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terça-feira, 9 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23509: (Ex)citações (412): Reflexão - Ouvindo novamente a Oração de Sapiência proferida por Ana Luisa Amaral em Março passado, fui levado a reconhecer que a razão e o pensamento são as duas maiores riquezas do ser humano (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico)




1. Mensagem do nosso camarada Adão Cruz, (ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68), médico cardiologista, pintor e escritor, com data de 8 de Agosto de 2022:

© ADÃO CRUZ

REFLEXÃO

adão cruz

Ouvindo novamente a Oração de Sapiência proferida por Ana Luisa Amaral em Março passado, fui levado a reconhecer que a razão e o pensamento são as duas maiores riquezas do ser humano.

Ser capaz de parar para pensar é um enorme privilégio. Eu tenho um escrupuloso respeito pelo pensamento, pelo meu pensamento e pelo pensamento dos outros, quando racional e honesto. Acredito que todos nós, aqueles que nunca se venderam a nada nem a ninguém, aqueles que nas questões que mais nos inquietam e mais preocupam a humanidade necessitam sempre de pensar e ouvir a voz da razão. Não conseguem sentir-se livres fora da verdade, ou pelo menos fora da procura do caminho da verdade.

Há para mim três verdades que a reflexão profunda e séria de uma vida inteira tornaram irrefutáveis. Mas são minhas, e de modo algum eu pretendo impô-las a quem quer que seja.
Uma delas é a convicção de que o conhecimento e a cultura, a verdadeira cultura, ou seja, a cultura do conhecimento e, por inerência, a cultura da verdade são os mais importantes recursos de que dispomos para encontrar o caminho da justiça e da solidariedade, os sentimentos que nos acordam para a nobreza que poderia existir e não existe no coração da humanidade.
A segunda convicção é a do nefasto papel do obscurantismo, religioso ou não, arrastando consigo a irracionalidade e a secundarização do conhecimento, os grandes inimigos da verdade.
A minha terceira convicção é o simples reconhecimento de que a intencional desinformação e ignorância impostas ao mundo pelas forças que o dominam vai deformando, de forma mais insidiosa ou mais contundente, a consciência e mesmo a inconsciência das pessoas, levando-as à gelatinosa certeza de que não há verdade mais credível do que a verdade da mentira.

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23455: (Ex)citações (411): Cuidado com o "fogo amigo", cuidado com o dilagrama, cuidado com a granada defensiva... (António J. Pereira da Costa / Luís Graça)

domingo, 21 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22023: Blogues da nossa blogosfera (155): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (64): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


REFLEXÃO SOBRE A LIBERDADE

ADÃO CRUZ

(Auguste Rodin, O pensador)

A Liberdade é um conceito que não é fácil de entender. A Liberdade é um conceito multifacetado que nos obriga a uma reflexão profunda mas clara, uma reflexão que possa constituir uma espécie de calibração para todos nós.

Na minha maneira de ver, a Liberdade, nas suas inúmeras vertentes, não pode existir fora de nós se não existir dentro de nós. E para que ela exista dentro de nós tem de ser racional, tem de assentar em três grandes pilares, o Pensamento, a Razão e o Amor à Verdade, as grandes riquezas do ser humano. O Pensamento como coração e cérebro do discernimento filosófico, a Razão como validação desse pensamento, tendo por base o conhecimento científico, único caminho da Verdade, ainda que muitas vezes difícil e sinuoso. E o Amor à Verdade, como sangue ou seiva que o percorre e alimenta.

Só tendo consciência plena dessa Liberdade individual, da nossa Liberdade interior, só tendo consciência de que não nos enganamos a nós mesmos, seremos livres para poder entender e ser capazes de defender a Liberdade ou as liberdades fora de nós, sejam elas de que natureza forem, existenciais, laborais, sociais e políticas. Não falo, propositadamente, em liberdade religiosa ou em liberdade de crenças. Qualquer pessoa tem o pleno direito de acreditar no que quer que seja, no entanto, na minha maneira de ver, não podemos compreender que o faça livremente, dado que qualquer crença ou religião assenta em premissas não racionais, isto é, premissas que tornam impossível a conquista da Liberdade Interior.

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22005: Blogues da nossa blogosfera (154): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (63): Palavras e poesia

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16849: Notas de leitura (912): Reflexão sobre os 30 anos de independência da Guiné-Bissau, por Leopoldo Amado, na revista Africana Studia, n.º 8, 2005, publicação do Centro de Estudos Africanos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Outubro de 2015:

Queridos amigos,
O historiador e nosso confrade Leopoldo Amado deu à estampa em 2005 uma importante reflexão sobre os 30 anos da independência da Guiné-Bissau. Preambula cuidadosamente sobre a singularidade ideológica do PAIGC, enquanto entidade subordinada ao pensamento e ação de Cabral e aprecia a ingenuidade e cegueira dos dirigentes do novo Estado que pretendiam a todo o vapor projetos financiados pela ajuda internacional de grande envergadura sem disporem de gestores à altura.
De 1974 a 1980 passou-se do sonho e do reconhecimento de muitos pela índole do movimento revolucionário para a queda aparatosa de todos os sonhos, incluindo a cisão irreversível na unidade Guiné-Cabo Verde.
A época de Nino Vieira é também cuidadosamente estudada, incluindo a deriva de Kumba Yalá. Nino Vieira regressou e o depauperamento não conheceu melhores dias, chegou a praga do narcotráfico e o aviltamento das instituições.
Para ler e tirar lições.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau, 30 anos de independência, por Leopoldo Amado

Beja Santos

A revista Africana Studia, n.º 8, 2005, publicação do Centro de Estudos Africanos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, é essencialmente dedicada aos 30 anos de independência das antigas colónias portuguesas. Coube ao historiador Leopoldo Amado, nosso confrade, a reflexão sobre a Guiné-Bissau. Começa por nos dizer que o PAIGC que chegou a Bissau em Outubro de 1974 exibia com todo o garbo a sua matriz revolucionária anticapitalista e autocrática. O novo Estado viria a ser formalmente influenciado por dois fatores: os princípios fundamentais do PAIGC e pelo sistema de países que durante essa luta o auxiliaram. O processo de reconstrução nacional contava nesta fase com a cooperação dos países na órbita de Moscovo, e de Moscovo, claramente. O PAIGC teimava em apresentar-se como partido marxista mas não como partido marxista-leninista e publicitava os seus princípios numa direção coletiva, no centralismo democrático (tal como ela era praticado pelos países comunistas) e na democracia revolucionária.

Esta fase medeia entre 1974 e 1980: o sonho de grandes projetos, uma tensão permanente entre a visão de um país profundamente atrasado e agrário e a expetativa de alguns dirigentes para que o país avançasse a galope para a industrialização. O saldo deste período foi profundamente negativo, exauriu o país, cavou tensões entre a cidade e o campo, exacerbou ódios indevidos na ausência de um plano seguro e fiável de reconciliação nacional.

Por estas razões e pela crescente crispação entre o grupo militar guineense e a elite dirigente cabo-verdiana, Nino Vieira encabeça a 14 de Novembro um golpe de Estado que era apresentado como “Movimento Reajustador”. Para Amado, o golpe oculta inúmeras contradições mal resolvidas durante o período de libertação nacional, a par de uma questão militar, política e moral que continuava sem solução, a definição de estatuto para os Combatentes da Liberdade da Pátria, que aguardavam um pouco de justiça e o prémio devido para os deficientes, incapacitados e severamente doentes. Luís Cabral, atulhado em projetos verdadeiramente faraónicos para a dimensão do país, para os quais não havia gestores à altura, teve de recorrer a ajudas financeiras. Nino Vieira seguiu, é no seu tempo que vão ser aplicados programas de estabilização e ajustamento estrutural.

A atmosfera política guineense assumia duas faces: a direção política dura e pura e as garantias que Nino dava à comunidade internacional de que ia encaminhar o país para a democratização. Nino Vieira, ao adotar o PAE (Programa de Ajustamento Estrutural) negociado com o FMI e o Banco Mundial, tentou implementar um plano de desenvolvimento que acabou por originar, na prática, a rutura com o anterior modelo de planificação marxista. E de rutura se tratou, na pior aceção da palavra, pois todos os projetos da época de Cabral foram escandalosamente deixados ao abandono.

Colapsado o modelo de planificação, nasceu a tentação da Guiné avançar para uma ideologia liberal mantendo o partido monolítico na direção. A Carta dos “121” foi o primeiro sinal de exigência à abertura. Mas o PAIGC parecia apostado na inviabilidade da abertura política a conta-gotas. Afinal, a liberalização não foi uma escolha assumida do poder político, este entrou contrafeito no processo, sob a égide de uma intensa pressão económica internacional. Em sequência, surgiu o anteprojeto da Plataforma Programática de Transição, que previa um governo baseado na separação de poderes, na consagração do sufrágio universal direto, mantendo o sistema de governo presidencial mas declarando abertura para a formação de partidos políticos. É nesta atmosfera que se chegou ao II Congresso Extraordinário do PAIGC onde foram votadas novas medidas: despartidarização das forças de defesa e de segurança e privilegiando-se um sistema semipresidencialista de governo.

Entrara-se concretamente na transição democrática. Em 1994, realizaram-se as primeiras eleições democráticas e presidenciais, o PAIGC foi vencedor. Passado cinco anos da realização das primeiras eleições, o país foi de novo a votar, depois de uma guerra civil que teve o condão de abalar praticamente todas as infraestruturas do país. Nesse clima, o PAIGC foi punido, perdeu as eleições a favor do PRS e de Kumba Yalá. Por inoperância do sucessor de Nino, iniciou-se um processo de claro desequilíbrio étnico na representação social do poder, a etnia Balanta apresentava-se ao mais alto nível da hierarquia: Presidente da República, Primeiro-ministro, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e Presidente do Tribunal de Contas. Embora o termo não seja verdadeiramente justo, assistiu-se a uma balantização do regime, o mesmo é dizer assistiu-se ao definhamento do Estado, à incapacidade técnica e política dos titulares dos cargos públicos, à mais despudorada perversão das regras democráticas que apressaram a queda de Kumba e o regresso de Nino. É indubitável que a guerra civil clivou a sociedade guineense, pôs a nu a fragilidade da democracia a despeito do comportamento heróico dos velhos militares guineenses que puseram senegaleses e guineenses de Conacri em fuga.

Nino Vieira não soube acalmar os conflitos, até com o próprio PAIGC, exonerando arbitrariamente o Primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, o que se seguiu era irrelevante pela falta de coesão política. Chegava-se à triste realidade de haver uma completa indefinição ou mesmo ausência da presença do Estado na maior parte do território, isto a par da extrema indefinição do papel das autoridades tradicionais.

O enfraquecimento do Estado e das instituições democráticas figuram na Guiné-Bissau como a principal causa da incapacidade do Estado em usar as suas atribuições.

E Leopoldo Amado termina o seu ensaio observando que quando se fala da Guiné-Bissau como um Estado falhado, “é imprescindível que se proceda a uma profunda normalização da vida pública e à modernização do aparelho de Estado que devem ser os antídotos à corrupção reinante e à necessidade inadiável de se conferir credibilidade interna e externa ao Estado”.

Ensaio premonitório, toda esta deriva foi desaguar no golpe militar de 2012, mais um manifesto sinal que os militares, depois de 1980, contrariavam a lógica de Amílcar Cabral que confinava os militares ao poder político.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de Dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16839: Notas de leitura (911): “Revolução na Guiné”, edição e tradução de Richard Handyside, 1969 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12402: Controvérsias (129): Pequena reflexão


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem.

Pequena reflexão

Hoje venho exercitar a função de copy / paste dum texto meu no facebook mas que teve na sua génese um conjunto de opiniões que me pareceram pouco consistentes com uma postura mais digna de ex combatentes ao lado dos quais tive muito orgulho em combater e com quem, periodicamente, também relembro e conjecturo sobre o passado.

A tarefa é-me difícil pois pode criar mal-entendidos mas esse é o risco que quero correr.

Caríssimos camaradas, não misturemos as coisas!

No real confronto com um cenário de guerra, todos nós fomos actores de atitudes, gestos, opiniões enfim, das quais hoje não nos orgulharemos, mas que nem por isso deixaram de fazer parte do nosso ADN alterado com essa dura realidade. 

A temática "minas" é uma daquelas à qual não se passa indiferentemente quer na perspectiva de quem as montou, de quem as desmontou, de quem por elas cravou os dentes na terra e se retorceu com as dores, quer mesmo daqueles que viveram aqueles horrores apenas pelo som das detonações...

Tudo isso alterou o tal nosso ADN psicológico ( para não falar de outros ) mas temos que continuar a viver sem falsos pudores pois fomos coagidos a fazê-lo.

Não nos martirizemos com esse passado, de nada nos valendo agora atirarmo-nos como gato a bofe a gajos que não tiveram nada a ver com isso!

Os nossos políticos, por exemplo, são uma camada de putos imbecis que nem à tropa foram pelo que não podem ser intitulados de cobardes ! Refiro-me à enorme maioria que hoje engrossam as fileiras dos partidos desde a extrema esquerda à extrema direita!!

O nosso problema deve ser outro ! Por razões que os sociólogos melhor nos explicarão, o povo português tem nas suas características intrínsecas, coisas absolutamente extraordinárias mas também ostenta genes da mais baixa índole dentre os quais menciono a maledicência, a inveja perante o sucesso dos outros e a incapacidade total de elogiar o parceiro do lado e de o aplaudir.

Pelo contrário, somos mesquinhos e isso reflecte-se de geração em geração e agora, cá estamos a zurzir as nossas frustrações nas orelhas de inocentes... Para quem me estiver a ler, não confunda ! Estamos a falar de guerra e de minas e nada mais!!!

Confrontemos os nossos (des)governantes com as actuais políticas e sobre isso exijamos-lhes responsabilidade e punição pelas atitudes dolosas!

Tudo o mais, ao aceitarmos entrar numa discussão de culpabilização tipo caça às bruxas, põe-nos ao nível deles.

Eu não entro nessa.

Abraços para todos e bom Natal para cada um e respectiva família.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 



sexta-feira, 8 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8067: (Ex)citações (135): Reflexão - Será que nos repetimos? (Manuel Marinho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Marinho* (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), com data de 5 de Abril de 2011:

Caro Carlos Vinhal
Se assim o entenderes publica


Reflexão

Caros camaradas,
Estas linhas destinam-se apenas a reflectir sobre algumas coisas que podem ser melhoradas no nosso Blogue, quando se aproxima mais um aniversário do mesmo.

Quando camaradas se dispõem a escrever as vivências e memórias da guerra na Guiné, para este Blogue, devem os editores alertar para os escritos já existentes sobre o tema ou assunto sobre o qual o camarada vai escrever, ou escreveu.
Tudo o que se escreve é muito bem-vindo, mas tem de se ter em conta a opinião de outros escritos já existentes. Se acrescenta mais óptimo, se contradiz com factos, melhor ainda, não se não é nada disto….

Porque pode acontecer estarmos a repetir-nos constantemente, e a fazer figuras que poderão ser de formas mais ou menos entendidas como “professorais”.

Vem isto a propósito de um texto escrito por um camarada do meu BCAÇ 4512 sobre Guidaje.

Depois da saudação devida ao camarada no primeiro texto, esperei novidades para o seguinte sobre Guidaje, mas nada de novo se acrescentou, e no meu comentário que teve de ser longo evitei ir por outros caminhos.
Para mim a questão Guidaje está muito bem narrada neste Blogue fruto de excelentes textos de um conjunto de camaradas que para tal contribuíram, eu muito modestamente, mas sempre a incentivar quem tinha mais para dizer.

Mas esse texto remetia o leitor para um link de outro Blogue, com a descrição de outro texto de outro camarada da mesma CCAÇ, eu fui verificar se havia coisas novas, e verifico que o referido texto foi originalmente publicado no nosso Blogue.

Sou assíduo leitor dos Blogues e sites de camaradas ex-combatentes e todos me merecem respeito e consideração, portanto não está em causa nenhum deles, nem tal me passaria pela cabeça. O problema para mim é outro, se o original está cá, é este que deve ser indicado, por uma questão de ética e respeito para com o nosso Blog.

Mesmo que a indicação seja outra, é o texto original que deve servir de referência, senão inadvertidamente, estamos a esfaquear o “pai”.

Cumpro o meu dever para com este enorme Blogue único no género e onde fui recebido como irmão, camarada e amigo, onde tento sempre retribuir da mesma forma.
Devo por isso obrigação de nunca desapontar esta grande família de “camarigos” palavra inventada por um nosso camarada, que define muito bem esta amálgama de fraternidade e amizade.

Ainda hoje lamentavelmente, se escrevem livros sobre a Guerra na Guiné, ignorando, números, datas e vítimas que já foram vividas e narradas pelos ex-combatentes.
Prefere-se consultar apenas os relatórios militares da altura, que omitem demasiadas coisas que se passaram.  A História do meu BCAÇ 4512 é um exemplo.

Vamos fazer todo um esforço para melhorarmos e salvaguardarmos este riquíssimo património escrito que é nosso.
Aos camaradas designados para o corpo redactorial a quem envio um grande abraço compete-lhes zelar para que assim seja.

Aos editores o meu obrigado
Um abraço para todos
Manuel Marinho
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7631: Notas de leitura (189): A minha coluna emboscada e o livro A Última Missão, do Cor Moura Calheiros (Manuel Marinho)

Vd. último poste da série de 19 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7967: (Ex)citações (134): A propósito do discurso do Presidente da República por ocasião da Cerimónia de Homenagem aos Combatentes no 50º Aniversário do Início da Guerra em África (Joaquim Mexia Alves)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5614: História da CCAÇ 2679 (32): Reflexões sobre Tabassi e o mau relacionamento com o Trapinhos (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 6 de Janeiro de 2009:

Bom dia Carlos,
Envio-te mais um bocadinho de lenga-lenga, a ver se se faz alguma história. E a descrição de alguns venenos que poderiam atribular a pacatez da comissão.

Um grande abraço.
J.D.


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (32)

Reflexão conjunta


Uns dias após a noite de Tabassi, ficámos a saber que o Pestana salvar-se-ia da morte prognosticada. Retiraram-lhe uma parte do frontal e da massa craneana, do que sofrerá algumas sequelas, mas viverá relativamente bem. Definitivamente não voltará ao serviço militar. Regozijámo-nos com esta notícia, que o dá como capaz para a vida.

Fizemos uma reflexão sobre os acontecimentos: em primeiro lugar, destacámos a disciplina do IN, pois foram detectados, tiveram ocasião para disparar sobre mim e o grupo que acompanhava o Virgílio Sousa, mas, talvez porque não estivessem todos ainda instalados, demoraram duas horas a atacar-nos, o que poderia constituir novo efeito surpresa. Em seguida, verificámos que a primeira rocketada foi para o lugar referenciado pelo tiro do Virgílio, mais tarde confirmado, quando ali me dirigi e fiquei à conversa sem especial cautela. Falhámos ambos. E a confirmar todas os conhecimentos anteriormente adquiridos sobre as identificações de posições de combate, nomeadamente em período nocturno, foi o desencadear certeiro do ataque. Sairam-nos caro aqueles deslizes. Todos sabíamos como proceder correctamente, mas, na ocasião, subvalorizámos os indícios do IN. Correcto, teria sido ficarmos em rigorosa prevenção, e não adormecer debaixo da árvore, por um lado, por outro, antes do disparo, algum dos elementos daquela posição deveria ter-me informado das suspeitas.

Mas a refrega consumara-se a nosso favor, por isso, agora levantava-se outro problema: seria que o IN, mais tarde ou mais cedo, procuraria vingar-se de nós? Ninguém poderia responder a esta questão, mas avultava a necessidade de aumentarmos o cuidado, de termos especial atenção na estrada, onde mais facilmente poderiam concretizar os intentos. Cada um de nós teria que tornar-se mais responsável e preparado para enfrentar nova iniciativa do IN. Era certo que não os temíamos, como ficara demonstrado, mas teríamos que prevenir o grupo, pois em algumas situações as baixas são inevitáveis, salvo, quando as iniciativas são mal desencadeadas. Era, por isso, necessário intuir os procedimentos e comportamentos futuros, tendo em conta que só a homogeneidade do grupo poderia garantir o sucesso de cada um.

Estávamos todos de acordo e, no geral, compenetrámo-nos na acção colectiva.


O novo relacionamento com o COT-1

Numa ocasião posterior deslocámo-nos a Pirada, em missão rotineira de recolha e transporte de mercadorias para Bajocunda. Na Companhia referiram-me para me apresentar no COT-1. Ali chegados, distribuí tarefas ao pessoal, após o que me informei da localização do Major-Comandante. Tratar-se-ia de uma pessoa de maus créditos, a avaliar pelos adjectivos e descrições que me fizeram. Entrei no edifício, passei por dois compartimentos vazios e, no terceiro, encontrei o Major deitado sobre um colchão. Cumprimentei-o com uma palada, e o Oficial ergueu-se, retribuíu sem cerimónia, pegou-me pelo braço deu-me os parabéns pelo magnífico grupo de homens que comandava. Perguntou-me se a viagem não levantara problemas, se tivera cuidados especiais à passagem pelo morro entre Tabassi e Pirada, um lugar fortemente provável para uma emboscada às NT. Menti, respondi-lhe que era meu costume mandar uma Secção a envolver o local, por forma a evitarmos surpresas desagradáveis. O Major concordou. Subitamente perguntou-me pelo pessoal, ao que respondi estarem no cumprimento de tarefas. O Comandante referiu que gostaria de os ter cumprimentado, e comprometi-me a, numa próxima oportunidade, proporcionar-lhe o encontro. O Major ainda fez considerações sobre a necessária segurança no mato, ao que anuí e acrescentei que por vezes conversávamos a propósito, o que era verdade.

Despedimo-nos, o Major deu-me uma pancada nas costas, notoriamente cordial, e que surpreendeu quem assistia, pois esta cena passou-se no exterior do edifício. Perfilei-me, e pedi licença para seguir, que me foi concedida.

Quando voltei a Pirada, preveni o pessoal para permanecerem ordeiramente sentados nas viaturas, com as armas sobre os joelhos, porque viria o Comandante do COT-1 em revista e a dar-lhes ordem para destroçar. Assim aconteceu. Dirigi-me ao gabinete para a necessária apresentação, que decorreu com cordialidade, e como o Major se alongasse na conversa, pedi licença, e perguntei-lhe se queria ver o pessoal antes de se dispersarem nas tarefas. Imediatamente colocou a boina e saíu na direcção das viaturas. O Foxtrot estava bem comportado, com ar confiante, e em atitude marcial, como que pronto a sair para uma missão de risco. Segui o Comandante que parou junto da primeira viatura, cumprimentou e disse qualquer coisa de elogioso ao pessoal, distribuíu duas ou três bacalhauzadas aos mais próximos, após o que me mandou dar ordens ao Pelotão.

Verifiquei assim, da parte do Exército, uma especial consideração por um Grupo de Combate, relativamente apresentável, mas com espírito de sacrifício, voluntarioso, e atitude combatente. Naturalmente, senti-me vaidoso.

Entretanto sairam meia-dúzia de louvores, contrariando a ideia que transmiti ao Trapinhos, quando fui inquirido sobre o assunto, e lhe respondi que, justo seria num louvor colectivo, pois o que importava realçar, era, no meu entender, o espírito de grupo sempre evidenciado.

A seguir fiz uma coluna a Nova Lamego para os costumeiros transportes de víveres para a Companhia. Ali chegados, o pessoal foi às tarefas, e eu fui apresentar-me ao Major Segundo Comandante, acompanhado pelos restantes elementos para alguma eventualidade. Se corresse bem, teríamos tempo para umas cervejolas e, até para almoçarmos.

Apresentei-me à porta do gabinete, fiz a palada e apresentei-me. O Major, que falava com um Furriel, imediatamente levantou a voz para mim, questionando-me sobre o desalinho, se eu não tinha noção do modo como trajava; sobre as patilhas e a mosca, se estava autorizado para tal; e enfureceu-se quando viu um cinto estranho ao fardamento. Eu, acabrunhado, respondia sim e não, completamente surpreendido e irritado com a violência do interlocutor. Logo ali prometeu-me uma porrada e mandou-me desandar. Virei costas e saí, que era o que eu mais queria fazer. Ao chegar ao pátio lacrimejei de raiva por me sentir vexado. O que lhe devia ter dito, se falasse de igual para igual, era que lhe fazia o favor de andar a combater para sua excelência passar uma tropa porreira no remanso do gabinete, e garantir uma choruda conta bancária no fim da comissão. O pessoal notou que eu estava alterado, perguntaram-me qualquer coisa e respondi:

- Está a andar, é reunir as viaturas e partimos já.

Durante o regresso, acalmado pelos solavancos da picada, ainda me ri da cena com o Major, qual guerra dentro da guerra: é que a minha apresentação, não sendo muito original, era suficientemente distraída para esbugalhar o olhar atento de um Oficial Superior que medrou entre NEP's e regulamentos. O que eu envergava era botas de cabedal, calças verdes de serviço, camisa camuflada e boina da farda n.º 1. O cinto era o do turra. Enfim, não seria a apresentação mais compaginável com a desejada imagem do Exército, menos ainda com a de um herói de Hollywood.

Dois ou três dias depois fui chamado ao COT-1, onde o Major me referiu ter tido conhecimento do meu problema em Nova Lamego, e que pediu ao ao Segundo-Comandante para não me dar a porrada, contra a promessa de que eu me apresentaria com cara lavada e bem ataviado. Disse o Major, que eu me barbeasse, vestisse em conformidade, e fosse apresentar-me ao Major de Nova Lamego, lembrando-me que uma punição não interessava a ninguém. Agradeci-lhe e comprometi-me.


Outra guerra

Poucos dias após, o Trapinhos, durante uma conversa restrita e informal, revelou que estava atrapalhado para uma data próxima, com falta de pessoal para Tabassi. Fiz-lhe ver que no dia imediato ao da dificuldade tinha programada uma operação-psico numas aldeias do interior, relativamente próximas do Gabu, onde teria que me dirigir para apresentação ao Major, mas se a dificuldade persistisse, poderia contar com o Foxtrot para lá irmos passar a noite, na condição de regressarmos mais cedo do que o habitual, para banhos, pequeno-almoço, e saída imediata. Aliviado, o Capitão imediatamente acolheu a disponibilidade demonstrada, que transformou em ordem, e disse-me que faria o reforço à aldeia.

Entretanto chegou uma verba para mim, a título de prémio pecuniário pela captura de armamento. Decidi abrir um crédito na cantina a favor do Foxtrot e, a partir daí, todos os prémios que recebi tiveram o mesmo destino.

Tínhamos patrulhado de manhã, e fomos passar a noite a Tabassi. No regresso a Bajocunda dei indicações precisas para o pessoal se preparar rapidamente, tomarem o pequeno-almoço, e aprontarem-se para a saída. Eu faria a coluna até Nova Lamego, enquanto eles visitariam uma aldeia munidos de ração de combate. Depois esperar-me-iam perto da ponte, onde me juntaria a eles para prosseguirmos as visitas até ao dia seguinte. Durante a minha ausência o Pelotão seria comandado pelos Cabos Valentim e Andrade. Houve uns murmúrios sobre tanta actividade, mas nada de relevante.

Fui pôr-me bonito para a apresentação ao Major. Quando cheguei à parada vieram dizer-me que não tinham tabaco e não sabiam do Jesus, o cantineiro. O Trapinhos também seguia viagem, mas ainda não aparecera, pelo que achei ainda haver tempo. A saída protelava-se bastante, e nem Capitão, nem Jesus. Quando o Capitão surgiu falei-lhe na dificuldade do pessoal em arranjar tabaco, ao que, descuidadamente, respondeu:

- Esses filhos da puta não precisam de fumar.

Ora, alguém ouviu e o Pelotão fez finca-pé. Sem tabaco não saíam. O Trapinhos, já em cima de um Unimog, deu-me ordem para partirmos. Respondi-lhe que o pessoal tinha falta de tabaco, não tivera oportunidade de o comprar por ter passado o dia fora, e parecia razoável aviarem-se para outros dois dias.

- Dê-lhes ordem para subir. - Respondeu-me o Capitão.

- Eu? - Questionei-o na esperança de atender ao meu argumento.

- Sim, você! Não é o Comandante deles? - Respondeu-me.

- E você, meu capitão, o que é? - Perguntei-lhe farto da intolerância.

Alguém apareceu com um volume de maços de cigarros, porque a cena já era apreciada por muitos militares, o pessoal tomou lugar nas viaturas e partimos. Era visivel alguma confusão na segunda viatura, onde seguia o Capitão.

Em Nova Lamego apresentei-me ao Segundo-Comandante nas condições regulamentadas. A seguir teria que aguardar pelo regresso, sem qualquer missão, que não fosse o devaneio. Dirigi-me ao bar em frente do Comando, onde me sentei numa mesa com Páras. Momentos depois entrou na sala um Cabo a perguntar por mim. Identifiquei-me, e pediu-me para o acompanhar ao Comandante. Sentei-me ao lado dele no jipe, que atravessou a rua e parou no pátio interior. Subi ao gabinete no primeiro andar.

O Tenente-Coronel mandou-me entrar. Sentado, num canto, à minha esquerda e à direita da secretária do Comandante, estava o Trapinhos. Levei uma piçada durante uma hora, em sentido, que nem eu pedira, nem ele me mandou pôr à-vontade. Pedi-lhe licença, mas retorquiu que ainda não acabara de falar. Alguns minutos depois deu-me autorização para argumentar. Comecei a expor as minhas razões, quando o Comandante me interrompeu, questionando-me se estava a acusar alguém. Não, não estava, respondi, apenas apresentava as justificações da minha defesa perante o que tinha sido referido. De soslaio, pelo canto do olho, via o Capitão a cruzar e descruzar as pernas, nitidamente nervoso. No final, o Tenente-Coronel, mais cortês, disse-me, que aos milicianos competia uma importante tarefa no enquadramento do pessoal e, que ainda tínhamos o dever, sempre que possível, de aliviar as tarefas do nosso Capitão, já assoberbado com outras funções que só ele podia desempenhar. Compreendi que ele percebera a extrema incompetência do Capitão. Depois, cordialmente, mandou-me sair.

Senti um grande alívio. Livrara-me de outra armadilha. Fui almoçar, descontraí, e voltei a encontrar alegria quando me juntei ao Foxtrot para prosseguirmos o caminho da psico, sugeito a algumas larachas por ter andado a passear e a banquetear-me na cidade. A operação de psico consistia no tratamento de feridas e distribuição de comprimidos, conforme as mazelas que a população apresentava, tratamentos exponenciados com alguma injecção, se o problema se mostrava mais gravoso. Davam-se conselhos para deslocação às consultas junto da tropa sempre que era aconselhado.

Muito pouco tempo depois, o Comandante do COT-1 foi substituído, e perdi um interlocutor de referência.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5562: História da CCAÇ 2679 (31): Ataque à tabanca de Tabassi em 30NOV70 (José Manuel M. Dinis