído o Cap Mil Inf José António de Campos Simão, da CCAÇ 12: "... por sendo comandante daquela CCaç, demonstrou capacidafr de comando, iniciativa e espírito de sacrifício, depois que a sua Companhia foi transferida para o Xime, passando de uma situação de intervenção para outra em que ficou responsável or uma zona de acção, que é a mais difícil do sector do Batalhão.

"Depis de um período bastante longo de adaptação à nova situação, a Companhia está agora a percorrer áreas de refúgio do IN, de muito difícil acesso. Pela competência demosntrada no comando da sua Companhia, é o Capitão Simão merecedor de ser galardoado com público louvor".




CTIG > Bambadinca > BART 3873 > 24 de outubro de 1973 > Ordem de serviço nº 251



2. Comentário de Jorge Araujo ao poste P22963 (***) 


Pois é, camarada António Duarte: há factos da nossa vida (de todos nós) que o tempo não consegue apagar... e então os da guerra... jamais!

Antes de mais, quero dizer-te, assim como ao colectivo da Tabanca, que deixei de dirigir a Tabanca dos Emirados desde a passada 6.ª feira, para recuperar o cargo na Tabanca do Pragal (Almada). Foram seis meses lá, e agora seis meses cá.

Quanto ao tema de hoje, que recuperas com grande oportunidade, sempre te digo que para mim não é uma efeméride, nem duas, mas sim três. Ou seja, foram as "cenas" da Acção Guarida 18, depois a viagem para Bafatá e, depois, o início do 2.º período de férias na metrópole. Foram muitas emoções em pouco tempo.

Ainda ontem, dia 2Fev2022, em contacto telefónico com o meu/nosso camarada Carneiro (ex-Alf Mil de Operações Especiais da minha CART 3494) recordámos o episódio ocorrido em 3Fev1973, na região da Ponta Varela. Ele já não participou nas últimas actividades efectuadas pela 3494, no Xime, devido ao facto de ter sido nomeado para as "africanas", tal como aconteceu com o camarada Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil de Operações Especiais da CART 3492).

Sobre o facto de ter estado no "frente-a-frente" (ao virar da esquina), o resultado do "encontro" deu lugar a um louvor atribuído pelo nosso Cmdt do BART 3873, TCor Tiago Martins (1919-1992), publicado em 24 de Outubro do mesmo ano, isto é, quase nove meses depois da ocorrência.

Como curiosidade, só após o falecimento da minha mãe, em 27Dez2015, é que tomei conhecimento da Ordem de Serviço n.º 251, do meu Batalhão, com a data indicada anteriormente. Este documento foi encontrado no vasto espólio que me deixou (estou a falar de papel) ao qual designei, na altura, como o «Baú de Minha Mãe».

Para completar este quadro de memórias, com quarenta e nove anos, vou enviar ao camarada Luís Graça, por correio interno, o documento supra, onde consta, também, um louvor atribuído ao Cap Mil Inf José António de Campos Simão, da CCAÇ 12, que agora recordaste.

Para ti e para o colectivo da Tabanca, envio um forte abraço de amizade.

Saúde.
Jorge Araújo
3 de fevereiro de 2022 às 22:45 


3. Mensagem do Jorge Araújo:

Data - quinta, 3/02/2022, 23:27 
Assunto - Efeméride com 49 anos -  03Fev7193/ 03Fev2022

Caro Luís,

Então como está a tua recuperação? Espero que estejas a registar boas melhoras..

Como referi no comentário ao poste do António Duarte, hoje editado, já regressei à "metrópole",  depois de uma comissão de seis meses lá para as bandas do Médio Oriente... Agora vão ser seis meses cá, até meados de Julho, para "nova corrida; nova viagem", como se diz nos equipamentos de diversão existentes nas feiras.

Vim alguns dias antes de caducar a minha estadia, pois precisava de tomar a 3.ª dose da vacina do Covid, uma vez que lá o não podia fazer. Além disso, havia também a necessidade de resolver alguns assuntos que a distância não o permite.

Tinha a intenção de te dar esta notícia em simultâneo com o envio de mais um texto de "memórias cruzadas"... mas o comentário, por não permitir juntar os documentos que prometi dar conta, fez com que a notícia do meu regresso tivesse de ser sem o texto terminado.

Assim, e para o que entenderes por bem fazer, anexo parte da Ordem de Serviço do BART 3873, relacionada com as ocorrências de que dou conta.

Até breve... fica bem.
Um abraço.
Jorge Araújo.
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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22987: Fauna e flora (19): O grou-coroado ou "ganga" (em crioulo), uma ave que "matou a malvada" a alguns de nós, em tempo da guerra... Está agora ameaçada de extinção.

 

Guiné > Região de Bafatá > Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 > O abastecimento das NT era deficiente, pelo que se recorria aos "produtos naturais" da região, neste caso, à caça de aves como a "ganga" (em crioula) ou "grou-coroado" (em portugês) (*).



Guiné > Região de Bafatá > Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 >  A "ganga" é uma ave que, quando adulta, atinge um metro de comprimento e tem 1,60 metros de envergadura... Infelizmente, é um alvo fácil para os seus predadores (, incluindo os caçadores humanos)... 

Estima-se que a subpopulação da África ocidental ( B. p. pavonina ) tenha diminuído de 15.000-20.000 indivíduos em 1985 para 15.000 indivíduos em 2004... Para saber mais, ver o portal da   IUCN Red List of Threatened Species > Black Crowned Crane.. 



Guiné > Região de Bafatá > Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 > O destacamento não tinha população civil e era defendido por um pelotão da CART 1690. Distava 45 km de Geba. O ataque a Banjara, a 24 de julho de 1968, às 18h00, já aqui foi descrito há 17 anos atrás por A. Marques Lopes.

As instalações que se veem na foto pertenciam à antiga serração do empresário Fausto Teixeira ou Fausto da Silva Teixeira, um dos primeiros militantes comunistas a ser deportado para a Guiné, em 1925, dono de modernas serrações mecânicas aqui, em Fá Mandinga e em Bafatá, a partir de 1928, exportador de madeiras tropicais, colono próspero e figura respeitável na colónia em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960...

Este destacamento tinha apenas uma coluna de reabastecimento por mês, no máximo, mas chegava a estar mais de 2 meses sem alimentos frescos e sem correio. Não havia população civil, apenas militares. A çaça era um recurso...

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 19. Ilustração de  EA - Ézio Almir) (Com a devida vénia...)


Ganga (crioulo)
Balearica pavonina (Lineu, 1758)
Grou-coroado (português) | N’ghanghu (balanta) | Eghatai (fula)
Comprimento  100 cm | Envergadura 190 cm

Ao contrário das aves apresentadas neste guia, a ganga é rara e localizada. Ocorre nos vales dos principais rios do país, de forma isolada ou em pequenos bandos, frequentando zonas de água doce pouco profunda, incluindo bolanhas. Devido à sua beleza e comportamento é frequentemente capturada e mantida em cativeiro. Está ameaçada de extinção. (**)


Prefácio

Alfredo Simão da Silva
Director-Geral do IBAP

A Guiné-Bissau está entre os dois sítios mais importantes para as aves aquáticas na África Ocidental, recebendo anualmente cerca de um milhão de aves migradoras provenientes da Europa. 

As aves aquáticas migradoras encontram nas zonas intertidais da Guiné-Bissau um ecossistema produtivo e rico em alimento. O Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu, com os seus extensos mangais, é exemplo de um destes ecossistemas, razão pela qual foi reconhecido como sítio Ramsar (zona húmida de importância internacional) e como IBA (área importante para as aves). 

A simbiose e interdependência entre as aves e os recursos marinhos estão patentes no Rio Cacheu, sendo as aves um dos indicadores ecológicos mais importantes que certificam a saúde do ecossistema do mangal neste parque.

A paixão crescente e visível pelas aves na Guiné-Bissau iniciou-se nos anos 1980 com a formação dos primeiros quadros nacionais nesse domínio, apoiada por programas e/ou projectos de conservação da natureza e da biodiversidade. Neste âmbito, a contagem mundial das aves aquáticas começou a ser realizada sistematicamente no país e é acompanhada da constituição paulatina de um banco de dados nacional sobre as aves e o reforço de capacidades. 

Entretanto, fruto deste trabalho, foram sendo publicados a nível nacional, regional e internacional, documentos científicos importantes sobre as aves da Guiné-Bissau. A elaboração do presente guia das aves comuns da Guiné-Bissau, enquadra-se exactamente no espírito da estratégia nacional para as áreas protegidas e a conservação da biodiversidade (2014-2020), designadamente, o pilar estratégico monitorização das áreas protegidas, conhecimento e valoração da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas, e divulgação e sensibilização.

Este livro, dirigido sobretudo às acções de educação ambiental e à formação de jovens quadros no domínio da avifauna, é também um excelente manual de comunicação e de campo útil para outros actores. Este guia vai permitir aos amantes da natureza conhecerem melhor uma boa parte das aves que ocorrem nas áreas protegidas da Guiné-Bissau contribuindo para o reforço do conhecimento das espécies de aves no país.

Efectivamente, este pequeno guia é produto também da recolha e da sistematização de informação realizada desde há alguns anos a esta parte em diversas áreas protegidas. Por outro lado, é também um subsídio concreto para que a Guiné-Bissau possa dispor no futuro de uma publicação científica e mais completa sobre a avifauna. Esta ambição faz parte dos grandes desafios a médio prazo do Departamento de Monitoria e Conservação da Biodiversidade do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP).
 
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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 9 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22983: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé): Parte IV: A morte da ave-real mensageira, que já não canta, no triângulo de vida de Canhánima, Kru-ghaak! Kru-ghaak! Banenguél wilti! (... "A árvore da vida floriu!")

Guiné 61/74 - P22986: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXVII: Castro Laboreiro, Parque Nacional da Peneda-Gerês







Portugal > Parque Nacional da Peneda - Gerês > Castro Laboreiro, s/d. Texyo e fotos envaidos em 20/9/2021

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2021) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo", da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74. (*)




António Graça de Abreu


Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem já três centenas de referências no blogue.



Castro Laboreiro, Portugal



Maravilhas à solta na extrema da “ditosa Pátria”, onde o Minho acaba e a Galiza se desdobra.

Castro Laboreiro, os montes suspensos no céu, enraizados na terra, as ruínas do velhíssimo castelo. A magia castreja, espigueiros e moinhos, fornos comunitários e pontes medievais sobre ribeiros eternos saltitando sobre a penedia. Carvalhos e castanheiros, as cabras e as gentes, as vacas e a transumância, as pedras e o rolar do tempo. Para encantar o palato, iguarias de espantar, cabrito serrano, bacalhau com broa, vitelinha assada. Insinuante, na berma da estrada, um cachorrinho castro-laborense, os olhos irradiando ternura, saúda o viajante.

Um passeio largo em volta da aldeia. Ar puro e intensos perfumes enovelando-se nos caminhos. Depois das viagens por tanto mundo, a graça serena de fruir o meu país. A meu lado, a minha amiga rescende entre lírios selvagens, urze e glicínias brancas. A fantasmagoria de existir, circunspecto e exaltante.

Envelheço, o coração cansado ao lado da menina, senhora minha companheira, ilustração excelente de sete sinuosos lustros de vida. Um beijo, na montanha verde, inóspita e afectuosa, um abraço com as cores da terra e do céu. Rejuvenesço ainda, cada dia que passa.

António Graça de Abreu

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