Mostrar mensagens com a etiqueta Mário Cláudio. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Mário Cláudio. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 1 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13352: Notas de leitura (607): Livro de memórias de guerra, de António Ramalho de Almeida, médico pneumologista, do Porto, ex-alf mil, GG, Bissau, 1964/66



Guiné > Bissau > Finais de 1965 > Numa esplanada da capital (Hotel Portugal?), da esquerda para a direita, Júlio Abreu (1º cabo), Virgínio Briote (alf mil) e Tony Ramalho (alf mil, mais tarde médico no Porto).

Fotos (e legendas): © Júlio Abreu (2008). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]


Guiné > Bissau > Hotel Portugal > Novembro de 1965 > Da esquerda para a direita,  Vilaça, Valente S, um 3º elemento não identificado, Gião, Virgínio Briote, Marques e Tony Ramalho (hoje, médico pneumologista, no Porto, e escritor: de seu nome completo, António Herculano Ramalho Nunes de Almeida).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2014). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]


1. Em 2 de junho último, o Virgínio Briote deu-me notícia da existência do seu (e nosso) camarada António Ramalho de Almeida a quem fica, desde já, o convite para integrar a nossa Tabanca Grande:

Viva Luís,

Há muitos anos que não o vejo [, ao Tony Ramalho]. Tenho o livro que ele escreveu sobre a comissão dele na Guiné e comprei-o na Barata há já alguns meses.

Sei que ele é pneumologista e trabalhou no Hospital Rodrigues Semide (Gaia). De funções oficiais está certamente reformado.

Anexo uma foto em que estamos à mesa do hotel Portugal onde tínhamos mesa reserva para jantar. É uma foto de Novembro de 1965, talvez.

Abraço, V Briote


Título: "Guiné Mal Amada - O inferno da guerra"
Autor: António Ramalho de Almeida
Editor: Fronteira do Caos Editores
Local: e data: Porto, 2013
Distribuição:  Gradiva Publicações Lda
Rua Almeida e Sousa, n° 21, R/C – Esq.
1399-041 Lisboa
Nº de pp.: 224
ISBN: 989-864-70-47
Preço de capa: 14,76€

2. Sinopse (excerto da capa):

Promissor estudante de medicina, António Ramalho de Almeida vê-se subitamente mobilizado para o serviço militar obrigatório na sequência da contestação estudantil ao regime ocorrida no Dia do Estudante no ano de 1963, em Lisboa. 

Após a recruta em Mafra,  foi colocado na Escola Prática de Cavalaria em Santarém, onde tirou a especialidade na Arma de Cavalaria. É mobilizado para a Guiné, como oficial miliciano, e recebe como missão dar instrução aos locais, entretanto organizados em companhias de milícias. Mas a sua presença na Guiné não se esgota na instrução das milícias. Em Guiné Mal Amada, o inferno da guerra o autor descreve-nos o território, as populações, a presença portuguesa, e a guerra. A guerra na Guiné em toda a sua complexidade: as patrulhas, as colunas logísticas, as emboscadas, o perigo das minas, a contra-informação, os boatos, as traições. Tudo isto e muito mais, escrito por quem esteve presente, e viveu os acontecimentos na primeira pessoa. São estes os ingredientes que fazem deste livro um testemunho original, apaixonante, e intenso. (Fonte: Fronteira do Caos Editores).


3. O livro do nosso camarada, ex-alf mil  do QG, Bissau  1964/66, António Ramalho de Almeida (*) foi apresentado no Porto e depois em Lisboa, na sede da Fundação Portuguesa do Pulmão, em 5 de Julho de 2013. A explicação é simples: o autor de “Guiné Mal Amada, o Inferno de Guerra” é hoje médico pneumologista, reformado..

Segundo contou o autor à jornalista Cláudia Pinti que o entrevistou, a ideia da obra partiu de uma pergunta inocente de uma das netas do autor. Da ideia à sua execução foi um salto. O livro foi redigido e concluido em poucos meses. Dessa entrevista, disponível na página da Fundação Portuguesa do Pulmão, extraímos alguns excertos, com a devida vénia:

(...) Como surgiu a ideia de escrever este livro?

Uma das minhas netas perguntou-me um dia o que tinha sido a guerra de África e se a mesma estava relacionada com o 25 de Abril. Fiquei surpreendido com aquela pergunta de uma menina de 12 anos e já com alguma escolaridade e disse-lhe que iria escrever duas ou três páginas para que ficasse a saber o que foi a Guerra do Ultramar. Comecei a escrever em manuscrito mas entusiasmei-me e fui desenvolvendo. Entreguei o que tinha escrito às minhas netas mas achei que ter aquele material apenas manuscrito não era suficiente e falei com o meu editor. Com a sua insistência e interesse, acabei por desenvolver a escrita do livro e foi um processo muito rápido. Em três, quatro meses concluí o livro.

A escrita é uma paixão. Podemos afirmar que se ganhou um médico pneumologista e perdeu-se um escritor?

Este é o 10º livro que publico mas não me considero escritor. Sou muito amigo de um verdadeiro escritor, o Mário Cláudio, que me diz que um escritor sente uma necessidade compulsiva de escrever. Sou médico, gosto muito da minha profissão mas praticamente todos os meus livros estão relacionados com situações que se vão passando na minha profissão. Enquanto pneumologista, tenho-me dedicado muito ao estudo da tuberculose e já publiquei vários livros relacionados com a doença cuja leitura está ao alcance de todas as pessoas.

A quem aconselha a leitura deste livro?

Aconselho este livro a todas as pessoas que tiveram no Ultramar porque irão rever muitas das situações pelas quais passaram e aos jovens porque não imaginam o que foi a guerra. Por aquilo que a minha neta me deu a entender, os jovens têm uma noção muito “leve” daquilo que foi a guerra que na verdade foi um conflito que matou cerca de 4000 portugueses. Muita gente ficou sem pai e muitas mulheres ficaram sem marido. Foi uma batalha dura sobretudo quando os militares viam que aquele conflito só tinha uma saída política. O fim daquela guerra não seria militar mas sim politico.

Foi difícil escolher o título do livro?

Escolhi o título “Guerra mal amada, inferno de guerra” porque para além do cenário de guerra, havia paralelamente uma beleza fantástica que só a África sabe dar. Passávamos por aquelas matas e víamos coisas fantásticas. Descrevo no livro uma noite em que fiz uma emboscada e em que havia um silêncio total no mato, quase um silêncio incomodativo. Era de uma beleza enorme a que uma pessoa não consegue ficar indiferente. Este foi o palco de uma guerra em que morreram muitas pessoas mas inserido num cenário da beleza africana.

(...) A sua neta deve sentir-se muito orgulhosa deste seu projecto e do facto de a ideia ter partido de si…

Para uma jovem de 12 anos, é um orgulho muito grande assistir ao lançamento de um livro cuja ideia partiu dela. Nunca imaginou que o desfecho da sua questão sobre a guerra fosse o lançamento deste livro e obviamente ofereci-lhe um exemplar com uma dedicatória muito especial que julgo que irá guardar toda a sua vida.

Já está a idealizar um novo livro?

Sim, estou a preparar o meu primeiro romance mas também relacionado com a tuberculose que conta a vida de um grupo de pessoas que está internado num sanatório privado. Há um conjunto enorme de situações que se vão desenvolvendo ao longo de sete anos muito marcantes do ano de 1958. Escolhi este ano porque foi nesta época que se começou a definir o tipo de tratamento para a tuberculose com medicamentos, foi o ano de eleições do Humberto Delgado e dentro das pessoas que estavam no sanatório, uma das pessoas era um político activista. É uma espécie de um diário com histórias muito engraçadas.

A escrita ajuda-o a gerir o stress do dia a dia?

Sou um médico muito activo porque trabalho com o estrangeiro, tenho um Congresso a que me dedico muito para a Medicina Geral e Familiar, faço investigação, tenho o meu consultório e os meus dois grandes hobbies são a escrita e a tocar música. Ambos colocam-me apto para realizar o meu trabalho no dia seguinte com todo o entusiasmo.

Texto: Cláudia Pinto
Jornalista
[Reproduzido com a devida vénia]
_______________

Nota do editor:

Último poste da série de 30 de Junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13347: Notas de leitura (606): "Camaradas, Independência", fotografias de Tadahiro Ogawa nos campos do PAIGC (Mário Beja Santos)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7398: In Memoriam (65): Faleceu o nosso camarada João Barge, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Tertúlia / Editores)

1. O nosso camarada Hugo Guerra, por contacto telefónico, deu-nos ontem conhecimento do falecimento de João Barge* (foto à esquerda), amigo de Carlos Nery e do Rui Barbot / Mário Cláudio  e camarada de Idálio Reis na CCAÇ 2317 (Gambembel, 1968/69).

Tanto quanto é possível saber-se, o seu funeral terá ocorrido hoje nas Caldas da Rainha.

Queremos deixar à família,enlutada, e em especial à sua filha Maria do Carmo Barge,  deste malogrado camarada e amigo, as nossas mais sentidas condolências.

Cada camarada que morre leva um pouco do nosso colectivo de ex-combatentes. Somos cada vez menos para contar quão grande foram o nosso sofrimento e o nosso sacrifício e para exigir o devido reconhecimento.

Aqui fica nestas fotos a nossa singela homenagem a um tertuliano que não teve muito tempo nem saúde para nos contar pormenores da sua passagem por terras da Guiné, onde foi Alf Mil ao serviço da CCAÇ 2317.


Bissau > João Barge, com 15 meses de comissão


Bissau > João Barge e Rui Barbot (Mário Cláudio)


Gandembel (Ponte Balana) > Dezembro de 1968 > João Barge à entrada do abrigo onde dormia com os seus camaradas.



João Barge no papel de Mr. Martin na peça "A Cantora Careca", levada à cena em Abril de 1970 em Bissau e encenada por Carlos Nery. Vd. Poste 6935*.


Representação da peça "A Cantora Careca", de Ionesco, encenada em Bissau pelo Cap Mil Carlos Nery  > Casal Martin (João Barge e Maria Guilhermina)


João Barge com o seu "encenador" Carlos Nery (ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2382), no V Encontro da Tertúlia, em Monte Real, em Junho passado. Encontraram-se justamente aqui, neste dia, ao fim de 40 anos!!!
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

3 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (12): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)
e
4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6935: A Cantora Careca, estreado em Bissau no dia 5 de Abril de 1970 (Carlos Nery)

Vd. último poste da série de 29 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7357: In Memoriam (64): Hoje faleceu o Alfredo Dinis (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)

sábado, 4 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6935: A Cantora Careca, estreado em Bissau no dia 5 de Abril de 1970 (Carlos Nery)

Mensagem de Carlos Nery (ex-Cap Mil, Comandante da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), com data de 29 de Agosto de 2010:

Caros Camaradas,
Tantas vezes prometido, aí vai o material para o Poste sobre A Cantora Careca, estreado em Bissau em 05ABR70.
Como expliquei trata-se de um trabalho conjunto, meu, do Mário Cláudio e do João Barge. Já têm foto minha e do Mário Cláudio, usadas do antecedente, noutros Postes.

O Barge remeteu-me a sua, agora, com idêntico objectivo. Enviar-vos-ei o email que recebi dele. Poder-se-á, certamente, encontrar forma de colocar as três no início do Poste. Há outras que não possuo e que seria interessante incluir. De Otto de Habsburo, de Carlos de Áustria (seu pai), talvez de Aristides de Sousa Mendes. E, por fim, dos três majores assassinados. Enfim, vocês verão se isso é possível.

Dia 4, sábado, vamo-nos encontrar os três, no Porto. Direi que desde 1970 que tal encontro não tem sido possível.
Teria graça se o Poste estivesse pronto, nessa data... Vocês verâo se isso é possível.

Tentarei fazer fotos do encontro e, se houver matéria de interesse, tentarei fazer um Poste sobre esse reencontro.

Um abraço forte,
Carlos Nery



“A Cantora Careca”, Bissau, Abril de 1970 (Maria Guilhermina, Rui Barbot e João Barge)

Verbete

A empresa de levar à cena nas adjacências do Quartel-General de Bissau A Cantora Careca, de Ionescu, produzida pelo então capitão miliciano Carlos Nery Gomes de Araújo, ainda hoje retém, quando lembrada, uma intocada luz de audácia juvenil, e de discreta rebeldia. Tratava-se de descerrar uma certa janela, propiciadora de mais funda respiração, no quadro constritor da guerra, e com tal gesto propunha-se o grupo de gente moça, mobilizado por Carlos Nery, prestar serviço aos camaradas que, interessados em pensar para além daquilo que constituía motivo de colectiva apreensão, poderiam ver no teatro moldura adequada ao exercício da sua inteligência, e da sua fantasia.
Entre as recordações da pequena aventura, documentada por textos e fotografias, uma muito especial ficaria, exclusivamente guardada na memória, e que oferece agora, quatro décadas passadas, algum pretexto de reflexão.
Um jornalista estrangeiro, afecto ao regime português da altura, e que viajava em reportagem pelas três frentes de combate, tendo assistido a uma das récitas daquele espectáculo vanguardista, levantado na maior economia de meios, viria felicitar-nos efusivamente, a nós, artistas mais ou menos improvisados, com palavras que não se esqueceriam. Chamava-se o senhor Otto de Habsburgo, e representava tão-só a última candidatura ao trono imperial austro-húngaro, esse mesmo que com Carlos V, rei de Espanha, se arrogara um domínio de além-mar que apenas com Manuel I, rei de Portugal, por algumas décadas partilharia.
Relata-se isto para que conste, e para que se reabram os compêndios de História.
Que importam ao fraterno convívio as opções ideológicas, navegantes como somos, todos nós, na nau de velas pandas da relatividade do Tempo?

Mário Cláudio
(alferes Barbot)

************


1 – Prontidão de Embarque

Carlos Nery - No início de Novembro de 1969, vinda de Buba, a CCAÇ 2382 chegava a Bissau, ficando adida ao BART 2866, em Brá.
Tinha terminado a parte mais dura da nossa comissão. Somos declarados com prontidão de embarque a partir de 10JAN70. Porém, até Março, iríamos, ainda, colaborar na segurança da cidade, de algumas das suas instalações militares e de destacamentos próximos.

João Barge - Anos 70 do século passado, ou, para ser mais exacto, na transição de Dezembro de 1969 para Janeiro de 1970!

Carlos Nery - Bissau era cheia de vida, de movimento, de civis e de militares. As viaturas corriam por toda a cidade. Esta ocupava uma vasta área, as distâncias eram grandes. Não raro, viam-se oficiais pedindo boleia a viaturas militares que passavam a grande velocidadade fingindo não os ver.

João Barge - Estava eu então, pela cidade, um pouco órfão, uma vez que a Companhia que me tinha acolhido, ainda em 1968, em rendição individual, a CCaç 2317, regressara a Portugal, pouco antes, acabada a comissão de serviço.

Carlos Nery - Era ao fim da tarde e à noite que a cidade se tornava mais atractiva. Tomado um duche e mudada a roupa, saíamos de Brá, da sede do Batalhão, em grupo, num velho jipe, para a Messe de Oficiais. Aí jogava-se bridge, conversava-se, tomavam-se bebidas. O uísque, livre de taxas ou de impostos, era mais barato do que a água Perrier que se usava para beber com ele.

João Barge: Talvez porque amargara (e amargurara)...

João Barge - Talvez porque eu amargara (e amargurara) Gandembel e Ponte Balana, e logo a seguir, para não me desabituar, também amargara (e amargurara) Buba, resolveram poupar-me a maiores infortúnios bélicos e colocaram-me no Quartel General, na Secção de Transportes Marítimos. Daí as idas frequentes, de dia e tantas vezes de noite, ao cais do Pidjiguiti. Ficou-me, nos olhos e talvez na alma, a marginal, com suas palmeiras, com seu cheiro a mar e a gente, com aquela brisa que chegava ao fim da tarde e me reconciliava um pouco com tudo e com todos.

Carlos Nery - Em certas noites da semana, junto da piscina onde se improvisara um recinto de cinema ao ar livre, eram projectados filmes recebidos dos distribuidores de Lisboa.

João Barge - Não era muito o tempo livre mas, ao fim do dia, normalmente rumava ao Clube Militar, para mastigar qualquer coisa, bebericar um qualquer álcool e trocar dois ou três dedos de conversa. O Clube Militar era basicamente a Messe de Oficias, a piscina e um cinema ao ar livre. Havia quem não se encolhesse muito a afogar as mágoas, havia quem se desse mais ao jogo.

Carlos Nery - Uma bela noite fez a sua irrupção uma novidade, o Bingo! Na época era desconhecido, mesmo em Portugal. Em sessões cada vez mais concorridas, por fim ao ar livre nas belas noites de Bissau, compravam-se cartões e ouviam-se anunciar os números saídos. Por último, havia já grandes painéis iluminados onde os mesmos eram exibidos. Os prémios eram aliciantes, objectos caros adquiridos nas lojas que proliferavam na baixa da cidade.

João Barge - A minha “praia” era outra, cinema sim, o resto nem por isso.

Carlos Nery – Já me ocorreu se todo aquele aparato não se destinaria a permitir, sem chamar a atenção, a compra de idênticos artigos a ser oferecidos, pelos Majores Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório, aos seus interlocutores, durante as negociações que estabeleciam, nessa altura, com quadros intermédios do PAIGC. Sabendo-se que quem os assassinou foi quem com eles dialogou, em encontros sucessivos, pergunto-me se não contribuíu para a sua eliminação o receio de que, se tivessem sido feito prisioneiros, pudessem vir a revelar pormenores comprometedores para os seus captores.


2 – Dar a Outra Face

Arménio Vicente e duas amiguinhas nossas que preferiam os ensaios a outras brincadeiras e que já sabiam de cor toda a peça... Onde estão hoje vocês, queridas amigas?

João Barge - Ora como o mundo é pequeno e a Guiné não é grande, por esse tempo, entre tanta e desvairada gente que no Clube Militar desaguava, quem haveria de por ali também aparecer? O Cap. Mil. Gomes de Araújo, comandante da CCaç 2382, companhia que estava em Buba, quando a minha, a CCaç 2317, também ali esteve, nos meses de Fevereiro a Maio de 1969.

Carlos Nery – Não me recordo como mas, em dada altura, passaste a fazer parte do nosso grupo, que não jogava, era pouco dado à bebida e não apreciava o Bingo por aí além.

João Barge – Saíamos para o recinto da piscina, deserto à noite, e conversávamos.

Junto à piscina (Rui Barbot, Maia Alexandre e Maria Guilhermina)

Rui Barbot - Maio de 68 tinha sido há menos de dois anos, de Portugal vinham notícias de confrontos entre estudantes e o poder, havia notícias de Associações encerradas, os “gorilas” tinham feito a sua aparição nas Faculdades. No ano anterior haviam-se realizado eleições em Portugal. Não faltavam motivos de conversa que, claro, incidia também nas peripécias da guerra da Guiné.

Carlos Nery - Lembram-se de que o Tenente-Coronel Saraiva, homem culto que havia sido amigo de José Régio, responsável pelo Clube, nos pediu para o ajudar a seleccionar os filmes a exibir? Engraçado, tendo nós feito uma escolha baseada na qualidade, logo os distribuidores avisaram que, para poder alugar esses, teriam que ser aceites outros filmes, digamos, de qualidade inferior... Aliás, isso veio ao encontro das reclamações de alguns oficiais que se queixavam, afirmando querer distrair-se e não ter de pensar nos problemas propostos pelos realizadores de maior nomeada de então, os Bergman, os Antonioni, os Fellini, os Rosselini, os Claude Chabrol...

João Barge - Ora um belo dia, tu, o Cap. Gomes de Araújo, cristianissimamente e sem que tivesse havido qualquer ofensa prévia, presumo eu, resolveste dar a outra face, a tua outra face: e surge o encenador Carlos Nery mais o projecto de criar de raiz um grupo de teatro.

Analisando o texto (Arménio Vicente e Maria Guilhermina)

Carlos Nery – Das conversas sobre Cinema passou-se ao Teatro... E em fazer-se Teatro... E em breve tínhamos uma bela PEDRA para fazermos uma bela SOPA: uma IDÉIA! Mas como conseguir os legumes, o sal e mais temperos, as ervas aromáticas? Não tínhamos, nem texto, nem palco, nem actores, nem técnicos, mas... começámos o trabalho!


3 – Onde se fala em “Audácia”, “Rebeldia”, “Ousadia” e até em “Coragem”...

Bombeiro (Maia Alexandre)

Rui Barbot - “A empresa de levar à cena A Cantora Careca, de Ionesco, ainda hoje retém, quando lembrada, uma intocada luz de audácia juvenil, e de discreta rebeldia”, escrevi lá em cima, no textinho a que pus o título de Verbete...

João Barge – O Luís Graça, aqui do blogue, já deu uma opinião semelhante...
“Parabéns pela ousadia e até coragem de levar à cena a peça do Ionesco”, disse num comentário ao P6183...

Maria Guilhermina, Rui Barbot e João Barge

Carlos Nery – Tem graça nunca pensei nesses termos. E quando fui o “motor” do empreendimento
admiti tudo menos ser necessário coragem para tomar tal iniciativa... Nunca senti a coisa assim... Mas, passados estes quarenta anos, pode ser... É que a obra de arte ultrapassa, muitas vezes, a intenção do artista, como sabemos.... Na altura, pensei que a nossa coragem residia unicamente em preferirmos aquele nosso convívio a eventuais “copofonia” ou “batota”, lá dentro, na messe...


4 – Traz Outro Amigo Também

Conversa com o público (João Manuel, Rui Barbot, Ana Maria, Carlos Nery, Maria Guilhermina, João Barge, Lisa Nunes, Maia Alexandre e Arménio Vicente). Notem-se os elementos de cena muito simples, as mesas de refeitório proporcionando o tablado e o conjunto de improvisados projectores.

João Barge – Do nada, na base de um amigo que traz outro amigo também, o grupo foi nascendo e fazendo o seu caminho, descobrindo e formando actores, inventando técnicos, confiando o guarda-roupa a senhoras sábias e generosas (1), improvisando palco e materiais de cena, propondo, discutindo, até se chegar à primeira peça (afastados o Auto da Índia e a Gota de Mel para evitar melindres maiores) - um texto de Eugène Ionesco - La Cantatrice chauve (A Cantora careca), publicado em 1950, um clássico do chamado Teatro do Absurdo.

Casal Martin e Mary (João Barge, Maria Guilhermina e Lisa Nunes)

Carlos Nery – Sugeri, efectivamente, esses dois textos: “A Gota de Mel” de Léon Chancerel (2) e o “Auto da Índia” de Gil Vicente. O primeiro é um poema lindíssimo que crítica o absurdo da guerra. O segundo, todos sabemos, evoca alguns aspectos negativos da nossa expansão marítima. Fidelidades e infidelidades de um casal separado pela ausência do marido na India, marido esse que, no regresso, se assume sem rebuços como um émulo, no sec. XVI, do já célebre Capitão Garcez... Pois bem, pediram-nos que fizéssemos outra coisa...
“Ah, grande Gil Vicente!”, lembro-me de ter exclamado...


5 – Dialogar no Caos



Mr. Martin (João Barge)
Mr. Smith (Rui Barbot)

Rui Barbot – E foi aí que irrompeu “A Cantora Careca”, de Eugene Ionesco. Teatro de Absurdo no teatro de Guerra? Tinha algum sentido...

Carlos Nery - “A peça que seleccionamos serve, porém,inteiramente a nossa finalidade: propor uma saída para eventuais conversações labirínticas ou marcar uma pausa na eternidade de certos jogos.
Que uma dúzia de pessoas haja decidido pôr em comum os seus esforços e tentar esta prova, pode ser em absoluto indiferente; pode causar surpresa, admiração e mesmo um certo alarme. Qualquer reação se justificará, se a não justificar o espectáculo que ides ver.
Gostaríamos, porém - e só formulamos este voto - que nos pudesse aproveitar a lição das personagens de Ionesco: - a lição de que, apesar de tudo, é possível dialogar no caos. E talvez nem seja preciso gritar muito alto."

Rui Barbot – Escrevi isso, em 1970, para o programa, não foi?


Mrs. Smith (Ana Maria)

Carlos Nery – Barbot, essa de que “ apesar de tudo, é possível dialogar no caos” era bastante ousada, naquele contexto... Não nos esqueçamos de que eram tempos em que se não dialogava com “terroristas”...

Rui Barbot - “E talvez nem fosse preciso gritar muito alto”, apetece insistir.

Carlos Nery – Valeu-nos a Comissão de Censura não ter alçada ali no Clube Militar...


6 - Un son mon ka ta toka palmu

Durante o ensaio (Ana Maria e Carlos Nery)

João Barge - Bem, mas escolhido o texto, mãos à obra. Ensaios diários, perceber o espectáculo no seu conjunto, cada um a aprender o seu papel, a trabalhar a voz, a decorar as marcações, a ganhar ritmo, a dar e receber as deixas tantas vezes até que a naturalidade apareça. E tu, agora Carlos Nery, metidos na gaveta os galões de capitão, a explicar, a corrigir, a incentivar, a acreditar e a fazer-nos acreditar. Um grupo unido na certeza de que todos juntos haveríamos de conseguir. Un son mon ka ta toka palmu (provérbio Bissau-guineense: uma só mão não chega para bater palmas).

Carlos Nery - Todas as portas se nos abriam. O tablado? Mesas de refeitório, presas solidamente, de topo para o público, ligeiramente inclinadas para permitir uma melhor perspectiva. Iluminação? Explica-se a um electricista militar, o soldado António Esteves, de pronto conquistado pelo nosso projecto, como se improvisa um orgão de luzes. E para projectores de cena, os usados, nas unidades de mato, para iluminar o terreno para lá do arame farpado.

João Barge – Lembram-se do Zé Camacho, o actor já falecido? Aquele dos “Malucos do Riso”... Também nos apoiou muito... Era cabo, julgo, no PIFAS... .

Carlos Nery – Talvez tenha nascido ali o seu gosto pelo teatro, quem sabe?
Seja como for conseguiu-se apoio para o som. Sonoplasta, o João Manuel, também soldado no PIFAS. O ecrã usado nas sessões de cinema é agora, para nós, um ciclorama onde é possível a projecção de tonalidades e sombras, numa feérie de cor e movimento. A imaginação, ali, anda à solta sem aceitar qualquer baia ou constrangimento...


7 – Um Anjo de Motorizada

Mrs. Martin (Maria Guilhermina)

João Barge - Claro que também houve alguns sustos. Uma das actrizes, por vontade própria ou alheia, resolveu renunciar e nós íamos ficando descalços ou, mais tropicalmente falando, perdidos no mato sem cachorro.

Carlos Nery – Vamos a sua casa, no recinto do Clube de Oficiais. Sou persuasivo, sou agressivo, sou convincente, sou duro. Nada a demove. É casada com um médico de nome, mobilizado para o serviço do Hospital Militar. Talvez o marido não ache graça ver a mulher metida em “teatrices”... A má fama dos “cómicos” vem de longe...

João Barge - Sentimo-nos derrotados...“Inventar” uma mulher capaz de representar o papel subitamente em falta não é fácil...

Carlos Nery – E é nesse ambiente de derrota que, subitamente, se ouve uma voz: “Tenho de ir ao Aeroporto”... É o Joaquim Fidalgo, um dos elementos do nosso grupo. Comprou uma motorizada, desloca-se facilmente. “Ao Aeroporto?” pergunto. “Sim, casei por procuração, vou buscar a minha mulher que deve estar a chegar, ainda passo por cá com ela... Até já”...
Instantaneamente todas as antenas se eriçam...

João Barge - E foi buscar a sua alma gémea, de motorizada...
Quando chegaram ao QG foram ambos devidamente emboscados, por quem de direito, e a actriz que faltava deixou de faltar.
Uma bem sucedida operação-relâmpago (sem baixas e que nos deixou em alta).

Carlos Nery – Quando os noivos chegam, vindos do aeroporto, vêem a sua lua-de-mel comprometida ou, pelo menos, adiada um bom par de horas. Eis-me, imparável, “vendendo”o que pretendemos fazer, aliciando a noiva para o nosso projecto... Acaba por aceitar e logo ali, naquela noite, se retomam os ensaios com a nóvel “actriz”...

João Barge - Foi a primeira e se calhar a última vez na minha vida que vi chegar um anjo salvador de motorizada...

Carlos Nery - Horas mais tarde, Maria Guilhermina, finalmente a caminho de casa, comenta não ter gostado de ser convencida tão facilmente...

João Barge – Tão facilmente, é força de expressão... Ela deu muita luta, se estou bem lembrado...

Carlos Nery - A “sopa de pedra” rescende sobre o lume forte que a aquece...


8 – Otto de Habsburgo e as Palavras que se não Esquecem

Otto de Habsburgo 

Carlos Nery - Na noite da estreia, depois do espectáculo, escondidos entre o ecrã e a parte posterior das mesas, cujos tampos foram chão de um palco, recebemos os abraços e as felicitações dos amigos e de muita gente que mal conhecíamos. Também a “actriz” desistente nos vem abraçar entusiasmada.

Rui Barbot - “Um jornalista estrangeiro, afecto ao regime português da altura, e que viajava em reportagem pelas três frentes de combate, tendo assistido a uma das récitas daquele espectáculo vanguardista, levantado na maior economia de meios, viria felicitar-nos efusivamente, a nós, artistas mais ou menos improvisados, com palavras que não se esqueceriam. Chamava-se o senhor Otto de Habsburgo, e representava tão-só a última candidatura ao trono imperial austro-húngaro, esse mesmo que com Carlos V, rei de Espanha, se arrogara um domínio de além-mar que apenas com Manuel I, rei de Portugal, por algumas décadas partilharia.”

João Barge – Otto de Habsburgo garantiu-nos conhecer bem o teatro de Ionesco, ter assistido já a várias versões de A Cantora Careca e nunca ter visto uma encenação da peça tão de seu agrado e tão bem representada...

Carlos Nery – Talvez estivesse a ser sincero, não sei...

Rui Barbot – Parecia sincero...

João Barge – Sei lá...


9 – Aristides de Sousa Mendes

Carlos de Áustria

Carlos Nery - Era o filho mais velho de Carlos de Áustria, último soberano do Império Austro-Hungaro que, tendo sido forçado a abdicar durante a Guerra de 1914/18, se fixou na Ilha da Madeira tendo vindo a falecer aí, em 01 de Abril de 1922. Está sepultado na Igreja de Nossa Senhora do Monte, sendo alvo de grande devoção popular. Foi beatificado pelo Papa João Paulo II em 03 de Outubro de 2004.

Rui Barbot – Otto de Habsburgo foi uma das primeiras pessoas a quem Aristides de Sousa Mendes, contrariando ordens expressas de Salazar, passou o visto necessário para poder passar a fronteira Franco-Espanhola a caminho de Portugal. Sendo pretendente ao trono do Império Austro-Hungaro tinha a cabeça posta a prémio por Hitler. De Portugal passou aos Estados Unidos da América.

João Barge – Na altura Aristides de Sousa Mendes acabou por conceder vistos a cerca de 30000 pessoas, entre elas 10000 judeus. Além dos vistos passados a Otto de Habsburgo e às pessoas que com ele fugiam, fê-lo também a membros do governo belga e luxemburguês, à Grã-Duquesa Charlotte do Luxemburgo, ao Rabino de Antuérpia e, uma coisa que pouca gente sabe, a Salvador Dali.

Rui Barbot – Mas que fazia em Bissau, em Abril de 1970, Otto de Habsburgo? Apresentava-se como jornalista, segundo julgo. Para que jornal escrevia?


10 – Le Pinay Circle, António de Spínola e Otto de Habsburo

Carlos Nery – Na Net há imensas referências acerca da sociedade secreta Le Circle (ou The Cercle) que dizem ter sido criada pela CIA. Veio a ser designada como Pinay Circle, antes de 1990. O Pinay Circle teria sido criado em 1969 por Antoine Pinay, Jean Violet e Otto de Habsburgo. O seu objectivo seria, na época, o combate ao comunismo. Pertenceriam ao Pinay Circle políticos, banqueiros e intelectuais europeus e americanos.

João Barge - A novidade é que, em vários sites sobre o assunto, se afirma que António de Spínola pertencia, ele próprio, ao Pinay Circle.

Carlos Nery - Nuno Barbieri, outro amigo que fiz em Buba, rejeita esta hipótese. Segundo ele, Spínola pertenceria sim à Maçonaria nunca podendo, por isso, estar ligado a uma Sociedade Secreta com ligações à Oppus Dei, como seria o caso da Pinay Circle.


11- Questões de Segurança, disseram-nos...

João Barge – Estreámos no primeiro fim-de-semana de Abril, à noite e ao ar livre, e foi um êxito. Um êxito tão grande que logo nos pediram para o repetir. Se a memória não me falha, acabámos por fazer, naquela primeira quinzena de Abril, uma série de quatro espectáculos.

Carlos Nery – No primeiro fim-de-semana para oficiais e suas famílias, no fim-de-semana seguinte para os sargentos. Ainda pensámos trazer também algumas unidades da guarnição de Bissau ao Clube Militar. Não foi considerado possível.
Quisemos, ainda, montar o dispositivo cénico no Pilão para a população africana.

João Barge - Não tenho dúvidas que teria sido um êxito. Mas... Nem pensar nisso! Os problemas de segurança seriam muitos, disseram-nos.

Rui Barbot - Descobrimos na cidade uma colectividade que tinha um pequeno palco numa sala de festas. As responsáveis pelo espaço, se estou bem lembrado, religiosas católicas, tinham-no reservado para outros eventos. Não se mostraram interessadas na nossa iniciativa nem disponibilizaram datas..

Carlos Nery - Aliás a Ccaç 2382, que eu comandara, regressara já a Portugal, em Março. Tinha-me oferecido para substituir o Alferes mais antigo, que deveria ter ficado com o Sargento que respondia pela companhia, a ultimar burocracias, entregas de material e contabilidades. Mas o meu objectivo era, principalmente, terminar o trabalho teatral a que me dedicara. Não podia, porém, prolongar por mais tempo a minha comissão na Guiné...


12 – Uma Ponta de Orgulho, Estamos Vivos...

Casal Martin (João Barge e Maria Guilhermina)

João Barge - Ionesco considerava que o seu teatro era sobretudo insólito, em vez de absurdo.
Acho que tinha razão, o que nós fizemos foi algo de insólito, naquele tempo e naquele lugar.
Que ninguém me leve a mal mas, olhando para trás, não posso deixar de sentir uma ponta de orgulho, por mim e por todos os companheiros de viagem.

Carlos Nery - Para nós, expressarmo-nos em termos de arte, era pôr de lado a guerra e libertar a imaginação soltando-a rumo ao céu pleno de estrelas da Guiné! Uma criação artística tem sempre um alvo... Mas, desta vez, julgo que, no fundo, o alvo éramos nós próprios...

Mário Cláudio – Insisto: “Tratava-se de descerrar uma certa janela, propiciadora de mais funda respiração, no quadro constritor da guerra, e com tal gesto propunhamo-nos prestar serviço aos camaradas que, interessados em pensar para além daquilo que constituía motivo de colectiva apreensão, poderiam ver no teatro moldura adequada ao exercício da sua inteligência, e da sua fantasia”.

João Barge - Creio, a esta distância, que o entusiasmo posto por todos, foi uma forma de derrotarmos aquela guerra que nos consumia. De nos dizermos: estamos vivos, somos capazes de pensar, de sentir e de transmitir emoções.




A capa (autoria de Ruy Lobato) e as duas primeiras páginas do programa
Clicar nas imagens para ampliar


13 – O Drama de Jolmete

Carlos Nery - Cerca de uma semana depois do nosso último espectáculo, deu-se o drama de Jolmete, junto ao Rio Cacheu. O assassinato dos Majores Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório, do Alferes Palmeiro Mosca e dos Militares que os acompanhavam, emocionou toda a gente. Nunca mais se jogou o Bingo e julgo que, a ter acontecido algum tempo antes, ter-nos-ia levado a desistir da apresentação da “Cantora Careca” em Bissau.



************

(1) – Sobras do fabrico de tecidos em fábricas texteis portuguesas eram postas à venda no comércio da Baixa de Bissau, muito baratas. Foram comprados retalhos diversos e com eles se costurou o guarda-roupa do nosso espectáculo.

(2) - “A Gota de Mel” foi um dos textos utilizados por António Pedro, em 1953, quando começou a trabalhar com os amadores do Teatro Experimental do Porto. Assisti ao espectáculo de que o poema fazia parte. Fiz parte do TEP, por essa altura, participando nas peças Antígona, na versão do António Pedro, e Macbeth, também traduzida por António Pedro e ambas encenadas por ele em 1956. Quando a Companhia se profissionalizou passei a trabalhar integrado no grupo dos alunos. Contudo, assistia avidamente aos ensaios dos profissionais até que fui chamado para o COM em Vendas Novas em 1957. No início dos anos 60, em Coimbra, integrei o CITAC participando em vários espectáculos, dirigidos por Luís de Lima, entre eles o Tartufo, de Moliére.

Já em Lisboa, na Guilherme Cossul, participei na primeira apresentação de Harold Pinter em Portugal, em 1963, O Monta Cargas, tradução de Sttau Monteiro, encenação de Jacinto Ramos, cenários de João Vieira. Actores, Filipe Ferrer e Carlos Nery. (Ver minha entrevista a Jorge Silva Melo na revista dos Artistas Unidos, n.º 8 de Julho de 2003. Consultar também http://www.haroldpinter.org/plays/frn_dumbwaiter_po63.shtml

Regressado da Guiné, em Maio de 1970, fiz parte da Direcção do 1º.Acto Clube de Teatro, até 1973. Voltei a encenar aí A Cantora Careca e, em seguida o Woyseck,de Büchner (espectáculo que não chegou a ser levado ao público por ter sido alvo de cortes substanciais no ensaio de censura).
Depois do 25 de Abril, em 1976, encenei no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, em Lisboa, A Excepção e a Regra de Bertold Brecht.

Trabalhei, a seguir, em 1977 e 78, no Teatro da Cornucópia, como actor. (http://www.teatro-cornucopia.pt/htmls/conteudos/EElVkyZApAoiXxluKM.shtml)

Actualmente pertenço à Companhia Maior do CCB.(http://www.ccb.pt/sites/ccb/pt-PT/Programacao/Teatro/Pages/BELA%20ADORMECIDA%2028%20A%2031%20DE%20OUT%20DE%202010.aspx).

Fotos dos ensaios e do espectáculo: © Carlos Nery (2010). Direitos Reservados
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6876: (Ex)citações (94): A maioria silenciosa do nosso blogue (Carlos Nery)

Vd. também postes de:

3 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (12): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)
e
24 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6781: Controvérsias (98): Quem não se sente... não é filho de boa gente (Carlos Nery)

sábado, 24 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6781: Controvérsias (98): Quem não se sente... não é filho de boa gente (Carlos Nery)

Mensagem de Carlos Nery (ex-Cap Mil, Comandante da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), com data de 21 de Julho de 2010:

Caros Camaradas e Amigos,
A propósito da publicação do conto do Mário Cláudio "Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez" desencadeou-se viva polémica no nosso blogue. Em si próprio o fenómeno terá que ser considerado bastante positivo. Contudo, acabaram por sobrar alguns comentários que considero infelizes, roçando a deselegância e, por vezes, ofensivos. Fico a pensar no que terá sido dito naqueles que, julgo, foram eliminados pelos editores.

Peço, portanto, a publicação, no blogue, de um Poste com o texto que segue em anexo, bem como as fotos e legendas para as mesmas que junto também.

Um grande abraço e bom convívio na Tabanca de Matosinhos.
Carlos Nery



CCaç 2382 em patrulha, foto do Comandante da Companhia, ex-Cap Gomes de Araújo

Quem não se sente... não é filho de boa gente

1. Literatura e opinião política, leio-a noutro lado...

Quando divulguei no Poste 6479 o meu “Noite Longa em Contabane” contei 11 comentários à minha descrição. Atendendo a que dois eram de minha autoria, afinal houvera 9 camaradas que se tinham dado ao trabalho de ler e dizer alguma coisa sobre o meu texto. Fiquei contente.

Imagine-se a reacção de Mário Cláudio aos 6 Postes e aos 51 comentários (se me não enganei a contar) a propósito do Poste 6672, onde foi publicado o seu conto “Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez”. É obra!

Os camaradas e amigos “aquecem” rapidamente com um bom debate! (Conclusão de José Belo no Poste 6691 parecendo querer encerrar o assunto).

************
Olá, Belo! Afinal lembro-me de ti perfeitamente, embora, quando falei pela primeira vez com o Luís Graça, pelo telefone, eu tivesse feito uma pequena confusão... Tinha a ideia de que o tal Alferes Belo, que num lance de audácia havia libertado alguns civis levados pela guerrilha, merecendo referências elogiosas do então Major Carlos Azeredo, pertencia a uma companhia mais antiga no Forreá. Mas, quando vi a tua foto logo se desvaneceram as minhas dúvidas. Afinal pertenceras à 2381! Não me recordava de que a tua companhia estivesse em Aldeia quando nós estávamos em Mampatá, após o abandono de Contabane. Passados 40 anos a memória nem sempre é pronta... Recordei-me, então, de uma viagem que fizemos juntos, de Abrantes para Lisboa, não sei se no meu, se no teu carro, quando me descreveste a tua experiência em Israel. De como tinham feito renascer uma língua quase morta, dos dispositivos de aquecimento solar (na altura desconhecidos entre nós), dos sistemas de rega gota-a-gota... Tem graça como essa conversa, afinal, permaneceu na minha memória. Haveria de me recordar dela, cerca de trinta anos depois, quando visitei Israel, justamente em 2000, ano do Jubileu.

************

Mas voltemos ao que diz o Belo. Em seu entender, as palavras sensatas de Vasco da Gama no seu Poste 6675 recolocam o debate dentro de perspectivas... do "viável".

Cheio de esperança de que se fizesse luz lá fui, com mais atenção, reler essas palavras...

Fiquei a saber de que VG “gostou do texto são e escorreito” mas que “o texto é um panfleto contra a presença da tropa na Guiné e é apenas e só pura literatura”. (Sem descortinar o que o texto “são e escorreito” tem que ver com a presença da tropa na Guiné, fiquei sem saber se isto de ser “pura literatura” é qualidade ou defeito)...

E, por fim, que “no meu Blogue interessam-me os escritos dos camaradas da Guiné e as suas experiências dolorosas, contadas por gente com estatuto de escritor, ou por outros que mal sabem escrever”.

E, para acabar, que “literatura e opinião política, leio-a noutro lado”.

Ó Belo, desculpa lá mas não descortino onde está a sensatez deste discurso...

Ó Vasco da Gama, tento entender a lógica destas palavras... Mas... Não chego lá...
Para já um reparo: isso de procurar a política noutro lado é, também, uma outra forma de fazer política, ou não é?...

2. Nem eu nem ninguém, felizmente...

Camaradas, um debate faz-se na diversidade de opiniões. Eu, por mim, a escolher, dentro da intensa troca de ideias que o conto do Mário Cláudio suscitou, algo com que concordasse plenamente, optaria então pelo comentário do Luís Graça ao Poste 6677 do Belarmino Sardinha. Permito-me mesmo destacar esta passagem:

De qualquer modo, nem eu nem ninguém, felizmente, pode impedir que o Rui Barbot Costa, aliás Mário Cláudio, ou o Armor Pires Mota, ou o Álvaro Guerra, ou o Mário Beja Santos, ou o Barão da Cunha, ou o José Brás, ou o António Graça de Abreu, ou o Zé Teixeira, ou o Jorge Cabral, ou o J. Mexia Alves ou qualquer ex-camarada que tenha passado pelo TO da Guiné, escreva sobre a guerra, em prosa ou em verso, em registo heróico, dramático, humorístico ou burlesco... Aliás, essa é uma das funções essenciais do nosso blogue...
Não me interessa se o escritor (ou o escriba...) esteve na frente ou rectaguarda, no "front office" ou no "back office", na Amura ou em Buruntuma, se foi operacional ou contabilista, transmissões ou informações, capelão ou caixeiro, enfermeiro ou padeiro... Todos pertencemos ao mesmo exército, independentemente do "curriculo militar" ou até do "chumbo" que levámos no corpo”...

Felizmente! Amigo e camarada, Luís Graça, permito-me sublinhar a palavra!

3. Incluam-me no grupo dos iletrados!

Nos meus tempos de adolescente e de juventude, para nós, o objecto mais precioso existente em nossas casas, era o livro que se andava a ler... Líamos tudo. Desde o Mark Twain ao Eça, ao Júlio Dinis, ao Júlio Verne, ou aos romances históricos do Alexandre Herculano e do Walter Scott, passando por tudo o que era livro policial ou de aventuras. Durante uma estada passada no Funchal, em casa de família, li toda a biblioteca de livros policiais de um tio meu, para desespero de meu pai que me escrevia de Lisboa, incitando-me a visitar o interior da Ilha... Essas visitas fá-las-ia bastantes anos depois... Na altura, devorei umas centenas de livros que, depois, organizei por colecções e por autores...
Numa entrevista do Saramago, o escritor contou que, com essa idade, lia à noite, escondido por baixo dos cobertores, usando uma pequena lanterna de pilhas para o poder fazer.
Efectivamente, os adultos tentavam contrariar essa nossa actividade. Se me surpreendia a ler, meu pai repreendia-me chamando-me a atenção para a necessidade de estudar em vez de “perder o meu tempo com leituras”...

Mas o ser humano tem a misteriosa necessidade de ouvir uma história e, nesse tempo, era o livro quem lha contava. Também se ia ao cinema. Mas ir ao cinema era um ritual complicado e dispendioso que só acontecia de vez em quando.

Porém, actualmente, quando os meus netos entram em minha casa não é o livro que procuram.
Correm para a televisão ou para o meu computador. A casa, aliás, passou a estar organizada em função do televisor e o antigo leitor compulsivo acaba por não encontrar muitas vezes um local e um ambiente adequados à leitura. Lê-se menos, portanto. Mas os escritores referenciados como de mais qualidade não parecem querer fazer qualquer esforço para produzir uma literatura mais absorvente, mais acessível. Um dia, regressado da Guiné, portanto há cerca de quarenta anos, num debate realizado no Clube de Teatro 1.º Acto, em Algés, perguntei a Mário Sottomayor Cardia porque não utilizava ele uma forma de escrever mais fácil, mais atractiva para o leitor. Ouvi uma resposta breve e definitiva: “Escrevo como sei escrever”.

Entendi. A minha pergunta tinha sido descabida. É que ao leitor cabe também algum esforço.

Se leram com alguma atenção o Poste 6675 do Vasco da Gama, (desculpa lá, pá, estás na berlinda!) hão-de ter reparado que, logo no início, ele afirma possuir, com sua mulher, alguns livros do Mário Cláudio. Mas, poucas linhas adiante, confessa a sua iliteracia “Claudiana”. Poderei concluir que o nosso camarada tem livros em casa que nunca leu?

Se assim é, confesso de imediato que o mesmo se passa comigo. Vão longe os tempos em que “derrubava” bibliotecas... Hoje, são vários os livros que comprei e que ainda não li. Por exemplo do Lobo Antunes, da Augustina, do Saramago e até... do Mário Cláudio. (Confesso-te o meu pecado, amigo Barbot)...

Incluo-me, portanto, entre aqueles camaradas que, nem sempre estão dispostos, ou não encontram ambiente, ou tempo, para fazer o esforço de atenção que um bom livro nos exige.
Não pretendia dizer mais do que isto no email que enviei ao Rui Barbot e que transcrevi como comentário ao Poste 6672 e que mereceu tanta animosidade.

Meu caro Luís Graça, se porventura aquilo que disse é um atestado de iliteracia aos nossos amigos, incluam-me, então, no grupo dos iletrados...

4. Entra bem, pela tua mão...

Parece ter provocado entre alguns camaradas alguma estranheza o facto de ter sido eu a apresentar o texto do Mário Cláudio. Embora não entendendo qual a relevância desse pormenor, com a devida vénia, caro Luís Graça, passo a transcrever o teu e-mail de 08JUN10, que recebi após ter-te informado que o Barbot conhecia o blogue (que considera “muito saudável”, posso agora acrescentar) e que estava disposto a disponibilizar-lhe dois textos de sua autoria.

Carlos,
Obrigado pelas tuas diligências. Diz-lhe que é também uma honra para nós ter no nosso blogue um dos maiores escritores vivos da língua portuguesa!... De qualquer modo, o nosso blogue é também uma razoável montra... No espaço de um mês e pouco tivemos 100 mil visitas. Ontem por exemplo, andámos nas 3 mil... O Mário que nos mande 2 "chapas" (uma do tempo da tropa e outra actual) mais um pequeno texto de apresentação... Tu podes compor o resto... E entra bem, pela tua mão, na nossa Tabanca Grande... Um abraço, e até a um dia destes... em Alfragide. Luís


Contactei novamente o Rui Barbot que me enviou o material solicitado bem como os referidos dois contos:

“Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez”, que sei agora não ser um inédito, tendo sido publicado em O Prazer da Leitura, Teorema/FNAC, 2008. Edição comemorativa do 10.º aniversário da FNAC. (O produto da venda reverteu, na totalidade, para a AMI).

“Espólio de Lama”, conto publicado no livro “Itinerários”, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1993.

O resto é consabido, não é verdade?

Falta publicar, no blogue, “Espólio de Lama”. Quem adivinha o número de Postes e de comentários que essa publicação pode vir a suscitar?

5. A minha outra face...
(Foi realmente muito bom este nosso reencontro mais de 40 anos depois (Poste 6670), não menos cantores mas um pouco mais calvos, claro. Disse o João Barge)


Páginas centrais do programa com fotografias tiradas durante os ensaios

Os Actores: João Barge, Ana Maria, Lisa Nunes, Maia Alexandre, Maria Guilhermina e Rui Barbot

Dou agora a palavra ao João Barge, alferes da C.Caç 2317 de Gandembel, onde foi colocado em 1968, por rendição individual:

Em Novembro de 1969, a CCaç 2382 do Cap. Gomes de Araújo deixa Buba e vai para Bissau onde a guerra acaba e a paz começa, onde o tempo agora se conta sempre a descer, com os olhos finalmente a acreditar que em breve se voltariam a ver terras de Espanha, areias de Portugal.
Ora um belo dia, o Cap. Araújo, cristianissimamente e sem que tivesse havido qualquer ofensa prévia, presumo eu, resolveu dar a outra face, a sua outra face, e surge o encenador Carlos Nery mais o projecto de criar de raiz um grupo de teatro. E assim do nada, na base de um amigo que traz outro amigo também, o grupo foi nascendo, e fez o seu caminho descobrindo e formando actores, inventando técnicos, confiando o guarda-roupa a senhoras sábias e generosas, improvisando palco e materiais de cena, propondo, discutindo, até se chegar à primeira peça (afastados o Auto da Índia e a Gota de Mel para evitar melindres maiores) - um texto de Eugène Ionesco - La Cantatrice chauve (A Cantora careca), publicado em 1950, um clássico do chamado Teatro do Absurdo.

Reparaste, caro Vasco da Gama? A Gota de Mel, referida por ti no Poste 6675... Coincidências, não é?

Pedi, na altura, a minha mulher, em casa dos pais, no Porto, que me conseguisse junto do poeta Egipto Gonçalves a sua tradução do belíssimo poema de Léon Chancerel. Passados alguns dias, ou semanas, lá a recebi. Como sabes contém uma clara censura à guerra e à violência. Quanto ao Auto da India, de Gil Vicente, também o sabes, evoca alguns aspectos negativos da nossa expansão marítima. Fidelidades e infidelidades de um casal separado pela ausência do marido na India, marido esse que, no seu regresso, se assume sem rebuços como um émulo, no sec. XVI, do mais recente Capitão Garcez...

Adivinhas o que se seguiu? O Barge já o deu a entender... Pediram-nos delicadamente que encontrássemos outro texto... Certos pruridos actuais já se manifestavam nesse tempo... Mas, naquele contexto, insistir iria certamente levar-nos a um beco sem saída. Procurámos outra peça, que remédio!

Pela minha parte, confesso, que sentia uma enorme necessidade de fazer algo de diferente daquilo que me ocupara intensamente durante cerca de ano e meio em Bula, Contabane, Mampatá, Aldeia Formosa, Nhala e Buba. Usar a minha imaginação de outra forma. Esquecer os incidentes das operações, dos patrulhamentos, das colunas de reabastecimentos ou da protecção a colunas. Das emboscadas a colunas inimigas, da reacção às emboscadas do inimigo. Das flagelações e dos ataques aos nossos aquartelamentos... Da picagem das estradas e do levantamento das minas detectadas. Da colocação de minas nossas... Do empenhamento posto na abertura da tal Estrada Nova que nunca serviu para nada... Esquecer a tensão constante em que tínhamos vivido durante esses quase dezoito meses. Como muito bem diz o João Barge no seu texto a incluir no Poste que estamos a preparar sobre a experiência da Cantora Careca:

Creio, a esta distância, que o entusiasmo posto por todos nós foi uma forma de derrotarmos aquela guerra que nos consumia. De nos dizermos: estamos vivos, somos capazes de pensar, de sentir e de transmitir emoções”.

Foi isto, Vasco da Gama, camarada de armas, colega de teatro. Foi isto. Não dá para torceres o nariz.

6. “AS CUNHAS QUE OS SISTEMAS POLÍTICOS SEMPRE PROPICIAM A QUEM GOSTA DE CHAFURDAR EM TAIS MANJEDOURAS” ou “ENTRE DUAS GARRAFAS DE WHISKY VELHO ENTREMEADOS COM UNS GIN TÓNICOS GORDON`S OU SIMILAR, ENCENAVAM-SE TAMBÉM, AO QUE PARECE, OBRAS DE IONESCU...
GENTE FINA É OUTRA COISA COMO DIRIA O OUTRO... (frases de um comentário ao Poste 6675)


Comentário do João Barge: Foto minha em Gandembel (Ponte Balana), de Dezembro de 1968, à entrada do abrigo onde dormia com a minha gente. Como diz o Manuel Maia, em maiúsculas, logo aos berros: Sem boas cunhas, como é que eu iria para Gandembel? E depois para Buba? E depois para o Gabu?

Quinze meses depois, de novo João Barge, finalmente em Bissau, aguardando a hora do ensaio.

João Barge e Rui Barbot. Comentário do João: E o nosso Rui Barbot, licenciado em direito, só com altíssimas cunhas iria para uma secção de Justiça em Bissau... Como se sabe hoje, ser mobilizado para a Guiné, só com padrinhos de ministro para cima!

Ao Manuel Maia só quero felicitar pela sua capacidade de brilhante ficcionista.
Só que ele tem uma visão redutora do ambiente vivido numa Bissau que não conheceu, nem no tempo nem no lugar. É que entre 1970 e 1974 muita água correu pelos rios da Guiné...
Camarada, a realidade da Messe de Oficiais era bem mais complexa daquela que te deitas a adivinhar. Se é verdade que havia alguns frequentadores habituais, a grande maioria de quem por ali passava não pertencia a esse grupo. Gente de unidades do mato, em Bissau por baixa médica ou para tratar de algum assunto da sua unidade, ou ainda de férias, aguardando o transporte para Lisboa ou, terminadas estas, esperando transporte para a sua unidade. Gente da Força Aérea ou da Marinha... Oficiais das unidades especiais (comandos, pára-quedistas ou fuzileiros)... Oficiais das recentemente criadas unidades africanas. Oficiais “periquitos” ou veteranos prestes a abalar... Médicos em serviço no hospital, oficiais do QG, que sei eu... E as famílias de alguns... Recordo-me, por exemplo de ali encontrar, poucos dias antes de ser assassinado, o Major Passos Ramos e sua família bem como uma criança africana que ele tinha a intenção de adoptar.

Não, caro camarada, nunca fui de puxar por galões nem quando mos puseram sobre os ombros obrigando-me a cumprir cerca de cinco anos de serviço militar obrigatório.

Como comandante de uma companhia em teatro de operações evoco o testemunho de quem me conheceu e observou o meu comportamento.
Aqui, na Tabanca Grande há gente que esteve comigo em Buba ou no Forreá:

Da minha companhia, C.Caç. 2382, os furriéis Manuel Traquina e Joaquim Vieira Lopes e o soldado José Manuel Cancela.
(Cancela, camarada combatente e soldado amigo, diz lá qual era a alcunha que revelaste ser a minha, no encontro de Monte Real, dada pelos homens sob o meu comando, em Buba... E o porquê, dessa alcunha?)

Da C.Caç 2381 podem falar de mim o Zé Teixeira (que, aliás já o fez num comentário ao Poste 6479), o Belo, que foi um dos seus alferes, e o Eduardo Moutinho, alferes graduado em capitão, que substituíu o então Capitão Aidos no comando da companhia. Os dois últimos, não sei o que pensam de mim, sujeito-me ao seu testemunho.

Da C.Caç. 2317, a companhia de Gandembel, evoco o testemunho do camarada Idálio Reis e, como não podia deixar de ser, do João Barge.

Conheceram-me, observaram como me comportava e podem, se concordarem, testemunhar se, de facto, eu fui oficial para ter de puxar dos meus galões para assumir o comando dos homens sob minha responsabilidade.

Quanto à tal outra face, a de homem de teatro, faço lembrar aquilo que a meu respeito eu disse no Poste 6183:

(…) sou um amador (no sentido em que amo) de Teatro. Aliás, em Bissau, no fim da comissão, ainda encontrei disposição para encenar "A Cantora Careca", de Ionesco... Teatro do absurdo em teatro de guerra... Um dos meus actores foi o Alferes Barbot, da Secção de Justiça do QG, hoje escritor Mário Cláudio. No programa do espectáculo escreveu um texto muito a propósito da situação dos muitos absurdos em que estávamos mergulhados...
Bem... Passaram-se quarenta anos, não é? Pois acontece que, neste momento, participo numa empolgante experiência no Centro Cultural de Belém. Dir-lhe-ei que foram convidadas pessoas com experiência teatral com idade superior a sessenta anos. Tiago Rodrigues (actor, dramaturgo e encenador) é o responsável pelo projecto que aponta para a formação da Companhia Maior do CCB. O texto ainda não existe. Ou melhor vai sendo construído por nós. Numa primeira apresentação pública eu "fui" um soldado que conta um episódio baseado em algo que aconteceu realmente (...)


Sobre teatro foi isto que disse a meu respeito. Nunca me afirmei um encenador. Fazer uma encenação (ou duas, ou três) não é bem a mesma coisa do que ser um encenador... Há que saber ler, caro Manuel Maia e não ser precipitado nem injusto. Aqui no blogue existe suficiente informação sobre o assunto que trataste tão leviana e incorrectamente. Não é próprio de um licenciado em História, como julgo que és! É que o teu arrazoado, além de ofensivo, não tem pés nem cabeça meu caro. Não foste só tu que estiveste em guerra, desculpa lá!

Mas, para acabar só uma pergunta: antes de embarcar, de regresso a Portugal, terminada a comissão da vossa unidade, quanto tempo estiveram vocês a aguardar embarque? E, durante esses dias, ou semanas, ou meses, em que ocupavam os vossos tempos livres? Por onde andavam? Que faziam?

No que nos toca, aos “filhos da Cantora Careca”, como nos baptizou o Barbot, (eu preferiria, os avós...), aproveitámos para levantar do nada uma peça de teatro. O que não adivinhávamos é que, quarenta anos depois, essa nossa actuação ia ser escrutinada desta forma, obrigando-me a adiantar esta justificação...

Julgo que algo vai mal no “Reino da Dinamarca”.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6759: Controvérsias (97): Ainda... muito a tempo (José Belo)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6691: (Ex)citações (84): Um comentário aos... comentários sobre a ficção de Mário Cláudio... Um comentário cool que vem do frio (José Belo)

1. Mensagem do nosso perdido-e-achado, fisicamente distante mas sempre querido, tuga da diáspora,  globetrotter, cidadão do mundo, lapão por adopção, membro da nossa Tabanca Grande (*),  José Belo, com data de 6 de Julho de 2010:

Assunto: Um comentário aos... comentários. (**)

Caro Camarada e Amigo:

" Desmascarar" ficção é... obra que se lhe diga!

Infelizmente alguns dos comentários ao texto de Mário Cláudio pretendem fazê-lo, sem (talvez) se terem apercebido da contradição insolúvel em que caem.

As palavras sensatas de Vasco da Gama no seu poste recolocam o debate dentro de perspectivas... do "viável". Nem "óculos" de focagens intelecto-elitistas, nem outros "óculos" de exclusivismos patriótico-idealistas vêm contribuir para a quadratura do círculo nesta dialéctica literária de... ficção/intenção.

Numa perspectiva, literalmente, a frio (e no frio!), à distância de toda uma Europa, verifico com um misto de alegria e saudade que os Camaradas e Amigos "aquecem" rapidamente com um bom debate! Um grande abraço do J. Belo.

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 20 de Novembro de 2009 >  Guiné 63/74 - P5307: Da Suécia com saudade (16): É neste caldo de cultura que o nosso blogue é grande (José Belo)

(...) As memórias, relatos e interpretações que continuamente chegam à Tabanca Grande são trazidos por indivíduos de todas as origens sociais, com os mais díspares graus de educação escolar, de todos os locais do país, e que durante o seu serviço militar na Guiné desempenharam todas as possíveis funções dentro da instituição militar.

Os acontecimentos não foram observados por um único par de olhos, mas sim por olhos com diferentes níveis de capacidade de intrepretação e observação, não esquecendo os diferentes níveis de sensibilidades individuais.

É NESTE SOMATÓRIO QUE A TABANCA GRANDE É TÃO RICA!

Se a isto se adicionar o facto destes relatos se terem prolongado ao longo de, pelo menos, uma década, temos como feliz resultado serem estas vivências transmitidas por OBSERVADORES QUE OCUPARAM OS MESMOS LOCAIS NO ESPAÇO MAS NÃO NO TEMPO!

Aquartelamentos, destacamentos, tabancas, tipo de operações, tipo de armamento, zonas mais ou menos perigosas, Altos Comandos, tudo nos é fornecido de modo a vir a ser possível em futuro mais ou menos próximo (espero!) uma compilação única e detalhada do que foi aquela década.

Quanto a mim não será ISTO que é a Tabanca Grande ?

Estocolmo 20 Nov 2009  (...)

(**) Vd. último poste desta série (Ex)citações > 1 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6666: (Ex)citações (66): Dois povos pacíficos, o da Guiné e o de Portugal (Amadu Djaló, nascido em Bafatá, em 10 de Novembro de 1940)

terça-feira, 6 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6679: Controvérsias (92): A ficção e a guerra (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 5 de Julho de 2010:

Meus caros camarigos editores
Escrevi hoje um texto sobre esta "conversa" à volta da ficção e da realidade, suscitada pelo texto do Mário Cláudio.

Como sempre publicarão se assim o entenderem, mas se me é permitida uma sugestão, a publicar seria agora, visto que depois deixará de ter sentido.

Mas vós é que sabeis "da poda"!

Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim



A FICÇÃO E A GUERRA


Li com atenção todos os textos publicados na Tabanca Grande, bem como os comentários e, salvo melhor opinião, julgo haver um consenso que nos remete para que a publicação deste tipo de textos de ficção, deve ser perfeitamente identificada como tal, para que não haja confusões com a realidade, como tentarei explicar mais adiante.

Já foram publicados vários textos, (chamemos-lhe de ficção), neste nosso espaço, entre eles alguns meus e todos foram, ao que me lembro, perfeitamente identificados como tal, não fosse eu um dia ser confrontado com alguém que me dissesse na cara que eu tinha a mania de ter sido um qualquer “rambo”, ao lerem um texto meu que pretendia retratar humoristicamente algumas bravatas causadas pela imaginação.

Mas há também opiniões, com as quais eu comungo inteiramente, que afinal a ficção portuguesa sobre a guerra apenas retrata o lado negro da guerra, como se esse lado negro fosse uma realidade sempre presente e constante da actuação das Forças Armadas Portuguesas, o que não pode estar mais longe da realidade.

Os nossos camarigos que procedem com empenho à compilação de dados estatísticos sobre a guerra saberão com certeza quantas centenas de milhar de Portugueses combateram ao longo de treze anos nas três frentes de guerra.
Pergunto eu então, a quantas dezenas, (não se contarão com os dedos das duas mãos?), se podem definitivamente assacar tais práticas de barbárie em teatro de guerra?

Quero eu com isto dizer que não se deve falar do assunto?

Com certeza que sim, que se deve falar de tal assunto por muito que ele doa!
Os factos aconteceram, (embora talvez nem tantos porque se percebe que muitos são de “ouvir dizer”), mas ao representar a guerra apenas com estes episódios, insisto que se ofende a memória de tantos e tantos milhares, que obrigados ou de livre vontade, lutaram corajosamente, com a dignidade humana que é possível numa guerra desta natureza, ou em qualquer uma, claro.

E repito ainda que aqueles das gerações mais novas, (talvez nossos filhos, talvez nossos netos, talvez amigos de uns e outros), que possam ler estes textos sem uma perfeita noção de que são ficcionados, poderão ter uma imagem dos seus pais e dos seus avós que não corresponde minimamente à realidade, ainda por cima muitas vezes “ajudada” pela forma deficiente como esta parte da história é ensinada, e pelo labéu que em determinada altura a “política” lançou sobre os combatentes desta guerra.

E viram fotografias e reportagens em revistas estrangeiras, e ouviram dizer, e citam nomes, e logicamente acredito que aconteceram tais factos, mas porque é que raio também essas mesmas revistas, ou essas mesmas fotografias, não mostram o outro lado da guerra?

Porque é que a ficção há-de tratar exaustivamente tal assunto, e não retrata, insisto o outro lado da guerra?
Onde estão as fotografias, e as reportagens dos soldados, cabos, furriéis, alferes, capitães, (se calhar até os chamados oficiais superiores), se dedicaram no meio da guerra a ensinarem as letras, a ensinarem a escrever, a melhorarem as condições de vida das populações?

Não serão eles muitos mais do que os que praticaram os tais actos de barbárie?

Onde estão as fotografias, e as reportagens sobre os enfermeiros e médicos “militares” que empenhadamente vacinaram, trataram, fizeram partos, ensinaram regras básicas de higiene a toda uma população, melhorando as condições de saúde e o acesso à mesma?

Não serão eles muitos mais do que os que praticaram os tais actos de barbárie?

E onde estão as fotografias, e as reportagens sobre os militares que fizeram e protegeram colunas, apenas para levar arroz e outros mantimentos a Tabancas que deles precisavam, que fizeram poços e reconstruíram casas, que deram enfim do seu melhor, para dar uma vida melhor a essas populações?

Não serão eles muitos mais do que os que praticaram os tais actos de barbárie?

Não serão estes temas, (e apenas para citar estes), uma realidade também da guerra e por isso não mereciam também um tratamento literário de ficção que os retratasse?
Pois, provavelmente não teriam muita venda, e não serviriam determinados propósitos.

É verdade, meus camarigos, querer transformar a guerra de África que vivemos num repositório de atrocidades, sejam elas ficcionadas ou verdadeiras, não é mais do que querer dar dum todo uma imagem distorcida, que está muito longe de corresponder à realidade.
Já não é a primeira vez que se fala por aqui de “hitleres” e outros quejandos?
Então e não havia também os “stalines” de um lado e do outro?
Eu, por mim, estou tão longe de uns como dos outros, e “hitleres” e “stalines” sempre os haverá, mas não representam minimamente a humanidade, representarão sim a desumanidade que infelizmente também faz parte da humanidade.

Meus camarigos, este escrito já vai longo, mas quero que fique bem claro que não faço a apologia da guerra, (como cristão, condição indissociável de mim, sou totalmente contra a guerra), e que não afirmo que tudo correu maravilhosamente sem terríveis atitudes de parte a parte, mas afirmo, isso sim, que no cômputo geral as forças em presença, quer de um lado quer do outro, se portaram bem mais dignamente que as forças armadas dos países que se pretendiam “donos do mundo” no século XX, quer da “direita”, quer da “esquerda”, e que afinal não foram exemplo para ninguém.

Reafirmo ainda para terminar, que a minha questão não tem a ver comigo próprio, (tenho a consciência tranquila sobre o modo como me comportei na Guiné), mas com aqueles que olham para mim, para nós, como uma referência para as suas vidas, porque somos pais, avós, amigos ou simplesmente mais velhos.

A todos o meu forte e camarigo abraço
Joaquim

Monte Real, 6 de Julho de 2010
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6615: 20 Anos depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (6): Sem Título 3

Vd. poste de 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6678: Controvérsias (91): Mário Cláudio e o debate, Açordas! (José Brás)

Guiné 63/74 - P6678: Controvérsias (91): Mário Cláudio e o debate, Açordas! (José Brás)

1. Mensagem do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 5 de Julho de 2010:

Carlos, meu amigo
Podes editar ou não, sendo que é grande para comentário

Um abraço
José Brás


Mário Cláudio e o debate:

Açordas!


Isto é que vai aqui uma açorda!

E começando assim, repetindo uma comezinha fala de "malucos do riso" e de um personagem popularizado (ou popularunchizado?) por actor de mais recursos do que, alcandorados em balofa erudição, alguns pensavam, começando assim, corro o risco de também popularuncho, ou de gato escondido com rabo de fora.

Mas lembrei-me do dito e pareceu-me bom como bengala, disso pedindo desculpa a eruditos e não eruditos, pelo abuso.

E para que preciso eu de bengala, afinal?

E antes ainda, e antes ainda pergunto a mim próprio porque diabo hei-de eu, em vez de me deixar quieto no meu canto, estar a meter colher em tal açorda, deitando mesmo a mão à bengala, seguramente porque sinta que dela necessito na circunstância, nem que seja para encontrar espaço e tempo de entrada no testo de barro, no alho, muito, nos coentros e outras ervas.

De Mário Cláudio, nem sei bem porquê, posso dizer quase, que nunca li nada, se disser que nada é o muito pouco e atravessado, lido mais com os olhos do que com a alma (quando leio, leio mais com a alma, o que é muito perigoso).

E é muito mau que assim seja, para mim, claro, porque indiciador de ligeirezas minhas e incapacidades de entender grandezas.

Li agora o texto que deu tempero a este luxo de debate e, peço desculpa a quem fala de densidades, porque digo que tal não achei e, sim, um texto limpo e claro, pronto a ser consumido sem grandes exigências de entendimento, ficção sobre um real muito conhecido, tivesse sido ou não, esse real, já em si, muito ficção. Marcado, certamente, e contra isso não haverá nada a dizer senão contrastar com outras marcas.

Quer dizer. A ficção escorre aqui, a meu ver, apenas pela forma como se juntam as palavras e se criam as imagens, apenas pelo estilo narrativo, naturalmente a milhas dos códigos do relatório a que nos habituámos muito.

Quase posso garantir que conheci o personagem em Tavira, mítico, cara de menino perdido, parecendo sempre longe dali, duro com seus instruendos, não mais que outros que por lá campeavam, amigos da pinga, violentos, sonhando heroísmos em África, confessadamente, alguns, admiradores de Hitler, fazendo pagar à maralha o preço de tão azarenta data de nascimento.

E reencontrei-o também na Guiné, onde, que me conste, não teve oportunidade de fazer das suas, se é que as fez realmente quilómetros mais abaixo no mapa de África. Aliás, nem ele, nem outros supostos heróis que nos haviam feito a vida negra no Algarve, alegadamente para nos endurecer e preparar na perspectiva do que nos esperaria.

Do que diz Mário Cláudio, e de como o diz, acabou por parecer que não falava da andorinha mas da Primavera.

E o clamor se elevou! Como é hábito, salutar, acho eu.

Com ou sem razão? Com ou sem razões (que não é a mesma coisa)?

Pessoalmente, desculpem-me a palavra honrada, tendo em conta o que somos como grupo (e somos, naturalmente, um pouco do que fomos), apesar da heterogenidade que compõe o ramalhete, só poderia dar bernarda.

Alguns dos comentários, em minha opinião, indo mais longe do que provavelmente Mário Cláudio quis ir, acrescentaram a pimenta.

De facto, pese embora a ocorrência de casos extremos e desvairados, do que sei, do exército português não se poderá dizer que se excedeu em desumanidades para além daquelas inevitáveis em guerras. Aceito que, provavelmente, ocupado com a realidade isolada de Medjo e do Corredor, sei muito menos do que um jurista em Bissau. E a melhor prova disso foi e é a possibilidade do abraço, acabada a guerra; são as declarações dos do outro lado sobre a bravura combatente e a moderação do gesto da tropa portuguesa, quando no acto de aprisionar.

Creio ser insuspeito, dizendo o que digo aqui, ou, pelo menos, não mais suspeito que todos os que abrem a boca para falar disto. Eu perguntaria se conhecem outra guerra deste tipo, com outros intervenientes, que na ressaca das independências, tenha sido possível juntar os dois lados sem ódios nem raivas, como aconteceu connosco e ainda acontece hoje, alguns achando que exageradamente, até.

Excessiva foi a postura do regime que se fechou à apropriada leitura da história e alongou o conflito, criando impossibilidades aos que lutavam dos dois lados. E nisso nos diferenciamos claramente de outras experiências, porque também os intelectuais portugueses não esperaram tempos para se pronunciarem contra a guerra, contra a guerra tendo estado sempre e o disseram abertamente, talvez que com isso se lhes enublando a visão sobre os que lutavam e aguentavam bravamente na crença de dar tempo a políticos para resolverem politicando, talvez olhando uma árvore e achando que era bosque.

Uma coisa não se pode negar. Este texto desatou uma boa e elevada discussão, quer do ponto de vista da afirmação de posições, quer do ponto de vista, mesmo, da construção da comunicação, e eu me espanto que se considere isso negativo.

Quanto ao fazer-se ou não ficção na Tabanca, quem é contra que invoque o artigo que nos estatutos o definem, claramente mostrando entender diferenças entre ficção e realidade.

E pronto, tenho dito!
Abraços
José Brás
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6436: Bibliografia de uma guerra (56): Vindimas no Capim, de José Brás - Maneira mais cómoda para obter esta obra

Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6677: Controvérsias (90): Guerra colonial: os Garcez que (nunca) existiram (Belarmino Sardinha)