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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13826: Consultório militar, do José Martins (7): Sobre a morte do alf mil Nuno da Costa Tavares Machado, em Guileje, em 28/12/1967: Parte I - Dúvidas que, escritas na areia, desaparecem, mas acompanham sempre os entes queridos (Aníbal Teixeira, cunhado, Avanca, Estarreja)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje >  A placa com o nome do alf Nuno da Costa Tavares Machado que estava na parada do aquartelamento (*)... Ou melhor: afixada na parede da messe de sargentos (**), e que foi descoberta por ocasião dos trabalhos de escavação de arqueologia militar que deram origem ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje.  Não temos nenhuma foto, individual ou em grupo,  do nosso malogrado camarada.

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2013) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



Guiné  > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Caserna das praças a que foi atribuído o nome dos sold António de Sousa Oliveira (o "Francesinho") e o António Lopes (o "Sargento"), mortos em 28/12/1967 na sequência da Op Relance, juntamente com o alf mil Tavares Machado, todos eles pertencentes ao grupo "Os Lordes" [... designação dum Grupo de Combate formado por voluntários da companhia que recebera instrução especial em Bissau com o fim de constituir o primeiro escalão de progressão e assalto, dado que a CART 1613 foi, inicialmente, companhia de intervenção à ordem do Comando Chefe e actuou em vários pontos do território, segundo explicação dada pelo nosso saudoso cap José Neto (1927-2007)].





Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 1613 (1967/68) > Ao centro, o Francesinho, alcunha do sold at António de Sousa Oliveira, transbordando de energia e de alegria, uns meses antes de morrer, no "corredor da morte", em 28/12/1967. Era natural de Celorico de Basto (, tal como o seu infortunado camarada, o António Lopes) e emigrante em França. É a única foto que temos dele.





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Alguns dos quadros da companhia, vestidos com trajes fulas... Dois militares parodiam a PM- Polícia Militar... O Cap Corvalho pode ser o terceiro a contar da esquerda, pelo menos é alguém que ostenta as divisas de capitão. "Aqui de certeza é o Corvacho, um bom amigo", garante-me o Nuno Rubim ...

Não, não se trata de nenhuma "festa de Carnaval", mas da tão desejada "receção dos piras"... Neste caso, a foto deve datar de maio de 1968, quando a CART 1613 (cuja comissão em Guileje vai de junho de 1967 a maio de 1968) é rendida pela CCAÇ 2316 (mai 1968/jun 1969)...Nessa altura, o alf mil Machado Tavares já tinha morrido, pelo que nunca poderia fazer parte deste "grupo de praxistas", ou no mínimo, encarregue de "dar as boas vindas" à periquitagem...
Fotos: © José Neto  (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem de 20 do corrente, do nosso leitor Aníbal Teixeira, 

Assunto: Guiné- Alferes Tavares Machado
Data: 2014-10-20 03:01


Caro Sr. Luis Graça,  bom dia.

Sou cunhado do Alferes Nuno Tavares Machado, falecido em combate na Guiné em 28/12/1967 (***).

Ao ler o vosso site e ao comunicar à minha esposa, única irmã do Nuno, os sentidos de novo despertaram para a situação vivida há 47 anos...

Muitas interrogações e curiosidades reacenderam...

(i)  Como morreu o Nuno ?? Sofreu ?? 

(ii)  Foi condecorado a titulo póstumo porquê ?? 

(iii)  Porque fizeram a placa com o nome dele e a colocaram na parada da messe de sargentos ?? 

(iv)  Se diversos tombaram, porquê o Nuno ?? 

(v)  Porque aparece agora ?? 

(vi)  Há alguém vivo que me possa descrever ?? 

(vii)  Um dia, como alferes, no Quartel General do Porto, interroguei o Comandante da Região Corvacho. Lamentou, mas não me comentou o sucedido. Porquê ?? 

Sempre fiquei com duvidas...

São dúvidas que,  escritas em areia,  desaparecem, mas acompanham sempre os familiares..!....

Se algo possível pretenderem sobre o Nuno, para enriquecerem o excelente e digno trabalho que estão a fazer, estamos à vossa disposição.

Da família directa do Nuno resta a irmã, minha mulher,  e a mãe, com 97 anos. A mãe vive no Porto e nós em Avanca (Estarreja).

Ao vosso dispor, com um forte abraço

Aníbal Teixeira

Tlm (...) | Email (...)

2. Resposta do nosso colaborador, camarada e amigo José Martins [ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, TOC reformado, residente em Odivelas] (****):

Caro Aníbal Teixeira

Sobre o e-mail que escreveu ao Luís Graça, na qualidade de administrador do blogue “Luís Graça e Camaradas da Guiné”, cabe-me a mim, como colaborador permanente do blogue, tentar dar resposta às questões que colocou.

Para poder dar uma resposta sobre os factos, baseado em documentos oficiais, foram consultadas as seguintes fontes:

a) História da Unidade do Batalhão de Artilharia nº 1896 que tinha como subunidades orgânicas, além da CCS, as Companhias de Artilharia nºs 1612, 1613 e 1614, à guarda do Arquivo Histórico Militar, donde foi extraído o resumo que juntamos, e que consta no 7º Volume – Unidades, da CECA.

b) 8º Volume, Livro 1, Mortos em Campanha, na Guiné, de que juntamos página onde constam os nomes dos três militares que tombaram em 28 de Dezembro de 1967.

§ Na História da Unidade e à guarda do Arquivo Histórico Militar, que fomos consultar, consta na página número 127, a seguinte nota, relativa ao período de 1 a 31 de Dezembro de 1967:

«Em 27 – Executado a Operação “Relance”

Missão – Emboscada no “corredor” de Guileje.

Força executante:

- Companhia de Artilharia  [CART] 1613 (incompleta)

- 1 Grupo Combate da Companhia de Artilharia [CART] 1659

- 1 Grupo Combate da Companhia [de Caçadores] [CCAÇ] 1622

- Pelotão de Caçadores Nativos  [Pel Caç Nat] 51

- Pelotão de Milícias 138

Resultados obtidos:

- Causados ao IN 4 mortos prováveis e feridos vários não controlados

- As NT sofreram 3 mortos, 4 feridos graves (3 milícias) e 3 feridos ligeiros (2 milícias).»

c) 5º Volume, Tomo VI, página 363 de Condecorações atribuídas, onde consta a Portaria de atribuição da Condecoração, assim como o Louvor que deu origem à mesma.

Tentemos, então, dar respostas às questões colocadas, mas que se devem considerar como “opinião pessoal”. Dúvidas não esclarecidas, que se avolumam a cada dia, marcam, às vezes, mais do que a “chegada da notícia do acontecido”.

Como morreu o Nuno? Sofreu?

Pela leitura do Louvor, ainda que feito em termos muito normalizados, o Nuno foi um dos 1711 militares que Tombaram em Combate na Guiné. Quanto a sofrimento, sem querermos ser cruéis, pelo menos o Nuno deve ter sofrido, caso a morte não tenha sido imediata. Pelo menos deve ter pensado na mãe e na família, que era um dos pensamentos sempre presentes. 

Foi condecorado a titulo póstumo porquê?

A resposta está no teor dos louvores que lhe foram conferidos. Apesar de ser o “terceiro oficial” da subunidade, era bastante voluntarioso e admirado pelos “seus homens”, tendo criado e comandado um “grupo de elite” [, os Lordes,} que o seguia sempre. 

Porque fizeram a placa com o nome dele e a colocaram na parada da messe de sargentos?

Para mim, não é mais que camaradagem. Foi, provavelmente, uma forma de “fazer o luto” por um camarada de armas que, apesar de estar “vocacionado para mandar”, não hesitava em dar o exemplo.

Se diversos tombaram, porquê o Nuno?

Se quisesse dar uma resposta “fria”, diria que estava no local errado à hora errada. Se quisesse dar uma resposta “piedosa”, diria que estava na hora de partir para “outras paragens”. Mas, prefiro, dar uma resposta objectiva, baseada no texto do segundo louvor: Morreu porque foi socorrer um camarada ferido, e por isso ficou mais exposto ao perigo. 

Porque aparece agora?

Não sei o que pretende sobre o “agora”. Guilege [ou Guileje] é um marco muito negativo na história das nossas tropas na Guiné. Ficava situado no Sul junto à fronteira, num “corredor” muito utilizado pelo PAICG, para introduzir no território homens, armamento e outros bens. Muitas são as referências àquele destacamento que, em 1973 [, em 22 de maio], acabou por ser abandonado pelas tropas que o guarneciam, após longos dias de bombardeamentos tendo, inclusivamente, ficado sem transmissões, por terem atingido a antena.

Depois da independência, e já no século presente, a AD – Acção para o Desenvolvimento, uma ONG da Guiné-Bissau, recuperou a destacamento, com a colaboração de militares portugueses [, com destaque para o nosso blogue], e organizou um simpósio [, em março de 2008,], pelo que pode ser uma das razões de agora “ter sido colocado em cima da mesa”. 

Há alguém vivo que me possa descrever?

Infelizmente já não se encontram entre nós, o então Capitão [Eurico] Corvacho [e o então 2º Sargento José Neto [, que morreu em 2007, como cap refomado,], um como comandante e outro como responsável pela formação da companhia.

Há várias entradas sobre o tema no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. (Marcadores: Guileje, José Neto, CART 1613, referências no fim dos postes, etc; vd. coluna do lado esquerdo do blogue). 

Um dia, como alferes, no Quartel-General do Porto, interroguei o Comandante da Região Corvacho. Lamentou, mas não me comentou o sucedido. Porquê?

Quem comanda, em qualquer situação, tem apreço pelos que comanda. É natural que o Capitão Corvacho tenha interiorizado esta “baixa”.

Espero que estas notas, se não vão “apaziguar” as vossas dúvidas e saudades, possam ser uma maneira de “amenizar” tudo aquilo que levantou tantas dúvidas sobre um acontecimento de há 47 anos.

Seguem-se os textos referidos anteriormente [, a publicar, oportunamente, no seguimento deste poste].

José Marcelino Martins

josesmmartins@sapo.pt

21 de Outubro de 2014

_________________

(**) Vd. poste de 8 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12127: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (23): A placa toponímica "Parada Alf Tavares Machado" estava afixada na parede da messe de sargentos (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá, ex-fur mil, CART 2410, 1968/70)


 (***) Vd. poste de 29 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6658: Lista alfabética dos 75 alferes mortos no CTIG, 54 (72%) dos quais em combate (Artur Conceição)

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12126: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (19): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Parte VI: A morte do comandante dos Lordes, o gr comb especial do alf mil Tavares Machado, em 28/12/1967










Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Fotos do álbum do Zé Neto (1929-2007) Grupo 4 > Fotos diversas de instalações e atividade operacional... Não sei (porque as legendas são insuficientes) se nalgumas destas imagens aparece o malogrado alf mil Tavares Machado ou alguém do seu grupo de combate especial, Os Lordes. O Zé Neto, que exercia entºão as funções de 1º sargento da companhia, não era um operacional, pelo que as fotos que tirou (e que nos disponibilizoui em vida) foram todas tiradas dentro do quartel. Trata-se de um coleção de "slides", que foram posteriormente digitalizados.


Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



Guiné > Região de Tombali > Carta de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Salancaur, a noroeste de Guileje e de Mejo, por onde passava o corredor de Guileje.

 Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)


1. Continuação da republicação das memórias do 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado), relativas à sua comissão na Guiné, quando exerceu funções de 1º sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), sob comando do cap Eurico Corvacho (também já falecido, em 2011):


Quanto às operações no terreno, as nossas principalmente patrulhas de reconhecimento e nomadizações destinadas a manter o controle possível no itinerário de Gadamael Porto  decorriam sem sobressalto de maior, porque, era mais que evidente, o IN evitava o contacto para não denunciar os trilhos que utilizava nas suas infiltrações para o interior do território.

Mas, como já referi, era a partir de Guileje que se lançavam as operações conjuntas e de maior envergadura sobre o corredor de penetração dos turras. Para executar as ordens do Comando do Batalhão ou até do Sector (sediado em Bolama),  as unidades empenhadas deslocavam-se até Guileje, onde permaneciam o tempo necessário para a planificação, um, dois dias, e na hora H iniciavam a marcha para o alvo previamente referenciado.

Geralmente os resultados destas operações eram nulos ou pouco compensadores. Nós tínhamos um serviço de informações razoável, com a ajuda dos reconhecimentos aéreos, mas não éramos tão ingénuos que não soubéssemos que nesse aspecto o IN nos levava a vantagem da sua maior mobilidade, conhecimento do terreno e algumas cumplicidades de elementos das populações.

Além disso, o planeamento das operações era feito com as regras copiadas à pressa dos manuais clássicos e algumas leituras dos teóricos da guerrilha e, como tal, se não causavam autênticos descalabros nas nossas tropas isso se devia à bravura dos nossos soldados e ao discernimento dos seus comandantes que sabiam avaliar o momento em que deviam mandar às malvas o rigor dos papéis e actuarem em conformidade com o que deparavam no terreno.

Um pequeno exemplo: as cartas topográficas assinalam correctamente todas as características do terreno, ponto final. Ponto final,  no Alentejo ou nas Beiras. Na Guiné nem sequer chega a ser vírgula, porque quando a maré sobe o mar engole uma parte considerável da área total do território.

Por outro lado, as bolanhas são assinaladas como terreno alagado e vistas de avião até têm o aspecto de solo enlameado com farta vegetação, facilmente transponível. A realidade é bem diferente. Extensas zonas que, com os seus socalcos, tinham sido férteis campos de arroz, eram agora, quase abandonadas, autênticas armadilhas onde à mínima distracção um homem se afogava ou ficava atolado até ao pescoço.

Ganhou alguma notoriedade o diálogo entre o Celestino (1) e o Capitão Cadete. Numa operação em que as nossas tropas pretendiam desmantelar a fortificação que os turras tinham implantado em Salancaúr, o Celestino comandava comodamente instalado num avião Dornier. A companhia do Capitão Cadete estava, a pouco mais de duzentos metros do objectivo, a ser fustigada por fogo de canhão sem recuo do IN e o Celestino berrava pela rádio:
─ Avance! Organize o assalto pelo flanco esquerdo!!!

O Capitão, homem experiente, sabia que era de todo impossível dar mais um passo em direcção ao objectivo, estrategicamente defendido pelos lodaçais e, perante a insistência, gritou pelo microfone:
─ Venha cá abaixo e enterre o seu focinho na bolanha, seu…

Isto foi ouvido em todo a rede de transmissões das unidades da zona que, em sintonia, seguiam o desenrolar da operação e… nunca constou que o Capitão Cadete tivesse sido punido.

A zona de Salancaur, que era uma pequena península quando a maré subia, foi durante muito tempo um espinho cravado na nossa garganta. As informações diziam que os turras tinham ali instalado vinte e quatro canhões sem recuo (talvez um exagero), ao mesmo tempo que o reconhecimento aéreo dava conta de actividade rural por parte da população da tabanca nas redondezas,  o que punha fora de hipótese a destruição por bombardeamento da aviação.

Os comandos não desistiam de eliminar aquele importante ponto de apoio do corredor de Guileje e as surtidas das nossas tropas sucediam-se sem resultados palpáveis. Numa dessas operações, poucos dias depois do Natal desse ano de 1967 (sei a data precisa, mas não a quero referir) [28/12/1967, L.G.] , tivemos mais três baixas estúpidas, a juntar à de São João.

As nossas tropas saíram ao alvorecer e, excepcionalmente, os Lordes (2), do Alferes Tavares Machado, ficaram no quartel, constituindo a segurança das instalações. Menos de uma hora depois,  ouvimos um tiroteio aceso. Os turras tinham emboscado a frente da nossa coluna. Pelo rádio o Capitão Corvacho disse que não havia novidade, que estavam a reagir à emboscada e que o IN estava a retirar.

Em resposta o Alferes Tavares Machado disse que sabia por onde os turras iam fugir e que lhes ia dar uma coça. O Capitão mandou-o ficar onde estava pois a situação estava controlada. Qual quê? Reuniu os seus homens rapidamente e, ele de calças de ganga e camisola branca, embrenharam-se na mata em direcção ao sítio onde deflagrara o tiroteio.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Mais um "achado  arqueológico", descoberto recentemente... A placa com o nome do alf Tavares Machado que estava na parada do aquartelamento...

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento  (2013) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


 Pouco tempo depois, talvez meia hora, ouvimos novo arraial e não tivemos dúvidas de que agora eram os Lordes que estavam sob o fogo bem conhecido das Kalash. Posto ao corrente do sucedido, o Capitão retrocedeu ainda a tempo de enfrentar os turras e evitar uma chacina completa. Só não conseguiu evitar as mortes dos  (i) Alferes Nuno da Costa Tavares Machado,  (ii) Soldado António Lopes (cuja alcunha era o Sargento, devido aos seus modos bruscos) e (iii) Soldado António de Sousa Oliveira (o Francesinho).

Se houvesse que configurar num homem só, a raça, o patriotismo e o espírito de sacrifício do valoroso soldado português,  eu escolhia o Francesinho, sem hesitação.

José Neto (2006)

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Notas do autor:

(1) Celestino era o nome com que depreciativamente tratávamos o comandante do BART 1896, sediado em Buba, personagem muito sombria da minha memória pois ameaçou-me com cinco punições, nunca concretizadas. Algumas vezes o trato por besta nesta narrativa, com alguma propriedade.

(2) Os Lordes era a designação dum Grupo de Combate formado por voluntários da companhia que recebeu instrução especial em Bissau com o fim de constituir o primeiro escalão de progressão e assalto, dado que a CART 1613 foi, inicialmente, companhia de intervenção à ordem do Comando Chefe e actuou em vários pontos do território.

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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11635: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (14): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Partes I/II: Formação e mobilização da companhia, que foi render a CCAÇ 1477




 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 > Estandarte da companhia. A CART 1613 foi mobilizada pelo RAP 2. Partiu oara o TO da Guiné em 12/11/1966 e regressou a 18/8/1968. Esteve em São João, Teixeria Pinto, Buba, Guileje, Buba, Bissau. Comandantes: cap mil grad art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz (, morto por um dos seus soldados na véspera do Natal de 1966; e cap art Eurico de Deus Corvacho).



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 > Fotografia de grupo, com parte do pessoal e elementos civis (crianças) da tabanca.

Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. A retirada de Guileje foi há 40 anos, mais precisamente em 22 de maio de 1973, ao tempo da CCAV 8350, e sendo comandante do COP 5 o então major art Coutinho e Lima. A pretexto desta efeméride e do 9º aniversário do nosso blogue, achámos oportuno republicar as memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613, que passou por Guileje em 1967 e 1968. Essa função, de 1º sargento,  foi desempenhada pelo então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (1927-2007), ou simplesmente Zé Neto, como a gente carinhosamente o tratava. Reformou-se como capitão. Era membro da nossa Tabanca Grande, desde a primeira hora e foi o primeiro de nós a inaugurar a galeria dos que da lei da morte se vão libertando. A Júlia Neto, viúva do Zé Neto, continua a representá-lo e a avivar-nos a sua memória. Ela é também irmã de um outro tabanqueiro nosso, o Carlos Carvalho.

A republicação das memórias do Zé Neto pretende ser uma homenagem a este saudoso camarada, que era na altura,  em que morreu, o decano da nossa Tabanca Grande, mas também é uma homenagem a todos os nossos camaradas que, de 1964 a 1973, passaram por Guileje... Publicam-se também muitas das suas fotos (uma parte delas, sobretudo as a preto e branco, inéditas).

Foi, entretanto,  nestes termos que ele se apresentou à "porta de armas" da nossa Tabanca Grande, em 5/12/2005:

"Sou actualmente Capitão Reformado, vivo em Queluz de Baixo, Oeiras, e fui, com o posto de 2º sargento, o primeiro sargento da CART 1613 que guarneceu Guiledje nos anos de 1967/68.

"Por interposta pessoa conheci o Engenheiro Carlos Silva, impulsionador da reconstrução do nosso "quartel" , a quem mostrei o meu album fotográfico e um extrato das minhas 'Memórias para os meus netos'. Parece que gostou e, no próximo dia 9 de Dezembro, vou encontrar-me com o Dr. Filipe Santos na ESEL [Escola Superior de Educação de Leiria], em Leiria , por sinal a minha terra natal, para tratarmos da digitalização de cerca de 150 slides que fiz, só daquela povoação.

"Também estive, antes, em Cabinda e, depois em Calunda (Leste, mais ao leste de Angola), mas Guiledje, talvez por ser o lugar onde 'levei mais porrada', ficou-me no coração.

"Mas não foi só no meu, porque no passado dia 3 de Junho [de 2005], em Braga, ainda reunimos setenta e tal elementos da Companhia [, a CART 1613,] e a 'velhada' continua a nutrir um carinho muito especial por aquele cantinho de África.

"Bom. Mas o que me traz aqui é repor um pormenor. A foto aérea de Guiledje é minha... e, se quiser, do 1º sargento piloto do Dornier da FAP (cujo nome esqueci) a quem pedi para me colocar num ângulo favorável para o efeito.

"Por agora, resta-me felicitá-lo pelo excelente blogue e confessar que nestas coisas de informática ainda vou na pré-primária. Aceite um abraço do José Afonso da Silva Neto".




Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 > Duas vistas aéreas do quartel e tabanca.

Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



Ainda me recordo da maneira carinhosa e sempre bem humorada como ele me confiou uma parte das suas memórias, justamente as relativas à Guiné. Estávamos em 5 de dezembro de 2005 e a nossa "tertúlia" tinha então 50 membros...

Meu caro Luis:

Depois de muito meditar cheguei à conclusão de que, pelo menos tu, mereces a minha confiança para partillhar contigo uma parte 'muito significativa' das memórias da minha vida militar. São trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só 'a matar pretos' enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família...

Já cedi este modesto trabalho à AD do Pepito e conto não o fazer mais, por enquanto. É, como já te disse, uma perspectiva um tanto diferente dos relatos do blogue, mas é assim que sei contar as minhas angústias e sucessos.

Diz qualquer coisa. Até breve.
Um abraço do 'patriarca' Zé Neto


2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007)

I Parte - Formação e mobilização da CART 1613/BART 1896 (1966/68)

Nas páginas que deixo para trás, respeitantes à Guiné, descrevo a maneira atribulada, para não dizer trapalhona, como o meu Batalhão, e por arrasto a minha Companhia, CART 1613, foi parar àquela Província Ultramarina e os remendos que se seguiram.

Resumindo:

O Batalhão de Artilharia nº 1896 (BART 1896) foi formado no RAP 2, Vila Nova de Gaia, com destino a Angola.

Depois da instrução dos recrutas foi confirmado esse destino, em 29 de Julho de 1966, e, como havia de se fazer a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO) em Viana do Castelo, tal não foi possível porque tinha sido adiado o embarque ao batalhão que ocupava as instalações militares daquela cidade minhota.

Ao mesmo tempo o RAP 2 deu início à formação de mais um batalhão, pelo que o pessoal da Unidade foi distribuído por quartéis velhos, alguns já desactivados, na área do grande Porto. A minha Companhia foi aquartelar nas antigas e quase desmanteladas instalações do GACA 3, em Espinho.

No fim de Agosto solucionou-se o “engarrafamento de batalhões” e seguimos para Viana do Castelo. Já a IAO ia a meio quando, em 24 de Setembro de 1966, foi alterado o destino do Batalhão para Moçambique.

Depois de introduzidas algumas alterações no planeamento da IAO (derivado à diferença da morfologia do terreno…?) continuou a referida instrução. Estava a IAO terminada e o Batalhão pronto para seguir quando, em 6 de Outubro de 1966, chegou a ordem para demandarmos a Guiné.

Iniciou-se nova IAO, com temas mais virados para terrenos alagadiços, mas, em fim de Verão,  as nossas "bolanhas" estavam secas. Fez-se o que foi possível… Embarcámos em Lisboa no dia 12 de Novembro e desembarcamos em Bissau em 18 do mesmo mês.

Como batalhão de reforço seguiu em "ordem de marcha" o que significa que, desde a esferográfica, passando pelos lençóis, até à mais pesada viatura auto, tudo foi connosco.

Aquartelamos no campo militar de Brá e… a trapalhada continuou. As três companhias operacionais (CART 1612, 1613 e 1614) foram desligadas do comando do Batalhão e as primeira e terceira seguiram para reforço doutros batalhões enquanto que a segunda (CART 1613) foi destinada a Unidade de Intervenção à ordem do Comando-chefe, continuando aquartelada em Brá.

Mais treino operacional para a 1613, desta vez na área de Tite, mais propriamente em São João e treino de saltos de helicóptero para um grupo de combate de voluntários de entre o efectivo da companhia. De Janeiro a Maio de 1967 a CART 1613 andou de colchão pneumático às costas e tendo por caserna a copa das árvores, a “biscatar” pelo território da Província, com maior incidência nas zonas de Pelundo e Jolmete.

Com a atribuição da responsabilidade do Sector S 2, com sede em Buba, ao BART 1896, este reagrupou-se e a CART 1613 foi instalar-se nas povoações de Colibuia e Cumbijã, onde nunca tinha estado qualquer unidade militar. Por ali andou em trabalhos de construção de cobertos e abrigos para a imensa tralha de materiais que levara da Metrópole.

Menos de dois meses depois, em 17 de Junho de 1967, um Gr Comb deslocou-se para o futuro destino de quadrícula, ou seja, área de ocupação definida, e duas semanas depois seguiu-se a transferência para Guileje.







Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 > Aspeto geral do quartel. Messe e quartos dos sargentos com cozinha ao fundo.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 >  Em primeiro plano, o Zé neto; ao fundo a parada do quartel.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 >  Construção de abrigos (ainda com troncos de palmeira...).


Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Parte II  - Transferência para Guileje [, em rendição da CCAÇ 1477]

Nos primeiros dias de Julho de 1967 recebemos ordem para marchar para Guileje, a fim de rendermos a CCAÇ 1477. Nas conversas do Café Bento, em Bissau, apelidado de 5ª repartição por ser ali que se sabiam todos os acontecimentos ocorridos na Província, o nome de Guileje era citado frequentemente como uma região onde havia porrada da grossa.

As contingências da sorte ditaram que a CART 1613 fosse verificar in loco a veracidade das informações veiculadas na dita repartição. Carregando apenas o armamento individual e o meu caixote da papelada,  deslocámo-nos para Buba onde embarcámos numa das barcaças civis Correias com destino a Gadamael Porto. Dali fizemos, em coluna auto, os dezassete quilómetros mais compridos do planeta até à tabanca fortificada que ia ser o nosso lar durante cerca de um ano.

No dia 19 de Agosto, ao fim da tarde, fomos delirantemente recebidos pelo pessoal da companhia que íamos render. A tradição de pregar uns sustos aos maçaricos (o que não era bem o caso) foi terrível, de muito mau gosto e até propício a qualquer acidente. Quando se fechou a noite o gerador eléctrico não funcionou porque, dizia o velhinho, estava avariado. Desde tomar a 3ª refeição à luz de archotes e fogueiras até andar pela tabanca aos tropeções e escorregadelas nas valas e entradas de abrigos, de tudo sucedeu.

Perante a nossa insistência em ir verificar o estado do gerador, o cabo que lidava com ele lá condescendeu em deixar-nos dar uma olhadela no trambolho instalado numa cabine de alvenaria semi-enterrada. Não foi preciso muito tempo para o Furriel Baroeth, o nosso mecânico, descobrir que o tirante de descompressão do motor Diesel estava bloqueado propositadamente. Por mais que dessem à manivela, nos cilindros não havia compressão, pois as válvulas de escape mantinham-se abertas. Era assim que se parava o motor. Depois de retirado o taco de madeira sabotador, com prenúncios de agressões ao engraçadinho, duas maniveladas chegaram para as luzes se acenderem, mas isto já perto da meia-noite.

Como não havia sobreposição, a CCAÇ 1477 ia embarcar na barcaça que nos trouxera, pelo que no dia seguinte foi a lufa-lufa das entregas e recepções de materiais, não sem alguns barretes a que já estávamos habituados e que contávamos vir a enfiar um ano depois a quem nos substituísse… A lei da vida obrigava-nos a estes truques. O barrete maior era que, como não apareceu ninguém em Colibuia e Cumbijã (1) para receber os nossos materiais, a minha companhia passou a ter a responsabilidade de duas cargas completas.

Em Colibuia ficou uma secção com o 2º Sargento S... a tomar conta dos tarecos amontoados nas arrecadações improvisadas. O mais problemático era o depósito de géneros alimentícios, cujos produtos estavam sujeitos a deterioração, como é compreensível.

Por mais notas que mandássemos para a sede do Batalhão, e até para a delegação da Manutenção Militar de Bissau, ninguém tomava uma atitude. Irrisoriamente, o comandante do batalhão sugeriu, via rádio, que vendêssemos os géneros às populações. Está-se mesmo a ver os nativos, muçulmanos, a comprar-nos latas de chouriço, barricas de carne de porco em salmoura, barris de vinho tinto e outras delícias da nossa da nossa bárbara dieta!!!

O S... lá foi vendendo uns quilos de farinha, de arroz, umas latas de fruta e coisas assim, mas a sua gerência da mercearia foi desastrosa. Quando, uns meses depois, entregou a tralha a outra companhia que lá apareceu, veio para Guileje, trazendo uma resma de papéis com apontamentos que nem ele era capaz de destrinçar. As guias de entrega de materiais, padronizadas, vinham repletas de observações de deficiências, faltas ao completo e outras incapacidades.

Levei semanas, com o meu competentíssimo cabo escriturário, o Ramiro, a fazer autos de ruína prematura e de extravio, sempre com a justificação de “exposição às intempéries por falta de recinto adequado à sua conservação” ou “efectivo exíguo para a vigilância e evitar a subtracção, por parte dos nativos, de componentes de ferro com que improvisavam alfaias agrícolas” e outras patranhas que, em Bissau, eram engolidas a contra-gosto, mas… entre os autos aprovados e os que exigiam mais esclarecimentos para apreciação superior, tive um petisco que durou até ao meu último dia na Guiné.

Quanto aos géneros alimentícios a coisa foi mais radical porque o S... não encontrava, ou não tinha feito, a relação dos produtos que mandou enterrar por se terem estragado e que deveriam ser objecto de pedido de abate, e respectivo crédito, a que a MM [, Manutenção Militar,] não punha objecções de maior.

Ainda por cima disto vim a saber que ele tinha mandado vir a esposa para Bissau, aonde se deslocava com alguma frequência, em consultas externas sabe-se lá de quê e em boleias da Força Aérea, a partir de Aldeia Formosa.

Olhos nos olhos, confrontei-o com o montante do depósito de géneros deixado em Colibuía, pois constava dos documentos de prestação de contas, com a pequena parcela deixada aos substitutos, com o dinheiro que me entregava proveniente das vendas aos nativos e faltavam cerca de dez mil escudos.

Isto a juntar ao prejuízo trazido de S. João já rondava os trinta contos e era preciso fazer muita ginástica para recuperar tanto dinheiro. E, meu amigo:
—   O senhor foi negligente e comodista. Vai entregar na companhia cinco mil escudos, metade do prejuízo, ou apresento o caso ao nosso Capitão.

Nem pestanejou. Só pediu para lhe descontar em cinco prestações. Concordei e, se não perdi um amigo, ganhei um inimigo. Metade dos sargentos de Artilharia daquele tempo ouviu do S... uma história retorcida em que eu o ludibriei em cinco contos.

A tabanca de Guileje, habitada por cerca de trezentos nativos de etnia fula (marcados a fogo, à nascença, com dois traços verticais no prolongamento exterior das pálpebras) situava-se a pouco mais de quatro quilómetros da fronteira com a Guiné Conacri e servia de tampão e base de lançamento de operações no celebérrimo Corredor de Guileje. Este corredor era a via natural de penetração dos turras para o interior sul do território, a partir do seu santuário do outro lado da fronteira.

De traçado rectangular, cerca de 250 x 200 metros, era fortificada com taludes e abrigos semi-enterrados, estes cobertos por cibos (troncos de palmeira) de quase impossível penetração por projécteis de tiro curvo. As palhotas cónicas onde vivia a população civil espalhavam-se em quatro fileiras irregulares, separadas por três avenidas onde até parecia que havia o Metro, mas em boa verdade eram as entradas para os abrigos subterrâneos. Ao fundo, do lado oeste, erguia-se a residência do Régulo, de traçado rectangular com varandim, a mesquita e a escola (árabe), construídas em madeira.

Por detrás destas últimas construções e do alto talude que as protegia, fora da área fortificada, situavam-se os espigueiros, engenhosamente feitos de bambu e barro sobre estacas. Ainda mais para oeste, na orla da picada do Mejo, havia um aldeamento fantasma, muito bem feito e alinhado, mas, compreensivelmente, desabitado. Tinha sido construído pelo Governo pouco antes do conflito.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 >   Fotps do álbum do Zé Neto: 3.1. Instalações e atividade militar: fotos nºs 20 (Vacas da tabanca e arame farpado) e 5 (Horta do quartel).

Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



Era ainda cercada por duas filas de arame farpado, com garrafas de cerveja vazias penduradas aos pares, para retinirem se os arames mexessem e, no terreno desmatado circundante,  estavam implantadas cerca de setecentas minas, fornilhos e armadilhas devidamente fichadas e verificadas periodicamente. Enquanto lá estivemos estes últimos artefactos só serviram para matar gazelas.

Havia ainda uma pista que permitia a aterragem e descolagem de aviões ligeiros. Estes aviões, na sua maioria Dornier da Força Aérea, eram chamados de Biela, não sei porquê.
Mal se ouvia o som do motor dum avião, até os pretitos gritavam:
— Olha a biela!!!
Os dois pontos fracos daquela fortaleza eram cruciais e, agora é fácil dizê-lo, nunca foram bem explorados pelo nosso inimigo. O primeiro era obtenção de água. O riacho onde a íamos colher ficava a oitocentos metros do aquartelamento, para o lado da fronteira, o que nos obrigava a empenhar, diariamente, dois Grupos de Combate para montar segurança na zona e três ou quatro viaturas, com bidões de 200 litros, para o transporte. A única emboscada ali montada pelo IN foi feita às tropas da companhia anterior que tiveram vários feridos e um morto.

O segundo fraco era o reabastecimento de víveres, combustíveis, munições e outros materiais pesados que eram transportados por via marítima até Gadamael Porto e dali trazidos pelas nossas colunas auto.
Nos já referidos dezassete quilómetros rara era a coluna que não era emboscada pelo IN e, como era minha função contabilizar para efeitos de prémios, lembro-me que foram levantadas vinte e duas minas anti-carro na picada.

Graças à notável equipa de picadores, elementos das milícias nativas que usavam varas pontiagudas para detectar os engenhos e aos nossos furriéis especializados na montagem e neutralização dessas armas traiçoeiras, nunca sofremos os seus efeitos. Não faço favor nenhum em prestar homenagem a esses heróis esquecidos cujos nomes saliento:

(i) Cá Missá (Camisa, para a malta), cabo milícia que chefiava os picadores e diziam que tinha na cabeça a configuração, os pequenos relevos e a vegetação de cada centímetro da picada;

(ii) Furriéis António Martins, Amílcar Almeida, Arclides Mateus e Manuel Pernes a quem a Pátria pagou mil escudos por cada uma das vinte e duas vezes que se despediram dos colegas para irem à sua função de desmontar as minas.

Na modesta epopeia que estas colunas auto representaram saliento uma emboscada em que os turras usaram abelhas dentro de caixas de sapatos, penduradas nas árvores, as quais eram soltas, à distância, por intermédio dum cordel quando abriam fogo. Na primeira vez o estrago foi notório e deu muito trabalho aos enfermeiros, mas depois tiveram de desistir porque a nossa tropa passou a transportar dezenas de potes de fumo que eram accionados ao grito de abelhas!. Os insectos afastavam-se e iam ferrar os seus amigos.

Outro pormenor foi a adopção da camuflagem sonora. A saída das colunas era sempre de madrugada e o Capitão Corvacho (2) desconfiou que a barulheira das viaturas a aquecer os motores para iniciar a marcha era audível no outro lado da fronteira e um bom aviso para o IN vir, nas calmas, chatear o pessoal na picada. Então pôs em prática o sistema de, a espaços de tempo desencontrados, os condutores se levantarem mais cedo, irem dar as aceleradelas do costume e voltarem para a cama.
É óbvio que a intenção era criar a confusão nas hostes contrárias e o certo é que as visitas diminuíram.

Cabe aqui também o reconhecimento, que não passa pela cabeça de muitos estrategas de pacotilha, aos abnegados Condutores Auto. Eram os mais expostos ao fogo inimigo, como é evidente.

A guarnição era composta por:

(i) minha companhia, a CART 1613;

(ii) o Pelotão de Reconhecimento Fox nº 1165 (Pel Rec Fox 1165) sob o comando do Alferes Miliciano de Cavalaria Michael;

(iii) o Pelotão de Caçadores Nativos nº 51 (Pel Caç Nat 51) (3) , comandado pelo Alf Mil de Infantaria Perneco; e

(IV) o Pelotão nº 138 da Companhia de Milícias nº 12 (o Pel Mil  139 da mesma companhia estava no Mejo), comandado pelo 2º Sargento Milícia Ussumane Sila.

Estas duas últimas subunidades, irregulares, tinham efectivos variáveis, pois eram compostas por naturais ou residentes nas respectivas tabancas, que se alistavam ou demitiam a seu bel prazer. Não necessitavam de instrução militar porque, desgraçadamente, qualquer garoto de 9, 10 anos desmontava e montava uma espingarda automática G-3 com os olhos fechados. Eram eles que, por avença, limpavam as armas do nosso pessoal quando isso era requerido, facto que sempre me causou alguma preocupação, porque não me agradava o vício da guerra que tal ganha-pão inculcava nessas crianças.

Portanto, não contando com o armamento pesado, Guileje tinha muito perto de trezentas armas prontas a disparar. A minha era única e a mais pequena: uma pistola-metralhadora FBP. Mas fartei-me de disparar… a máquina fotográfica.

Constituía assim um bastião avançado de que o IN raras vezes de aproximava. Apesar das contingências do estado de guerra, a população convivia alegremente connosco e havia uma apertada vigilância para que os nossos militares respeitassem, não só os usos e costumes, mas também as pessoas em si. Um ou outro desaguisado foi prontamente saneado pelo nosso Capitão em consonância com o Régulo.

O Régulo Suleimane era um homem razoavelmente inteligente e compenetrado da sua posição algo majestática. Falava muito bem português e o seu porte altivo infundia uma distância no relacionamento que os soldados depressa aprenderam com os nativos a respeitar. A certa altura eu passei a ser o intercultor preferido dele porque chegamos à conclusão de que tínhamos um ponto em comum. Ambos estivemos em Macau. Ele tinha feito parte duma companhia de tropas da Guiné, como soldado do nosso Exército, que foi destacada para Macau no fim da II Guerra Mundial. A única maneira de lhe ver um sorriso era a falarmos de Macau. Ele contava as suas lembranças dos bons tempos que lá passou e eu retocava os pormenores com a descrição dos progressos daquele torrão português.

A população era agradável no trato, muito trabalhadora e, sobretudo, bastante asseada, não obstante o facto de que obtinham a preciosa água nos charcos junto das lavras que cultivavam na área contígua ao fundo da pista de aterragem. Foi nessas lavras que se deu o maior mistério da nossa estadia nessas paragens. A CAÇ 1622, de Gadamael, foi fazer uma operação ao Corredor, a partir do nosso aquartelamento. Quando regressou foi dado como desaparecido, numa emboscada que sofreram, um soldado que só me lembro de ser de Carregal do Sal, ou dali perto.

Durante três dias foram lançadas patrulhas de busca formadas nas unidades da área que bateram todo o terreno onde se dera a emboscada, reforçadas por apoio e observação aérea e não foi encontrado o mais leve indício da presença do desaparecido. Passados onze dias, um nativo de Guileje foi encontrá-lo,  nas terras encharcadas das lavras,  vivo mas extremamente depauperado, transportando a sua G-3. Trouxe-o para o aquartelamento onde foi imediatamente socorrido e feita a comunicação do seu aparecimento à CCAÇ 1622.

Pelo menos a nós não conseguiu explicar como tinha sobrevivido e, o mais incrível, porque razão não se encaminhou para um dos aquartelamentos, Guileje ou Mejo, que, pelo menos de noite, eram fáceis de localizar devido à iluminação eléctrica. Ou tentasse dar sinal de si aos aviões que sobrevoaram a zona. Soubemos que o CTIG teve de o mandar à Metrópole para convencer os familiares de que estava realmente vivo e de boa saúde, pois já lhes tinha sido comunicado o seu desaparecimento em combate.

Lembro-me que o Furriel Figueiredo, do Pelotão Fox, conhecia o rapaz. Para adensar o mistério não consigo encontrar as quatro ou cinco fotografias que fiz na altura em que estava a ser assistido no posto de socorros.
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Notas do autor:

(1) Duas povoações na zona de Aldeia Formosa (Quebo) sem quaisquer instalações militares para onde mandaram a minha companhia “para encher chouriços” enquanto faziam os reajustamentos ao dispositivo do subsector à responsabilidade do meu batalhão (BART 1896);

(2) Capitão de Artilharia Eurico de Deus Corvacho;

(3) Este Pelotão, [, o  Pel Caç Nat 51,] era composto por praças do recrutamento guineense e enquadrados por furriéis e um subalterno metropolitanos, todos milicianos. As praças pertenciam a várias etnias, com uma pequena predominância de balantas. A disciplina militar não era suficiente para estabelecer uma coesão aceitável entre eles. O aspecto diversificado das suas culturas chocava amiúde entre eles e mormente com os fulas, sem dúvida mais civilizados.

Era-lhes abonada a alimentação em numerário (a dinheiro) por impossibilidade de lhes satisfazer as suas dietas tradicionais. Mais do que uma ajuda ao esforço da campanha, eram um caldeirão de problemas. O Capitão Corvacho evitava atribuir-lhes missões que implicassem saídas com algum risco porque a sua eficiência não era famosa.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11545: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (13): Estórias cabralianas nº 7: Alfero põe catota nova... (Jorge Cabral)

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11139: Memória dos lugares (217): Cameconde, Cacoca, Sangonhá e Ganturé, em 1968, ao tempo da CART 1692 (António J. Pereira da Costa)

Foto nº 1 - Guiné-Bissau > Região de Tombali > Setor de Cacine >  Cacoca > CART 1692 (1968/69) > " Um do nossos condutores, o  António Andrade Júnior,  que, por opção, 'viviam'  em Cameconde. O outro era o Alcides Pereira de Lima (Unimog 404), de quem não sabemos nada".(*) 

A CART 640, a que se refere o monumento, foi mobilizada pelo RAP 2, partiu para o TO da Guiné em 25/2/1964 e regressou em 27/1/66. Passou por Bissau, Farim, Sangonha, Cacoca e Bissau. Comandante(s): Cap art Carlos Alberto Matos Gueifão; e cap art José Eduardo Martinho  Garcia Leandro.


Foto (e legenda): © António J. Pereira da Costa (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


 1. O nosso camarada António José Pereira da Costa (Cor art ref, ex-alferes de art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; e ex-cap e cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74). descreveu assim estes três sítios, com o rigor do geógrafo e o sentimento do etnógrafo:

(i) Só tenho fotos de Cacine e de Cameconde (*). A Ganturé nunca fui. A Sangonhá umas três ou quatro vezes e duas a Gadamael.

Tenho fotos de uma coluna ao limite do sector na estrada Cameconde-Sangonhá, quando fomos levantar três abatizes que o IN ali colocou. Em 26 de outubro de 1968 realizámos uma coluna pela estrada Cameconde - Ganturé para retirar três abatizes que o IN tinha colocado (um mangueiro e dois bisslões) e oito minas PMD - 6. Uma rebentou na roda traseira de um Unimog 404,  a penúltima viatura da coluna.

Foto nº 2

Numa das fotos [, nº 2,]   estou eu junto à traseira do Unimog no momento em que mudava o pneu.

Foto nº 3

Noutra foto [, nº 3]: eu, o João Almeida, encostados à Daimler do Pel Rec, e à direita da foto, o soldado Lameira que já nos deixou. Dos outros não me recordo do nome.


Foto nº 4

O João Almeida (o "Alce") levanta uma mina PMD-6 que estava logo ali. [, Foto nº 4].


Fotos do álbum do António J. Pereira da Costa, que era na CCaltura alferes QP da CART 1692/BART 1914 (Cacine, Cameconde, Sangonhá e Cacoca, 1967/69).

Fotos (e legendas): © António J. Pereira da Costa (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


(ii) Afinal tenho esta foto de um elemento da CArt 1692 em Cacoca [ Foto nº 1].  É o António Andrade Júnior, um dos condutores que, por opção, "viviam" em Cameconde. O outro era o Alcides Pereira de Lima (Unimog 404), de quem não sabemos nada.

Este também tinha a seu cargo a manutenção do motor da luz em Cameconde. Tinha por alcunha "O Cauteleiro", tal como seu pai a tivera. Os filhos dele já foram a um encontro da CArt para conhecerem os camaradas do pai que faleceu cedo.

[Informação fornecida por email em 21/2/2013]

(iii) Memória de Cacoca (**)

(...) Em 1968, Cacoca era um daqueles lugares onde parecia não haver guerra. Dependente da Companhia sediada em Sangonhá, era um destacamento de nível Gr Comb, resumindo-se a uma pequena tabanca com pouco mais de duzentos habitantes.

O quartel era um pequeno recinto, quase um quintal, com uma vivenda de alvenaria, tipo colonial, ao centro. Nessa vivenda tinha funcionado uma daquelas lojas que só existiam ou ainda existem em África. Um daqueles estabelecimentos onde era possível comprar livros do Erskine Caldwel ou pregos de meia-galeota; garrafas de vinho verde ou pilhas para lanterna; panos com que as mulheres se cobriam ou tabaco americano que não se encontrava em Lisboa, enfim tudo ou quase tudo...

A loja ou “cantina” pertencera a um comerciante europeu a quem chamavam o Toneca e que, naquela altura, já só tinha estabelecimento em Cacine, onde vivia sem família, encarnando a figura do “lançado” no sertão. Tinha tido mais uma loja em Sangonhá, da qual se desfizera, e outra em Campeane que fora saqueada, logo no início da guerra. 

O Toneca era um homem só, longe dos seus que, ao que parece, andavam ali por Leiria. Aviava-nos com uma lenta eficácia, desencantando o que lhe pedíamos nas prateleiras junto ao tecto, ou no mais recôndito da arrecadação. Raramente falhava. À noite, a loja era um misto de tasca e café, onde se podia “meter uns copos”, ao balcão, ou tomar ar, em duas ou três mesas colocadas no alpendre. Um daqueles alpendres elevados e altos, tão frequentes, circundando as casas de um só piso. Assim teria sido também a loja de Cacoca que agora era uma instalação multiusos, misto de alojamento para pessoal, posto de socorros, posto de rádio, talvez depósito de géneros... etc., etc... e etc...

Não tenho memória de que tenha sido atacada com armas pesadas ou “ao arame”, com armas ligeiras, embora se situasse a cerca de 2 km da fronteira. Nunca mais esquecerei o meu primeiro contacto com essa casa onde, quando entrei para falar com o alferes que comandava o destacamento, se ouvia, num gira-discos a pilhas, o Gianny Morandi a cantar (bem alto) o “Non son degno di te”. 

A “máquina de fazer barulho” pertencia ao cabo maqueiro que, momentos depois discorria, em voz bastante alta, sobre os "Operacionais”, como ele, versus os “CêCê-Ésses”, que eram os outros. Via-se claramente que era um operacional pelo modo expedito como remendara um rasgão enorme nos fundilhos das calças do camuflado, recorrendo a um emplastro de adesivo daqueles com orifícios circulares, para a pele respirar... Expedientes de campanha ou o velho “desenrascanço dos portugueses”,  sempre presente aqui, ali ou em qualquer outro lado.

Quem viesse de Cacine, ao chegar ao “Cruzamento”, virava à direita e seguia paralelamente a uma pista de aterragem de terra batida (pouco operativa, na altura). O terreno era aberto e deixava ver, ao longe, a vivenda, emergindo da tabanca, cujos telhados de capim e cibe formavam uma espécie de arranjo floral de plantas secas à volta de uma flor ainda com viço. À direita e à esquerda a vegetação era densa, com todos os tons do espectro do verde, mas onde surgiam outros tons: de cinzento, de castanho e – para quem olhasse com vagar e detalhe – em salpicos mal semeados, de vermelho e amarelo.

A CArt 1692, à qual eu agora pertencia, guarnecia Cacine, mas antes tinha andado pelo sector de Sangonhá e Cacoca, e o Duarte – alferes da minha companhia, ex-seminarista como outros houve – assegurava que por ali era possível caçar pombos verdes e outras bichezas comestíveis que se manifestavam com certa abundância.

A população de Cacoca dava-se bem com os soldados e parecia haver uma certa amizade entre os jovens militares e os habitantes, independentemente das suas idades. Fiquei com a ideia de que a população colaborava na vivência da tropa de modo espontâneo e franco. A actividade operacional resumia-se a garantir a possibilidade de comunicar com a sede da Companhia. (...)


Segundo o nosso camarada Nuno Rubim, parece que também houve uma guarnição militar, nossa, em Gadamael Fronteira. E sobre Ganturé (não confundir com Ganturé, no Rio Cacheu), ele diz-nos que esteve lá iinstalado um Pel Rec ou um Gr Comb desde fev/Mmar 1964 até jul 69, pelo menos. Sangonhá terá sido abandonado, por decisão do Com-Chefe, em meados ou em finais de 1968, tal como Cacoca, segundo informação do António J. Pereira da Costa.




Guiné > Região de Tombali > Sangonhá, a sul de Gadamael -Porto > s/d > Vista aérea do destacamento e da sua pista de aviação. Este destacamento deverá ter sido abandonado pelas NT em finais de 1968 (O destacamento de Mejo foi evacuado em 28 de Janeiro de 1969, na mesma data de Gandembel e de Balana.  Em 6 de Janeiro de 1969, o PAIGC lançou um poderoso ataque contra Ganturé, a partir de Sangonhá. A FAP ripostou, provocando 36 mortos e muitos mortos. Foto de autor desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual, do nossos parceiro guineense, a ONG AD - Acção para o Desenvolvimento.

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento  (2007). [Editada por L.G.].


(iv) O abandono de Cacoca e Sangonhá (**)

(...) A chegada do General Spínola à Guiné alterou profundamente a condução da guerra e as visitas que realizou a todos os aquartelamentos, por diminutos que fossem, ouvindo os “residentes”, como nunca tinham sido ouvidos, causaram boa impressão, embora constituíssem, para quem expunha os problemas, como que uma espécie de exame prático das soluções adoptadas.

Havia chegado há pouco tempo quando foi a Cacine e eu assisti a uma conversa com o capitão Veiga da Fonseca em que pretendeu saber, naquele sector, quais as posições que deveriam ser abandonadas, se pretendesse recuperar tropa “de quadrícula” para dispor de mais unidades “de intervenção”. 

O nosso Batalhão – o BArt 1896 – tinha, então, seis Companhias no terreno – Cacine e Cameconde, Sangonhá e Cacoca, Gadamael e Ganturé, Guileje, Mejo e Gadembel e Ponte do Balana (acabados de construir) – e, obviamente, a CCS sediada em Buba. O capitão respondeu-lhe que, para não perder o controlo da estrada para Guileje e depois Mejo, não deveria abandonar nenhuma posição, mas se a ideia era aquela, então que abandonasse Cacoca e Sangonhá. 

A decisão veio alguns dias depois e passámos a “fazer sector” com a unidade de Gadamael. Os quartéis de Cacoca e Sangonhá foram simplesmente abandonados e a população aceitou bem a decisão (pareceu-me, pelo menos,) e repartiu-se, segundo as suas afinidades e desejos, entre Gadamael e Cacine, o que levou à realização de mais de 30 colunas em 20 dias, com as viaturas ajoujadas de carga e passageiros. Transportámos tudo o que se podia mover. Com os homens, mulheres e crianças, seguiram as mobílias, as roupas e os alimentos, os animais domésticos e até os telhados das casas (capim e as rachas de cibe). Uma autêntica migração realizada prioritariamente para Cacine, onde havia mais recursos, espaço e melhor protecção contra as actividades dos guerrilheiros. 

(...) Por volta de Março ou Abril de 1968, começámos a abrir à esquerda da estrada, como quem vai para Cameconde, uma área desmatada, com cerca de 50 metros de largura destinada a evitar que o inimigo conseguisse instalar-se a curta distância da estrada. Já tinha havido e voltou a haver, depois da nossa saída, emboscadas às colunas que iam de Cacine a Cameconde.

Aqueles 8 quilómetros de estrada eram diariamente percorridos: todas as manhãs e nos dois sentidos, por um pelotão de milícia, e pela coluna auto que saía e retornava a Cacine, sem horários marcados. A população colaborava diariamente, com mais ou menos vontade, nos trabalhos de desmatação com o objectivo de criar uma área de terreno cultivável e sob a vigilância de um grupo de combate, lá ia, formada em linha, cortando e abatendo tudo o que fosse vegetação. (..:) 

O mais insólito sucedeu no dia em que fomos atacados da ponta Cabascane. Devido às suas luzes, Cacine referenciava-se bem de longe e os serventes do PAIGC estavam inspirados, naquele fim de tarde. Por isso, algumas morteiradas caíram dentro do quartel. A flagelação teve lugar imediatamente antes do jantar, na altura em que, na varanda da vivenda que servia de messe, estávamos a apanhar fresco e beber um aperitivo. Cada um fugiu para o seu sítio e o gravador Akai do capitão continuou a tocar indiferente à flagelação. Era um gravador de fitas, com duas colunas grandes que davam um som óptimo (para o tempo). A mesa onde comíamos estava colocada a um canto da casa (um sítio bastante seguro) e o PIDE, sem lugar definido em caso de ataque, acabou por entrar em casa e esconder-se debaixo da mesa. Dali gritava para que alguém lhe “apagasse a música”. Porém, ninguém voltou atrás para essa tarefa. Depois do ataque, ao jantar, explicava que “não se deve brincar com a providência” e que aquela música, no meio das explosões, o enervara sobremaneira. Daí a sua respiração ainda resfolegante...

(...) As casas para a população de Cacoca e Sangonhá foram construídas, na área da antiga “Missão do Sono”, então desactivada pela erradicação da doença. O auxílio muito empenhado do pessoal da companhia foi essencial e foi a primeira vez que vi casas cuja construção começou pelo telhado. Tudo começava com a construção de uma estrutura que suportava o telhado. Depois, este ia sendo construído e coberto de capim. Por fim, eram as paredes que resultavam de um espécie de rede de paus mais curtos e espetados no solo que faziam ângulos de rectos com outros mais compridos dispostos na horizontal. No recticulado que assim se formava iam sendo colocadas, pela face interior, “chapadas” de lama que, secando, iam constituindo as paredes das habitações. (...)

O quartel de Cacoca ficou incluído no nosso sector e, de vez em quando íamos para aqueles lados. Até para que o IN não o tomasse como seu. Como era um ponto bem marcado no terreno e observável desde “o cruzamento” utilizámo-lo uma vez numa regulação de precisão de fogos de artilharia, com observação terrestre. (...)


Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > CCAÇ 1621 (1966/68) > 1968 > Picada de Sangonhá para Cacine. A CCAÇ 1621, que esteve antes em Cufar e Cachil, terminou a sua comissão em Sangonhá, em 1968. O aquartelamento de Sangonhá deve ter sido abandonado pelas NT em meados ou em finais de 1968. Os guerrilheiros do PAIGC fora, massacrados pela FAP,  em 6 de Janeiro de 1969, quando atacavam Ganturé, a partir da antiga pista de Sangonhá. Terão tido 36 mortos, e muitos feridos.(***).

Foto (e legendas): ©  Hugo Moura Ferreira  (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 22 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11133: Memória dos lugares (215): Cameconde (António J. Pereira da Costa, CART 1962, 1968/69) / Manuel Ribeiro , CART 6552/72, 1973/74, a companhia do célebre Lemos, do FC Porto que marcou 4 golos ao Benfica, em 31/1/1971)

(**) Reprodução parcial do poste de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6614: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (3): Gente de Cacoca e outros

(***) Vd. postes de:

 25 de fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2579: Álbum Fotográfico do Hugo Moura Ferreira (3): Em Sangonhá, a sul de Gadamael, com a CCAÇ 1621 (1968)

(...) Depois de estar em Cufar e Cachil, a CCAÇ1621 foi terminar a comissão em Sangonhá, que ficava a sul de Gadamael-Porto. O aquartelamento (e a tabanca) terá sido abandonado pelas NT em finais de 1968.

Fotos que foram cedidas por antigos camaradas de armas ao Hugo Moura Ferreira , entre eles o ex-Fur Mil Correia Pinto, e que nos foram enviadas em Julho de 2006, na sequência do Convívio anual do pessoal da CCAÇ 1621, em 2 de Julho de 2006.

O Hugo esteve na Guiné de Novembro de 1966 a Novembro de 1968, como Alf Mil Inf, primeiro na CCAÇ 1621, em Cufar e Cachil (de Novembro de 1966 a Junho de 1967), e depois na CCAÇ 6, em Bedanda (de Julho de 1967 a Julho de 1968). O Hugo já não acompanhoua a companhia, com destino a Sangonhá, por ter sido transferido para Bedanda (CCAÇ 6 - antiga 4ª Companhia de Caçadores) . A grande maioria do pessoal desta unidade era do Minho e Trás-os-Montes. O Hugo esteve pela primeira vez com eles, no convívio de 2 de Julho de 2006 . (,,,)

23 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)

(,,,) No dia 6 de Janeiro de 1969, cerca das 8 horas da manhã as forças do PAIGC, estacionadas na antiga pista do quartel abandonado de Sangonhá, iniciaram um ataque bastante cerrado com armas pesadas ao Destacamento de Ganturé, tendo caído algumas granadas no interior do mesmo.

O pessoal do destacamento [de Ganturé] respondeu com morteiro 81 e 60, mas o ataque continuava. Então pediram apoio a Gadamael, que reagiu com mesmo tipo de armamento e, se a memória não me falha, também com o obus 8,8 [, ou peça de artilharia 11,4 ?].
Mesmo assim a festa não parava e então pediu-se o apoio aéreo, que surgiu, composto por dois Fiat. Pediram-nos a localização provável de onde estávamos a ser atacados, e que sinalizámos com granadas de fumo, disparadas pelo morteiro 81. Dirigiram-se para essa zona e de imediato começámos a ouvir rajadas - eram de anti-aérea - e nós perguntámos aos pilotos se eram eles que estavam a fazer fogo, tendo-nos respondido que não! Então numa conversa entre ambos os pilotos, ouvimos um deles dizer ao outro "senti qualquer coisa no meu aparelho"! E comunicaram-nos que iam regressar a Bissau.

Passado algum tempo regressaram 4 Fiat e mais tarde 2 T-6 e uma DO [- Dornier 27]. Entraram pelo lado de Cacine e de imediato iniciaram o lançamento de bombas, cuja explosão era perfeitamente audível e sentida através de fortes tremores do solo. (Estávamos a uma distância de cerca de 6/8 Kms em linha recta).

A operação terminou cerca das 13 horas. Na tentativa de sabermos exctamente o que tinha acontecido, eu e o Rodrigues (ex-Alferes Miliciano) reunimos um grupo razoável de voluntários, e pedimos ao Capitão para nos deslocarmos ao local, mas a nossa pretensão não teve acolhimento. Apanhámos um grande balde de água fria!

Somente no dia 9 [de Janeiro de 1969, três dias depois], com apoio aéreo, é que fomos ao local. No percurso encontrámos carretéis de fio telefónico com uma extensão de cerca de 4/5 kms, abrigos individuais ao lado da estrada, e, na antiga pista [ de Sangonhá], armas destruídas e pedaços de corpos de negros e brancos e 13 sepulturas. Uns dias depois tivemos a informação de 36 mortos confirmados e muitos feridos.

O aspecto do local era medonho! A terra, cuja cor natural é avermelhada, tinha a cor cinza! O intenso cheiro a putrefacção! Os abutres (jagudis) às dezenas! As árvores queimadas! Enfim. (...).

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11127: Memória dos lugares (214): Cameconde, no subsetor de Cacine, o destacamento mais a sul do CTIG... (José Vermelho / Augusto Vilaça / Juvenal Candeias)



Guiné > Mapa geral da província ( 1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Cameconde, a guarnição militar portuguesa mais a sul, na região de Quitafine, na estrada fronteiriça Quebo-Cacine... Em 1968 era o batalhão que estava em Buba (BART 1896, 1966/68) quem defendia esta importante linha de fronteira...


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

1. Há mais de duas dezenas de referências a Cameconde, no nosso blogue, mas há informação este destacamento, que dependia de Cacine (*). Fomos recolher alguns apontamentos:




Guiné  > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > c. maio de 72/abril 73) > O José Vermelho, quando passou pela CCAÇ 6, as "Onças Negras".

Foto: © Vasco Santos (2010). Todos os direitos reservados.


(i) José Vermelho, nosso grã-tabanaqueiro nº 471, fur mil, CCAÇ 3520 - Cacine, CCAÇ 6 - Bedanda, CIM - Bolama, 1972/74):

(...) Cameconde era um destacamento de Cacine, distando 6/7 Kms entre si.

Tinha uma forma mais ou menos rectangular, talvez aí de uns 50 por 70 mts., encravado no meio da mata, completamente isolado, sem qualquer população civil.

Era o destacamento das N/T situado mais a sul da Guiné.

Tinha em permanência 1 Pelotão de Artilharia + 1 Grupo de Combate de Cacine, sendo este substituído mensalmente por outro, em regime rotativo.

Era feita uma coluna diária Cacine - Cameconde (com picagem) e volta.

Nos primeiros meses de 1972, também fui um dos "turistas voluntários à força", convidado a visitar Cacoca...isto é...o pouco ou nada que restava dela!

Um abraço para todos os camaradas

José Vermelho [ Comentário ao poste P11109]


(ii) Augusto Vilaça [ex-Fur Mil da CART 1692/BART 1914, Sangonhá e Cacoca, 1967/69]

Quando viemos para Cacine, tínhamos o destacamento, Cameconde, onde tínhamos de estar 15 dias. Quando haviam flagelações, bastava uma "obussada " para que os turras desistissem. Eu tirei a especialidade em artilharia, mais concretamente em armas pesadas, como bazuca, morteiros de 60 ou 120 mm. Chefiava uma secção de 5 homens.

Pergunta do J. Casimiro Carvalho:

Ó Gusto, isso aí deve ser um 10,5  [,. referência a foto, a seguir,  do Augusto Vilaça junto a um obus que me parece ser 8.8] ?! Cameconde era com abrigos, casamatas ? Eu estive aí em 73.

Resposta de Augusto Vilaça:

Olá. Quando lá estive, o nosso refúgio eram os abrigos, um em cada quadrado. Como sabes, esses abrigos eram muito frágeis. Felizmente nunca caíu um morteiro neles, senão.....

Comentário de Silvério Lobo:

Amigo augusto estive lá, em 2008, com o Luís Graça, vi um abrigo bem forte, com alguns frases do vosso tempo [Eu e o Silvério Lobo, estivemos em Cacine, não em Cameconde]

Comentário de J. Casimiro Carvalho:

Eu estive de passagem em Cacine. Cameconde tinha casamatas fortificadas e estava desativado. Ou estou enganado ?

[Fonte: Página do Facebook da Tabanca Grande, Grupo Antigos Combatentes da Guiné, 30/7/2012]


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Setor de Cacine > Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) > Visita dos participantes ao sul > Por aqui passou a CART 1692... Esta tosca placa em cimento, delicioso vestígio arqueológico dos "tugas", diz-nos que em dois dias, de 16 a 18 de Abril de 1968, foi construído este abrigo, em tempo seguramente recorde, a avaliar pelas "60 bebedeiras neste 'priúdo'... TRABALHO RÁPIDO". Estão também gravados dois topónimos portugueses, Nisa e Alenquer.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2 de março de 2008 > Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 março de 2008) > O Silvério Lobo junto a uma "bunker", construído pelas NT em cimento armado (, seguramente pelo BENG...).

Fotos: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados


(iii) Quem tem estórias, deliciosas, de Cameconde (e de Cacine) é  o Juvenal  Candeias (, ex-alf mil, CCAÇ 3520,  Estrelas do Sul, Cacine e Cameconde e Guileje, 1971/74]  [, foto à esquerda]

Reproduzo aqui, a do Viente Piu (**)

(...) Vicente era o Furriel de Minas e Armadilhas do 2º Grupo de Combate da CCaç 3520! Popularmente era conhecido por Piu, alcunha que nada tinha a ver com um temperamento piedoso, mas simplesmente com o seu vício de caçador de passarada!

Era ele, provavelmente, quem mais contribuía para o moral elevado das nossas tropas. Embora não fosse aquilo a que habitualmente chamamos uma figura carismática, o Vicente era a boa disposição permanente e contagiante, que nos permitia rir com gosto e facilidade!

Era o homem sempre pronto a pregar partidas aos camaradas!

O Vasconcelos, Furriel de Artilharia em Cameconde, homem dos obuses 14, era uma das suas principais vítimas! Pequenino e bom de bola, fazia inveja ao Garrincha, de tal modo as suas pernas eram arqueadas, e, segundo o Piu, bastante feias! Por essa razão, andava sempre de calças e só tomava banho à noite e sozinho! Salvo quando o Vicente lhe colocava baldes de água em cima das portas por onde ele ia passar!

O Vasconcelos veio à Metrópole de férias e terá conhecido, numa festa, uma miúda por quem se apaixonou! Quem escolheu para confessar a sua paixão? Exactamente o Piu, que explorou exaustivamente a situação, obtendo informação detalhada! Estava em marcha mais uma partida!

O correio enviado diariamente por Cameconde aguardava transporte em Cacine. A correspondência chegava e partia de Cacine, na melhor das hipóteses uma vez por semana, em avioneta Dornier 27. O pessoal que estava destacado em Cameconde recebia o correio no dia seguinte, através da coluna auto que todas as manhãs ligava os dois aquartelamentos.

Com alguém em Cacine feito com o Piu, o Vasconcelos começou a receber correspondência da sua paixão, aerogramas que eram escritos e falsificados em Cameconde pelo Piu, vinham a Cacine e voltavam a Cameconde, sempre que havia correio geral a distribuir. Naturalmente que as respostas do Vasconcelos nunca passavam de Cacine, voltando a Cameconde, onde eram entregues ao Piu.

O detalhe da tramóia incluía carimbos e restantes pormenores que faziam acreditar no realismo da correspondência! O conteúdo, inicialmente erótico, posteriormente pornográfico, com inclusão de sexo virtual, era do conhecimento de todos, apenas o Vasconcelos desconhecia a partida! Estava cada vez mais apaixonado… e continuava a confessá-lo ao Piu com quem, ainda por cima, comentava o correio que recebia da sua paixão!

A partida durou as semanas que o Piu entendeu e quando se fartou… escreveu uma última missiva, identificando-se, descompondo o Vasconcelos e chamando-lhe alguns nomes que pouco abonavam a sua masculinidade!

Acabou, assim, deste modo abrupto, um passatempo que animou, durante algum tempo, o destacamento de Cameconde, buraco do… cú do mundo, onde nada existia e nada acontecia, para além de umas bazucadas com maior frequência que a desejada! (...)

(iv) Sobre esta região, o Quitafine, leia-se o excelente enquadramento feito pelo Juvenal Candeias  [, foto à direita, então alf mil da CCAÇ 3520] (***):
(...) A região do Quitáfine, a Sul de Cacine, era considerada o santuário do PAIGC, que aí estava fortemente instalado e provido de dispositivos de segurança, que tornavam os nossos movimentos impossíveis, salvo com utilização de meios excepcionais. Trilhos minados e sentinelas avançadas, permitiam-lhes uma tranquilidade apenas quebrada pelos obuses de 14 cm, disparados do nosso destacamento de Cameconde!

Os efectivos de que dispunham com um grupo especial de 20 lança-granadas, responsável pelas constantes flagelações a Cameconde, apoiado por um bigrupo disperso pela zona de Cassacá e Banir (onde se supunha estar o comando), eram reforçados por uma vasta população armada em auto-defesa, distribuída, entre outras, pelas tabancas de Ponta Nova, Bijine, Dameol, Cassacá, Banir, Campo, Cassebexe e Caboxanque.

O PAIGC furtava-se sistematicamente ao contacto, optando por uma estratégia defensiva de protecção às populações que controlava, privilegiando as flagelações e a colocação de engenhos explosivos! Quem circulava a Sul de Cambaque (que distava cerca de 3 Km de Cameconde) tinha como certo algumas surpresas no trilho! Provavelmente um campo de minas e a seguir (algum humor-negro), munições de Kalash espetadas no chão formando a palavra PAIGC!

O Quitáfine permitia ainda,  ao PAIGC,  um reabastecimento regular e seguro, processado a partir da República da Guiné, através de vários rios, em especial o Caraxe e o Camexibó! Ao dispositivo militar juntava-se uma mata densa intransponível!

Os pára-quedistas, após uma operação no Quitáfine, só à noite conseguiram chegar a Cameconde, com grande dificuldade e orientados pelo clarão da queima de cargas de obus, em cima dos abrigos!  O grupo de Marcelino da Mata, largado de helicóptero, fez um golpe de mão a Cabonepo, a base do PAIGC mais a Norte do Quitáfine, onde estaria instalado um posto transmissor. Quando chegou, após lenta progressão através da mata… não havia lá nada… a base tinha sido abandonada momentos antes!

O Quitáfine era, efectivamente, o santuário do PAIGC, desde o início da guerra! Foi ali que se realizou, na tabanca de Cassacá – a 15 Km de Cacine e a 8 Km de Cameconde -, em meados de Fevereiro de 1964, o 1º Congresso do PAIGC, com a presença de Amílcar Cabral, Luís Cabral, Aristides Pereira e outras individualidades do Partido!

A CCaç 3520 tinha chegado ao porto de Cacine, a bordo da LDG Montante, em 24 de Janeiro de 1972, para render a CCaç 2726 – companhia açoriana comandada pelo Capitão Magalhães -, o homem que retorcia as pontas do bigode com cera e a quem o tabaco nunca faltava! Dizia-se mesmo, à boca pequena, que, quando o tabaco acabava em Cacine, o PAIGC deixava, no mato, uns macitos para o Capitão! Rumor ou realidade… ninguém sabe! Ficou por provar!

Decorria ainda o período de sobreposição, que se prolongou até 22 de Fevereiro, quando foram recebidas instruções de Bissau, para ser preparada uma operação ao Quitáfine – Cabonepo e… Cassacá! (...)



Plano de retração das guarnições militares portuguesas, no pós-25 de abril. Região sul. Cameconde e Gadamael foram desativados no mesmo dia,  19 de julho de 1974. Cacinbe, uns dias mais tarde, a 12 de agosto.  Nesta lista há 3 aquartelamentos que pertenciam ao leste, não ao sul: Bambadinca, Mansambo e Xime. Reprodução (parcial) da página 54 (de um total de 74) do relatório da 2ª rep/CC/FAG, publicado em 28 de fevereiro de 1975, e na altura classificado como "Secreto".

Sangonhá e Cacoca já tinham sido abandonados no início do consulado de Spínola, no 2º semester de 1968, como conta aqui o António J. Pereira da Costa, numa das histórias da sua "guerra a petróleo", e quando ele foi alferes QP da CART 1692.

Digitalização do documento: Luís Gonçalves Vaz (2012) / Edição das imagens: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012) ]
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