Mostrar mensagens com a etiqueta 1941. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta 1941. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 8 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9870: Meu pai, meu velho, meu camarada (29): Luís Henriques (1920-2012): Você deixou o nosso ranchinho abandonado... (Luís Graça)



Vídeo (49''):  Luís Graça (2011). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Luis Henriques (1920-2012):  Lourinhã, Atalaia, Lar e Centro de Dia de Nossa Senhora da Guia, 8 de outubro de 2011, precisamente seis meses antes de morrer (a 8 de abril de 2012)... Trauteando, aos 91 anos,  uma das suas canções favoritas, ligada à sua memória da tropa e e da sua comissão de serviço militar no ultramar, no Mindelo, Ilha de São Vicente, Cabo Verde (1941-1943).  Mesmo debilitado pela doença (crónica) de que sofria há 5 anos, ele arranjava forças para se mostrar feliz e agradecido pelas visitas que a família (filhos e netos) lhe faziam todas as semanas...

A canção chama-se "Ranchinho Abandonado". É uma canção brasileira, sertaneja, da dupla Raul Torres e João Pacífico, composta em 1939.  Estava na moda em Portugal, quando ele, em plena II Guerra Mundial, partiu como expedicionário para a Ilha de São Vicente, Cabo Verde, indo integrar o RI 23 (*)... Acompanhamento a violino, pelo neto João Graça que tinha o bom hábito de ir anotando, sempre que estava com o avô,  os seus ditos, anedotas e historietas... 


Letra > "Ranchinho Abandonado" (Música e letra: Raul Torres e João Pacífico, 1939).


Você deixou o nosso ranchinho abandonado,
Vive tão triste, o coitado,
Que dá pena até de ver.
Quando anoitece,
Bate a lua no caminho,
E eu lá dentro, tão sozinho,
Fico pensando em você.
Pego a viola p'ra esquecer a minha mágoa 
E os meus olhos, rasos d' água,
Que não cansam de chorar.
Eu vou cantando o soluço e a saudade,
Porque a felicidade,
Hoje, eu não posso cantar. 

E o ranchinho continua aqui tristonho,
Acabou-se o antigo sonho,
Veio a tristeza morar.
Em seu lugar só restou essa viola 
Que a minha dor consola
Quando, às vezes, me vê chorar.

Pego a viola p'ra esquecer a minha mágoa,
E os meus olhos, rasos d' água,
Que não cansam de chorar.
Eu vou cantando o soluço e a saudade,
Porque a felicidade,
Hoje, eu não posso cantar.



1. Meu pai, meu velho, meu camarada... Faz hoje um mês que nos deixaste... Os confrades da tua confraria da Nossa Senhora dos Anjos, na Lourinhã, mandaram-te rezar uma missa. Pela tua alma. Para que descanses em paz. Para que continues a sorrir-nos, com o teu sorriso lindo, lá da outra margem do rio invisível e intransponível que nos separa...

Tenho pena, mas não posso ir à tua missa, hoje, aí na Lourinhã... Estou a trabalhar a essa hora. Mas eu e o João (que está de férias,  na Índia) estaremos lá contigo, em espírito... Tens lá a Joana,e a Alice, as tuas filhas Graciete e Zairinha, e alguns dos teus netos, e demais família... A Béu, a tua caçoila,  também não poderá ir, está no Fundão, mas rezará por ti...

Temos muitas saudades tuas, pai. Este pequeno vídeo é uma forma de mitigar a nossa dor... Lembras-te ? Era uma das tuas canções favoritas. Estava na moda em Lisboa, quando partiste para Cabo Verde, em 1941... Sempre te a ouvi cantar pela vida fora... Você deixou o nosso ranchinho abandonado, /Vive tão triste o coitado / Que dá pena até de ver... Não, não é uma morna, é uma canção sertaneja, lá do Brasil... De João Aparício, o "poeta do sertão" que morreu em 1998, completamente esquecido...

Pois é, agora foi a tua vez de deixar o teu/nosso "ranchinho abandonado"... Sempre nos protegestes ao longo da tua vida, o melhor que sabias e podias... Agora é a nossa vez de experimentar esse estranho sentimento de orfandade que tu conheceste tão cedo, na tua vida, logo aos dois anos... Nunca soubeste, pela vida fora, o que era o doce amor de mãe... ("Quanto é doce quanto é bom / No mundo encontrar alguém / Que nos junte contra o peito / E a quem nós chamemos mãe"... cantava o poeta e músico Zeca Afonso),


  A tua, a minha avó, foi-se cedo desta vida, ceifada pela tuberculose, em 1922,  logo a seguir à epidemia da pneumónica (1918-19), de que me falavas tanto, embora ainda não fosses nascido quando foi o pico da pandemia. (Recordo-me de me dizeres que "quem se safou, era quem bebia aguardente"...).

Sabes, escrevi uma pequena nota biográfica sobre ti para o jornal da nossa terra, o "Alvorada"... Vou-ta reproduzir aqui, para os meus camaradas lerem, no blogue, de que tu eras (e continuarás a ser) membro... Eles estimavam-te e consideravam-te  como um "mais velho"...  Agora resta-nos o Armando Lopes, cabo verdiano, pai do Nelson Herbert, e que chegou a ser craque da bola na Guiné, com a alcunha de Búfalo Bil... Ainda esteve contigo no Mindelo, em 1943... É da tua idade,,, 

Publico também uma foto tua com a Maria da Graça, quando ainda estavas todo janota, aos 70 anos ... Sabes, estive este fim de semana no Lar, e pude dar-me conta de quanto ela sente a tua falta, mesmo que não já possa expressar as suas emoções... Ela sente a tua ausência, e fixou muita atentamente o artigo do jornal onde vem a vossa foto, de abril de 1991. 

Se não te importas,  nunca me despedirei de ti, vou falando contigo, à minha maneira. Assim como hoje... Entretanto, vamo-nos encontrando por aí e aqui, às vezes com uma lágrima furtiva ao canto do olho... LG

Morreu o Luís Sapateiro (1920-2012), uma figura muita popular e querida da nossa terra


Luís Henriques, mais conhecido por Luís Sapateiro, ou simplesmente por Ti Luís:


(i) Nasceu na Lourinhã em 1920. Homem de fé, morreu no passado domingo de Páscoa, dia 8 de abril, na Atalaia, no Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, onde vivia desde 2008 com a esposa, Maria da Graça. Morreu em paz, consigo, com os seus descendentes (4 filhos, 12 netos, 5 bisnetos), com Deus e com o mundo. 

(ii) Tinha raízes, pelo lado do pai, Domingos Henriques, no Montoito, e pelo lado da avó materna, Maria Augusta de Sousa, em Ribamar (clã Maçarico). Sua mãe, Alvarina de Jesus, morreu jovem, em 1922, de tuberculose, fato que o marcou para toda a vida: a mãe nunca lhe pôde dar um beijo!... E nos seus três últimos dias de existência, em que eu tive o privilégio de o acompanhar no seu leito de morte, evocou o nome da mãe Alvarina, por mais de um vez. Tinha uma enorme afeição por ela.

(iii) Viveu nos primeiros anos de infância com a nova família do pai, que casou pela terceira vez. Ao todo teve uma dúzia de irmãos. Fez a instrução primária (na época quatro anos de escolaridade) na velha Escola Conde de Ferreira (demolida pelo camartelo camarário antes do 25 de abril), sob a direção Professor José António, que ainda conheci na minha infância, pai do meu conterrâneo e amigo Jorge Pedro.


(iv) O seu primeiro emprego foi como marçano, ou melhor, como “máquina registadora e de calcular”, na loja do fotógrafo e comerciante Manuel Lourenço da Luz, que veio da Praia da Vieira para a Lourinhã, na primeira ou segunda década do séc. XX, e que foi pai do fotógrafo António José da Luz (Foto Luz). A loja, na Rua Miguel Bombarda, vendia uma miscelânea de artigos fotográficos, vidraria, molduras, papelaria e bijuteria. O meu pai era muito rápido e fiável a fazer contas. [Vd. foto à esquerda, cortesia da bisneta do Manuel da Luz, a Ana Luz Pignatelli].

Terá trabalhado para o seu primeiro patrão, na Lourinhã e na Praia da Areia Branca, a troco apenas da alimentação e de algumas gorjetas, durante cerca de 4 anos. O meu pai tinha recordações muito nítidas da época balnear, na loja da praia. Além da fotografia, o negócio do Manuel da Luz incluía o comércio de equipamento para caça e pesca. À segunda feira, ia com o patrão para a caça de patos, perdizes e coelhos ao longo do rio Grande…

(v) Aos 13 anos, o meu pai terá uma nova família de acolhimento, a do seu tio materno, Francisco de Sousa (Fofa), músico e industrial de sapataria. Aprende o ofício de sapateiro. É criado com os seus primos António Francisco Sousa, Carlos Sousa e Milu (esta felizmente ainda viva; e todos eles com excelentes dotes musicais: o António tocava saxofone e fundou a primeira "banda de jazz" da terra, o conjunto Sol Do Ré Mi; o Carlos era um especialista em prata na banda da Lourinhã; e a Milú uma bela menina de coro).

(vi) Aos 20 anos assenta praça no RI 5, Caldas da Rainha. Em 1941 parte para Cabo Verde, como expedicionário, com o posto de 1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI 5. Tinha memórias muito vivas (incluindo registos fotográficos) dos difíceis tempos que passou no Mindelo, Ilha de São Vicente (26 meses, entre julho de 1941 e setembro de 1943; nos últimos 4 meses esteve hospitalizado, por problemas pulmonares, entre maio e agosto de 1943).

A saudade da terra era mitigada pela presença de diversos lourinhanenses, o António Correia Caxaria, o Boaventura Horta,  o Jaime Filipe, o  Leonardo, e outros - naturais da vila, da Atalaia, da Serra do Calvo... - que pertenciam à mesma unidade (RI 23, constituído na Ilha de São Vicente, 1941/44) (*). 

Numa época de elevado analfabetismo, sacrificava os seus tempos livres escrevendo dezenas de cartas por semana em nome de muitos dos seus camaradas. Aos 91 anos ainda se lembrava dos números de tropa de alguns dos seus camaradas, e até das moradas para onde enviava as cartas. Em nome do Fortunato Borda d'Água, do Cercal, Azambuja, por exemplo, chegava a escrever 22 cartas por semana... O Fortunato  tinha duas namoradas, "uma que chorava ao pé da mãe dele, e outra que se ria, em plena rua"... O meu pai um dia teve que o ajudar a decidir-se:
- Ó Fortunato, afinal de quem é que tu gostas mais ? Com queres casar ? Da que se ri, na rua, ou da que chora no ombro da tua mãe ?...
- Ó Luís, claro que é da que chora...

(vii) A seca e a fome que assolaram Cabo Verde nessa época, e que fizeram dezenas de milhares de mortos, tiveram impacto na sua consciência de bom português e bom cristão. O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e de doença, em meados de 1943. Comove-se ao dizer-me que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (c. de 16$00) - na altura, estava hospitalizado -, para ajudá-la nas despesas do enterro. Lembro-me de ele me dizer que um cabo ganhava na época  qualquer coisa como 130$00 por mês... De volta à metrópole, não terá mais do que 200$00 ou 300$00 no bolso. Para ele o dinheiro nunca foi fêmea...


(viii) Do Mindelo escreve à sua namorada, futura noiva e esposa, e minha mãe, Maria da Graça:

Maria, minha cachopa,
Não me sais do pensamento,
Tão logo eu saia da tropa,
Trataremos do casamento…


De regresso à Lourinhã, em setembro de 1943, vinha cheio de saudades… de comer uvas. "Vinte e seis meses sem comer uvas, sabes o que é ?", interpelava-me ele, nas nossas conversas sobre Cabo Verde, no Bar dos Cinco Paus, na Praia da Areia Branca...


 Faz sociedade com o seu irmão Domingos Severino, dois anos mais novo, meu padrinho de batismo, já falecido. Abrem a sua própria oficina de sapataria, na Rua Miguel Bombarda. Chegam a ter bastantes empregados. Na época ainda não havia produção industrial de calçado. 

Casa, entretanto, em 2 de fevereiro de 1946 com a Maria da Graça, natural do Nadrupe, filha de camponeses, criada de servir de senhores e senhoras de Lisboa, da Praia da Areia Branca e da Lourinhã, desde tenra idade (9/10 anos). Como rapariga que era, naquela época, só tinha a 3ª classe, tirada numa professora particular, mas sabia muito bem ler, escrever e contar. Sei que houve lagosta na festa do casório, a que assistiram amigos e parentes. Na época, a festarola terá ficado por 800$00 (se a memória não me atraiçoa).

 A 29 de janeiro de 1947 nasci eu. Até 1964, a Maria da Graça dará à luz  ainda mais três raparigas: Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel.


(ix) Continua a jogar futebol, como atleta amador, e ao mesmo tempo participa na vida associativa das diversas coletividades da sua terra, desde o Sporting Club Lourinhanense (SCL) até aos bombeiros, a banda de música e a misericórdia. É mordomo de festas (como a da Sra dos Anjos e de São Sebastião). Quando morreu, era de há muito o sócio nº 1 do SCL, coletividade que de resto sempre o acarinhou e o homenageou, tanto em vida como na morte. Foi treinador de gerações de miúdos, das camadas juvenis, sempre ao serviço do SCL. Comprava-lhes as sandes para o pequeno almoço e arranjava-lhes as botas e aos domingos percorria o distrito de Lisboa, nos torneios de futebol...

Era um bom lourinhanense, muito querido e estimado por toda a gente. Espirituoso, bem humorado, com jeito para o improviso poético, definia assim a sua terra:


Lourinhã, uma vila catita, 
bonita, sem vaidade,
tem montras como uma cidade. 
Mas também ninguém nos engana: 
ao fim de semana, 
sem sol, sem bola e sem missa, 
é uma terra de preguiça… 

Ou noutra variante, mais mordaz:

Lourinhã tem três entradas, 
três saídas, três igrejas, três ermidas,
três moinhos de vento 
e... ladrões em todo o tempo!

(x) Trabalhador por conta própria, deu trabalho a muita gente, numa época em que o emprego era escasso e mal remunerado… Viu muita gente (incluindo os seus empregados) partir para os EUA, o Canadá, a França, a Alemanha, nos anos 50 e 60... Tinha inúmeros clientes, quer da vila, quer das aldeias mais a norte do concelho (do Sobral a São Bartolomeu) e até fora do concelho (Bufarda, por exemplo).  Terá percorrido, na sua vida, muitas dezenas de milhares de quilómetros, de bicicleta,  levando e trazendo calçado dos seus “fregueses”, que muito o estimavam. Aos 90 anos ainda tinha um coração de atleta...

O seu negócio teve altos e baixos, e conheceu vários sócios  e vários locais.  A sua última oficina , onde esteve mais de 30 anos,  foi na Praça Cor António Maria Batista, nº 9, na Lourinhã  (junto ao beco que liga à Rua João Silva Marques). 

Daí também o seu desabafo, sob a forma de parlenda popular: 

À segunda, o trabalho abunda; 
à terça, dor de cabeça; 
à quarta, trabalho à farta; 
à quinta, dança a pelintra; 
à sexta,  o patrão é uma besta; 
ao sábado, o patrão arreliado… passa-se para o outro lado!

 (xi) Foi, além disso, um bom pai e um avô carinhoso. Tinha orgulho nos seus  filhos [, na foto, à esquerda, os dois mais velhos, Luís e Graciete, c. 1950], netos e bisnetos, os quais, por sua vez, tiveram a rara felicidade de estarem junto dele na hora, difícil, da sua partida deste mundo. 

Viveu pobre e morreu pobre. Morreu com dignidade, vítima de doença prolongada. Tinha 12 netos e 5 bisnetos.  Escreveu,por sugestão minha,  um diário (cerca de 500 páginas manuscritas) entre 2008 e 2011. 

Viveu os seus últimos quatro anos no  Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, onde encontrou uma segunda família. Em 30/10/2008 escrevia no seu diário: 

“(…) nesta nova família que nos arranjaram, fico triste pelos que se encontram piores do que eu. Não tenho culpa de ter nascido assim. Por tudo isto,  sou feliz, embora pobre, mas alegre, e gosto de conviver com todos. É esta a minha política: esquecer as minhas dores lembrando dos que se encontram  bem piores do que eu (…)”.  

(xii) Os seus familiares e amigos mais próximos lembrá-lo-ão sempre como um homem simples mas único, que irradiava alegria de viver e boa disposição. Não deixa “obra feita”, como sói dizer-se. Mas o seu exemplo de generosidade, bondade e otimismo perdura para além da morte. É o património (imaterial) que nos deixa. Para os seus filhos, netos e bisnetos, foi um privilégio tê-lo como pai e avô. Para eles, foi e será sempre o melhor pai e avô do mundo.


(xiii) Uma palavra muito especial de agradecimento é devida à direção do SCL e ao  Lar e Centro de Dia da Atalaia (na pessoa da sua diretora técnica dra. Ana Caetano, do médico dr. Rui Martins e dos demais profissionais - grandes profissionais, grandes mulheres! - que cuidaram do meu pai, até à sua morte,  com uma inexcedível competência, dedicação e humanidade). Mas também aos seus parentes, amigos, conterrâneos e vizinhos que se interessaram pelo seu estado de saúde e que o acompanharam até à sua última morada na terra. 

Por fim, um xicoração muito especial aos elementos do Coro Municipal da Lourinhã, Rui Mateus, Moura (grande companheiro do meu pai nas jogatanas de damas), Quim Zé e Ana Mateus que no cemitério cantaram para ele e para todos nós a famosa e sublime canção alpina  “Signore delle cime”, composta em 1958 pelo italiano Giuseppe de Marzi: 

Dio del cielo, Signore delle cime,
Un nostro amico hai chiesto alla montagna.
Ma ti preghiamo, ma ti preghiamo:
Su nel Paradiso, sul nel Paradiso
lascialo andare per le tue montagne.

Santa Maria, Signora della neve,
Copri col bianco soffice mantello,
Il nostro amico, nostro fratello,
Su nel paradiso, su nel paradiso
Lascia lo andare per le tue montagne.

Dio del cielo, l’alpino chè caduto,
Ora riposa nel cuor della montagna.
Ma ti preghiamo, ma ti preghiamo.
Una stell’alpina, una stell’alpina
Lascia cadere dalle tue montagne.



Lourinhã > Abril de 1991 > Maria da Graça (n. 1922) e Luís Henriques (1920-2012)




Portugal > Cadaval > Adão Lobo > 18 de junho de 1950 > Equipa de futebol do Sporting Clube Lourinhanense (SCL) no campo de jogos do Adão Lobo. O segundo da primeira fila, da esquerda para a direita, assinalado com um círculo a vermelho, é o meu pai, Luís Henriques, então com 29 anos... Esteve toda a vida ligada ao futebol, quer como jogador quer como dirigente e treinador de futebol das camadas mais jovens...

Esta foto foi tirada no dia em que o Benfica (seu clube do coração) ganhou a Taça Latina, disputada no Estádio Nacional do Jamor, um dos ícones do Estado Novo. Como dizem as crónicas da época, foi o primeiro feito internacional do S.L. Benfica, e pôs o país a vibrar de emoção: primeiro, o Benfica eliminou a Lázio nas meias-finais, por 3-0; depois empatou com o Bordéus, por 3-3,na final, em 11 de junho; e na finalíssima, uma semana depois, venceu os franceses por 2-1.

Esta foto é também uma homenagem à geração do meu pai para quem o futebol foi uma paixão... Aqui ficam os nomes dos jogadores do SCL, identificados um a um no dia em que o meu pai festejou os seus 90 anos (tinha uma memória de elefante!):

"De pé, da esquerda para a direita, o filho do Vitor Pedro, o Miranda (Alfaiate), o Jorge Tarofa (ou Jorge Serralheiro), o José Costa (que haveria de morrer em Angola), o José Miguel, o Américo Russo, o Manuel Swing, o António Serralheiro; na primeira fila, da esquerda para a direita, o Vitor Pedro, o Luís Henriques, o António Zé da Graça [, guarda-redes], o Manuel Dias (Néu), o Artur Borges, e o João Borges". E acrescenta o meu pai: "Perdemos 3 a 2. Nesse dia faltaram três ou quatro dos nossos melhores jogadores: o Gino (ou Higino), o Mário Pepe, o Manuel Ferrador, o António Costa"... 

Quase todos estes lourinhanenses já morreram, com uma exceção ou outra: o Jorge Tarofa, por exemplo, ainda está entre nós; o Jorge Borges, não tenho a certeza. 






Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > "Junho de 1943. Alguns internados do depósito dos convalescentes. Entre eles, estou também eu, sentado, lendo [o livro ] Os Bastidores da Grande Guerra. Luís Henriques , 1º Cabo nº 188/41, 1º Batalhão Expedicionário, R.I. nº 5. S. Vicente. C. Verde" [ O meu pai é o primeiro da 1ª primeira fila, do lado direito, assinalado com um círculo a vermelho; esteve internado cerca de 4 meses, já no final da comissão, por doença de pulmões; a morbimortalidade entre os expedicionárias era elevada; o livro em, questão podia o ser de Adolfo Coelho, Nos bastidores da grande guerra, documentário, editado em 1934, em Lisboa, pela Livaria Clássica Editora].


Texto, fotos e legendas: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados


Uma versão mais curta deste texto foi publicado no jornal Alvorada, [Lourinhã,] nº 1103, 20 de abril de 2012, p. 26. E pode ser lida aqui também, no blogue A Nossa Quinta de Candoz.

_____________


Nota do editor:

Último poste da série > 14 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9744: Meu pai, meu velho, meu camarada (28): O RI 23, (re)constituído na Ilha de S. Vicente (agosto de 1941/dezembro de 1944): a unidade a que pertenceram Luís Henriques, Ângelo Ferreira Sousa, Porfírio Dias e Armando Lopes (José Martins)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6474: Casamento dos oficiais do Exército discutido, em 1941, na Assembleia Nacional (Carlos Cordeiro)

1. O Carlos Cordeiro, que é membro da nossa Tabanca Grande e professor de história (*), mandou-nos este texto, que agradecemos e  publicamos:

Data: 24 de Maio de 2010 03:19

Assunto: Casamento dos oficiais do Exército discutido, em 1941, na Assembleia Nacional

Caro Luís,

Na sequência do e-mail em que me falaste na possibilidade de mandar um poste sobre o casamento dos oficiais do Exército, envio-te este texto. Sei que está grande, mas fiz o mais pequeno que pude. É só para dar um certo tom da situação.

Propositadamente não entrei em análises críticas (à excepção de uma ou outra expressão). Parece-me que as transcrições falam por si. Estás, como não podia deixar de ser, à vontade para fazeres do texto o que achares melhor, até porque não sei se se trata de um trabalho adequado à natureza do blogue.

Um abraço (também para ti, Carlos)

2.Texto de Carlos Cordeiro:


 Caros camaradas:

O poste de José Belo sobre o casamento dos oficiais do Exército (P. 6440, de 20 de Maio) fez-me pensar e querer saber um pouco mais sobre o assunto. Nos comentários que fiz ao poste forneci as indicações das páginas da Internet que podiam ser consultadas para nos elucidar sobre a questão. Aí vai um pequeno resumo dos postes que consultei.

O Decreto-Lei 31107, publicado no Diário do Governo de 18 de Janeiro de 1941, que regulamentava o casamento dos militares, foi submetido à Assembleia Nacional para ratificação. A discussão prolongou-se por duas sessões (5/2/41 e 6/2/41) e gerou grande celeuma.

Note-se que a legislação em vigor para o Exército datava de 1851 (Decreto de 10 de Dezembro de 1851), que exigia, para os oficiais, a idade mínima de casamento de 30 anos, excepto se o requerente provasse que o casal tinha um rendimento líquido anual de 300.000 réis de bens do carácter dotal.

A legislação para a Armada constava do Decreto 16349, de 1929. Era exigida a idade mínima de 25 anos, ou de 21, caso o militar provasse que, além dos respectivos vencimentos, o casal tinha um rendimento anual mínimo de 6000$00 resultantes de bens próprios.

As questões suscitadas nas intervenções na Assembleia Nacional são, fundamentalmente, as seguintes:

(i) A exigência da idade mínima de 25 anos e o posto de tenente.

(ii) A obrigatoriedade de prova de que ambos os membros do casal possuíam rendimentos condizentes com o respectivo posto.

(iii) A proibição do casamento do oficial com divorciada, sendo, porém, permitido ao oficial casar-se, mesmo que fosse divorciado.

(iv) A demonstração de que a noiva era “portuguesa originária”, “filha de pais europeus”.

(v) A consideração, para que o casamento fosse autorizado, da “situação social da mulher, do seu passado e de sua família”.

Um primeiro grupo de deputados é fortemente crítico ao articulado, mas note-se que nem sempre numa perspectiva “progressista”, se assim se pode dizer. Alguns, por exemplo, ao abordarem o divórcio, referiam-se à “igualdade”, mas não entre os sexos, mas sim entre os oficiais da Armada (que podiam casar­‑se com divorciadas) e do Exército, ainda que outros deputados levantassem o problema na perspectiva da igualdade perante a lei.

Relativamente à exigência de a noiva ser filha de pais europeus, o deputado Belfort Cerqueira afirma mesmo que tal lhe parecia “conter um sabor pronunciadamente racista, e por isso mesmo divergente da ortodoxia mais corrente das nossas tradições cristãs”, ou, como dizia o deputado Botto de Carvalho, porque iria “de encontro a toda a política de unidade do Império”.

Quanto ao facto de a noiva ter de possuir meios de subsistência compatíveis com o posto do futuro marido, isto significaria, como salientaram alguns deputados, que os tenentes, no caso, não tinham um salário compatível com a constituição de família e, portanto, a solução seria outra.

Nesta mesma sessão interveio o deputado Padre Abel Varzim que fez uma importante intervenção em defesa da família e da dignidade da mulher:

“[…] A minha discordância não provém deste ou daquele ponto de regulamentação do casamento dos militares. Aquilo que me repugna, a mim, à minha consciência de católico, e à consciência dos católicos é, fundamentalmente, a regulamentação das condições económicas ou sociais do casamento […].

Durante dezassete ou dezoito séculos a consciência dos católicos travou uma batalha e conseguiu, vencê-la ainda há bem pouco tempo; e neste ponto operou a revolução mais igualitária que se fez em toda a história: perante o casamento não há distinções de classes, de idades, de condições, de raças, de sangue; todos têm o direito fundamental de contrair matrimónio. Esse direito foi-lhes dado pela natureza, ou, melhor, por Deus, e não pode o Estado ou qualquer poder do Estado restringi-lo. E é nesse sentido que me repugna aceitar este ou qualquer outro decreto que venha dificultar a constituição da família segundo aquele princípio da liberdade fundamental da pessoa humana […].

O problema deveria ser posto de uma maneira diferente. A dignificação da família faz­‑se pela dignificação da mulher, pela recondução da mulher ao seu lar. E é universalmente aceite que é o homem quem deve granjear o sustento da família […].

Se queremos dignificar a família não devemos exigir, para que ela se possa constituir, que ambos os esposos, ou um só deles, tenham meios financeiros para a sustentar; o que é necessário - e é por isso que este movimento humano que se chama catolicismo luta há dois mil anos - é que sejam dados ao homem os meios suficientes para o sustento da família que o seu trabalho, a sua profissão, lhe garantam o poder de acudir aos encargos normais do seu lar. O nosso pensamento é o de que o Estado e a economia devem garantir a todos os trabalhadores intelectuais e manuais um salário suficiente para as suas necessidades familiares. E, portanto, para salvaguarda da família para dignificação da vida militar ou de outra qualquer para prestígio e garantia da categoria social dos militares, parece-me que uma só medida seria de aconselhar: a de que eles começassem a ter soldo maior medida que iam aumentando os seus encargos familiares […]”.

A contraposição a estas e outras críticas acérrimas ao Decreto-Lei iria estar a cargo de vários deputados, principalmente, de Carlos Borges, interrompido constantemente com comentários e apartes. Trata-se de uma intervenção que me abstenho de classificar, bastando, para que se conheça o seu teor, transcrever uma ou outra passagem.

Referindo­‑se à questão do racismo aflorada pelo deputado Belfort Cerqueira, diz Carlos Borges:

“O legislador não pôs no decreto, relativamente à ascendência europeia, aquilo que porventura queria exprimir. O que se quis foi evitar aquilo que não quero dizer […]. Mas não se trata de um vago (Cerqueira falara em “pronunciado”) sabor de racismo, mas de manter um certo número de preconceitos, chamemos-lhe assim, que não são inteiramente vãos. Foi isto decerto o que o legislador pretendeu. Não está assim no decreto? Estes ‘pais europeus’ podem significar outra coisa? Nós podíamos emendar o que cá está, traduzindo-o por outras palavras. A forma pode mudar, mas a essência fica a mesma”.

E, para terminar, veja-se esta “pérola argumentativa” relativamente à impossibilidade de casamento de oficiais com divorciadas:

“O legislador viu e pensou que se a mulher foi a ré na acção do divórcio e mostrou que não possuía a honorabilidade e as qualidades morais necessárias para constituir família não está indicado que possa casar com um oficial do exército. Há agora o caso da mulher honrada, da mulher que teve uma conduta irrepreensível, mas que pediu o divórcio contra o marido, e então o legislador pensou: esta mulher é impecável no seu passado, mas não teve a resignação necessária não soube suportar as vicissitudes e tormentas do lar, isto é, não soube manter-se; embora com sacrifício. […]

Neste caso o legislador pode pensar que se a mulher não teve resignação para aturar o primeiro marido é de supor que igualmente o não tenha com relação ao segundo, e é por isso que não distingue um caso do outro e é talvez esta a razão por que vem tal disposição no decreto”.

O problema é que isto se passou em 1941 na Assembleia Nacional de Portugal e o Decreto­‑Lei foi aprovado com 30 votos a favor e 28 contra!

Fonte: http://debates.parlamento.pt/page.aspx?cid=r2.dan

Um abraço,

Carlos Cordeiro

PS - Em próxima oportunidade enviarei algumas citações do Decreto de 1960 sobre o mesmo assunto.

_______

Nota de L.G.:

(*) Resposta ao meu pedido para o Carlos Cordeiro abordar aqui este tema, com o rigor, a competência e a seriedade que são seu apanágio:


Ok, Luís. Irei trabalhar o assunto, com calma, pois estamos no fim do ano lectivo e há toda a questão de avaliações, exames e o diabo a quatro. Por deformação profissional, mandei só as indicações dos documentos. A minha posição enquanto professor de história é a de possibilitar aos alunos o prazer da descoberta - o contacto directo (quando possível) com os documentos. Digo-lhes sempre que eles têm tanto direito de interpretar um documento como os grandes intelectuais.


Mas, tens razão: o melhor será mesmo apresentar (com citações abundantes) todo o processo (talvez em "episódios"). Os debates na Assembleia Nacional são mesmo impressionantes: absolutamente elucidativos e mesmo chocantes. Não propriamente pelas implicações directas na vida dos militares, mas, sobretudo, pelas "mensagens" ideológicas subjacentes ou mesmo expressas. Trabalho bastante com os debates parlamentares, mas sobretudo nos períodos da monarquia constitucional e da I República.


Quanto à legislação anterior, irei tentar ver. Nos debates citam sempre um lei de 1850 (ou por aí) que tinha caído em desuso. Os militares da marinha tinham legislação de 1936 (julgo), diferente dos do exército.


Só mais uma questão: o decreto-lei de 1960 amnistiou os militares que tinham sido condenados com base na lei de 1941. Assim, um oficial pediu ao Supremo Tribunal Administrativo (há pouco tempo) que lhe contasse como de serviço o período em que tinha sido demitido e depois reintegrado pela lei de 1960 e o tribunal não aceitou!!!


É a vida, como diria o outro.


Um abraço,


Carlos