quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P519: Carta aberta a... Ao Luís (Jorge Cabral)

Mensagem do Jorge Cabral (ex-Alf Mil Art, comandante do Pel Caç Nat 63, Bambadinca, Fá e Missirá, 1969/71). Esta carta (aberta), dirigida à minha pessoa, honra-me e sensibiliza-me. Prendem-me, ao Jorge, laços de amizade e de cumplicidade.
Orgulha-me tê-lo cá, nesta tertúlia, entre amigos e camaradas. Obrigado, Jorge, pela tua (corrosiva) lucidez e sobretudo pela tua (generosa) abertura de espírito à aventura humana e à descoberta do outro bem como pelo teu arreigado anti-etnocentrismo. Poupa-me as palavras. Por mim, disseste tudo... LG

Caro Luís,

Nunca será demais enaltecer o teu blogue, o qual nos tem permitido, principalmente recordar.

Como tu dizes, fui um tropa desalinhado, marginal e quase sempre provocador, características que mantive ao longo da vida. Sempre procurei realçar os aspectos ridículos das pessoas e situações, gozando e criticando, às vezes com um humor um demasiado ácido…

Sobre a Guerra Colonial na Guiné, sei que lá estive, e procurei ver.

Não sinto nem orgulho, nem vergonha.

Não fui herói, nem cobarde, limitei-me a garantir a minha sobrevivência, bem como a dos que comigo se encontravam.

Tratava-se obviamente de uma guerra absurda e previsível, logo evitável, para a qual nos mandavam mal preparados, num estado de absoluta ignorância sobre o país, sua gente e cultura (contei-te daquele soldado-periquito, que apresentado em Missirá, me pediu para ir ver o jogo do Sporting que dava na televisão naquela note, na Tasca da Muda, ali mesmo à esquina…).

Se alguma qualidade intelectual possuo é a curiosidade, que me leva a tentar compreender tudo e todos, ciente que as diferentes formas de estar e ser são legítimas e sempre explicáveis.
Assim, na Guiné, quer em Fá, quer em Missirá, procurei entender, e através de longas conversas com Homens e Mulheres Grandes aprendi alguma coisa. Dessa forma me inteirei da excisão (a qual depois presenciei) e do infanticídio ritual, dois temas que há mais de vinte anos, falo nas minhas aulas.

Percebi que uma Guiné idílica e pacífica, de negros portuguesismos, nunca existira… Todo o território ao longo dos séculos foi palco de imensas guerras, sangrentas repressões e alguns desastres das nossas tropas. Perante o meu espanto, indicaram-me em Fá, o local onde no tempo, dos avós, dos avós deles, havia sido aprisionado o Governador, que teve de pagar resgate aos beafadas (1). E em Missirá levaram-me a conhecer o campo onde as forças portuguesas e seus ajudantes estiveram longo tempo entrincheirados, preparando a conquista de Madina/Belel, na luta contra o grande guerreiro Unfali Soncó, no princípio do século XX (2).

Foram também os velhos que me falaram de Abdul Injai, régulo do Cuor e do Oio, companheiro de Teixeira Pinto, herói tão amado quanto odiado, caído em desgraça no fim da vida, e degredado para Cabo Verde.

Chegado a Lisboa, e desde então tenho tentado estudar, convicto que é impossível compreender a guerra colonial e o que se seguiu, sem reflectir na história do país e nas múltiplas acções de resistência armada contra os Portugueses.

Claro que o PAIGC, ao iniciar a Luta Armada pretendeu aglutinar todas essas resistências sectoriais, num projecto global de Libertação, que simultaneamente edificasse o Estado Nação. Pelo menos a Libertação foi conseguida…

Tendo estado sempre com tropa africana e milícias, não fiquei indiferente ao que aconteceu aos meus soldados, uns obrigados a fugir e outros fuzilados.

Alguns ainda hoje lutam por uma pensão, e há poucos anos, tive de confirmar por escrito, que um servira no exército português.

Discutir agora quem foi o responsável pelos fuzilamentos, se foi o Nino ou o Luís Cabral, parece-me supérfulo. A responsabilidade cabe por inteiro aos Portugueses, que não souberam garantir a segurança dos militares africanos. Procederam como os seus antepassados, pois o destino dos aliados dos portugueses, foi sempre o mesmo. Abandonados à sua sorte, vitimas das represálias dos vencedores… Ás autoridades negociadoras competia proteger todos os que lutaram integrados no Exercito Português e mesmo assegurar aos que quisessem, a nacionalidade portuguesa. Isso sim, teria sido uma atitude revolucionária. Foram conservadores. Contradições características de uma descolonização tardia e apressada…

Desculpa a seriedade deste arrazoado, mas considero importante contribuir para a destruição de certos mitos e equívocos, naturalmente persistentes numa ex-potência colonial.

Um grande abraço
Jorge
_________

(1) – ocorreu em 1861 no âmbito de uma “campanha” contra os Beafadas de Badora, os quais prenderam o Major Correia Pinto, encarregado da Administração da Província na ausência do Governador. Também nessa altura foram hasteadas bandeiras britânicas, em Bambadinca, Fá e Ganjara.

(2) – tratou-se de uma das mais importantes "operações" ocorridas antes da Guerra Colonial. Os efectivos das N.T. eram para a época impressionantes. Estando 50 marinheiros destacados em Bambadinca, a coluna comandada pelo Governador Muzanty, compreendia:
- 7 oficais do estado maior,
- uma companhia da marinha (4 oficiais e 132 marinheiros),
- uma companhia de infantaria metropolitana (5 oficiais e 251 sargentos e soldados),
- uma companhia mista de infantaria (3 oficiais e 101 atiradores),
- uma bateria de artilharia (3 oficiais e 69 sargentos e soldados),
- mais sete oficias (médicos veterinários e de intendência),
- a que é preciso acrescentar o “exército” de Abdul Injai (2 oficiais, 2 chefes e 100 cavaleiros) e
- ainda a nona companhia indígena de Moçambique.

Pois toda esta tropa, atravessou o rio frente a Bambadinca, tendo conquistado todas as tabancas, até junto de Missirá, onde em Carenquecunda, acampou, cavando trincheiras, e preparando a conquista de Madina, que veio a ser tomada em 9 de Abril de 1908, tendo tido papel determinante Abdul Injai e os seus 100 cavaleiros.

Também eu entrei em Madina em 1971, sem cavaleiros, mas à custa de um decisivo apoio aéreo.

P.S. – o desastre do Cheche, tem um antecedente histórico ocorrido em 30 de Dezembro de 1878 na Ponta de Bolor, entre os Felupes. Porém deste, em que morreram mais de 50 militares, conhecem-se os que pela sua incompetência, foram responsáveis: o Governador António José Cabral Vieira e o Tenente Calisto dos Santos.

Guiné 63/74 - P518: Pidjiguiti, 3 de Agosto de 1959: eu estive lá (Mário Dias)


Guiné > Zona leste > 1970 > Vista aérea da Ponte sobre o Rio Geba, na estrada Bissau-Mansoa-Bafatá. Os barcos do serviço de cabotagem, vindos de Bissau, do Pidjiguiti, chegavam até aqui. Geba foi, na história da presença portuguesa, um importante entreposto comercial. Na época estava em decadência, tendo sido de há muito suplantada por Bafatá, a segunda cidade da província.

Arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
© Humberto Reis (2006)


1. Texto do Mário Dias (ex-sargento comando, Brá, 1963/66)

Caro Luis

Tinha guardado o propósito de falar sobre os acontecimentos de Agosto de 1959 no Pidjiguiti proximamente. Atendendo, porém, que eles têm sido referidos recentemente no blogue, antecipei a decisão. Espero que se consiga lançar um pouco de luz sobre esta tragédia de forma a que se evitem especulações futuras.

Um abraço
Mário Dias


2. Comentário de L.G.:

O "massacre do Pidjiguiti"(sic) é um dos mitos fundadores do PAIGC. Aliás, marca o início da "luta de libertação nacional". Este depoimento do Mário Dias é uma peça importante para se fazer a história recente da Guiné-Bissau: reivindicações laborais dos marinheiros do serviço da cabotagem das casas comerciais de Bissau (e, em particular, da Casa Gouveia, ligada ao grupo CUF - Companhia União Fabril) estiveram na origem de graves tumultos que foram prontamente reprimidos pelas autoridades portuguesas.

O depoimento do Mário Dias terá que ser tido em conta pelos nossos historiadores (tanto de um lado como do outro). E sobretudo por nós, portugueses e guineenses, que temos direito à verdade. Eu só conhecia (e mal) a versão do PAIGC, que fala em massacre, em 50 mortos e mais de um centena de feridos. Na época - é bom lembrá-lo - a imprensa portuguesa não era livre, pelo que nunca nos poderia dar a, nós, metropolitanos, uma versão isenta dos acontecimentos. Havia a censura, a polícia política, o partido único, o Salazar... É bom não esquecê-lo.

Infelizmente, não conheço investigação de arquivo sobre este assunto. Talvez o nosso amigo e membro da nossa tertúlia, Leopoldo Amado, possa fazer luz sobre este e outros acontecimentos que antecederam o início da guerrilha do PAIGC, na sua tese de doutoramento sobre a guerra colonial 'versus' guerra de libertação que eu estou ansioso por ver apresentada e discutida, em provas públicas, na Universidade de Lisboa.


Guiné-Bissau > Bissau > Planta da cidade a seguir à independência. Veja-se a localização do porto do Pidjiguiti (para os barcos de pesca e de cabotagem), à esquerda do porto de Bissau (para os navios da marinha mercante) (LG)
 
© A. Marques Lopes (2005)

Como é timbre da nossa tertúlia, este blogue tem procurado pautar-se pela procura da verdade dos factos, tendo já publicado alguns notáveis (e inéditos) documentos sobre a experiência da guerra na Guiné (1963/74). Nenhum de nós é detentor da verdade. E a verdade não se resume aos factos: mais complexa é a sua análise e interpretação.

O depoimento do Mário Dias honra esta tertúlia. O Mário é um homem que, sem negar os seus valores, a sua identidade e o seu passado, tem revelado uma grande sensibilidade, sabedoria e honestidade intelectual... Estou-lhe grato pelo envio desta peça que também fiz questão de divulgar prontamente no nosso blogue, colocando-a à frente de outros textos que estão na calha.


Guiné > Bissau > Postal de Maio de 1966 > Cais do Pigiguiti (sic)

© Virgínio Briote (2005)

Ele foi uma testemunha (privilegiada) dos acontecimentos: ele estava lá em Bissau, no Pidjiguiti, nesse dia 3 de Agosto de 1959 (que é hoje dia de feriado nacional na República da Guiné-Bissau). Essa circunstância valoriza muito a sua versão (pessoal) do que ocorreu naquele dia e que, à distância de 47 anos, não podemos deixar de condenar e lamentar...
Não vou entrar em polémica (e muito menos com o nosso querido Mário) sobre a contabilidade dos mortos e o conceito (técnico-jurídico) de massacre. Nem sobre sobre outros alegados massacres que terão occorrido na nossa longa guerra ultramarina, tanto na Guiné como em Angola e Moçambique, a começar pelo terrível massacre de população civil cometido pela UPA no norte de Angola, em 1961.
Eu sei que este assunto ainda hoje é doloroso para todos nós. E fracturante. Mas também não é tabu: a janela fica aberta para o debate (se possível, sereno) sobre estes e outros fantasmas da guerra colonial (ou do ultramar, como queiram) que ainda não ainda conseguimos exorcizar... L.G.


Os acontecimentos do Pidjiguiti em Agosto de 1959 (depoimento de Mário Dias)

Muito se tem escrito e comentado sobre os acontecimentos que tiveram lugar no cais do Pidjiguiti em 3 de Agosto de 1959. Eu estive lá. À época dos factos, cumpria o serviço militar obrigatório, ainda como recruta (o Juramento de Bandeira teve lugar uma semana depois, precisamente a 10 de Agosto).

Para melhor entendermos a greve e consequente revolta dos marinheiros, há que recuar um pouco no tempo e no contexto em que se movimentava a actividade dos marinheiros.

As principais casas comerciais da Guiné (vou designá-las pelo nome abreviado como eram conhecidas, Casa Gouveia (CUF), NOSOCO, Eduardo Guedes, Ultramarina e Barbosas & Comandita, tinham ao seu serviço frotas de lanchas - umas à vela e outras a motor - que utilizavam no serviço de cabotagem transportando mercadorias para os seus estabelecimentos comerciais e, no regresso, traziam para Bissau os produtos da terra, principalmente mancarra e arroz. A maioria deste tráfego era pelo rio Geba, até Bafatá e, para o Sul até Catió e Cacine.


Guiné > Bissau > 1969 > Cais do porto de Bissau. Foto tirada do lado do Pidjiguiti.

© Humberto Reis (2005)


Anualmente, essas empresas se reuniam para acordarem os salários a pagar aos diversos elementos da tripulação das embarcações. Esse acordo tinha a finalidade de ajustar o salário nas várias frotas, de forma a evitar concorrência no engajamento do pessoal. É claro que, embora efectivamente todos os anos fossem aumentados, os marinheiros não eram tidos nem achados nestas reuniões. Era comer e calar à boa maneira da época. O mesmo se passava, aliás, em relação ao preço a praticar anualmente na compra do amendoim (mancarra) e que era fixado por tabela governamental, ouvidos os comerciantes. Os agricultores não era ouvidos nem tinham voto na matéria.

Acordo estabelecido, as várias firmas comerciais começaram a pagar aos marinheiros o novo salário. Porém, a Casa Gouveia não procedeu ao aumento e continuou a pagar pela tabela do ano anterior. Passaram-se meses e os marinheiros questionavam o gerente - na altura o ex-funcionário do quadro administrativo Intendente Carreira - sem resultados e até com uma certa sobranceria, tique que lhe deve ter ficado dos tempos de funcionário administrativo. Com o descontentamento a aumentar e ânimos cada vez mais exaltados se chegou à tristemente célebre tarde de 3 de Agosto de 1959.

E agora o relato dos acontecimentos por mim presenciados e conforme informações na altura colhidas.

Nesse dia passou por Bissau, a caminho de Angola, uma alta entidade da Força Aérea. Ocupava no governo, salvo erro, o cargo de Secretário de Estado de Aeronáutica. Fosse qual fosse a sua função, a verdade é que tinha direito a honras militares à sua chegada ao aeroporto. Não havendo outra tropa com capacidades para tal missão, embora ainda recrutas e como tal impedidos regulamentarmente de prestar guardas de honra, acabámos por ser nós a fazê-lo. Bem limpos e engraxados, mauser com baioneta calada, luvas brancas, partiu a Companhia de Recrutas para Bissalanca (1).

A cerimónia decorreu de forma brilhante (nós éramos um espanto!) e iniciámos o regresso ao nosso quartel em Santa Luzia. Ao aproximarmo-nos da praça do Império, comecei a reparar que muita gente se dirigia apressadamente, alguns até corriam, em direcção ao rio. E, um pouco antes de atingida essa praça, fomos interceptados pelo comandante da companhia, capitão Teixeira, que se dirigiu ao oficial que comandava a coluna, tenente Vaz Serra, com quem esteve a conversar por alguns momentos.


Guiné > 1970 > Vista aérea do Geba Estreito entre o Xime e Bafatá > Na época, a Casa Gouveia ainda tinha um serviço de cabotagem entre Bissau e Bafatá, embora precisasse de segurança militar próxima, no troço Xime-Bambadinca-Bafatá (LG)
Arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
© Humberto Reis (2006)

Retomada a marcha, ficámos todos surpresos por virarmos à direita em direcção ao rio em vez de à esquerda para Santa Luzia. Conforme descíamos a avenida da República víamos que algo devia estar a acontecer pois cada vez havia mais pessoa aglomeradas e maior era a agitação que demonstravam. A certeza tive-a quando, já perto da Casa Gouveia, vi, em cima de um camião que seguia para o hospital, vários homens em grande exaltação. Um deles ficou-me na memória: de pé, escorrendo sangue de um ombro, barafustava e agitava os braços, dava punhadas no peito como um possesso. Impressionante! Ainda hoje, passados todos estes anos, quando se fala destes acontecimentos do Pidjiguiti, é esta a imagem que me ocorre.

Chegados ao local, vi uma considerável multidão nas imediações, os portões do Pidjiguiti encerrados e uma força da PSP, constituída por pouco mais de uma dezena de seguranças, como chamávamos aos polícias africanos, armados com espingardas Lee Enfield 7,7 mm, enquadrados por 2 ou 3 graduados europeus.

Na altura já tinham terminado os tiros e encontravam-se apenas a conter a multidão e a evitar que os marinheiros e trabalhadores do cais de lá saíssem em direcção à Casa Gouveia. Fomos mandados apear das viaturas e só então nos deram as indicações da nossa missão que foi, simplesmente, cercar os terrenos anexos ao Pidjiguiti (no local onde mais tarde nasceram as Oficinas Navais e instalações da Marinha e Fuzileiros) que na altura eram terrenos baldios. Não devíamos deixar ninguém sair por esse lado que não tinha vedação. Ainda vimos alguns tentando fugir por aí, atravessando o lodo, mas desistiam ao ver o cordão por nós ali formado. Nós, militares intervenientes, não demos nenhum tiro. Aliás, nem podíamos pois nem tínhamos munições. Como já referi estávamos a regressar de uma guarda de honra quando fomos desviados para o local. Deve ter sido bem caricata a nossa postura, de luvas brancas, num cenário daqueles.

Ali nos mantivemos, aproximadamente 30 minutos, até os ânimos acalmarem (era o que se pretendia) e regressámos ao quartel.

Nos dias seguintes não se falava de outra coisa. Como não tinha assistido ao início dos acontecimentos, fui perguntando aos que mais de perto o tinham seguido e a versão generalizada era a seguinte:

Nessa tarde, mais uma vez, aproveitando a presença do gerente da Casa Gouveia no local, os marinheiros e descarregadores pertencentes a essa firma comercial reclamaram pelo aumento de salário que todas as outras empresas já estavam a praticar.
- Casa Gouveia, nada. Então como é, senhor Intendente? - As coisas começaram a azedar e teve que retirar apressadamente a bem da sua integridade física. Chamou-se a polícia. Um subchefe que para lá se dirigiu, não sei se por falta de tacto em situações como aquela ou porque a exaltação dos marinheiros e trabalhadores era já considerável, foi agredido com um remo na cabeça e teve de imediato que ser socorrido e levado para o hospital. Vieram reforços, já armados, e como se organizava no cais um movimento em direcção à Casa Gouveia, armados de remos, ferros e do que havia à mão com a intenção de tudo escavacar, fecharam os portões para impedir a sua saída. Mesmo assim não desistiram e começaram a galgar o portão e a vedação.

Entretanto, o comandante militar, tenente-coronel Filipe Rodrigues, chegado ao local inteirou-se da situação e, ao ver aquele grupo armado de remos, paus, etc. a marchar agressivamente em direcção à Casa Gouveia, deu ordens aos polícias para dispararem por ser a única forma de os deter.

E foi assim que aconteceu. O resultado foram 16 mortos e não 50, ou até mais, como já tenho visto escrito. Por mim, um que fosse já era demais. Mas, atendendo às circunstâncias do momento, hoje questiono-me: que teria acontecido se não tivesse sido travada aquela multidão da única forma que foi possível? Certamente teríamos muita destruição e bastantes mais mortes a lamentar. E ter-se-ia gerado uma espiral de violência de consequências muito mais graves.

Da narração destes tristes acontecimentos podemos realçar os seguintes factos:

- O PAIGC não esteve por detrás da ocorrência. Ela foi inteiramente da responsabilidade dos marinheiros e trabalhadores do cais pertencentes à Casa Gouveia, por motivos meramente laborais. Os marinheiros das outras empresas não estiveram envolvidos, pelo menos no início dos acontecimentos. É possível que, por solidariedade, alguns se lhes tenham juntado. O PAIGC aproveitou-se inteligentemente deste movimento, como sempre fez - o que só nos merece admiração - para conquistar mais uns tantos seguidores.

- Não se pode considerar o ocorrido como uma simples greve, conforme é vulgarmente referido. Foi mais do que isso. Tendo começado por greve, rapidamente se transformou numa revolta violenta cujas consequências são difíceis de prever se não tivesse sido travada. Se a referida revolta era ou não justificada, é-me difícil concluir. Sim, atendendo à injustiça de que estavam a ser vítimas. Não, pelas proporções que lhe deram.

Antes de concluir, parece-me que o termo massacre, aplicado aos acontecimentos do Pidjiguiti, é um pouco exagerado, não por o número ser muito inferior aos 50 habitualmente referidos, mas porque o conceito que a palavra implica, se refere à chacina indiscriminada, a uma carnificina injustificada do género descrito nos livros de história como passar tudo a fio de espada.

Com respeito aos massacres de populações balantas e beafadas na região de Bambadinca nos primeiros anos de 60, referidos no blogue-fora-nada (2), embora não os possa negar ou confirmar, tendo eu saído da Guiné em Fevereiro de 1966, nunca deles ouvi falar o que é estranho pois, como se diz na Guiné, noba ka ta paga cambança - aforismo com um sentido semelhante ao as notícias espalham-se depressa. Numa terra como a Guiné onde tudo se sabia e comentava, é estranho que nunca tivesse ouvido falar em tal acontecimento. Deve ter sido muito bem ocultado.

Guiné-Bissau > 2005 > Também eles, os filhos do Pidjiguiti, os filhos das vítimas da repressão da manifestação dos marinheiros do Porto do Pidjiguiti, em 1959, têm direito à verdade... (LG)

© Jorge Neto (2005) (Fonte: blogue Africanidades. Com a devida vénia)


E já que estamos a tratar de massacres, assunto tão melindroso e de que frequentemente acusam as nossas tropas, só tenho a dizer que durante toda a guerra colonial a que assisti e em que participei (depois da Guiné tive uma comissão em Moçambique e duas em Angola) massacres, massacres mesmo, na verdadeira acepção da palavra, só conheci um: foi o perpetrado pela UPA (mais tarde FNLA) no Norte de Angola em Março de 1961 sobre os fazendeiros brancos e suas famílias bem como sobre os negros bailundos fiéis aos seus patrões. Mas esses já estão esquecidos ou, convenientemente, nunca são referidos.
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Notas de L.G.

(1) Sobre a recruta do Mário Dias , vd. post de 1 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCI: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

(2) Fui eu que fiz referência, há dias, em e-mail interno que só circulou pela nossa tertúlia, a alegados "massacres de populações balantas e beafadas" que terão ocorrido na região de Bambadinca, no início da guerra,reportando-me apenas a conversas, soltas, que eu fui tendo, durante a minha comissão (Maio de 1969 a Março de 1971) com os meus queridos nharros (leais, valentes, insuspeitos, fulas) da CCAÇ 12 mas também com outras fontes como o malogrado Seco Camará, mandinga do Xime, extraordinário guia das NT (morto em 26 de Novembro de 1970, na Op Abencerragem Candente > post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P517: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (8): Gazela com chouriço à moda do Celestino

Guiné > Guileje > CART 1613 > 1968> Aspectos da construção de uma abrigo-caserna...
© José Neto (2005)

VIII parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado) (1).

© José Neto (2005)


O ano de 1968 entrou com uma novidade.

O esforço sobre o corredor de Guilege diminuiu de intensidade e a actividade operacional concentrou-se mais para a zona da fronteira, com a prioridade de manter seguro o itinerário Gadamael Porto – Guilege.

Estavam para chegar as CAÇ 2316 e 2317 que iam acantonar, em condições precárias, no Mejo e em Guilege com vista a qualquer acção em grande que estava no segredo dos Deuses de Bissau.

As colunas de reabastecimento passaram a ser mais frequentes e despejaram toneladas de mantimentos numa zona contígua ao perímetro fortificado que foi desminado e aplanado para o efeito.

Numa destas colunas, o Alferes Michael, que teimava em postar-se bem alto na torre da sua Fox, até já tinha sofrido ferimentos ligeiros, foi atingido com alguma gravidade pelo fogo duma emboscada.

Veio o helicóptero para a evacuação e foi a muito custo que a 2º sargento enfermeira paraquedista convenceu o Alferes a deitar-se na maca para ir para o hospital. Era um bravo este alferes. Uma semana depois, ainda cheio de pensos, voltou para junto dos seus homens.

Ao mesmo tempo apareceram-nos uns civis e uma secção de Engenharia, comandada por um sargento, com material para abrir um furo hertziano na área do quartel para obtenção da preciosa água potável.

Estes tiveram o azar de apanhar um festival corriqueiro logo à chegada e, após uma semana de perfuração ao ralenti, um olho na máquina e outro na mata, diagnosticaram a impossibilidade de apanhar um qualquer lençol subterrâneo de água que passasse por ali, desmontaram a traquineta e puseram-se a andar para o sossego de Bissau.


Guiné > Guileje > CART 1613 > 1968> Construção de um abrigo para a população civil...
© José Neto (2005)

Entretanto chegaram as duas companhias, pertencentes ao BCAÇ 2835 e tivemos notícias de que a 5ª Companhia de Comandos (comandada pelo Capitão de Artilharia Comando Gonçalves) tinha sido afecta ao nosso Batalhão e estava pronta a actuar na área de Aldeia Formosa, o que adensava as expectativas do que ia suceder nos próximos tempos.
A chegada dum pelotão de Artilharia de 8,8 cm com quatro bocas de fogo, instaladas com a direcção nor-nordeste, acabou com as dúvidas de que ia haver “porrada de criar bicho”.

E no dia D, fins de Fevereiro, desencadeou-se a Operação Bola de Fogo.

A finalidade desta mega-operação era implantar um aquartelamento em Gandembel, perto da ponte do rio Balana, a ser reconstruída e guarnecida com um destacamento de segurança, sensivelmente a meio caminho entre Guilege e Chamarra.

Aquele local era praticamente o grande portão de entrada do Corredor de Guilege e assim pretendia-se, se não acabar, pelo menos dificultar a penetração do IN no interior sul do território.

A primeira fase consistia em limpar e tornar transitável a picada, havia anos abandonada, que ia do cruzamento de Guilege a Gandembel, ou seja, a continuação do itinerário Cacine – Gadamael – Gandembel e daí para norte até Aldeia Formosa. Esta primeira fase da operação estava a ser comandada, a partir de Guilege, pelo Celestino (1).

Foi então que ele me ameaçou pela quinta (e última) vez com uma porrada. Para descomprimir vale a pena contar a cena:

O pessoal combatente tinha saído quase todo e, contando com a besta, estávamos vinte e três militares europeus no quartel. A segurança era feita pelo Pel Caç Nat 51 e Milícias.

Durante a noite anterior tinha sido accionada uma das nossas armadilhas e de manhã deparamos com uma gazela morta no local.

Claro que o Álvaro, cabo cozinheiro, se preparou para ser dia de rancho melhorado. Não era todos os dias que nos aparecia a gostosa e suculenta carne fresquinha de gazela.

Como era da praxe, foi anunciar ao Celestino a composição da refeição, neste caso o almoço. Este, fazendo jus à sua fama de bom garfo, disse ao Álvaro para juntar uma lata de chouriço (dois quilos) para refinar a especialidade gastronómica.

Um tanto encavacado o cozinheiro observou que o animal tinha dado vinte e dois quilos de carne limpa o que, para vinte e três comensais, chegava e sobrava.
-Faça o que eu lhe mando! - berrou o Celestino.

De cabeça baixa, o Álvaro retirou-se congeminando o processo de o quarteleiro dos géneros, o soldado Melo, lhe fornecer a lata de chouriço.

O Melo não foi na cantiga. Ele conhecia bem as regras adoptadas para a recuperação dos prejuízos que já descrevi, e chutou a bola para mim.

Tomei a decisão de não se meter chouriço no tacho, mas levar, para os oficiais, um prato com um desses enchidos cortado às rodelas e preparei-me para o temporal que se adivinhava.

Guiné > Guileje > CART 1613 > 1969> O nosso primeiro posando com uma graciosa bajuda da tabanca
© José Neto (2005)

Quando o Celestino enfiou o guardanapo no colarinho e inspeccionou o manjar, ordenou que o cozinheiro viesse à sua real presença.O Álvaro passou pelo sítio onde eu estava a almoçar e disse-me que o comandante, se calhasse, o ia mandar prender.
-Sossegue. Eu vou consigo.

Antes que o trombone começasse a tocar eu adiantei-me e disse que toda a responsabilidade era minha. O cabo tinha cumprido uma ordem legítima, salientei.
-Legítima?!!! Então você contraria uma determinação do seu comandante e acha que a sua ordem é legítima?
-É sim, meu comandante. A administração desta companhia é da responsabilidade do nosso Capitão Corvacho e minha. E, como é do conhecimento de V. Exª., nós estamos a arcar com muitos prejuízos na alimentação e não nos podemos dar ao luxo de desprezar uma migalha que seja.

O homem emborcava garfadas e ia rosnando os impropérios do costume.A certa altura, virou-se para o Dr. Oliveira Martins e disse-lhe:
-Oh doutor, já viu a tropa que eu estou a comandar? Um reles segundo sargento manda mais que um tenente-coronel!!!

O médico, que também não morria de amores pela besta, abriu a sua resposta contemporizadora com a expressão:
-Bem, meu comandante, eu julgo...
-Você julga? Julga o quê? Você é médico, ou juiz? - interrompeu o Celestino.

Bom. Julga ou cura. Cura ou julga, o fulcro da questão desviou-me para os dois verbos e o médico, que não era pêra doce, aproveitou para lhas cantar, como se costuma dizer, forte e feio.

A porrada ficou pendente, mas o pêndulo às vezes tem caprichos do diabo, como se verá mais adiante.
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(1) Vd post de 8 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(6): dos Lordes e das bestas:

"Celestino era o nome com que depreciativamente tratávamos o Ten-Cor. Celestino da Cunha Rodrigues, comandante do BART 1896, sediado em Buba, personagem muito sombria da minha memória pois ameaçou-me com cinco punições, nunca concretizadas. Algumas vezes o trato por besta nesta narrativa, com alguma propriedade".

Guiné 63/74 - P516: Portugal, tabanca grande (Humberto Reis e Paulo Raposo)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca)> 1969 ou 70 > Vista aérea da tabanca de Samba Juli > Em Fevereiro de 1969, aquando o desastre do Cheche, a CCAÇ 2405 estava sediada em Galomaro, com um pelotão em Samba Juli, outro em Dulombi e um terceiro em Samba Cumbera. Samba Juli fazia parte de um conjunto de tabancas fulas, em autodefesa no regulado do Corubal, ao longo da estrada Bambadinca-Xitole, onde se incluía Dembataco e , Moricanhe (a oeste da estrada), Samba Culi, Sinchã Mamajã, Sare Adé, Afiá, Candamã, entre outras (a leste)... Tudo nomes que ainda ressoam estranhamente nas nossas cabeças: em muitas delas contávamos as estrelas à noite e esperávamos o alvorecer não sem alguma ansiedade... Nós e os nossos nharros da CCAÇ 12. (LG)

Diapositivo digitalizado. Arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
© Humberto Reis (2006)

Guiné > Guileje > 1967 > CART 1613 > A tabanca de Guileje... Legenda para quê ? A vida segue dentro de momentos...
© José Neto (2006)


1. Texto do Humberto Reis:

Paulo Raposo

Se calhar também andámos nas mesmas andanças, no mesmo tempo, ali para os lados do sector de Galomaro. A minha CCAÇ 12 andou por lá em Madina Xaquili (depois teve lá um pelotão, por acaso o meu 2º, estacionado uma semana e teve também um, o 1º, estacionado em Dulombi) em Agosto/Setembro de 1969 quando se formou o COP 7, se não estou em erro.

Mais tarde, Dulombi teve direito a uma companhia, 26??, comandada pelo meu amigo Cap Carlos Maurício Gomes de quem perdi o rasto a partir do momento em que ele deixou de estar no Batalhão de Transportes (em 1975 ou 1976), ali no Campo Grande, onde hoje é a Universidade Lusófona.

Reparei agora que o teu endereço é o da Herdade da Ameira em Montemor. Será que o nome da Herdade da Lobeira e o da Herdade de Cima não te dizem nada? Ficam entre o Lavre e o Ciborro (a Lobeira mais perto do Lavre e a de Cima mais perto do Ciborro). Na Herdade da Lobeira já se fizeram 2 almoçaradas do pessoal que andou por Bambadinca nos anos de 68 a 70 (como foi o meu caso da CCAÇ 12, que comecei na colónia de férias de Contuboel durante quase dois meses e acabei como companhia de intervenção nos sectores L5 e L1).

As herdades atrás referidas não são minhas, com muita pena como é óbvio, mas da família Vacas de Carvalho que teve um dos seus membros, o maluco do ex-alferes miliciano das Daimlers lá em Bambadinca. Daí a razão das almoçaradas. Este Vacas de Carvalho, um dos 13 irmãos ainda vivos, residiu aqui a 100 metros de minha casa [em Alfragide] e agora mora ali para os lados da Ajuda [Lisboa].

Ainda acabamos por descobrir que isto de Portugal é uma Aldeia Grande.

Um abraço
Humberto Reis


2. Resposta do Paulo Raposo:

Meu caro Humberto

Corpo de Bó?

Pois andámos pelos mesmos sítios, na mesma altura.

O Cop 7 era comandado pelo meu bom amigo Major Pardal dos Páras.

A minha companhia foi abrir Dulombi em fins de 1969. Manga de porrada e de mina.

Conheço quase todos os Vacas de Carvalho, embora dou-me mais de perto com o Paulo.

Na Herdade vim fazer um Hotel, por isso agora passo cá a maior parte do tempo.

Fica à saída de Montemor para Évora.

O cripto continua avariado portanto este rádio vai às claras.

Se passares por estes lados bate à porta, mas é conveniente picar a estrada.

Um abraço muito amigo do ex-combatente, que, se me deixassem ficar mais tempo na Guiné tinha acabado com a guerra, assim ainda deixei alguma coisa para ti.

Guiné 63/74 - P515: A verdade sobre o desastre de Cheche (José Martins)

Caro Rui Felício:

Acabo de ler o testemunho colocado no blogue (1).

O texto que escrevi e enviei na altura em que passava o 37º aniversário do fatídico dia 6 de Fevereiro de 1969 (2), pretendia ser uma singela e sentida homenagem àqueles que, no cumprimento duma missão que lhes foi confiada, acabaram perdendo a vida e ficando, para sempre, nas águas do Corubal. Por isso lembrei o nome de cada um daqueles eternos camaradas.

Espero que o texto não tenha vindo reabrir cicatrizes ou, o que seria pior, abrir novas e mais profundas feridas.

A história tem que ser contada pelos seus protagonistas. Hoje eu aprendi história.

Um forte abraço do camarada
José Martins
(ex-furriel miliciano de transmissões,
CCAÇ 5,
Canjadude, 1968/70)
___________

Notas de L.G.

(1)Post de 12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(2) Vd post de 3 de Fevereir de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P514: A verdade sobre o desastre de Cheche (Zé Teixeira)


Guiné > Guileje > CART 1613 > 1967 > O pôr do sol na tabanca de Guileje... O pôr do sol em Áfirca... Um momento de paz e de espiritualidade.
© José Neto (2006)


Luís:

Custa muito, passados estes tantos anos sobre o acidente de Cheche, vir-se a descobrir que a verdade era outra.

Morreu nesse desastre um irmão de um camarada da minha Companhia, que logo que me apercebi, escrevi em nome dele uma carta ao Comandante-Chefe e o meu camarada regressou a Lisboa. Estavam ambos na Guiné.

Como deves calcular também vivi este acidente de perto, até porque estava envolvido um irmão do meu camarada. Passados estes anos, as lágrimas de raiva voltaram. Ao menos gritemos a verdade, para que todo o mundo saiba quem tínhamos a mandar nesta guerra.

Um abraço
Zé Teixeira

Guiné 63/74 - P513: A verdade sobre o desastre de Cheche (David Guimarães)

Tem que haver sempre um burro - o 2º CMDT... Continuo a ler este documento - isto marcou muito a Guiné - e a certa altura lá estava eu... Mas digo: está sempre um segundo CMDT... Mania de serem mais espertos que outros... Na Operação do insucesso do Xime (já mais que falada no blogue), aí estava o 2º CMDT a fazer asneira e quem pagou as favas foi o 1º que estava de férias, o tenente-coronel Magalhães Filipe...

Bem, não há dúvidas era de uma coisa: varria-se quem não se queria lá e ficavam quem o general queria... Refiro-me ao Spínola... Aconteceu no BART 2917. Se calhar esse segundo CMDT desse desastre da jangada nem foi punido... A guerra era mesmo mal [conduzida] e injusta com quem lutava do mesmo lado...

Mas continuem, quem sabe se este documento, agora divulgado, não vai poder cointribuir para descobrir os verdadeiros culpados. Nem sei se interessa, o que sei que é que se matou gente por incompetência, isso sei e é o que sinto ...

Sei dos que têm medalhas e não as merecem e sei daqueles que não as tiveram e deveriam ter... Mas também para quê uma medalha a titulo póstumo?

Ai, que hoje nem consigo falar bem: senti-me combatente... Sim, novamente um combatente e hoje em paz... Os mortos não falam, pois que que sejam os vivos a dizer as verdades, estamos agora a a sabê-las e ainda bem....

A história de Madina tem sido muito romanceada e depois entra-se logo na fase dos mortos para, como bons portugueses, ficarmos a lamentar e só... Afinal houve causa maior, pelos visto...

Atento à história e isto, sim, também é a guerra...

David Guimarães

Guiné 63/74 - P512: A verdade sobre o desastre de Cheche (Paulo Raposo)

Olá Luis

Obrigado pela rádio. O cripto anda apanhado do clima, anda mesmo de todo, no entanto aqui vai:

Alf Raposo da CCAÇ 2405, também assisti ao desastre do Corubal, tinha passado com o meu grupo de combate na travessia anterior. Estavamos de regresso da grande operação de Madina do Boé. O meu muito amigo Alf Felício estava na jangada acidentada. O testemunho dele é verdadeiro.

Às quintas não esquecer o quinino.

Um abraço quebra costelas para o pessoal todo.
Paulo Lage Raposo

Guiné 63/74 - P511: A verdade sobre o desastre de Cheche: a culpa não pode morrer solteira (Luís Graça)

Guiné-Bissau > Madina do Boé > 24 de Setembro de 1973 > O PAIG proclama unilateralmente a independência. 
Fonte: PAIGC (?). 
Foto tentilmente cedida por Jorge Santos (reproduzida de: Guerra Colonial: Chaimite o Último Ciclo do Império. Lisboa: Museu República e Resistência. 1999).


O nosso blogue orgulha-se de acabar de publicar o depoimento do Rui Felício (1), que foi alferes miliciano da CCAÇ 2405, e que perdeu 11 dos homens do seu grupo de combate no dia 6 de Fevereiro de 1969.

Ele foi vítima e ao mesmo tempo testemunha dos acontecimentos. Passados 37 anos, ainda há factos, controversos (e graves), por esclarecer: um deles é a ordem do 2º Comandante da Operação Mabecos Bravios (um major de que o Rui não se lembra o nome) e que terá obrigado o oficial que comandava a travessia do rio em jangada (Alf Diniz), a embarcar não dois mas quatro pelotões, infringindo assim as normas de segurança (a lotação da jangada era de 60 pessoas)…

Os tipos da SIC passaram há anos um filme sobre o desastre de Cheche mas, ao que parece, desvalorizaram a versão dos nossos camaradas da CCAÇ 2405…

Será que alguém quis (e continua a querer) branquear a história e alijar a carga da responsabilidade ? Os camaradas da CCAÇ 2405 – e todos nós, os mortos e os vivos! – temos o direito à verdade, por muito que nos doa…

Este blogue não é nenhum tribunal, mas nenhum de nós quer que a culpa morra solteira, como é habitual neste país… Podemos e devemos fazer um juízo moral sobre a (in)competência dos nossos comandantes militares… Temos esse direito, ganhámos esse direito…

Eu, pessoalmente, gostaria de saber:

(i) quem era o dito major;

(ii) a que companhia pertencia o Alf Dinis (CCAÇ 1790 ?);

(iii) se a ordem do major ficou registada por escrito;

(iv) se o Alf Diniz ainda está vivo e mantém essa versão…

A verdade é que alguém deu ordens (!) para meter 120 homens armados até aos dentes numa jangada cuja lotação era só para metade…

Saúdo o Rui Felíico, com respeito, admiração e solidariedade!

Luís Graça
(ex-fur mil,
CCAÇ 12,
Bambadinca, 1969/71)
________

(1) Vd. post de 12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

Guiné 63/74 - P510: O mapa de Padada (Humberto Reis)

O Humberto Reis ainda é piro que os nossos dirigentes dos clubes da bola: promete o céu e a terra... Agora diz que quer cartografar a Guiné toda, de ponta a ponta... Leiam a mensagem (quie foi, de resto, já transmitida a toda tertúlia):

Como diz o Luís, ainda não temos o mapa de Padada. Não pode ser tudo no mesmo dia, dado que os mapas são muito pesados e ele não consegue tratar disto tudo, do blogue e ainda fazer alguma coisa pela vida dele. Além de aturar todos estes tertulianos, ainda tem que dar umas aulas (já agora).

Ele ainda lá tem mapas que eu já lhe levei digitalizados, para inserir mas não houve tempo. Com calma vamos lá chegar. Prometo já aqui que o próximo a ser digitalizado será o de Padada. Devagar, devagarinho e de pantufas para não fazer muito barulho, nem levantar ondas, havemos de conseguir ter TODOS os mapas da Guiné Bissau a 1/50000.

Até para mim, pessoalmente, tem interesse pois foi aí em Madina Xaquili, zona de Padada, que me estreei a saber o que era baixar as orelhas enquanto elas passavam a assobiar por cima. Já a mesma sorte não teve o pessoal de uma companhia de madeirenses [2446] que tinha acabado de chegar à tabanca.

Como não havia abrigos para todos (população civil, 3 pelotões da minha companhia e eles) foi decidido que os madeirenses, nós já lá estávamos instalados, tinham de sair do perímetro da tabanca e emboscar cá fora pois desconfiávamos que íamos ser prendados.

A minha companhia tinha estado emboscada 3 dias no trilho que vinha de Padada à espera deles, que nunca apareceram. Quando viemos embora, eles seguiram-nos e nessa noite embrulhámos. O azar dos madeirenses é que foram apanhados no descampado entre o arame farpado da tabanca e o princípio da mata, não tiveram tempo de se internar no meio do matagal.

Isto vem no historial da CCAÇ 12, só que eu não o tenho aqui e estou a escrever de cor como o galo (1).
________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) :

(...)

"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

"(...) Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos]. 0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vários feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau]" (...).

domingo, 12 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P509: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

Texto do Rui Felício (ex-alf mil da CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70):


1. Comentário a propósito do post escrito pelo camarada José Martins sobre o desastre na travessia do Rio Corubal em 6 de Fevereiro de 1969 (1)

Preâmbulo

Acabei de ler um texto escrito pelo camarada José Martins onde relata a sua experiência na zona de Madina do Boé.

Embora tenha reconhecido que não assistiu directamente ao que se passou no célebre e lamentável desastre do Cheche, ocorrido no fatídico dia 6 de Fevereiro de 1969, o José Martins conheceu bem o local e a região e desenvolveu a sua descrição socorrendo-se de relatos e documentos alusivos ao sucedido.

E nota-se pelo seu relato que sofreu muito, e que ainda hoje sente as marcas do desastre, passados 37 anos sobre a sua ocorrência.

Ninguém, bem formado e sensível, poderia nunca, de resto, ficar indiferente a semelhante tragédia, ainda que, como o narrador José Martins, não tenha dela sido testemunha ocular.

Imagine-se então a ferida profunda que aquele desastre deixou a quem, como eu e muitos outros, foi não só testemunha ocular mas também, e principalmente, interveniente e vítima do colapso da artesanal jangada que servia de transporte aos militares e equipamentos que participaram na complexa, perigosa e cansativa operação de resgate da Companhia de Caçadores que se evacuou do célebre aquartelamento de Madina do Boé.

Desastre onde pereceram, segundo as estatísticas oficiais, 47 militares, onze dos quais, do pelotão que eu comandava… Permito-me destacar dois deles pelas relações especiais de amizade e de confiança que neles depositava, sem esquecer obviamente a dor causada pela morte de todos os outros:

(i) um, o furriel Gregório Rebelo, açoriano de sotaque cerrado e quase ininteligível que assumia as funções, embora não protocolares, de meu substituto em todas as circunstâncias, no comando do pelotão, e que mantinha a orgânica disciplinar e operacional da pequena unidade militar.

(ii) o outro, o soldado Octávio Barreira, transmontano de gema, homem rude, de uma só palavra, de têmpera sã, de antes quebrar que torcer, mas capaz de morrer para salvar a vida do seu amigo, e a quem eu atribuira as funções, também não protocolares, de meu guarda-costas.

Quem passou pela guerra colonial sabe que a escolha do guarda-costas recaía invariavelmente no soldado em que o alferes depositava maior confiança e amizade.

Aliás, como também é sabido, a designação de guarda-costas não tem a mínima conotação com a ideia que na vida civil se faz de alguém com este titulo ou funções.

O guarda-costas era, acima de tudo, o soldado às ordens, o confidente, o amigo…. E muito menos, ou quase nada, o protector da integridade fisica do alferes, ao contrário do que se possa pensar.

A perda destes treze homens, que recordo com saudade e dor, sempre que a memória da Guiné me vem à lambrança, e que ajudei a formar para a guerra, em Abrantes e Santa Margarida, após oito meses de convivência próxima nas diversas tabancas onde o pelotão esteve destacado, foi um choque tremendo, inolvidável, cuja lembrança ainda hoje me faz arrepiar a alma e assomar as lágrimas.


Sobre o desastre do Corubal

Feito o preâmbulo, entro de imediato no motivo que me levou a servir-me do espaço disponibilizado pelo camarada Luis Graça a quem, sem o conhecer pessoalmente, desde já transmito o meu aplauso pela feliz e dinâmica iniciativa da criação deste blogue.

É que é importante que seja a nossa geração, aquela que interveio, por obrigação ou por convicção ou por ambas as coisas, na guerra da Guiné, que tem que dar testemunho o mais exacto possível daquilo que por lá se passou.

Se assim não fôr, corremos o risco de a história ser deturpada, porque feita com base em documentos ou relatos nem sempre seguros, nem sempre fiéis…

É por isso que, correndo o risco de desencadear alguma polémica, que não pretendo, achei que devia esclarecer alguns pontos do relato feito pelo José Martins a que atrás aludi.

Deduz-se daquele relato, publicado no blogue, que o desastre teria acontecido essencialmente devido a três factores:

(i) Os militares descomprimiram e tentaram encher os cantis com água do rio, o que terá provocado, depreende-se, o desiquilíbrio da estabilidade da jangada;

(ii) Teria sido ouvido um som abafado, semelhante a uma morteirada, que teria provocado agitação entre os militares e, em consequência, desiquilibrado a jangada;

(iii) Que, após o acidente, a água do Rio Corubal terá tomado um tom avermelhado, querendo com isso dizer-se que os crocodilos que habitavam as águas do rio, teriam consumado a morte dos militares que cairam à água.

A versão dos acontecimentos, veiculada pelo José Martins, assenta, como já se disse, em relatos e documentos sobre os factos, dado que este camarada, como ele próprio confirma, não assistiu ao que se passou. Mas, não obstante a presumível credibilidade das fontes a que recorreu, posso garantir que não foi exactamente assim que as coisas se passaram.

E digo isto com a mais profunda convicção e a mais inabalável certeza de alguém que estava na jangada, caiu à água, nadou durante uns cinco minutos e a ela retornou após a mesma se ter de novo equilibrado.

São factos que não se apagarão jamais da minha memória, por mais anos que viva, e apesar de não estar de posse de documentos que os comprovem...


2. O fime da SIC sobre o desasrtre do Rio Corubal

O mais curioso é que no filme, da autoria de José Saraiva, realizado por Manuel Tomás, que foi visto há uns anos atrás, por muitos milhares de portugueses através da sua transmissão pela SIC e pela distribuição de um vídeo feita na mesma altura pelo Diário de Notícias, são apresentadas aquelas mesmas razões como causas imediatas do desastre.

Já nessa altura contestei as conclusões do filme, e fi-lo por escrito e em reunião pessoal com o Director de Informação da SIC, Dr. Alcides Vieira, estando presente o realizador Manuel Tomás, que dirigiu a realização do filme.

Refiro que a carta entregue na SIC foi subscrita não só por mim mas por dezenas de ex-militares da CCAÇ 2405, que, por coincidência nessa mesma altura, no almoço de confraternização anual, a leram e assinaram.

A contestação dos factos descritos no filme foi feita nessa reunião na SIC, com a prévia concordância do Comandante da Operação, Brigadeiro Hélio Felgas, e estando presentes, além de mim próprio, o Capitão Miliciano José Miguel Novais Jerónimo e o Alferes Miliciano Paulo Enes Lage Raposo.

E ela foi por nós solicitada à SIC em virtude do impacto que a exibição do filme teve nos ex-militares que a ele assistiram e que tinham estado presentes na jangada naquele dia do desastre.
Com efeito, no próprio dia da exibição do filme comecei a receber telefonemas de antigos camaradas, um tanto decepcionados e alguns até revoltados, pela inexactidão dos pormenores que ali eram descritos.

Todos nós três, presentes na dita reunião, participámos na operação de evacuação de Madina do Boé, e todos estavamos presentes no local do acidente no Cheche naquele dia 6 de Fevereiro de 1969.

O Capitão Jerónimo, comandante da CCAÇ 2405, e eu próprio, estávamos na jangada no momento do acidente, onde se encontrava também o Alferes Miliciano Jorge Rijo, oficial da CCAÇ 2405, com o seu pelotão.

O Alferes Miliciano Paulo Raposo, também oficial da CCAÇ 2405, já tinha feito a travessia do rio na viagem anterior, e encontrava-se na margem norte do Corubal com o seu pelotão, observando a tragédia.

Na referida reunião da SIC, o realizador Manuel Tomás argumentou que o filme fora realizado com fundamento em entrevistas e em documentos oficiais militares a que tinha tido acesso, pelo que considerava o filme suficientemente documentado.

E disse que esses documentos atestavam as razões acima referidas, isto é, que a jangada se virou porque, no essencial, teria havido disparos de morteiro que, supostamente vindos do IN, teriam criado o pânico nos militares, os quais, ao agitarem-se, teriam provocado o desiquilíbrio da jangada.

Perante a irredutível posição da SIC em manter a versão veiculada pelo filme, nada mais nos restou do que desistirmos do pedido que lhe fizémos para que fosse proporcionado esclarecimento público sobre as conclusões desse filme.

Foi dito, nessa reunião, ao Dr. Alcides Vieira e ao Sr. Manuel Tomás que, por muito credíveis que pudessem parecer os documentos militares em que fundamentaram a versão filmada, nenhum deles jamais desmentiria ou apagaria da minha memória e dos meus camaradas o que realmente se passou.

Mais importante que os documentos preparados no silêncio dos gabinetes militares, sabe-se lá com que inconfessados motivos, era a indesmentível memória daqueles que tinham sido protagonistas e vítimas do desastre.

É com o mesmo espírito de esclarecimento da verdade dos factos que volto hoje ao assunto, desta vez no ambiente mais acolhedor de um blogue criado e gerido por alguém como o Luis Graça que, tendo estado na Guiné, sabe melhor que ninguém que não queremos honrarias, distinções ou protagonismo público.

Queremos tão só que a história seja o mais verdadeira e exacta possivel... Esse é o legado que queremos deixar aos vindouros, para que jamais seja ignorado o sacrificio de uma geração inteira, retirada à sua despreocupada juventude para fazer uma guerra em longínquas terras, em nome dos seus deveres e obrigações para com a sua Pátria.


3. A verdade do que sucedeu

Mas então, o que se passou realmente naquela manhã de 6 de Fevereiro [de 1969]?

A CCAÇ 2405, comandada pelo Cap Mil Inf Novais Jerónimo, integrava a coluna militar que tinha partido na manhã do dia anterior de Madina do Boé, rumo ao Cheche, e tinha como missão escoltar a Companhia de Caçadores [1790] evacuada daquele aquartelamento e que era comandada pelo Cap Inf Aparício (que, após o 25 de Abril, veio a assumir a função de Comandante Geral da PSP de Lisboa).

Ao fim desse dia a coluna chegou às imediações do rio Corubal, junto ao local de cambança para o Cheche. E durante toda a noite a jangada fez contínuas viagens transportando pessoal de apoio e, sobretudo, equipamentos militares e de transporte.

Ao amanhecer, as viagens de transporte entre as duas margens continuaram consecutivamente, até que chegou o momento em que na margem sul do rio Corubal já só restavam quatro grupos de combate, todos eles comandados pelos respectivos alferes, bem como os capitães Aparício e Novais Jerónimo. Além destes, encontrava-se o 2º Comandante da Operação [Mabecos Bravios], um major cujo nome já não recordo.

Segundo a rotina estabelecida e as instruções recebidas pelo responsável pela condução da travessia (Alf Mil Diniz), esperávamos na margem do rio que este responsável mandasse entrar metade do pessoal ainda ali estacionado, ou seja, dois dos quatro pelotões acima referidos.

É que a jangada, segundo bem explicou o alferes Diniz, tinha uma lotação de segurança de um máximo de 60 homens (2 pelotões). E o alferes Diniz assim fez, à semelhança do que tinha já feito dezenas de vezes ao longo da noite, zelando para que a carga da jangada não excedesse os limites de segurança estabelecidos.

Mandou entrar o meu pelotão e o do Alferes Rijo, ficando na margem para a viagem seguinte, os dois pelotões da Companhia do Capitão Aparício. Subitamente porém, assisti a uma conversa entre o 2º Comandante da Operação e o Alferes Diniz, em que este foi intimado pelo referido 2º Comandante a mandar embarcar os dois pelotões restantes, dado que não se podia atrasar mais a operação.

Apesar dos argumentos do Alf Diniz, tentando que em vez dos 4 pelotões embarcassem apenas dois, prevaleceu a autoridade da patente militar mais alta e assim acabaram por embarcar os 4 pelotões, para a derradeira viagem da jangada...

E foi de facto a sua derradeira e trágica viagem... Ainda não estavam percorridos 10 metros e já a jangada submergia e, de seguida, se virava projectando para a água quantos nela seguiam... E não me recordo de ter ouvido qualquer disparo de morteiro, antes do desastre... E não me lembro de ter detectado antes qualquer sinal de pânico entre os soldados... Aliás, a sua experiência operacional no teatro de guerra era já apreciável e não entrariam em pânico por um simples disparo de morteiro que estou seguro que não existiu.

Houve alguns disparos de morteiro, é verdade, mas após o desastre e feitos pelas NT, no intuito de prevenir qualquer aproveitamento do IN que eventualmente estivesse emboscado nas imediações.

Exceptuando os militares que infelizmente pereceram afogados no Corubal, passados poucos minutos, todos restantes retornavam à jangada que, pouco depois, se reequilibrou e retomou a sua viagem para a margem norte do rio. E eu fui um deles... Depois de me ter libertado da espingarda, das cartucheiras, das botas e das granadas, cujo peso me puxava inexoravelmente para o fundo...

Em nenhum momento descortinei qualquer tipo de pânico quando regressei à jangada e, talvez nervosos ainda do desastre, todos sorriamos e aceitávamos o banho forçado como uma dádiva divina depois de vários dias de sede e calor.

Ninguém se apercebeu de nenhum camarada em aflição ou pedindo socorro. Ninguém sequer sonhou que a tragédia tivesse atingido as proporções que tomou. Só na margem norte do rio, quando mandei formar o meu pelotão e o vi reduzido a quase metade é que tive consciência da desgraça que tinha acontecido.

E foi então que, algo descontrolado, me dirigi à margem do rio que engolira os meus soldados na esperança de ainda ver alguém... Mas a tragédia estava consumada de forma silenciosa, definitiva e rápida.

Em resumo e concluindo:

(i) O desastre do Cheche ficou a dever-se, em minha opinião, ao excesso de peso entrado na jangada.

(ii) E ela é corroborada por todos aqueles que, como eu, viajavam na jangada e que em conversas a seguir ao desastre manifestaram a mesma opinião.

(iii) Note-se que a mesma jangada tinha já feito dezenas de travessias sob as ordens directas do Alf Diniz sem nunca se ter detectado qualquer problema.

(iv) Esse problema surgiu de forma trágica na última travessia, ou seja, naquela em que o responsável Alf Diniz não pôde efectivamente proceder segundo o que estava estabelecido, deixando entrar na jangada o dobro da sua capacidade, por ordem do 2º Comandante da Operação a que, pela natureza da hierarquia militar, não poderia opor-se.

(v) Mas fê-lo, e disso dei testemunho no âmbito do inquérito que se seguiu, advertindo previamente o seu superior hierárquico para o facto de estar a infringir as determinações que tinha sobre a forma de fazer a travessia do rio e da lotação definida para a embarcação.

(vi) E estou convencido que a rapidez do desaparecimento das vítimas nas águas calmas, escuras e profundas do Corubal, se ficou a dever ao facto de todos transportarem consigo pesado equipamento de guerra que lhes tolheu os movimentos e os conduziu para o fundo do rio, de forma tão rápida, com a agravante de que a maior parte deles não sabia nadar.

(vii) Finalmente, não posso deixar de fazer referência ao que o José Martins diz ter ouvido de "alguém que esteve no centro do acontecimento" de que as águas tomaram um tom avermelhado.

(viii) Sei da existência de crocodilos naquele troço do rio Corubal.

(ix) Sei que alguns dos corpos de soldados encontrados dias mais tarde, apresentavam sinais de terem sido dilacerados por crocodilos.

(x) Mas sei também que as águas, naquele dia, e após o acidente, apenas apresentavam o tom natural verde escuro de um rio calmo e profundo e tenho dúvidas que os crocodilos tivessem estado presentes naqueles momentos, com o ruído de helicópteros sobrevoando as águas a baixa altitude, na tentativa de encontrar e socorrer algum soldado em dificuldades.

(xi) Não devemos dramatizar mais o que só por si já foi suficientemente dramático (2)...


4. Breves dados sobre a CCAÇ 2405

Composição da CCAÇ 2405

A CCAÇ 2405, à data dos acontecimentos, tinha a sua sede em Galomaro (3).

Comandante: Cap. Mil. José Miguel Novais Jerónimo

1º Grupo de Combate – Alf Mil Jorge Lopes Maia Rijo
2º Grupo de Combate – Alf Mil Vitor Fernando Franco David
3º Grupo de Combate – Alf Mil Rui Manuel da Silva Felício
4º Grupo de Combate – Alf Mil Paulo Enes Lage Raposo

O 2º Grupo de Combate, comandado pelo Alf Mil Vitor David, não integrou a Companhia na operação de evacuação de Madina do Boé, ficando na sede da Companhia em Galomaro, onde porém a acompanhou através dos meios rádio.

As baixas resultantes do desastre do Cheche, foram sofridas pelos 1º e 3º Grupos de Combate, que viajavam na jangada na altura do acidente.

Rui Felício
(Ex-alf mil inf CCAÇ 2405
_________

Notas de L.G.

(1) Vd. post do José Martins > 6 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - D: Madina do Boé, 37 anos depois

(2) Vd os posts anteriores sobre este tópico:

17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)
"Apresentação do livro de Gustavo Pimenta, sairómeM - Guerra Colonial (Palimage Editores, 1999), no Porto, Cooperativa Árvore, em 10 de Dezembro de 1999. Autor do texto: José Manuel Saraiva, jornalista do Expresso" (...)

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre do Cheche, na retirada de Madina ...

"Este documento, que me chegou às mãos através do Humberto Reis, relata aa dramática operação em que participou a CCAÇ 2405, sedeada em Galomaro, e pertencente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), operação essa que tinha em vista operação essa que tinha em vista retirar as NT da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC"...

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

"O mês de Fevereiro de 1969 tivera inicio há poucos dias quando passou, no aquartelamento de Canjadude, uma coluna cuja missão era retirar a Companhia de Caçadores nº 1790 do seu destacamento de Madina do Boé. Paralelamente a guarnição do posto do Cheche, pertencente à Companhia de Caçadores nº 5, também retiraria e juntar-se-ia à nossa companhia em Canjadude" (...)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXI: Comentário de Afonso Sousa ao texto sobre a retirada de Madina do Boé

"Emociona este seu testemunho. Eu só faço uma pequena ideia do sofrimento de todos vocês, naquele momento trágico, nas horas e nos dias seguintes - em terras de solidão, em paragens dos confins da Guiné" (...).

(3) Em Fevereiro de 1969, a CCAÇ 2405 era a unidade de quadrícula de Galomaro, pertencendo ao Sector L1, e estando afecta por isso ao comando do BCAÇ 2852, sediado em Bambadinca.

Guiné 63/74 - P508: Tabanca Grande: Paulo Raposo e Rui Felício, dois novos camaradas (CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)

Recebi notícias de mais dois camaradas da CCAÇ 2405 (Galomaro, 1968/70):

(i) em primeiro lugar, do Paulo Raposo, que nos diz ter sido alferes de infantaria do BCAÇ 2852, CCAÇ 2405 (Guiné Ago 1968 a Maio de 1970). Paulo Laje Raposo, de seu nome completo, acrescenta: "fiz no ano passado os meus primeiros 60 anos. Estivemos em Mansoa em intervenção (fomos ao Morés), Galomaro e Dulombi (fomos evacuar Madina do Boé e percorrer o Fiofioli). Manga de porrada". Não perdeu a sua jovialidade, mandando-nos uma animação com um chimpazé a perguntar: "Corpo di bó?"... Deduzo destas palavras de boas-vindas que o Paulo queira entrar para a nossa tertúlia. Julgo que ele já saiba as regras: duas fotos (uma do tempo da guerra e outra mais actual), acompanhada de uma pequena apresentação ou de um pequena estória da vida militar... Naturalmente que o Paulo é bem vindo!

(ii) Temos depois outra mensagem de outro camarada da CCAÇ 2405, já aqui apresentado anteriormente, o Rui Felício, juntamente com o Victor David. Foi-me enviada ontem à noite:

"Caro Luis Graça,

"Passei o dia de hoje em Coimbra almoçando com o Vitor David a quem me ligam laços profundos de amizade e camaradagem.

"Falámos do blogue cuja utilidade é inquestionável e que tanto mais se valorizará quanto os contributos para o esclarecimento das coisas que se passaram na Guiné se multipliquem.

"Foi um dia agradabilíssimo na companhia, à beira do Mondego, da mulher e da filha do Vitor David, ambas simpatiquíssimas, e do meu próprio filho que me acompanhou de Lisboa até Coimbra onde estuda.

"O Vitor David incentivou-me a enviar-te o texto que escrevi e que lhe dei a ler sobre o desastre do Corubal, pedindo-te que decidas sobre se o mesmo deve ou não ser divulgado no teu blogue.

"Espero vir a conhecer-te pessoalmente em breve... Pelos elogios do Vitor David a teu respeito, fiquei ansioso por esse momento se proporcionar.

"Um abraço

Rui Felício (ex- Alf Mil Inf CCAÇ 2405)

Rui: O teu post merece prioridade elevada. Vou publicá-lo logo a seguir. LG

sábado, 11 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P507: Estórias do Zé Teixeira (3): O Conceição ou o morrer de morte macaca (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné-Bissau > Empada > 2005 > As antigas retretes do aquartelamento da CCAÇ 2381 ( Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70). Aqui morreu o Conceição.
© José Teixeira (2006)


O Conceição

O Conceição era uma camarada de Lisboa, que tanto quanto eu sabia, não tinha pais e vivia com a avó. Era um moço muito alegre e passava o dia a cantar.

Já perto do fim da comissão, em Empada (está na parte do diário que não enviei para o blogue), estava na retrete ... e a cantar. Não ouviu as saídas de morteiro que nos foram enviadas do cimo da pista e controladas via rádio por alguém lá dentro ou junto ao arame farpado. Uma das primeiras rebentou no telhado da retrete e projetou-o para trás, esmagando parte da nuca contra a parede.

Eu, logo após o ataque, dei uma volta pelo quartel. Fiquei assustado, pois cairam várias lá dentro e gritava de contente. Não havia aparentemente feridos e muito menos mortos. Nesse momento, o Furriel Pedro (actualmente muito doente, com um derrame celebral) grita-me:
- Teixeira vem aqui ! - Fiquei horrorizado com o que vi. Mais uma vez chorei de raiva.
Mas a cena não ficou por aqui.

Trouxemos o cadáver para a enfermaria e logo se juntou um grupo de camaradas disposto a fazer uma noite de velada. Alguns rezavam o terço, outros choravam, outros falavam de tudo e de nada.

Como tivemos dois feridos da população, dos quais uma mulher com vários estilhaços nas espadaúdas ancas, até população civil ali estava.

Alta madrugada, eles voltaram de novo e toda a gente fugiu para o buraco abrigo que tinhamos aberto ao lado da enfermaria. A mulher ferida, essa ficou por não poder andar, mas algum tempo depois lá apareceu, rastejando.

Findo este segundo ataque voltamos para o velório... Com a precicipação da fuga para o abrigo, alguém tinha arrastado um dos bancos onde estava a maca com o cadáver do Conceição, ficando este com o corpo todo inclinado.
- Desgraçado, mesmo depois de morto não tens descanso ! - comentou alguém.

As lágrimas de dor e de revolta correram por várias faces dos camaradas presentes. Foi uma noite para esquecer e agora voltar a relembrar.

© José Teixeira (2006)

Guiné 63/74 - P506: O IN emboscado a caminho de Dulombi (CCAÇ 2405, Galomaro, Julho de 1969)

Guiné > Bafatá > Espectacular vista aérea da bela Bafatá colonial, segunda cidade da província e principal centro militar da zona leste.

Até Julho de 1969, Galomaro fazia parte do Sector L1 (BCAÇ 2852, Bambadinca). Em Agosto de 1969, a zona de acção (ZA) da CCAÇ 2405 passou a constituir o COP 7, criando-se em Outubro seguinte o Sector L5, sob a responsabilidadew do BCAÇ 2851 e formado pelas ZA das CCAÇ 2405 (Galomaro) e 2406 (Saltinho).

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)


Pouco ou nada se tem aqui falado do subsector de Galomaro que, em 1968/70, era guarnecido pela CCAÇ 2405, a sacrificada companhia que viu morrer 17 dos seus melhores elementos na travessia do Rio Corubal, em 6 de Fevereiro de 1969, em Cheche, na retirada de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios).

A essa companhia pertenciam os nossos amigos e camaradas Victor David e Rui Felício. O primeiro já entrou para a nossa tertúlia (1). O segundo mandou-me há dias (9 de Fevereiro) a seguinte mensagem:

"Meu Caro Luis Graça,

"Por indicação do meu amigo de juventude e mais tarde camarada de armas na CCAÇ 2405, Victor David, tive conhecimento e acesso ao excelente blogue que criaste sobre a nossa passagem por terras da Guiné.

"Transmitirei aos meus conhecidos e amigos a existência do blogue e procurarei colaborar nele se tal for possivel, levando ao conhecimento de todos alguns episódios marcantes das nossas vidas, relativamente à nossa estadia na bela e martirizada terra da Guiné.

"Até breve e um abraço

"Rui M. S. Felício (ex-alferes miliciano, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/69)"

Em homenagem aos dois novos tertulianos, passo a transcrever o relatório (texto digitalizado e revisto por mim) da Op Ginja Verde [o adjectivo está pouco legível] em que o Rui Felício participou, como comandante de um dos grupos de combate... Infelizmente ainda não temos on line o mapa de Padada. Em todo o caso, os pontos principais aqui referidos (Galomaro, Dulombi, Mondajane, Paiai Numba...) podem ser facilmente localizados no mapa geral da Guiné e nos mapas locais.

Fonte: História do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70): Bambadinca: BCAÇ 2852. 1970. Cap II. 93-95. Documento policopiado, classificado como reservado. (Cópia em papel facultada pelo Humberto Reis, meu ex-camarada da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).


Op Ginja Verde

Iniciada às 16h00 de 13 de Julho de 1969 com a duração de dois dias para fazer uma batida cuidadosa à região de Paiai Numba, procurando detectar vestígios IN, aniquilá-lo e destruir meios de vida se os houvesse.

Composição e articulação das Forças:

Cmdt – Cap Mil Jerónimo – Cmdt da CCAÇ 2405
Cmdt do 1º Gr Combate / CCAÇ 2405 – Alf Mil Rijo
Cmdt 3º Gr Comb CCAÇ / 2405 - Alf Mil Felício
Cmdt 4º Gr Comb CART / 2520 (2) – Alf Mil Oliveira

Desenrolar da acção:

As NT iniciaram o movimento a 13 [de Julho de 1969], às 16h00, deslocando-se até Mondajane. Reiniciaram o movimento apeado por volta das 4h00 do dia 14.

Saiu o movimento apeado de Mondajane na direcção leste, patrulhando sempre a margem esquerda do Rio Queuel. A progressão era feita a TT [todo o terreno], mas apesar disso era relativamonte fácil por se nos deparar uma mata pouco densa.

Cerca das 7h00 foi atingido o Rio Cantor, que seguimos na direcção norte. Entretanto a progressão tornava-se cada vez mais difícil, quer pela ausência de trilhos quer pelo terreno que se nos ia deparando mais arborizado à medida que se caminhava para norte.

A progressão continuou sem novidade tendo-se atingido o Rio Sinhandi cerca das 11h00, onde parei cerca de meia hora para descansar. Prosseguiu-se depois ao longo da margem direita do Rio Nhancam cujo curso segui por saber que este me conduziria à tabanca de Paiai Numbá.

A cerca de 1 Km desta tabanca, onde cheguei por volta das 13h00, tomei a direcção sudeste e patrulhei a área adjacente à tabanca do Vendu Jangala.

Até a este momento não foram detectados quaisquer vestígios IN nem a existência de quaisquer trilhos que não estivessem marcados na carta. Reiniciei o movimento, desta vez na direcção nordeste caminhando paralelamente ao itinerário Dulombi – Paiai Lemini – Paiai Numba e a cerca de 2 Kms para o lado esquerdo.

0 terreno apresentava-se de difícil progressão pela ausência de acidentes geográficos bem referenciados, e por ter de se atravessar uma mata densíssima. A navegação foi sempre feita por carta e bússula já que os guias nativos diziam não saber orientar-se pela inexistência de trilhos. Atingimos o itinerário Dulombi-Paiai às 16h00 em PADADA 2F4 onde mandei fazer um alto para fazer descansar a tropa.

A testa da coluna encontrava-se junto ao itinerário e o resto da força estava embrenhada na mata em sentido oblíquo ao da estrada. Comecei a montar o dispositivo de defesa mas só tive tempo de colocar dois grupos de sentinelas avançadas, um de cada lado da estrada. Às 16h05, um desses grupos de sentinelas detectou um grupo IN quo se aproximava pelo itinerário em direcção ao Dulombi. As referidas sentinelas abriram fogo de espingarda automática, logo seguido pelo fogo de alguns elementos da minha tropa que se encontravam junto a estrada. Aos primeiros tiros dois elementos IN que vinham à frente caíram enquanto os restantes se embrenhavam apressadamente na mata em posição frontal às nossas forças e debaixo de fogo de dilagrama, armas automáticas e granadas de mão.

Desencadeou-se forte tiroteio com consumo indiscriminado de munições por parte do IN, que utilisava lança-rockets, morteiro 60, metralhadora ligeira e grande quantidade de armas automáticas. Ao fim de cerca de 10 minutos de tiroteio o IN conseguiu com um tiro de lança-rockets atingir alguns elementos das NT com vários estilhaços, tendo dois deles ficado gravemente feridos.

Tentei comunicar com o posto de rádio de Mondajane mas o operador de transmissões informou-me que o aparelho de rádio CHP-1 se encontrava inoperacional por ter sido atingido pelo mesmo rocket. Quase simultaneamente um dos nossos apontadores de LGFog aniquilou con um tiro certeiro um elemento IN que se encontrava em cima da uma árvore a fazer fogo preciso sobre nós. 0 fogo continuou de parte a parte, tendo o IN tentado o envolvimento mas a reacção pronta das NT impediu-o.

0 IN, com o efectivo que estimo em cerca de 60 elementos entre carregadores e combatentes, acabou por retirar na direcção sudoeste, sob o nosso fogo de morteiro e de LGFog. Não me foi possível efectuar una batida ao local da emboscada, senão no dia seguinte, porque no final da refrega constatei que o IN nos tinha causado um ferido muito grave (que veio a falecer pouco depois) mais dois feridos graves e três ligeiros que ocupavam imediatamente um grupo de combate para os transportar e auxiliar.

Todo estes factores, aliados ao facto de nos encontrarmos ainda a uma distância de 6 quilómetros de Dulombi e de o patrulhamento ter extenuado a tropa, obrigaram-me a ter de desistir da batida ao local, em benefício da evacuação [- que por heli se mostrou] impossível por o único nosso meio de transmissão a longa distância se encontrar inoperacional. Além disso, as NT por terem estado cerca de 35 minutos debaixo de fogo intenso consumiram quase todas as munições. Portanto, achei inconveniente sujeitar-me a novo contacto organizando a batida.

O IN pareceu-me excepcionalnente bem municiado. 0 que me fez crer que o seu objectivo era ir atacar o Dulombi se não tivesse tido o contacto connosco.
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Notas de L.G. :

(1) Vd post de 8 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIV: CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70)

(2) CART 2520 (1968/70): estava sediada no Xime.

Guiné 63/74 - P505: Os ajustes de contas do PAIGC: o caso do Candé de Quebo (Zé Teixeira)

Guiné-Bissau > Quebo > Novembro de 2000 > Fotografia de grupo de ex-combatentes portugueses e de militares do Exército da República da Guiné-Bissau.

© Albano M. Costa (2005)


Texto do José Teixeira:

Ao ler a história do Seni Candé, veio-me à memória outro Candé. Este com uma história bem mais triste.

Possivelmente alguns dos tertulianos conheceram-no em Quebo (Nova Lamego). Trata-se do Candé, Chefe do Pelotão de Comandos Africanos aí sediados (1).

A sua coragem e tenacidade livraram-me algumas vezes de apuros, nomeadamente na coluna de transporte dos obuses 14 mm de Buba para Quebo, pela picada de Cumbijã, e posteriormente noutra coluna pela mesma picada em que esteve a minha Companhia envolvida,estrada essa que foi fechada ao trânsito de militares a partir dessa altura.

Candé era um homem que face ao perigo arrancava com o seus homens, de peito aberto, ao encontro do IN, pondo-o em fuga.

"Os senhores do poder", no pós 25 de Abril, não souberam ou não quiseram assumir as responsabilidades que este País tinha assumido para com aquela gente.

Este homem e tantos outros consideravam-se filhos de Portugal, assim se afirmavam e acreditavam. Lutaram por esta Pátria, convictos que estavam do lado certo. Foram traídos e abandonados.

O Candé foi preso e levado para a sua terra natal, segundo me contou o Mudé Embalo de Chamarra (2), cuja história já conhecem. Aí foi convocado um Conselho do Povo e de seguida foi feito um julgamento sumário dos "traidores à Pátria".

Guiné > Aldeia Formosa (Quebo) > 1968 > o 1º Cabo Enfermeiro Teixeira junto a um obus 14 (ou 140 mm). 
© José Teixeira (2005)

Para mobilizar a população foi desenvolvida uma campanha de informação junto das Tabancas, dizendo que iam ser visitados pelo Homem grande de Bissau (Luís Cabral), o que era falso: apenas pretendiam juntar a população para lhe demonstrarem quem mandava e como mandava.

Sem defesa possível, e com o ambiente bem instrumentalizado pela juventude do PAIGC, o Candé foi condenado à morte, através de um prego espetado na cabeça.
Morte lenta e dolorosa. Horrível.

Envergonhem-se os governantes da Guiné, saídos vitoriosos da Guerra pela sua emancipação, por não saberem, não quererem ou, mais grave ainda, darem cobertura a possivelmente milhares de situações como esta do Candé. Não souberam compreender, perdoar e aceitar os irmãos, filhos do mesmo chão, irmãos na mesma fé, que em resultado de uma educação, desinformação e/ou aliciamento, se colocaram do outro lado, convictos que era esse o caminho certo, quantas vezes em situação de irmãos contra irmãos, filhos contra pais, maridos contra mulher e vice versa.

Camaradas e amigos tertulianos: os crimes cometidos em nome do meus País, por tantos de nós, também eles instrumentalizados pelos senhores do poder de então, de que era dever sagrado de lutar pela Pátria multirracial, continuou depois, por omissão de quem tinha o dever sagrado de defender estes filhos da mesma Pátria, tal como lhes tinha sido ensinado.

Zé Teixeira
__________

Notas de L.G.

(1) Possívelmente o Teixeira quer-se a referir a um Pelotão de Caçadores Nativos ou a um Pelotão de Milícias. Vd. post de 1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXI: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (2): Buba/Aldeia Formosa, Julho de 1968

Posteriormente, ele mandou-me uma mensagem a confirmar "que era mesmo um grupo de combate de Comandos Africanos".

(2) Vd pots de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXIII: Estórias do Zé Teixeira (1): Dôtor, Bô ka lembra di mim ?

Guiné 63/74 - P504: Memórias de Guileje (Zé Neto, 1967/68) (7): Francesinho e Cavaco, o belo e o monstro


Guiné > Guileje > CCÇ > 1967 > CART 1613 > Ao centro, a permanente alegria do Francesinho. 
© José Neto (2006)


VII parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado).

O Zé, que é o patriarca da nossa tertúlia, quis partillhar connosco uma parte "muito significativa" das memórias da sua vida militar. Enviou-nos "trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família"... Obrigado, Zé! As tuas memórias de Guileje são também as memórias das nossas vidas.. em Mansambo, no Xime ou em Guidaje!


O Francesinho (1)

Com pouco mais de metro e meio de altura, franzino, quase imberbe, era um poço de força, energia e boa disposição que a todos espantava.

Geralmente, quando o pessoal regressava das duras caminhadas pelas matas e bolanhas vinha estafado e atirava-se para cima do catre para descansar. Essa não era a prática do Francesinho. Tomava um duche, ficava como novo e, com a sua concertina algo desafinada, espalhava alegria por toda a tabanca e arredores.

Era emigrante em França, para onde foi com os pais ainda criança e pela nossa Lei não estava sujeito ao serviço militar, mas quando atingiu a idade própria veio apresentar-se e foi incorporado.

Constava nos seus documentos que era analfabeto e agricultor e, no entanto, falava correctamente francês e era operário especializado da indústria metalomecânica.

O mais surpreendente, se é que o Francesinho não fosse ele uma permanente surpresa, era a correcção com que falava português com a pronúncia e os ditos da sua região, as terras do Basto.
A sua única preocupação era a de que, quando acabasse a tropa, as nossas autoridades lhe passassem um papel para apresentar no birú da fábrica onde trabalhava, justificando que esteve ao serviço da sua Pátria.

Desgraçadamente não foi preciso o papel, mas julgo que o tal birú (bureau) da fábrica decerto deu por falta do portuguesinho, alegre e diligente, nascido na freguesia de Ribas, concelho de Celorico de Basto e falecido heroicamente em combate na Guiné Portuguesa.

As últimas mãos que afagaram aquele rosto de menino, antes de se soldar a urna de chumbo que o trouxe de volta, foram as do Capitão Corvacho e a minha. Não é vergonha dizer que não contivemos as lágrimas que nos correram pela cara abaixo.


O Cavaco

No final do ano [1967], eu, o Furriel Martins e o 1º Cabo Santos do Cabo fomos chamados a Bissau para depor no julgamento do Soldado Cavaco (2).

O Tribunal Militar funcionou nas salas do tribunal civil e, em duas sessões, ficou tudo resolvido.

O Cavaco deu-se como culpado e o seu defensor, um tenente miliciano de Administração Militar que era advogado, apenas se deu ao trabalho de procurar provar atenuantes para reduzir a pena.

Tanto eu como o Furriel e o Cabo respondemos apenas às perguntas que nos foram formuladas. O Tenente, a certa altura, perguntou-me qual era a minha opinião sobre o comportamento do réu, anterior aos factos.

Gerou-se uma pequena quezília processual entre o promotor e o advogado que acabou com o Juiz Auditor (civil) a intrometer-se e declarar que aquele Tribunal tinha a obrigação de conhecer o carácter do réu e, naquele momento, ninguém mais conhecedor do que o depoente (eu) podia responder a perguntas que levassem a fazer um juízo acertado.

Fiquei sob o fogo cerrado, ora de um, ora de outro, com respostas curtas, quase sim e não. O coronel Presidente acabou por me interpelar dizendo-me que, por palavras minhas, classificasse a qualidade de soldado do réu. Respondi com convicção:
-Um excelente e infeliz soldado.

A pena foi de vinte e três anos de prisão maior, a cumprir em estabelecimento penal adequado na Metrópole.

Nunca mais o vi, mas tive notícias de que o rapaz não cumpriu nem metade da pena.
__________

(1) Vd. posts anteriores:

8 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(6): dos Lordes e das bestas

3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(4): os azares dos sargentos

21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas

13 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (2): Ordem de marcha

10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (1): Prelúdio(s)

(2) O Soldado Condutor Auto Rodas José Manuel Vieira Cavaco abateu a tiro o primeiro comandante da companhia, Alferes de Artilharia, graduado em Capitão, Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, na noite de 24 para 25 de Dezembro de 1966 (Natal), no aquartelamento de S. João [, frente a Bolama,]onde a unidade se encontrava em treino operacional.

Guiné 63/74 - P503: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (14): De que lado estaria Deus ? (Agosto de 1969)

Guiné-Bissau > Buba > Tabanca de Lisboa > Antigos guerrilheiros do PAIGC, hoje perfeitamente integrados na comunidade local.
© José Teixeira (2006)


XIV Parte de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).


Buba, 4 de Agosto de 1969

Ao comemorar o 6º aniversário da implantação do terrorismo na Guiné (1), o Sr. Amílcar Cabral queria fazer um grande festival em toda a Guiné. Ameaçou fazer uma grande surpresa, nomeadamente em Buba. Afinal limitou-se a vir cá às 17.45 h e fazer uma pequena serenata de canhão s/r, morteiro 120 e costureirinhas. Apenas uma granada rebentou dentro do Quartel,causando danos ligeiros. De noite ouviram-se rebentamentos por todo o lado. Empada parece que também foi atacada. Nhala, sofreu três ataques: à uma da manhã, às dez e novamente à noite. Mampatá também sofreu a visita do IN.

Buba, 7 de Agosto de 1969

Guiné-Bissau > Empada > 2005 > Um minúsculo abrigo no quarto dos furriéis. 
 © José Teixeira (2006)

As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projectando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado.

Eu não fui esperar a coluna porque estou com baixa médica. Sinto-me muito fraco e abatido psicologicamente.
Ainda não sei quando regresso a Empada, talvez, lá para o fim do mês.

Dá que pensar porque é que a viatura atingida foi a 14ª, portanto já no meio da coluna que seguia o trilho das outras treze anteriores, carregadas e bem pesadas.

Guiné-Bissau > Empada > 2005 > "Aqui morreu o Conceição"
© José Teixeira (2006)


Buba, 9 de Agosto de 1969

Estou doente, sem forças, as pernas parece que não podem com o corpo. O apetite é pouco. Fui ao médico que, além de me receitar medicamentos reconstituintes, deu-me dispensa por uns dias.

Estou sozinho em Buba com metade da Companhia. Insisti desde sempre que não aguentava a carga e que devia ser chamado outro enfermeiro de Empada. Fui-me abaixo das canetas e estão a sair Enfermeiros da Companhia 2382 com os meus companheiros, o que nunca devia acontecer e está-se a gerar um mal estar, entre colegas e amigos, desnecessário. Segunda Feira termina a minha dispensa, mas eu ainda não me sinto bem. Vejamos que me vai dizer o médico.


Buba, 13 de Agosto de 1969

Está por cá o Padre Manuel Capitão, Coordenador dos capelães na Guiné, grande amigo, e que encontrei há tempos em Bissau, quando regressei da Metrópele de férias. Desde alguns dias que anda de visita ao Sector. Hoje foi acompanhar a coluna para Aldeia Formosa até Nhala e regressou no Héli que foi fazer uma evacuação de um ferido na sequência de um contacto com o IN.

A minha saúde continua abalada, felizmente com tendência para melhorar. Ontem, devido a uma grande caminhada de patrulhamento com o fim de preparar o terreno para a Coluna de hoje, não aguentei e os meus colegas tiveram de me transportar, até ao quartel. Depois de descansar fiquei melhor. Hoje sinto-me bem e tenho a esperança que em breve ficarei no lugar.

Quando estive com o Padre Capitão em Bissau, tentei aprofundar esta e outras questões sobre a assistência religiosa em tempo de guerra e a posição da Igreja Portuguesa colaboracionista com o poder político que manda matar em nome dos princípios cristãos, e a actuação dos capelães, passiva e nada evangélica, para não desagradar aos Comandantes, aos fazedores da guerra.

Eu já sentia dentro de mim a revolta. De que lado estaria Deus? Com os Portugueses que teimavam em dominar um povo pelas armas ou com esse povo que queria seguir o seu destino, ou não estaria com ninguém e apenas apelava aos homens para darem as mãos para construirem um País novo? Qual devia ser a missão do Sacerdote ? Como falar ao Soldado que tinha deixado forçadamente a sua família, o seu emprego para matar ou ser morto?

Nesse encontro pôs-me fora do gabinete, mas em Buba, ele que nunca tinha saído de Bissau, e quis vir ver como as coisas se passavam no terreno, deu-me razão. Chorou por não poder fazer nada. Sentia-se amarrado. O Sistema Militar condicionava-o e os Capelães que os Bispos lhe mandavam, na sua maioria eram sacerdotes com problemas e nada preparados para este tipo de missões.


Buba, 16 de Agosto de 1969

Mais 24 toneladas de material apanhado ao IN no Norte, perto de Ingoré (2). As nossas tropas destruiram cinco destacamentos do IN, entre os quais Canchungo, Mâmpatas e Sane, todos perto de Ingorei, por onde andei nos primeiros três meses de guerra. O IN fugiu e os nossos tiveram 6 feridos. Parece que o exército senegalês auxiliou a fuga a pretexto de assistência médica.
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Notas de L.G.:

(1) Referência ao 1º taque do PAIGC a um aquartelamento português (Tite) em 1963 ? Não foi em Agosto (4), sim em 23 de Janeiro (efeméride que é apontada, em geral, como a do início da luta armada na Guiné

(2) Ingoré: no norte, junto à fronteira com o Senegal, na estrada entre Sedengal e Bigene. Pertence à actual região do Cacheu.