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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11125: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (5): Curtas férias em Cacine, CCAÇ 3520 (2)

1. Em mensagem do dia 24 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), enviou mais uma peripécia para a sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé

(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné) 


4.2 – Curtas férias em Cacine – CCAÇ 3520

Decorria o mês de Junho de 1973. Eu ainda era muito "pira", não tinha completado ainda 3 meses de Guiné. Vinha do "ar condicionado" e encontrava-me em Cacine, no meio de grande confusão, tropas pára-quedistas, fuzileiros, Marcelino da Mata, etc.
Felizmente em Cacine não faltava nada. Não faltava cerveja morna, não faltava uma pedra de gelo, por cabeça, às refeições, não faltava o arroz de "rolhas" (arroz com muito colorau e meia dúzia de rodelas de salsicha), etc., etc..
A CCAÇ 3520 era um Companhia farta. Farta de ali estar, farta de comer arroz de "rolhas", farta de esperar pela rendição.
Julgo que não cheguei a completar 4 semanas de "férias" naquela "estância balnear", mas foi o suficiente para imaginar uma estadia de 23 meses!
Tenho ideia de só ter comido arroz de "rolhas" durante aquele período. Posso estar enganado.
Comecei a dar mais valor ao "pessoal do mato".
Antes 527 serviços de Sargento da Guarda!

O Major Leal de Almeida lá continuava a fazer incursões por Gadamael e levava habitualmente consigo o outro Furriel.
O Major, além de me ter pedido, no início, para lhe dar um jeito no "estaminé", pouco mais me pediu para fazer. Apenas um ou outro "mail" para Bissau.
E eu..., andava por ali a ver as "bajudas"...!
Certo dia, ao fim da tarde, regressados os dois, via fluvial, a Cacine, o outro Furriel, visivelmente exausto, sujo e suado, vem ao meu encontro e, completamente alterado, atira-me:
- Porra, anda aqui um "gajo" a esfarrapar-se todo e a arriscar o "coiro" e tu aqui a "coçá-los"!

Eu, que nunca gostei que me falassem "de cima da burra" nem com aqueles modos e que, nestas situações, tinha o hábito de responder com alguma agressividade verbal, contive-me (acreditem que a cerveja morna faz um efeito "bestial") e, calma e sarcasticamente, retorqui-lhe:
- Djubi, eu sou Amanuense e não tenho lá muita queda para herói! Já viste bem este "cabedal"?! Além disso o Major nunca me "convidou para a festa"!

Deu meia volta a resmungar e não me recordo de ter tido mais qualquer conversa com ele.

Entretanto, eu ia jogando a "lerpa", bebendo umas "bejecas" mornas e convivendo com os Sargentos pára-quedistas (ah gente do "catano"!).
Recordo-me bem de um convívio nocturno na "messe" de Sargentos. Houve de tudo! Aguardente, fados, poesia, etc., tudo a roçar o "hard-core", claro! Gente espectacular, camaradagem excelente e com uma disciplina extraordinária, nomeadamente com o armamento.
Guardei na memória alguns versos de um fado cantado pelos "páras" com música do hino académico - "Amores de Estudante" e que, salvo erro, rezavam assim:

Quero, quero ir para Lisboa
Ai, ai, eu quero
Nem que seja de canoa
Eu quero ir
P'ra terra santa querida
Dizer adeus a esta merda
P'ro resto da minha vida

Pára-quedistas, homens nobres
Tanto ricos como pobres
Avançando pela mata
...
(e de mais não me recordo)

Ficou-me também na retina a imagem do 1º Sargento pára-quedista Vicente, evacuado para Cacine vindo de Gadamael, com um tiro numa perna, a aguardar evacuação para Bissau e com quem tinha convivido alegremente naquela noite.

A minha "guerra" lá foi continuando com a "lerpa", "as bejecas" mornas, o convívio com os "páras" e a excelente qualidade das instalações, nomeadamente o "balneário" de arrojado design e equipamento de conceituadas marcas.
O chuveiro apresentava uma característica completamente inovadora - era semi-automático, comandado por voz! Isto é: Em cima havia um bidão de lata que continha água e um furo na base inferior tapado com uma rolha acoplada à ponta de um pau. O "fabiano" que queria tomar banho tinha de "aparelhar" com outro que tivesse a mesma intenção. O primeiro colocava-se debaixo do bidão e o outro encarrapitava-se de modo a chegar ao pau. Quando o de baixo queria água, dizia: - "abre!" e a água caía. Se queria parar, dizia: - "pára", e a água parava! (sistema altamente sofisticado para a época). Findo o duche, era só trocar de posições e a coisa funcionava bem.

Entretanto, chega finalmente a Companhia que vinha substituir a CAÇ 3520. Esta entra em euforia e empenha-se rapidamente nas actividades para recepção dos novos "piras".
Não possuindo máquina fotográfica, vi-me impedido de registar aqueles actos solenes hilariantes.
Os "piras" não acharam muita piada à recepção. Pudera, entraram no avião em Figo Maduro com destino a S. Tomé e, quando aterraram, estavam na Guiné!
Pois é verdade, iam para S. Tomé e, a meio da viagem, o Comandante do avião terá recebido ordens para rumar a Bissalanca.
Pertencia a esta companhia o soldado Lemos, ex-futebolista do Boavista e, depois do F.C.Porto onde ficou célebre por ter marcado 4 golos ao Benfica no Estádio das Antas em jogo a contar para o Campeonato Nacional de Futebol, jogo que, por acaso, assisti ao vivo.

Em Cacine, esta Companhia tratou logo de abrir valas por todo lado, pois tendo Guileje sido abandonada e estando Gadamael a ferro e fogo, Cacine seria, muito provavelmente, o "freguês que se seguia".

Entretanto, saído não sei de onde, aparece-me um camarada e pergunta-me:
- Tu é que és o Magro?

Respondi que sim e ele:
- Deves ter uma cunha do "caraças"!
- Então porquê?
- Venho-te substituir. Estava sossegadinho em Bolama e mandaram-me para aqui para te substituir.

Nunca tive conhecimento de cunha alguma e atribuo o facto a pressões que o Dr. Dias terá feito junto do Chefe - Major Mário Lobão, por se encontrar, provavelmente, atafulhado em papelada. Nunca o soube.
Aproveitei boleia na LDM que transportou a CCAÇ 3520 para Bissau.
Saímos de Cacine ao fim da tarde e chegamos a Bissau na manhã do dia seguinte,

A partir dessa data eu seria, talvez, o Furriel/Sargento que melhor fazia a Guarda de Honra ao Brigadeiro Alberto da Silva Banazol!
Recordo-me de, logo após o meu regresso de Cacine e estando de Sargento da Guarda, ter dado ordem de: "Apresentar armas!" quando ele se colocou em sentido frente à Guarda, e o ter feito com tal vigor que o homem, depois de bater a pala e desandar, ao passar perto de mim, disse:
- "Isso, assim com garra!".

Estavam feitas as pazes!
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 6 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11067: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (4): Curtas férias em Cacine, CCAÇ 3520

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11067: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (4): Curtas férias em Cacine, CCAÇ 3520 (1)

1. Em mensagem do dia 19 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), enviou mais uma peripécia para a sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé

(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)

4.1 – Curtas férias em Cacine – CCAÇ 3520

Na sequência dos acontecimentos relatados no post anterior teríamos então de, na manhã seguinte, nos apresentar no Cais do Pidjiquiti a fim de embarcar num pequeno barco de carga, vulgarmente chamado de “barco turra”, que nos levaria para o Sul (???).
Entretanto tivemos de nos aviar em terra. Distribuíram-nos as G3, cartucheiras atestadas e várias embalagens de munições para G3(???).
Sul, G3, munições à “fartazana”! Iríamos para Gadamael?! A “coisa” já não me estava a cheirar nada bem. Comecei a pensar se não teria sido melhor eu ter ido para Padre!


Eu sou Amanuense, porra!

De seguida, foi-nos fornecido equipamento que me deixou completamente no nível mais elevado da estupefacção!
Foram-nos entregues 2 Máquinas de escrever Messa, devidamente embaladas e acondicionadas, rigorosamente a estrear!
É certo que, naquela Terra, raramente bebia água, mas juro que, naquele dia, o único álcool que tinha ingerido tinha sido o do copo que me serviram à hora do almoço e uma cerveja a meio da tarde, até porque estava em serviço de Sargento da Guarda!

Ó saudoso Raul Solnado, tu que és entendido neste tipo de guerras, diz-me, por favor: 
- “O que vai um grupo composto por, 1 Major comando, 1 Alf. Milº OE, 1 Fur. Milº de Transportes, 1 Fur. Milº Amanuense e 1 Cabo Escriturário, armados e acompanhados de 2 máquinas de escrever, fazer para uma zona onde há “festa da brava”?!

Bom, no dia seguinte, lá pelas 7 horas da manhã, apresentamo-nos no Pidjiquiti de armas e bagagens e embarcamos no tal “iate”. Este teria talvez uns 8 x 4m e era composto por um porão coberto a madeira e uma “cabine” (4 estacas e uma cobertura).
A tripulação era composta pelo comandante (um negro de meia-idade, com o seu cachimbo artesanal sempre na boca) e outros 2 negros, mais jovens.

Quando o sol começava a “apertar”, a única sombra possível era no porão que se encontrava cheio de rações de combate e alguns bidões de combustível e onde se podia cozer pão com algum grau de certeza de êxito.
Um bom marinheiro avia-se em terra e nós, tínhamos trazido para a viagem uma grade de cerveja cujas garrafas, presas a pequenas cordas, penduramos na borda do “iate” e deixámo-las “refrescar” um pouco nas águas do Atlântico.
Claro que as ditas, mesmo “pouco quentes” desapareceram num ápice tal era a sede naquela situação.
Emborcadas as “bejecas” mornas deitamo-nos, em tronco nu, sobre a cobertura do porão.

Está-se mesmo a ver o filme! Uma valente soneca ao sol escaldante daquelas paragens!
Conhecem, com certeza, o que acontece à pele da sardinha quando a metemos no forno completamente coberta com sal? Sai direitinha como se de uma camisa se tratasse!
Pois foi exactamente o que aconteceu com a minha pele do tronco, rosto e pés (tinha descalçado as botas e meias).
Depois, veio a ressaca acompanhada daquela secura de boca tão característica do “pós-moca”. E água, cá dela?

Havia a bordo, junto à “cabine” do piloto, um bidão ferrugento onde a tripulação enfiava uma velha mangueira de plástico e, através da outra extremidade, sugava o precioso líquido (da bolanha?), matando a sua sede.
Com o sol cada vez mais a pino e a língua cada vez mais seca, olho e volto a olhar para o vaivém da tripulação em direcção à “fonte”. Hesito várias vezes, mas vem-me à memória relatos de alguns dos nossos militares que, no mato, para matarem a sede, tinham de afastar os insectos da água da bolanha.
O que tinha ali à minha frente era um luxo comparado com o que se passava no mato. E, vai daí, qual bravo guerreiro enfrentando o inimigo de peito aberto, “tungas”, atiro-me à mangueira, limpo disfarçadamente com o lenço a ponta e enfio-a pelas goelas, sugando avidamente aquela “pomada” refrescante!
Que alívio e, passados 40 anos, ainda não morri!

Surgida a noite, aquela “casca de noz” teve de enfrentar um mar de tal maneira revolto que eu, agarrado a uma das estacas da “cabine”, senti que, por vezes, ficava com as costas a centímetros da linha de água. Isto é: a embarcação quando navegava paralelamente às ondas, inclinava-se de tal modo para bombordo que a onda seguinte parecia ir desabar na minha cabeça. Foi assustador para um marinheiro de água doce como eu, que nunca tinha andado no mar alto! Felizmente veio a bonança, mas aqueles momentos pareceram-me intermináveis.

Na minha mente, sempre o mesmo: “Eu sou Amanuense, carago!”

Entretanto, vindas não sei de onde, juntaram-se a nós outras embarcações do género, formando um pequeno comboio ao qual se juntaram também, à entrada do rio Cacine, duas LDM’s (Lanchas de Desembarque Médias) que nos iriam escoltar. Uma à frente e outra à retaguarda do comboio.
Iniciada a subida do rio, os “canhangulos” que equipavam as LDM’s e que se encontravam na vertical e cobertos com um oleado ou outra coisa do género, foram destapados e colocados na horizontal com os “artilheiros” em posição de combate e apontando para cada uma das margens do rio.

Novamente, na minha mente: “Eu sou Amanuense, carago!”

Navegando lentamente e em ziguezague (por causa dos bancos de areia, julgo eu) lá fomos avançando, sempre de “bico calado” e não me cabendo um “Phaseolus vulgaris no orifício rectal”, até que chegamos ao nosso destino, ao fim da tarde do dia seguinte ao do embarque, tendo atracado pelo “caminho” em vários locais, as restantes embarcações que compunham o comboio.

Tínhamos atracado ao cais de Cacine!

No cais amontoavam-se munições de armas pesadas que a minha condição de “guerreiro do ar condicionado” não conseguia identificar, mas que, pelo tamanho, seriam com toda a certeza de obus.

A recepção foi óptima com um vai-vem de helicópteros (contei 7 evacuações) que vinham buscar feridos para os levar para Bissau.
Os feridos eram provenientes de Gadamael, a cerca de 10 km de distância, mas vinham por via fluvial, em sintexes e zebros, talvez por haver grande congestionamento de tráfego nas estradas da zona.

Em Cacine encontrava-se albergada uma razoável quantidade de elementos da guarnição açoriana de Gadamael que para ali se tinham deslocado incomodados com o barulho que se fazia sentir no seu aglomerado habitacional.

Usavam apenas uns calções camuflados, habilmente confeccionados por um velho alfaiate negro a partir de restos de fardas velhas. Nos pés usavam daqueles “chanatos” de plástico tão do agrado do pessoal indígena. Tinham saído de noite à pressa e sem tempo de fazer as malas, tendo ali chegado com apenas a roupa que traziam no corpo (cuecas). O Major Leal de Almeida e o Alf. Milº já lá estavam a “banhos”. Ali por perto estava instalado um destacamento de Fuzileiros Especiais. Estavam também por lá acampadas as 2 Companhias de Pára-quedistas – 120 e 121. O grupo do Marcelino também apareceu.

Em resumo: Estava tudo preparado para a “festa” e, “pelos vistos”, só aguardavam a minha chegada.

Porra, eu sou Amanuense, carago!

O pessoal de Cacine - CCAÇ 3520, com 23 meses de permanência naquela praia fluvial, aguardava ansioso pela rendição que tardava e, sabedores que foram da chegada de um Fur. Milº do CSJD, logo trataram de saber ao que íamos. Não lhes soube responder, ou por outra, respondi-lhes que também não sabia, no que não acreditaram e esse facto maior desconfiança lhes causou.
Imagine-se o que terá perpassado pelas cabeças daquelas almas quando nos viram armados com 2 máquinas de escrever! Se a isso lhe juntarmos a minha pretensa “recusa” em lhes revelar o “segredo” da nossa missão, quantas congeminações por ali não andariam?!
O que é verdade é que não sabia mesmo e à sua constante insistência a resposta era sempre igual, o que lhes adensava mais a curiosidade.

Lá nos disponibilizaram uma habitação que iria ser adaptada a QG do Major Leal de Almeida e onde, para essa noite, colocaram um beliche duplo com apenas um colchão, ao qual o meu camarada dos transportes logo se “abarbatou”. Tive que a andar na “pedinchice” pois, apesar de ter saído “todo rotinho do último cruzeiro”, não me via a dormir em cima de uma rede de chapas entrelaçadas típica das camas militares.

Alguém me encontrou um colchão ensanguentado onde, tinha morrido um militar de Gadamael e cujo sangue não me pareceu totalmente seco. Recusei.
Valeram-me, então, os Pára-quedistas que, solícitos e bem apetrechados como sempre, lá me cederam um velho colchão insuflável, mas que parecia ter sido atacado pelas traças. Amanuense como sou, ataquei-o logo com fita-cola e ele lá encheu e, num ápice, adormeci.

Na manhã seguinte acordei com o colchão completamente vazio e com o corpo tão dorido que parecia ter dormido dentro duma britadeira em movimento.

Porra, eu sou Amanuense!

Havia agora que retirar o beliche e preparar o gabinete de operações do Major Leal de Almeida, mas com que equipamento?
Lá desencantei uma mesa carunchosa e um banco corrido daqueles usados nas tabernas e estava criado o gabinete.
O Major não fez qualquer comentário ao mobiliário “new style”, mas pediu-me que completasse o “ramalhete” com alguns acessórios indispensáveis para um bom andamento dos trabalhos, tais como: suporte para esferográficas e arquivo de dossiês. Perante a minha hesitação, tipo: “Eu sei lá onde fica a Staples cá do sítio!”, sugeriu-me que fosse junto ao paiol e procurasse por embalagens vazias de granadas, para as esferográficas e caixotes de madeira, para os arquivos e assim fiz.

Colocado o porta-esferográficas em cima da mesa e pregados os caixotes à parede, o gabinete estava pronto para dali saírem as mais elaboradas directivas que iriam, de certeza, acabar com a “festa” na aldeia vizinha.
Foi então que, enquanto arquivava a papelada, dei com um documento que continha o carimbo de “secreto” e que tinha como título “Operação Trovão” e onde eram descritas as acções a levar a efeito.

Li-o apressadamente com receio da entrada abrupta do Major e o que dali retirei foi, resumidamente, se percebi bem e não me falha a memória, o seguinte:

O pessoal “refugiado” em Cacine teria de ser “recambiado” para Gadamael;
O pessoal de Gadamael teria de aguentar nas valas a rações de combate e até ao último homem;
As forças estacionadas em Cacine (eu incluído?!!!!! Eu sou Amanuense!!!) iriam tentar desbaratar o IN que se encontrava algures a bombardear incessantemente o Quartel de Gadamael.

Entretanto o Kako Baldé, talvez sabedor da minha presença naquelas paragens, resolve fazer-nos uma visita.

Lá aparece de camuflado vestido, com o habitual caco no olho, o indispensável pingalim e o seu séquito de ombros reluzentes e com o héli-canhão lá em cima, sempre às voltas.
Exige a presença do Major Leal de Almeida e ali, no meio da “parada”, dá-lhe um valente “bate-barbas” e retira-se sem sequer me cumprimentar (enfim…!).

O Major entra no gabinete e desabafa:
- “Esta “rabecada” ainda se vai transformar num louvor”.

Não fazia a mínima ideia do que se tinha passado, mas suponho que teria a ver com as prolongadas presenças do Major em Cacine (agradava-lhe, talvez, a minha companhia) quando seria suposto, julgo eu, passar mais tempo na “festa”, tanto que, a partir daí, várias vezes o vi com a sua Kalashnikov rumar, via fluvial, a Gadamael e lá permanecer alguns dias.

(Continua …)

AM

Próximo capítulo – (4.2) Curtas férias em Cacine – CCAÇ 3520 (continuação)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 30 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11029: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (3): Sargento da Guarda ao QG do CTIG

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11029: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (3): Sargento da Guarda ao QG do CTIG

Messe de Oficiais do Quartel General em Sta. Luzia, hoje transformada em Hotel. Ainda dá para ver parte de uma mangueira das muitas que ladeavam os arruamentos.
Foto e legenda: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados


1. Em mensagem do dia 15 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), enviou a terceira peripécia para a sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé

(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)

3 – Sargento da Guarda ao QG do CTIG

Como é sabido, um militar quando se apresenta numa nova Unidade é, de imediato, integrado na escala de serviço da mesma pois, embora colocado na CSJD, pertencia à CCS/QG/CTIG e fazia diversos serviços dependentes desta, tais como: Sargento da Guarda, de Piquete, rondas nocturnas ao Cupilom (vulgo pilão), segurança nocturna à Pide/DGS, etc., etc., tudo serviços adequados a um bravo e experimentado Amanuense.

Assim, sou escalado para Sargento da Guarda ao QG do CTIG logo no segundo dia após a minha “hospedagem no Biafra” e logo após uma noite mal dormida à custa das ”bazucadas”.

No QG da RML já tinha feito alguns “Sargentos de dia”, mas Sargento da Guarda ao QG nunca tinha feito, de maneira que, atempadamente, verifiquei o estado do camuflado, botas, etc. e deixei tudo prontinho, com o camuflado pendurado aos pés da cama para que na manhã seguinte pudesse partir para a “guerra” sem grandes sobressaltos e fazer uma Guarda de Honra condigna ao homem (Brig. Banazol).

Na manhã do dia seguinte levantei-me a tempo de tratar da minha higiene pessoal, barbinha feita, uma última olhadela às “botifarras” e, toca a ataviar como deve ser que o acto é solene!

Vesti as calças e nada de anormal, calço as botas e idem aspas. Quando visto o blusão, começa um batalhão de baratas, composto por algumas 10 companhias a bater em retirada em todas as direcções, tiro o blusão apressadamente, atiro-o para o chão enojado e…, que faço agora? Outro banho, não dá tempo, o outro camuflado deve estar na “Lavandaria”…, bom, pego no blusão, sacudo-o violentamente várias vezes e lá vou eu receber o homem. E se me sai uma baratona daquelas pela braguilha quando o homem se perfilar em frente à guarda?! Vai ser giro vai!

Lá se efectuou o render da Guarda com a pompa e circunstância que é costume e sem nenhum percalço a salientar e, quando entro na casa da Guarda tenho lá uma nota do 2º Comandante – Cor. Tir. Galvão de Figueiredo - a informar que, nas férias do Comandante ele, 2º Comandante, dispensava os “salamaleques”. O homem está de férias! Desta já me safei! A 2ª vez que estive de Sargento da Guarda, o homem ainda estava de férias e a “coisa” também correu de feição. À 3ª, o homem já regressara e, então, a “coisa” correu mesmo à moda de “um desgraçado de um Amanuense periquito, magricelas e que nunca na vida tinha feito os salamaleques a que um oficial-general tem direito quando chega à sua Tabanca”.

Resumindo: após o render da Guarda e hastear da bandeira, fiquei ali pelo portão aguardando que o homem chegasse para que nada corresse mal.

Passaram as 9h00, as 9h30, as 10h00, eu de camuflado, botifarras, 40º à sombra, humidade à volta dos 90% (um homem não é de ferro, carago!), decido entrar na casa da guarda e pôr-me debaixo da ventoinha. Mas os pés também estavam a cozer! Desaperto os atacadores e alguns botões do blusão, sento-me na cama e deixo-me cair para trás. Já estão a ver o filme, né? Foi tiro e queda!

Estava eu muito entretidinho a sonhar com …. (Já não me recordo, esqueçam), quando sou abruptamente acordado por uns abanões e uma voz aflita que bradava:
- “esfuriel, esfuriel, comandanti!”

Saio disparado sem sequer me lembrar dos atacadores nem dos botões do camuflado.

O PM que estava ao portão avisa-me que o mercedes do homem estava parado lá ao fundo, à sombra de um mangueiro, há já algum tempo.

Ao lado do portão de entrada ficava a guarita da sentinela. Em frente à guarita havia um pequeno jardim em forma de semi-círculo.

Eu e o Cabo da Guarda (também europeu) atravessamos apressadamente o pequeno jardim e fomos formar à esquerda da sentinela e, aí chegados, vejo o resto do pessoal (todos africanos), em fila indiana e em passo de corrida cadenciado, contornar o jardim.

Meio aparvalhado, pergunto-me:
- “Onde é que estes gajos vão, carago!”.

Terminado o circuito, os “contornadores” formam à nossa esquerda.

Pensei: “Bom, já fiz merda!” - Lá se fizeram os “salamaleques” da ordem e, terminada a “sessão solene” lá regressamos a quartéis onde o Oficial de dia – um Capitão Miliciano - me pergunta:
- Então Furriel, o que aconteceu?
- Adormeci e dei barraca.

E ele:
- Também eu adormeci e o homem deitou a mão ao bolso da minha camisa que estava desabotoada e perguntou:
- O que é isto?!

E continuou:
- Olhe, ele disse para você lá ir ao gabinete.

Nessa altura, juro que me apetecia responder:
- “Que venha ele cá abaixo porque eu estou de Sargento da Guarda e não posso abandonar o posto!”

Claro que não o fiz porque iria criar mau ambiente na Unidade já que, muito provavelmente o homem iria responder:
- “Não, que venha cá ele que ainda agora acabei de subir e ele tem estado todo o dia ali alapado!”.

E o empurra para cá, empurra para, lá iria durar uma eternidade e, como não gosto de entrar nessas birras, acabei por ir. Contrariado, mas fui.

- Há quanto tempo está na CCS?
- Há cerca de dois meses meu Co…(fui logo interrompido!)
- Pois, vocês chegam aqui, pensam que isto é a bandalheira do mato, não perguntam nada, se perguntassem sabiam que eu às quintas tenho reunião e que chego sempre mais tarde, - rebéu béu, pardais ao ninho, etc. e tal,…blá blá blá blá !

Eu só abanava a cabeça em sinal de concordância tipo: “ya meu, ya meu, ya meu”.

Passados uns dias, quando volto a entrar de Sargento da Guarda, ao fim da tarde vem o Oficial de dia ter comigo e diz-me:
- Querem a sua presença no gabinete do 2º Comandante.
- “Porra, que foi que eu fiz agora?!” - Berrei eu com os meus botões e confesso que, nessa altura, pensei seriamente em pedir a demissão.

Quando entrei estavam lá o Cor. Galvão de Figueiredo, o Major Leal de Almeida (ex-Coordenador do Batalhão de Comandos Africanos e que, inicialmente, se recusou a participar na operação Mar Verde, acabando por ir a Conakry), um Alf. Milº de Op. Esp. em fim de comissão e que aguardava transporte para regressar à metrópole, um outro Fur. Milº de Transportes e um Cabo Escriturário.

Após uma pequena prelecção, o Cor. Galvão de Figueiredo informa-nos que na manhã seguinte teríamos de embarcar para o Sul. O Major e o Alf. Milº iriam de helicóptero e os outros embarcariam num pequeno cargueiro (vulgo barco turra).

No Sul havia “festa da brava” em Gadamael e eu dei comigo a magicar no que um desgraçado de um Amanuense ainda “pira” iria fazer para a “festa” na companhia de um Major Comando, um Alferes OE e um Cabo escriturário?!
Associei a “gentileza” à minha prestação na 1ª Guarda de Honra que fiz ao homem.

AM

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(Próximo capítulo – (4) Curtas férias em Cacine – CCAÇ 3520
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de > 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10989: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (2): Colocado na CSJD/QG/CTIG

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10989: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (2): Colocado na CSJD/QG/CTIG

1. Mensagem do nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), com data de 12 de Janeiro de 2013, com o segundo capítulo da sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé*

2 - Colocado na CSJD/QG/CTIG

Em 02ABR73 apresento-me na CCS/QG/CTIG e sou colocado na CSJD - Chefia de Serviço de Justiça e Disciplina.

O Comandante do CTIG era, na altura, o Brigadeiro Alberto da Silva Banazol e o 2º Comandante o Coronel Tirocinado Octávio de Carvalho Galvão de Figueiredo.

A CSJD era chefiada, na altura, pelo Major do SGE Mário Lobão, mais tarde substituído pelo Ten-Coronel do SGE Manuel de Moura, se não me falha a memória. Naquele serviço eram tratados todos os processos judiciais, louvores, doenças, acidentes, feridos, mortos, etc. relativos a todo o pessoal do exército, bem como ao pessoal civil ao seu serviço.

Os processos, instruídos nas Companhias ou Batalhões, eram para ali enviados onde eram analisados e dado o respectivo encaminhamento – envio para Tribunal, proposta de atribuição de louvor e, no caso das doenças, ferimentos ou morte, se eram consideradas ou não em serviço, em campanha ou em combate.

Estas tarefas eram realizadas por Alf. Milicianos, licenciados em Direito, coadjuvados por Fur. Milicianos. Àqueles ninguém tratava por Alf. Milº, mas sim por Doutor, incluindo a Chefia.

Foi aí que conheci o Dr. Celso Cruzeiro, único Alf. Milº que participou nas reuniões do Movimento de Capitães em Bissau, antes do 25 de Abril. Advogado em Aveiro, foi quem defendeu, anos mais tarde, o Dr. Paulo Pedroso no processo da Casa Pia.

Na CSJD fiquei a prestar serviço na Secção designada eufemisticamente como de “doenças” e que tratava dos processos de doenças, acidentes, feridos e mortos em serviço, em campanha ou em combate.
Uma das principais tarefas que executava era a de verificar se os processos continham todos os documentos e procedimentos obrigatórios, antes de seguirem para o Alf. Milº que os ia apreciar – Dr. Dias.

A burocracia era mais que muita e os processos andavam para trás e para a frente enquanto, na Metrópole, os familiares aguardavam penosamente pela concessão da pensão de sangue, no caso de morte de um seu familiar militar.

Atendendo à distância temporal que nos separa dos acontecimentos, ressalvem-se possíveis lapsos de memória e, neste contexto, poderei resumir assim:
- O militar morria em combate;
- O Comandante de Companhia (julgo eu) organizava o processo que tinha de conter toda a documentação do militar desde a incorporação, relatório sucinto de como se deram os acontecimentos atestados por 2 testemunhas e certidão de óbito.
- Tudo pronto, era enviado à CSJD, muitas das vezes através de colunas de reabastecimento, quando as havia.

Na CSJD era por mim recebido, catalogado e feita a respectiva “inspecção”, isto é: se continha todos os elementos para que pudesse seguir em “frente”.

A “inspecção” constava, para além da verificação da presença de todos os documentos necessários e se estes estavam nos “conformes”, em sublinhar, a marcador, os factos mais significativos, a fim de propiciar uma apreciação mais célere ao Dr. Dias.

E é nesta fase que começo a tomar consciência do ridículo de alguma burocracia e, pior ainda, da injustiça para com aqueles que, vivendo as agruras de um interior empobrecido, perdiam um ente querido ao serviço da Pátria e tardavam em receber, ao menos, uma pequena pensão de sangue que lhes mitigasse minimamente a situação económica.

De facto, até que o processo fosse concluído, havia que efectuar diversos procedimentos que atrasavam imenso a sua conclusão e a tarefa mais frequente que realizava e que mais mal me fazia ao “fígado” era a de devolver todo o processo ao remetente “a fim de as testemunhas serem devidamente ajuramentadas”.

Isto é: o Comandante da Companhia tinha de substituir a folha onde constavam os depoimentos das testemunhas que confirmavam os factos e acrescentar “as testemunhas juraram por Deus dizer a verdade e só a verdade”.
Caso em que as testemunhas não fossem católicas, “por não serem católicas, as testemunhas juraram por sua honra dizer a verdade e só a verdade".

Enquanto isto, o processo andava de cá para lá e de lá para cá, ao sabor da disponibilidade de transporte.

“E eu a vê-los passar!”, como dizia o mecânico das Dyane.

A acrescentar a tudo isto, há a realçar o facto de eu ter ido substituir um Cabo Milº africano do recrutamento local e que tinha sido preso ou “despachado” para outro lado qualquer por “bom comportamento” e que, segundo constatei mais tarde, teria o hábito de arquivar papelada “à molhada”, pois vim a encontrar alguns processos com dezenas de boletins da JHI (Junta Hospitalar de Inspecção) referentes a outros militares e importantes para atribuição de graus incapacidade aos feridos em serviço, campanha ou combate.

Em suma, a minha “guerra” rivalizava perfeitamente com a do saudoso Raul Solnado.

(*) Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné
AM

(Próximo capítulo – (3) Sargento da Guarda ao QG/CTIG)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 16 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10950: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (1): A chegada

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10950: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (1): A chegada

1. Mensagem do nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), com data de 11 de Janeiro de 2013, que assim começa a sua colaboração no nosso Blogue:

Julgo não estar muito longe da verdade se disser que meus pais foram, talvez, dos que mais contribuíram com “carne para canhão” para a guerra colonial. Efectivamente, tendo a minha mãe dado à luz 11 criaturas (8 rapazes, dos quais 2 morreram em criança e 3 raparigas), os 6 mancebos sobrevivos vieram a cumprir serviço militar nos 3 TO’s (Angola, Moçambique e Guiné).

Em 1971 a situação da Companhia Magro era a seguinte:

- Fernando de Pinho Valente (Magro), nascido a 10/05/1936 - Em serviço na Guiné como Cap. Milº de Artilharia, tendo cumprido já, entre 1956 e 1958, o serviço militar obrigatório como oficial miliciano;

- Rogério Alberto Valente Magro, nascido a 09/03/1944 - Na disponibilidade após ter cumprido serviço em Angola como Fur Milº Atirador de Infantaria, entre 1967 e 1969;

- Dálio Valente Magro, nascido a 10/12/46 - Em serviço em Moçambique como Alf. Milº de Engenharia – CENG 2686;

- Carlos Alberto Valente Lamares Magro, nascido a 17/07/48 - Em serviço em Angola como Cabo Especialista da FAP;

- Álvaro Valente Lamares Magro, nascido a 17/05/50, em serviço no HMR nº1 – Porto, como 1º Cabo Enfermeiro e já com guia de marcha para a Guiné, para onde “marchou” em Dezembro desse ano;

- Abílio Valente Lamares Magro, nascido a 06/11/51, a apresentar-se a Inspecção Militar.

Eu, o único que fazia jus ao apelido que ostentava, pois media 1,73m e pesava 53kg, e consciente dos contributos que os meus irmãos deram, estavam a dar e mais um já se perfilava para dar ao esforço de guerra, apresentei-me à Junta Militar de Inspecção com a confiança de quem podia afirmar: “Para esse peditório os meus irmãos já deram!”

Quando, com algum estrondo, me plantaram na papelada o carimbo que rezava: “Apurado para todo o serviço”, confesso que me perpassaram pela mente alguns impropérios que me dispenso de aqui relatar, limitando-me aos mais suaves e cujos destinatários eram os meus 5 irmãos, tais como: “aqueles gandas camelos andam lá no meio do mato armados em heróis do capim e estes bacanos julgam que é tudo da mesma cepa e tungas, bora lá fazer companhia aos maninhos!”

Muitas vezes ouvi falar em “carne para canhão”, mas em “ossos para canhão” é que nunca tal houvera visto!
Enfim, lá me apresentei em Abril de 1972 no RI 5 – Caldas da Rainha para frequentar o 1º ciclo do CSM, tendo depois frequentado o 2º ciclo no RAL 4 – Leiria, seguindo depois, já como 1º Cabo Milº para o QG/RML onde, passados 4 meses lá me passaram o “vaucher” para viajar até à Guiné.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé*

1 - A chegada

Após uma viagem atribulada de 10 horas a bordo de um DC 6 da FAP - ferrugento, rangendo por todos os lados e largando abundante quantidade de óleo por um dos motores, que nos obrigou a uma escala na ilha do Sal para "afinações" - eis que dou comigo a desfrutar alegremente do agradável clima daquela que era, na altura, a Província Ultramarina da Guiné Portuguesa.

Corria o dia 28 de Março de 1973 e, para me receber, encontrava-se no requintado Aeroporto de Bissalanca o meu irmão Álvaro que por aquelas bandas já se encontrava desde finais de 1971 e que eu, ao vê-lo fardado de calções, sapatos e meias até ao joelho, logo fiquei com a impressão de ter acabado de chegar a um qualquer Clube de Golf onde iria passar uns agradáveis momentos, apesar de já me começar a irritar a presença de tanto insecto voador de bico afiado.

Logo nos disponibilizaram transfer gratuito – o meu irmão mal teve tempo de me transmitir todos os conselhos, avisos e informações que pretendia transmitir – que nos levou até ao aldeamento turístico que nos estava destinado e que era conhecido localmente pelo nome de DAG.

Durante esta curta viagem pude constatar que, naquele “paraíso terrestre”, o top-less era livre e abundantemente praticado, levando-me a concluir que: “a coisa estava a compor-se!” e que o tal DAG seria, talvez, um Departamento de Actividades Giras.

Não, não era! Era o Depósito de Adidos da Guiné. Aí nos depositaram e foi também aí que comecei a ficar adido, para não dizer outra coisa!

E mais adido fiquei quando, uns dias depois, fui mudado para as instalações militares de Santa Luzia onde me aconselharam, amavelmente, um alojamento ao qual a tropa dava o sugestivo nome de Biafra e onde pernoitavam cerca de 20 “piriquitos” por caserna e onde as baratas, imensas e de avantajado porte, tinham ali o seu habitat natural.

Cada vez mais adido, mal dormi nessa noite com tanta “bazucada”! Tinha começado a minha guerra!

As “bazucadas” eram constantes e provinham da Messe de Sargentos, ali próxima, e traduziam-se no arremesso de garrafas de cerveja vazias para cima dos telhados de zinco das camaratas em condomínio fechado.

(*) Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné

AM

(Próximo capítulo - Colocado na CSJD/QG/CTIG)
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Nota de CV:

Vd. poste de 13 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10935: Tabanca Grande (381): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (1973/74), 600.º tabanqueiro desta tertúlia