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quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17906: Os Nossos Enfermeiros (11): O 1.º Sargento Enfermeiro Reformado José Bragança Ferreira, HM 241, Bissau, 1970/72... Com 86 anos, vive em Abrantes e dedica-se ao voluntariado. Foi homenageado, em 2013, pelo Rotary Club de Abrantes


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Com a devida vénia ao Jornal de Abrantes, edição de dezembro de 2013 >
Entrevista por Hália Costa Santos, pag. 2


1. Mensagem de 8 do corrente, do nosso amigo e camarada (ex-
Manuel Traquina (ex-Fur Mil Mec Aurro, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), que vive em Abrantes [, foto atual, à direita]


Amigo Luís,
Agradeço esta publicação.

Estou certo que muitos se recordam de enfermeiro Bragança.

Um abraço.
Traquina


2. Os Nossos Enfermeiros > O Enfermeiro Bragança

Muitos daqueles que nos anos 70/72 passaram pelo hospital militar 241 em Bissau, decerto lembram o Primeiro Sargento Enfermeiro José Bragança Ferreira. 

Agora com 86 anos,  reside nesta cidade de Abrantes, exercendo a sua actividade como voluntário em várias instituições (Liga dos Amigos do Hospital de  Abrantes, Centro Social Interparoquial de Abrantes, entre outras). 

O Rotary Club de Abrantes,  no ano de 2013, decidiu homenageá-lo como o “Profissional do Ano”. É conhecido na cidade como o "enfermeiro Bragança". Ver aqui entrevista dada então ao "Jornal de Abrantes", em dezembro de 2013.

 O enfermeiro Bragança,  depois de uma comissão em Angola e outra em Moçambique (onde nasceu um dos seus filhos), viria a ser colocado no Hospital Militar de Bissau [HM 241] (1970/72).

No jantar realizado em sua homenagem, referiu-se àqueles anos passados no HM 241, como sendo o ponto alto da sua carreira. Colocado nas enfermarias de Cirurgia  A e 2,  onde era responsável por 40 doentes, recorda que de um modo geral não tinha horário, tudo dependia do número de sinistrados que os helicópteros ali “descarregavam”, quase sempre com diagnósticos “poliestilhaçados”,  outros amputados e alguns até com perda de visão. 

Recorda que por vezes era chocante ver o militar da cama ao lado a ler a carta da família ao amigo que tinha acabado de perder a visão em combate. 

Segundo a sua opinião, naqueles anos aquele hospital possuía a melhor aparelhagem hospitalar e, também o melhor pessoal médico e de enfermagem,  pelo que qualquer militar gravemente ferido ansiava por ser evacuado, pois sabia que naquele hospital poderia estar a sua salvação.  Em caso de evacuação Ypsilon,  dizia-se ou pensava-se: "Se chegar ao hospital vivo,  já não morro".

Recordamos que as evacuações no interior da Guiné por vezes não eram fáceis, no período nocturno era quase impossível, de um modo geral os helicópteros de noite não tinham condições e, por vezes também o terreno e o clima condicionavam as evacuações. 

A todos aqueles que com ele trabalharam e também aqueles a quem prestou os seus cuidados,  ele envia um grande abraço.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17373: Recortes de imprensa (87): Combatentes da Guiné, homenageados em Abrantes pelo Chefe do Estado-Maior do Exército (Morais da Silva, Cor Art Ref)


1. Mensagem do Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva, que foi comandante da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1970/72), com data de 12 de Maio de 2017:

Caro Editor
Dou-lhe conta da notícia publicada em http://ultramar.terraweb.biz/index_medalhas_SM_Ultramar1_Cerimonias_de_imposicao_de_Condecoracoes_RAME_06Mai2017.htm por julgar de interesse para os leitores do blog que dirige com assinalável sucesso.

O meus cumprimentos
Morais Silva
Coronel
(ex-cmdt CCaçInd2796 em Gadamael)


Abrantes: Ex-Combatentes da Guiné homenageados pelo Chefe do Estado-Maior do Exército

Este sábado, dia 6 de maio, o Regimento de Apoio Militar de Emergência, em Abrantes, acolheu a cerimónia de homenagem aos mortos em combate e condecoração aos 66 ex-Combatentes da Companhia de Caçadores Independente 2796 “Gaviões”, que combateram na Guiné de 1970 a 1972.

O General Rovisco Duarte, Chefe do Estado Maior do Exército, esteve presente em Abrantes e falou do caráter pessoal desta cerimónia, devido à ligação com o Coronel Morais da Silva, comandante da companhia.

“O Coronel Morais da Silva foi um homem que marcou a Academia Militar, particularmente a minha geração, nos anos 70, e várias gerações de oficiais. No meu caso, em 76, mais concretamente. Gerações essas que, como o próprio se referiu, estão agora em posições de comando no Exército”, explica o Chefe do Estado Maior do Exército, que afirma ainda que, no seu caso particular “foi ainda mais gratificante perceber que aquele Capitão que eu conheci há cerca de 40 anos atrás, tinha sido um homem [na altura, eu, Cadete, não me apercebi pois a juventude não dá para muitas coisas] que tinha tido uma experiência na Guiné. 

Foi extremamente reconfortante perceber agora comportamentos na altura. Daí aumentar-lhe a admiração pelas qualidades humanas deste nosso Coronel. Que era, de facto, exigente mas já tinha tido a experiência da Guiné, um teatro extremamente difícil. Isso era vertido na educação dos Cadetes”.  [Negrito e realce a amarelo, da responsabilidade do editor]

Para os 66 ex-Combatentes presentes na cerimónia, o General Rovisco Duarte deixou um “agradecimento profundo e reconhecido por parte do Exército. E dizer que o Exército os admira muito e que está disponível para poder de alguma forma colaborar naquilo que seja a sua qualidade de vida, conforto, anseios e preocupações. No fundo, uma palavra de solidariedade muito amiga, muito profunda e muito sincera”.

José Mora Alves, de Sardoal, e João do Rosário Oliveira, de Abrantes, são dois ex-Combatentes desta Companhia que lutou num dos piores palcos da guerra colonial. “Recordar situações que já se passaram há 40 anos e que é bom não esquecer”, afirmou José Mora Alves acerca do significado desta cerimónia. Quanto à presença do General Rovisco Duarte, afirma que tem “um valor especial porque vem de alguém que percebe onde nós andámos e o que passámos”.

João do Rosário Oliveira ainda ostentava no peito a medalha da condecoração mas afirmou que “a medalha, por si só, não é importante. Foi toda a cerimónia, o que se passou até hoje e, principalmente, a homenagem aos que faleceram. O Exército não abandona os seus e homenageia-os, quando, muitas vezes, a comunidade civil se esquece de o fazer”, afirma.

Foram 23 meses de missão onde a Companhia “Gaviões” viu tombar cinco dos seus membros e contou com 13 feridos graves. Foram agora alvo de homenagem por parte dos seus pares e numa cerimónia que contou com a presença do Chefe do Estado Maior do Exército, no RAME.



José Mora Alves e João do Rosário Oliveira

(Notícia publicada em Antena Livre, no dia 8 de Maio de 2017, reproduzida aqui com a devida vénia)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17271: Recortes de imprensa (86): Artigo de opinião de Fátima Ascensão, no DN Madeira, de hoje, intitulado Obrigada, ex-Combatentes

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12649: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (14): As localidades por onde passei, sofri e amei - Conclusão (Veríssimo Ferreira)

1. Em mensagem do dia 34 de Janeiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil da CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, e Bissau, 1965/67) enviou-nos a segunda e última parte do seu percurso militar desde sua promoção à alta patente de 1.º Cabo Miliciano, passando pela promoção a Senhor Furriel, terminando na sua ansiada ida para a Guiné.


AS LOCALIDADES POR ONDE PASSEI... SOFRI... AMEI
(continuação*)

À Amadora cheguei... nem ao almoço tive direito e mandam-me avançar, de forma a estar e sem falta, no dia seguinte em Lamego.
Voei para Sta. Apolónia, fui para o Porto, daqui para a Régua e o certo mesmo é que às 8,30 entro no novo poiso.

Bambúrrio... dei de caras, logo à porta de armas, com um herói da minha terra, combatente já com uma comissão prestada em Angola, 2.º Sargento e monitor agora, das tropas a preparar.
Trocámos abraços, continências e amigáveis palavras, e logo ali ele próprio se disponibilizou para me ajudar no que eu precisasse.

A caserna era óptima e fiquei em lugar privilegiado de cama. Fora dos últimos a chegar e não houve hipótese de arrebanhar melhor. Havia só que subir três beliches, até chegar ao 4.º onde dormia e com uma vista fantástica para os barrotes em madeira, que até me davam para estender a roupa molhada e esta, por sua vez, passava as gélidas noites, a afagar-me a tromba, durante os raros momentos que ali estacionei, pois que os treinos eram constantes, a qualquer momento... prolongados... estafantes.

Foram tempos duros, mas uma óptima preparação para as dificuldades que vieram depois. Ficou-me gravada, a frase: "Nunca se sabe", resposta que sempre ouvíamos a qualquer pergunta que fizéssemos.
Lá de quando em quando, também nos convidavam a ir até lá abaixo à City e então era um fartote... que belas pingas... bom presunto (coisa da qual eu já ouvira falar mas não provara qu'a crise abundava com'há agora) e até as pessoas eram simpáticas prá rapaziada fardada.

No aspecto da preparação militar, gostei "manning" d'atravessar o rio dum lado pró outro, agarrado a uma corda e com os pés assentes noutra e a água lá em baixo revolta com'ó caraças fez-me perguntar a mim próprio: porqu'é que não trouxeste o calção de banho em vez da farda de trabalho?

Lamego
Foto: Pais&Filhos, com a devida vénia

Tancos, desejava-me ardentemente e as Minas e Armadilhas que as amasse... e a Barquinha ali tão perto e com tão boa comida e melhor buída...
Recordo com alguma emoção convenhamos, aquele dia em que cá em baixo, junto ao Castelo de Almourol, me pediram atenciosamente para experimentar um pedaço de massa explosiva, a que chamavam farinheira. Colocada que foi, debaixo dum pedregulho de todo o tamanho, a que juntei depois um detonador, mais um cabo eléctrico com 50 metros que trouxe até cá ao alto e liguei a uma caixinha com alavanca que pressionei.
O estardalhaço do rebentamento foi impressionante, levantei a cabeçorra e é nessa altura que vejo no ar aquele monstro redondo a dirigir-se a jacto, precisamente para o local onde me encontrava e a quem eu disse:
-Trá-la-rai, la-rai, la-rai... falhaste pá... paciência.

Acabara sim, por derrubar uma pobre e velha árvore centenária.

Castelo de Almourol
Foto: Imagens de locais onde já estive, com a devida vénia

Passou-se e eis senão quando, me vejo a caminho de Lisboa, Avenida de Berna, Grupo de Companhias Trem Auto, o que me confundiu do porquê. E não só a mim, também o Senhor Sargento da Secretaria se espantou e exclamou:
- Ora porra, pedi um Cabo-Miliciano condutor e mandam-me um atirador? Mas... - continuou ele: Aguente aí ó patrício, você é da Ponte Sôr... eu sou de Alter... temos de resolver isto.

E após perguntar-me se conheço a capital e eu respondido "negativo", decidiu que eu devia ficar por ali, até que fosse rectificado o lapso, o que deveria demorar um mês.

Sem função atribuída, saía, à civil, de manhã e voltava para dormir, às vezes, num quarto com mais sete militares e cinco ratazanas, das maiores que já vi.
Turismei... Vi cinema nos: Piolho... Condes... Éden... S Jorge...;
Conheci, a desoras, as boas zonas... Intendente... Cais Sodré... Bairro Alto... Alfama... Mouraria... Madragoa...;
Vi campos de futebol, com relva imagine-se... o aeroporto... Cabo Ruivo e os hidroaviões... comboios em Santa Apolónia e Rossio... Fui a Cacilhas... ao Jardim Zoológico... Parque Mayer... Parque Eduardo VII... Feira Popular...;
Comi bifes na Solmar... Portugália... Império... Ribamar... sopa de marisco na Rua de S. José... iscas na Travessa do Cotovelo... bacalhau com grão no João do Dito...;
Bebi na Ginginha e no Pirata e uns tintos no Quebra Bilhas...

Lisboa - Cinema S. Jorge
Foto: Expressões Lusitanas, com a devida vénia

Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.

Bati o pé e disse:
- Não vou... Não vou... Não vou... E fui.

Em Abrantes, estava mais perto de casa, o que me agradou.
Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o Oficial instrutor, ensinando novos militares. Por que alguns de nós, os recentes cabo-milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa.

Entretanto em Abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em Unidade Operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato (sic)" , fui promovido a Senhor Furriel-Miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de Agosto.

Quando digo "embarcaram comigo", em vez de "embarquei com eles", deixem que explique:
Quer o Comandante, quer os restantes Oficiais e Sargentos, haviam partido uma semana antes, de avião, ficando apenas connosco, um senhor Sargento-ajudante, (pessoa com alguma idade e peso e que era chefe de secretaria) e nós próprios, os Furriéis Milicianos e toda a restante e valorosa CCAÇ 1422 claro.
A ele pertenceria comandar-nos antes do embarque, no desfile perante as autoridades... perante os nossos familiares presentes. No último momento, nomeia-me para o fazer... ordens não se discutem... cumpri.

Correu lindamente, marchámos com garbo. Depois? Bom... depois a vinte e tal de Agosto de 1965 chegámos a Bissau... para ganhar a guerra e preparar zonas de turismo para que os vindouros ali passassem férias descansadas.

Não precisam agradecer.
Disse.

Veríssimo Ferreira

Abrantes
Foto: Região do Médio Tejo, com a devida vénia
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 21 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12617: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (7): As localidades por onde passei, sofri e amei (Veríssimo Ferreira)

Último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12645: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (13): Mafra e Lamego duas cidades que me marcaram (Francisco Baptista)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12630: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (10): Coimbra, Porto, Abrantes, com passagem por Santa Margarida (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 20 de Janeiro de 2014:

Em pouco tempo conheci vários quartéis e outras tantas localidades.
Passei pelo Trem Auto na Av de Berna onde fiz psicotécnicos e por conseguinte tive o primeiro contacto com a vida militar.

Passado meses recebo a ordem de marcha para o CICA-4 que funcionava no mosteiro de Santa Clara de Coimbra. Aí fiz a recruta.
Além do aprender a conduzir, manuseamento de armas, mecânica auto, o conhecer os postos da hierarquia, também aí descobri a prepotência por vezes a irracionalidade militar, quanto ao aprumo das botas de instrução e barbas. As botas acabavam por ser as únicas peças de fardamento de instrução que tinham que andar sempre impecáveis, o resto podia andar enlameado até à cabeça.
Para isso trazíamos sempre no bolso uma lata de pomada e uma pequena escova.

As barbas eram refeitas duas e três vezes ao dia até serem várias as crostas de lesões provocadas pelas laminas de barbear. A juntar a isto, a instrução também passava por formaturas a qualquer hora da noite, instrução nocturna quando menos esperávamos e as formaturas por dá cá aquela palha, duravam eternidades com castigos e flexões à mistura. E cheguei a dormir vestido antecipando o castigo, que às tantas da madrugada nos era cobrado.

Éramos obrigados a saltar da cama com estivéssemos vestidos, para como popularmente se diz “não ser apanhado com as calças na mão”. Não me posso esquecer das enormes ratazanas no refeitório, quando aparecíamos de repente para a faxina, e das duas doses daquela malvada injecção que nos davam sobre a omoplata, que fez muitos caírem redondos no chão.

Mas, as saídas à cidade e a sua beleza faziam esquecer a volta de 180 graus que dava a nossa vida após a incorporação. Era e é uma cidade lindíssima cheia de história e nomes sonantes da nossa cultura. A sua universidade, as repúblicas e a vida dos estudantes que davam movimento aos lugares que nós visitávamos, em especial locais dos copos e paródias.

Aí aprendi muita coisa para além do que era suposto aprender. Aprendi a não tentar sair do quartel quando estava à porta de armas um certo sargento que nos fazia voltar para trás vezes sem conta, sem nos dizer o porquê. Também onde era a rua direita e a desenrascar-me, a evitar os sítios onde a policia militar fazia luxo em nos provocar. Ao sair do café ou do comboio, o simples facto de aparecer um bocadinho de fralda da camisa, era uma carga de trabalhos com esses senhores.



Vistas da cidade de Coimbra

Após a recruta jurei bandeira e ala que faz tarde para o RI6, da belíssima cidade do Porto. Aí a instituição castrense parecia que se regia por outro RDM. Era tempo da especialidade. Para além das marchas forçadas, instrução de armamento e instrução já com Berliets, ninguém chateava.
À noite íamos para a cidade, bebíamos um fino, às vezes comíamos uma francesinha ou íamos comer à cantina, ao pé do Palácio da Justiça, por uma ninharia e sempre melhor que o rancho.
Praça da Batalha, Av dos Aliados e Palácio de Cristal, eram passeios apetecidos para ver as belezas que transitavam nos passeios e entravam e saíam dos lugares públicos.
Aí retomei amizades antigas e conheci alguns camaradas, longe de saber que ia com eles para a Guiné. Também esse tempo acabou e nessa mesma noite fui metido num comboio direito a Abrantes ao RI6.


Vista da Cidade do Porto 

Foto do sítio PPortodosMuseus (reproduzida com com a devida vénia...)

Abrantes foi um sítio complicado, aí não conhecia ninguém. Quando cheguei não tinha cama e dormia numa cama vaga de um camarada que estivesse de reforço. Escusado será dizer-se que não me despia e dormia em cima da manta. Não raras as vezes o soldado saía de serviço e eu, tinha que ir procurar outra cama vaga.
Entretanto os dias passavam-se a fazer o que os outros não queriam fazer. Por exemplo mudar os pneus aos carros enormes da II Grande Guerra como GMC e Canadá-Ford, em que as borrachas ressequidas eram descoladas à força de cunhas e marretas. Os parafusos das jantes eram do estilo mais quebrar que torcer.
Resumindo aquilo era mais para chatear do que nos preparar para o que íamos encontrar, uma vez mobilizados. A cidade era um “valha-me Deus" ou "Deus nos acuda”,  não tinha nada para ver e se não fosse aquela ideia de sair dos muros do quartel, acabaríamos por nos limitarmos a jogar às cartas, beber, fumar e ver alguma revista de pouca roupa, que passava de mão em mão.

O facto de não ter cama nem cacifo, acabou por ditar a sorte do meu saco com roupa civil, que deve ter servido ao tipo que o roubou, para passear em Luanda, pois desapareceu na noite que transportamos um batalhão para Angola.

Panorâmica de Abrantes

Foto da internete, com a devida vénia ao seu autor

Um dia ou dois após, recebo ordem de marcha para Santa Margarida, onde me apresentei no CIME, que era então comandado pelo coronel Maçanita.
Aí tudo se conjugou para eu odiar o destacamento.
Em Novembro fazia um frio de rachar e as várias tentativas para me ser distribuído mais um cobertor foram infrutíferas, obrigando-me assim a dormir completamente fardado.
Também nessa altura uma circular obrigou-nos a fazer preparação física todas as manhãs antes do pequeno almoço. Estava tudo coberto de geada e nós a corrermos, a fazer flexões sem encostarmos o peito à relva, com temperaturas próximas do negativo, pois por essas paragens o tempo não brinca. Mas o supremo sacrifício era para sair de lá e vir a casa de fim de semana.

O CIME era o único destacamento que não fornecia transporte para a estação que ficava uns quilómetros fora do campo militar. Depois tínhamos que apanhar comboio até o Entroncamento, seguidamente apanhar o comboio para a linha do Oeste, que chegava ao Valado dos Frades às tantas da noite, quando já não havia autocarro dos Claras para transportar a malta para Alcobaça ou para onde quer que fosse.
Aí fazia-se uma “vaquinha” para o táxi e lá chegávamos todos mais ao menos ao destino. Mas regressar era ainda pior.
Tínhamos que sair de casa logo após o almoço de Domingo para apanharmos o especial para militares em Santarém até ao Entroncamento e aí apanhar o comboio do “Século 19” até Santa Margarida. Chegávamos tardíssimo com uns quilómetros para fazer a pé, ou então nunca chegávamos dentro do período da licença. Nem é bom pensar nisso.
Odiei e não me custa admitir que fiquei contente quando fui mobilizado, pois aquilo era terrível e não havia forma de melhorar. Está claro que quando soube que era para Guiné, não fiquei tão contente assim.

Voltei a Abrantes com a sina lida quanto ao destino que me calhara, mas acabei por passar bons momentos de camaradagem com os indivíduos do Pelotão de Reconhecimento, com os quais tinha vindo do Porto.

Depois Angra do Heroísmo, mar calmo, peixes voadores, Madeira e logo a seguir o horizonte em fogo cada dia mais perto. Desembarcámos e fomos depositados no Cumeré.
Fui entretanto escalado para receber treino todo-o-terreno com Berliet em Bissau. Fui parar a umas instalações atrás do QG onde passei praticamente um mês. Estava lá quando se deram os graves incidentes entre a PM e os Comandos Africanos, que não aceitavam, para não variar, na maior parte das vezes,  a autoridade para além das próprias leis por que se regiam.

Uma bela manhã zarpamos de LDG para o Leste, rio Geba acima com destino a Galomaro.
Xime, Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego, Buruntuma, Saltinho, Dulombi e Cancolim, foram sítios que visitei.

 Rua principal de Bafatá

Cancolim, 1973 - Durante as chuvas - Trinta dias de isolamento e algumas pontes levadas pelas águas quando os ribeiros se transformaram em rios revoltos.

Dulombi - TCor José Maria de Castro e Lemos, Comandante do BCAÇ 3872, após a retirada desse destacamento

Nuns demorei-me mais que noutros, mas não quero deixar de escrever algo sobre Cancolim.
Este destacamento onde esteve a CCAÇ 3489 foi um dos sítios mais difíceis onde pernoitei muitas vezes. Os problemas psicológicos, os mortos e feridos, as deserções, a má alimentação, tudo se conjugava para que fosse um sítio a evitar. Mas tinha lá muitos amigos e era sempre com alguma preocupação que me vinha de lá embora. Esta Companhia, várias vezes reforçada com para-quedistas e posteriormente com pelotões da 3491, após a retração desta do Dulombi, veio a equilibra-se após o meio da comissão, conseguindo segurar a zona que estava na sua jurisdição, felizmente sem mais problemas para além dos já tinha suportado.

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12628: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (9): Mafra e Porto, como em casa (Fernando Gouveia)

sábado, 26 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12204: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (3): Escola Prática de Cavalaria de Abrantes




1. Historial da Escola Prática de Cavalaria, localizada em Abrantes, trabalho de compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), integrado na sua série Historial das Escolas Práticas do Exército.





















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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12193: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (2): Escola Prática de Infantaria de Mafra

domingo, 20 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12178: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (1): Preâmbulo

1. Vamos começar a publicar hoje mais um interessante trabalho de compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), desta vez dedicado às Escolas Práticas das Armas de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Transmissões e Engenharia, que, como ele próprio diz no preâmbulo agora apresentado, vão integrar a Escola de Armas que ficará sediada nas instalações da EPI, em Mafra.

A ideia do camarada José Martins, é deixar para memória futura a história das Armas agora extintas por mais esta reestruturação.