Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Xime > Madina Colhido > CART 2520 (1969/70) e CCAÇ 12 (1969/71) > Op Boga Destemida > 9 de fevereiro de 1970 > A helievacuação de feridos em Madina Colhido, no regresso ao Xime ...
É uma imagem que se repetia ao longo dos meses, sempre ou quase sempre que havia operações à península da Ponta do Inglês, nomeadamente na época seca. Como acontecerá em 26/11/1970 (*), já no tempo da CART 2715 / BART 2917, a subunidade de quadrícula do Xime que foi render, em maio de 1970, a CART 2520. Era comandada pelo cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos, então com 26 anos (acabados de fazer em 22 de novembro)...
Na Op Abencerragem Candente, que envolveu 3 destacamentos (CART 2714, CART 2715 e CCÇ 12), num total de 8 grupos de combate (c. 250 homens), a CART 2715 e a CCAÇ 12 apanharam uma das mais sangrentas emboscadas na história do subsetor do Xime (e até do setor L1), com 6 mortos e 9 feridos graves. Os mortos foram penosamente transportados até ao Xime, em macas improvisadas, os feridos foram encaminhados para Madina Colhido e dali helievacuados para o HM 241, em Bissau... Não temos fotos desse dia de inferno...
Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Minuto a minuto.
Ambos sofremos isso.
[Você] sabe tudo [o] que fiz para evitar a tal op[eração]…
Sem a CCAÇ 12 talvez tivesse “acampado” [sic]
em Gundagué Beafada.
Não existia estrada [Xime-Ponta do Inglês]….
Era tudo mata densa…
Qual dispositivo [?!].
Aceito que o estado maior do CACO [sic, gen Spínola]
tenha feito relatório
[, incriminando-me,]
porque não denunciei [a] discussão c[om] Anjos [sic, major Anjos de Carvalho]
[, 2º cmdt do BART 2917].
Aliás [a] História[da] Unidade diz
embos[cada] [na] estrada.
[O] relatório [da] op[eração]
[foi] feito [por] Anjos e cap[itão] Brito [sic, Carlos Brito]
[, cmdt da CCAÇ 12].
Evacuado [, em 1 janeiro de 1971], fui bode expiatório.
Essa op[eração] alterou para sempre
[o] meu (des)equilíbrio [sic] psico[lógico].
Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, DFA, ex-cmdt CART 2715 (Xime, 1970/72). Excerto de mensagem, enviada por telemóvel ao editor do blogue, em 2 de março de 2012, às 10h15, dois anos antes de morrer, em Coimbra, aos 69 anos. Membro da Tabanca Grande, nº 781, a título póstumo.
1. Comentários dos leitores e do editor do blogue:
(i) José Nascimento [ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71)
José Nascimento
26 de novembro de 2016 às 01:33
[Foto acima: Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca> Xime > Enxalé > CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) > O José Nascimento na margem direita do Geba]..
Foto (e legenda): © José Nascimento (2017). Todos os direitos resevados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
(ii) António Duarte [ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974); economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola]
Impressionante a dor que se percebe no texto da mensagem enviada [, pelo ex-cap da CART 2715]. Aquela referência de que teria "acampado" antes do objetivo, se não estivesse presente outra unidade, menciona uma prática corrente, (pelo menos no meu tempo, dez 71 a jan 74).
Curiosamente não me recordo do assunto tratado no nosso blogue. (**)
Já agora recordo uma emboscada que a CCAÇ 12 teve perto de Madina Colhido, em 1973, onde apanhámos, com surpresa, para as duas partes, um grupo do PAIGC, que supostamente iria atacar o Xime. Parámos praticamente, logo que o último homem da coluna deixou de avistar o quartel. Iam dois pelotões. A operação era para ser feita através de "rádio".
Explicando melhor, à medida que o tempo ia passando informava-se o aquartelamento da nossa falsa posição, "percorrendo-se" todo o itinerário. Riscos deste procedimento, era os obuses fazerem fogo para locais onde estava a nossa tropa. Suponho que até ao nível de capitão todos percebíamos o tema, pelo que nada de grave aconteceu... que seja do meu conhecimento.
Abraços a todos e renovando a memória dos camaradas que tombaram nesse malfadado dia.
António Duarte
Cart 3493 e CCAÇ 12
26 de novembro de 2016 às 19:05
(iii) Tabanca Grande [editor LG]
CCAÇ 12, 2º Gr Comb, c. 1969/70. Foto de Humberto Reis (2006) |
António Duarte. essa famosa discussão com o 2º cmdt do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), dizem, terá terminado com o célebre ultimato: "O nosso capitão vai e torna a ir [, à Ponta do Inglês,] nem que seja a reboque de uma GMC!"...
Só me lembro de ver o Amaro dos Santos, completamente transtornado a entrar na messe de sargentos, com a malta pronta a sentar-se, e ele lançar um salto de felino sobre as garrafas de vinho que estavam
Há imagens que não se apagam... Está a ver o efeito devastador que cenas como esta tinham sobre o moral do pessoal... E, sem o sabermos, tinha acando de decorrer, em 22 de novembro de 1970, a Op Mar Verde... Estávamos todos em "alerta máxima" sme saber a razão... E o subsetor do Xime era "pressuposto" estar desfalcado, em termos de efetivos do PAIGC...
27 de novembro de 2016 às 09:12
(iv) Tabanca Grande [editor LG]
António, a tua o observação é pertinente: a técnica de "acampar" (recusando-se a ir ao objetivo ou não cumprir a missão) era usada com maior ou menor frequência pelas NT, e nomeadamente pelas subunidades de quadrícula...
A nível da CCAÇ 12 era mais difícil, porque éramos pau para toda a obra, "pau para a colher" do comando de batalhão do setor L1... Quando se fazia operações com PCV e vários destacamentos (caso desta, Op Abencerragem Candente: 3 destacamentos, 8 grupos de combate, 250 homens...) era mais dífícil fazer batota e acampar... Além disso, o nosso capitão, 38 anos, em vésepra de ser promovido major, também alinhou, o que estragou os planos do Amaro dos Santos de "acampar" em Gundagué Beafad... Além,d a avaria do rádio, que nos obrgiou a seguir juntos, os dois destacamentos, B e C... O A era o de Mansambo...
No fundo, era um técnica para gerir o mosso próprio esforço de guerra e fazer o "curto circuito das besteiras" do major de opeerações... Uma das técnicas que se usabva era o silêncio rádio, para evitar que o PCV nos localizasse... Arranjava-se a desculpa da falha nas transmissões...
27 de novembro de 2016 às 09:32
(v) Tabanca Grande [editor LG]
António:
Em boa verdade, desenvolveram-se, no TO da Guiné, diferentes formas de "pôr um pauzinho na engrenagem”... Não direi que se tratava de “contestação” política da guerra, insubordinações ou revoltas de caserna ou coisas do género…. mas sim de simples “contestação” da autoridade dentro do quartel…
Ao longo da guerra (1961/74), em diferentes unidades e lugares, todos teremos exercido (em maior ou menor grau, com maior ou menor regularidade, com maior ou menor “acordo tácito” dos nossos capitães…), o mais elementar direito à resistência passiva face a comportamentos de prepotência do comando (em geral do setor ou batalhão) ou a processos reiterados de uso e abuso do nosso "coirão": excesso (e elevado grau de risco) de operações, de saídas para o mato, de emboscadas, patrulhamentos, colunas, etc.
Além da técnica de "acampar" na orla da mata (referida pelo cap art QP Amaro dos Santos) ou a uns escassos quilómetros do quartel, fora das vistas do “comando”, havia ainda outras, mais ou menos encapotadas, umas mais fáceis, outras mais arriscadas, não pondo todavia em risco a segurança imediata de ninguém…
Algumas que me vêm à cabeça: “falsificar” os relatórios de ação, sobrevalorizar o número de baixas causadas ao IN, sabotar os planos de operações, evitar o contacto com o IN, “inventar” avarias nos rádios ou dificuldades de ligação com o PCV (posto de comando volante), fazer silêncio-rádio, reportar “enganos” do guia (ou até fuga do guia-prisioneiro) nos trilhos levando ao não cumprimento das missões, simular problemas de saúde do pessoal (obrigando a um regresso antecipado ao quartel), etc.
Claro que era mais fácil "fazer batota" a nível de um simples pelotão ou grupo de combate ou até de um companhia, desde que o capitão e os alferes alinhassem… Era mais difícil "fazer batota" quando as operações eram a nível de batalhão, e havia PCV (com o major de operações ou 2º comandante a dar ordens lá de cima, da DO-27)...
Toda a gente sabe o "ódio" que tínhamos ao PCV por denunciar no mato a nossa posição...
27 de novembro de 2016 às 17:46
(vi) Tabanca Grande [editor LG]
Já aqui se escrevu, por diversas vezes, que a malta começava a "cortar-se", a partir dos 18 meses de comissão, para evitar sofrer mais baixas... Precisamos de recuperar esses escritos... A ideia que se tem vindo a transmitir seria a seguinte: (i) nos primeiros seis meses, "os piras" são cautelosos, respeitam as normas de segurança, estão-se a "aclimatar", a "ambientar" a conhecer as manhas do IN e do comando do setor (ou batalhão); (ii) nos dozes meses seguintes faz-se a guerra pura e dura; e (iii) os últimos 3 a 4 meses, com o fim da comuissão á vista, a começa-se a fazer a "gestão do coirão"...
Verdade ?
27 de novembro de 2016 às 17:58
(vii) António José Pereira da Costa [ cor art ref, ex- alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; autor da série A minha guerrra a petróleo"]
Olá, Camaradas
Nunca aprovei e não pratiquei a técnica do campismo (***). Era arriscada para ambos lados. Por um lado informávamos falsamente o comando, dizendo que fazíamos uma guerra que não fazíamos; por outro deixávamos de criar no inimigo o respeito em que tinha da nos ter para não vir à porta-de-armas perguntar: "corpo di bó?
Quando fui colocado no Xime, em 22JUN72, informei lealmente o comando de que se me mandasse a qualquer lado e eu aceitasse a missão escusava de ir verificar porque era verdade. Porém, se eu dissesse que não ia era escusado empurrar. Dei-me bem com o sistema, embora sentisse que da parte do comando houvesse sempre essa dúvida. Numa das tais operações com PCV cheguei a ser mal guiado e isso custou um embrulhanço sem consequências, mas sem vantagens.
De outra vez fui sobrevoado por um DO-27 mas não fui visto embora fosse a atravessa (mal) uma superfície lateritizada (ferruginosa e sem mato). Ou íamos bem camuflados ou o observador era coxo dos olhos. Inclino-me para a segunda hipótese, dado o sucedido na operação com PCV.
No caso da operação à Ponta do Inglês diria que não vejo a vantagem, a menos que houvesse elementos de informação importantes a explorar... Nunca lá fui, mas sei que se tratou de um destacamento ao nível grupo que se tornou insustentável, o que já diz qualquer coisa.
No fundo poderemos concluir que a lealdade e a inteligência deveriam andar juntas naquela "Guerra a Petróleo". Tapar o Sol com a peneira dá mau resultado. (****)
Um Ab.
António J. P. Costa
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Notas do editor:
(*) 26 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...
(**) Vd. poste de 5 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16800: Inquérito 'on line' (93): "Batota no mato" ... ou no blogue ?... Esperávamos 100 respostas, obtivemos apenas 45... Resultados: as três formas mais frequentes de batota: (i) emboscar-se perto do quartel (37%); (ii) começar a “cortar-se", com o fim da comissão à vista (37%); e (iii) “acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo (24%)... Só não fazíamos batota era com o Natal no mato...
Nunca vi um oficial superior, de G3 na mão, oito carregadores, e dois cantis de água, a meu lado, em operações a nível de batalhão (!)... Falo de oficiais de posto superior a capitão, majores ou tenentes coronéis !...
Onde estavam os nossos comandantes, os nossos líderes ? Não passavam de burocratas, chefes de secretaria, alguns deles!... E no máximo, andavam lá em cima, de DO-27, no chamado PCV, a quem tínhamos, nós, os infantes, um ódio de morte!
Acredito que, pelo menos no TO da Guiné, eles já eram demasiados velhos para alinhar no mato connosco!... Tinham idade para ser nossos pais!...
Só conheci um, que foi comigo, connosco (CCAÇ 12), explorar as "imediações" do famiegrado inferno do Xime, no início de 1971, quando já estávamos em fim de comissão: chamava-se Polidoro Monteiro, era tenente coronel de infantaria, oficial da confiança de Spínola, e honrou-nos a todos, honrou as melhores tradições do exército português!..
Já morreu há muito: que descanse em paz! (...)
(***) Vd. poste de 2 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16793: Inquérito 'on line' (92): A "batota no mato": Nunca aprovei e não pratiquei a técnica do campismo"... (António J. Pereira da Costa, cor art ref)
(****) Último poste da série > 16 deoutubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19106: (Ex)citações (345): a Pátria, a classe social, a cunha, o mérito, os "infantes"... e que Santa Bárbara nos proteja!... (C. Martins / Luís Graça)