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sábado, 2 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25230: Os nossos seres, saberes e lazeres (617): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (144): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Visitado, e com imenso agrado, o piso térreo do Museu Nacional de Évora, fui desfrutar da valiosíssima coleção pictórica que ele alberga, estão ali representados os nomes sonantes da pintura antiga portuguesa, o Mestre de Sardoal, Frei Carlos, Grão Vasco, Álvaro Pires de Évora, Josefa de Óbidos, e outros mais. Uma coleção que vai do século XVI à contemporaneidade, continuam as doações e os empréstimos, e não faltam artistas modernos. O ponto alto é dado pelo retábulo do altar-mor, inegavelmente obra de flamengos, como também estará presente Francisco Henriques, um outro flamengo que viveu na cidade no início do século XVI, um dos grandes momentos de apogeu de Évora. Sem pretender enfastiar o leitor, alinham-se algumas dessas imagens que me cativaram, e não esqueci de captar um Santo António bem juvenil no momento da saída, na escadaria. E daqui parti para outra casa de cultura de envergadura, o Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida, havia que fazer render o escasso fim de semana neste magnificente centro histórico onde é urgente voltar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (144):
Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (4)


Mário Beja Santos

O Museu Nacional de Évora – Frei Manuel do Cenáculo, instalado no que foi a residência do Arcebispo de Évora, possui a singularidade de ter coleções que vão desde a presença romana até ao século XX, o visitante pode usufruir de vestígios de casas senhoriais e conventos, de heráldica imponente, peças góticas, alfaias religiosas de lavra impressionante, tudo ao nível do piso térreo. No andar superior, a sua secção de pintura é impressionante, atenda-se que o acervo do museu recolhe obras provenientes de outros tempos religiosos, de doações e não deixa de merecer a atenção as riquezas pictóricas adquiridas fundamentalmente no século XVI, o retábulo do altar-mor da Sé de Évora é bom exemplo, os artistas flamengos trabalharam aqui afanosamente e legaram-nos obras-primas inconfundíveis. Estão presentes alguns dos maiores pintores portugueses e flamengos, como Francisco Henriques, Avercamp, Bruegel, o Jovem, temos Grão Vasco, Frei Carlos, Josefa de Óbidos, Álvaro Pires de Évora, Silva Porto, João Vaz, entre outros. É o resultado desta deambulação que pretendo mostrar ao leitor, seguidamente a itinerância passará para o Centro de Arte e Cultura, Fundação Eugénio de Almeida, outra agradável surpresa.

Nossa Senhora da Graça, Santa Julita e S. Guerito, por Francisco Henriques, pintor flamengo ativo em Portugal entre 1506 e 1518
Retábulo do altar-mor da Sé de Évora, autoria do mestre do Retábulo da Sé de Évora (círculo de Gerard David 1460-1523), Escola Flamenga, circa 1500
Escola Flamenga, Ascensão
Ressurreição, por Gregório Lopes, século XVI
A Virgem e o Menino entre S. Bartolomeu e Santo Antão sob a Anunciação, por Álvaro Pires de Évora, Escola Italiana, circa 1410
Cordeiro Pascal, por Josefa de Óbidos, séc. XVII
Patinagem na Neve, por Hendrick Avercamp, Escola Flamenga, séc. XVI
Porto marítimo ao anoitecer, por João Vaz
Santo António de Lisboa, azulejos do séc. XVII, registo apanhado no corredor, à saída, é uma singularidade pôr o santo na natureza, tem direito a uma aura desmedida, o Menino bem de pé e uma grande cruz no braço direito

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 24 de Fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25208: Os nossos seres, saberes e lazeres (615): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (143): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25210: Os nossos seres, saberes e lazeres (616): Visita técnica no âmbito da minha Ordem Profissional, a OET (Ordem dos Engenheiros Técnicos), à chamada "Linha Circular" do Metro de Lisboa (Hélder Valério de Sousa)

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25208: Os nossos seres, saberes e lazeres (615): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (143): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Este resplandecente Museu de Évora, altamente requalificado e da melhor museologia, teve como pai fundador Frei Manuel do Cenáculo, era arcebispo de Évora no início do século XIX, o museu ocupa o antigo Paço Episcopal, o que assombra é a boa exposição de toda esta riqueza, hoje falamos do acervo depositado no rés do chão, onde está arqueologia, escultura e heráldica e artes decorativas, de seguida iremos até à pinacoteca, foi visita inolvidável, depois segue-se o Centro Cultural Eugénio de Almeida, outro deslumbramento, em tão curto espaço de centro histórico encontram-se tesouros que fazem desta cidade o lugar de vir, partir e voltar, sempre com o coração em festa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (143):
Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (3)


Mário Beja Santos

Quando me preparei para visitar Évora ocorreu-me pegar no romance de Vergílio Ferreira, Aparição, no fundo uma memória do tempo em que o grande escritor aqui residiu, relembro uma passagem do livro: “(…) A cidade resplandecia a um sol familiar, branca, enredada de ruínas, de arcos partidos, nichos de orações de outras eras, com como olhares embiocados. Évora mortuária, encruzilhada de raças, ossuário dos séculos e dos sonhos dos homens, como te lembro, como me dóis! (…)”
Estou prantado em frente do Museu Nacional e vou citar Túlio Espanca, figura maior da cultura eborense:
“A constituição do museu da cidade deve-se ao Governo da I República, que o criou em 1915, após vicissitudes da fundação do Museu Arqueológico Cenáculo, devido aos esforços do Dr. Augusto Filipe Simões, que na década de 1870 recolheu neste estabelecimento cultural as peças romanas, visigóticas e árabes que haviam permanecido no andar térreo do Palácio D. Manuel e do Templo de Diana, além das retiradas da Domus Municipalis da Praça do Giraldo e do quintal da casa de Mestre André de Resende. As coleções, do património do Estado, foram-se reunindo no Palácio Amaral e definitivamente no expropriado Paço Metropolitano, edifício típico e austero do tipo filipino onde estão expostas em distribuição científico-museológica: arqueologia pré e proto-histórica, arquitetura, escultura, epigrafia e heráldica, ourivesaria, pintura e artes decorativas.”
É neste antigo Paço Episcopal que temos uma coleção de mais de 20 mil objetos de todos os géneros artísticos, mas há que destacar uma importante coleção de lapidária romana, medieval e renascentista. O destaque vai para a coleção de pintura do séc. XVI, com relevo para o retábulo da Sé de Évora.

Fachada do Museu Nacional de Évora – Frei Manuel do Cenáculo
É um museu modelar, as obras recentes, depois de escavações arqueológicas, permitem ver as ruínas, as coleções provenientes de vários conventos estão magnificamente expostas, veja-se esta soberba entrada ao estilo manuelino e a profusão de objetos de heráldica de primeiríssima qualidade.
Brasão de Armas dos Vasconcelos, mármore, séc. XVI
Brasão de Armas Reais, mármore, 1513
Brasão de Armas da Cidade, mármore, 1513
São notáveis neste museu a estatuária romana, a tumulografia medieval portuguesa, tudo exposto para que o visitante sinta a relação com o espaço e o valor artístico que contempla. Há de tudo um pouco, para além das ruínas romanas, aras votivas, prataria de valor extraordinário, restos de baixelas, azulejos, majólica, esmalte de Limoges, isto no rés do chão, veremos mais adiante a notabilíssima pinacoteca, onde se destacam os 13 painéis com a vida da Virgem, todos de influência flamenga.
Uma expressiva escultura do Pai e do Filho, peça de grande equilíbrio e de expressão sentimental
Santa Catarina, calcário, séc. XVI, sente-se a ingenuidade da obra, basta ver a desmesura das mãos da santa
Anunciação – túmulo de Rui Pires Alfageme, mármore, séc. XV
Um surpreendente claro-escuro dado por uma janela aberta sobre o claustro ensolarado
Eça de Queirós, escultura de António Alberto Nunes, 1899
O Chafariz de Massamá, por Silva Porto
Nossa Senhora do Rosário com São Domingos de Gusmão e Santa Catarina de Sena, 3.º quartel do século XVII
Grão Vasco, 1.º quartel do séc. XVI

Agora vamos visitar a pinacoteca, ver a influência da Escola de Bruges, e pinturas de grandes mestres portugueses, como Gregório Lopes, Garcia Fernandes, Mestre do Sardoal, Josefa de Óbidos, Vieira Lusitano.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 17 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25181: Os nossos seres, saberes e lazeres (614): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (142): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (2) (Mário Beja Santos)

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25181: Os nossos seres, saberes e lazeres (614): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (142): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Uma das atrações que eu tinha em mente na visita a Évora era conhecer a "pedra de armas" da cidade, nela está representado Geraldo Geraldes, "o Sem Pavor", aquele que andou em fossado, o mesmo é dizer à trolha com cristãos e muçulmanos, comandando uma bando de salteadores, viria a conquistar Évora em 1166, não esteve para meias medidas, degolou o chefe mouro, a recompensa de D. Afonso I foi fazer dele alcaide da cidade. Tenho que confessar que acabei por investir noutras atrações, usando a linguagem de José Saramago procurei sentir a atmosfera de Évora, que é muito mais que a soma dos seus monumentos, ruas e palácios, praças e becos, anda para ali, de facto um oxigénio que nos faz respirar um passado feito ativo, mesmo quando se vê arquitetura degradada pressente-se que todo aquele lugar é mais do que uma lição de história, conjecturo que é um cesto muito feliz, não de flores, mas de urbanismo, de ideologia religiosa, de uma vida cultural febril, daquela multiplicidade de saberes que passam pela mesa, pela cor das paredes, pelos espaços ajardinados, é um cesto com lembranças da mourama, de povos anteriores, de uma cidade de Corte e aonde, na contemporaneidade, se faz laboratório experimental com praticantes como Siza Vieira ou Carrilho da Graça. E o passeio continua, o viajante está arrelampado.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (142):
Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (2)


Mário Beja Santos

Qualquer turista avisado, quando chega a uma cidade que guarda no seu bojo tantos tesouros, o melhor é bater à porta do posto do turismo para saber o que está disponível naquele dia e a que horas. Com simpatia entregam uma planta turística, há para ali 12 propostas, começar pela Praça do Giraldo, depois ir à catedral, visita indispensável, templo românico-gótico, incorpora um esplêndido Museu de Arte Sacra; daqui partir para o largo Conde Vila Flor, fazem ângulo reto o Museu de Évora e a Biblioteca Pública e o Convento dos Loios, mais abaixo está o Palácio dos Duques de Cadaval, e prantado no centro o chamado Templo de Diana. É tudo embaraçoso para quem vem somente 2 dias, há o castelo velho, a universidade, o largo da Porta de Moura, a praça de Sertório, igrejas como a da Graça e S. Francisco, vamos por aí fora até ao recinto megalítico dos Almendres, este fora de portas, a cerca de 13 km, nada feito de quem veio e irá transportado pela CP.

Já se deu notícia da catedral, o claustro gótico é deslumbrante. No ato de pagamento da entrada compra-se por 20 cêntimos um desdobrável com imensa informação, tal como: “A estrutura da catedral apresenta a forma de uma cruz latina. A nave central é mais elevada que as naves laterais; o transepto ou cruzeiro tem ao centro e ao alto o zimbório ou torre lanterna – única do género em Portugal –, coroada por uma abóbada oitavada de ogivas, que projeta luz sobre o mesmo e sobre o presbitério. A atual capela-mor é um grandioso espaço embelezado pela variedade de mármores da região e outros. Foi mandada erigir por D. João V que, em 1716, encarregada do projeto o arquiteto régio João Frederico Ludovice, o mesmo do Palácio-Convento de Mafra. Sobressai, ao centro, sob o altar-mor, o grande crucifixo de cedro, esculpido por Manuel Dias, e uma grande tela de Nª. Sª. da Assunção, do pintor Agostino Masucci.” Referem-se ainda elementos e espaços que merecem menção especial, caso do coro-alto, o claustro, o pórtico principal, e no interior a imagem da Senhora do Ó, em mármore policromado a óleo.

Como há que fazer render o tempo, a visita é sumária, comete-se mesmo a indelicadeza de não percorrer o Museu da Arte Sacra, tem peças fabulosas, a luz do Sol revela-se amena, é uma manhã sem torreira, sinto-me espevitado em andar por ali a vadiar, certo e seguro depois de amesendar, então sim, atiro-me bem-disposto para museus, centros culturais, mais igrejas, o que não falta neste centro histórico é riqueza artística.

Aqui ficam as imagens da deambulação matinal, desde a Sé Catedral às vizinhanças.


Uma bela capela da Sé Catedral, o tema da tela é a clássica descida da cruz
Pormenor do altar-mor da Sé Catedral, o barroco veio substituir a abside gótica primitiva
Imagem de Nossa Senhora do Ó, em frente fica imagem do arcanjo São Gabriel, de Olivier de Gand
Imagem de S. Francisco Xavier
Batismo de Cristo, pintura junto da pia batismal
Nave lateral direita
Órgão renascentista que continua a levar os turistas japoneses a vê-lo, pois fascinou quatro jovens japoneses que visitaram Évora há mais de quatro séculos e ficaram assombrados com as suas sonoridades, é referência obrigatória para o turista nipónico
A torre lanterna da catedral vista numa das praças mais importantes de Évora, aqui estão o museu e o centro cultural
A imagem não precisa de apresentações, é o chamado Templo de Diana que de facto não era dedicado a Diana
Pormenor da fachada do Museu de Évora – Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo
Igreja de São João Evangelista
Palácio Duques de Cadaval, pormenor
Évora abunda em singeleza, graciosidade, transborda em surpresas, impossível ficar indiferente a esta ligação entre o edifício e a natureza
Idem, aspas, aspas, tudo gracioso, um antigo muito moderno
Virgem com o Menino, escultura de Nicolau de Chanterene, circa 1551, Palácio dos Condes de Sortelha

Aqui finda a passeata matinal, depois de umas migas com carne de porco e uma boa sobremesa com jila sentir-me-ei temperado a visitar os templos da cultura. Até já!

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 10 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25156: Os nossos seres, saberes e lazeres (613): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (141): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 28 de outubro de 2023

Guiné 61/74 – P24801: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (15): Profissões e os seus mestres: sapateiros, abegões, carpinteiros, latoeiros, ferreiros, albardeiros, alfaiates e costureiras (José Saúde)


Abegão aplicando o saber no seu ofício 


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços


Camaradas,

Gosto de desafios! Sim, o desafio propõe-nos outros desafios, mas estes mais esmerados. Ousamos desafiar as dificuldades motoras, sendo este o meu caso, pois escrevo apenas com a minha mão esquerda, aquela que outrora fora “ceguinha”, a outra, a direita, resolveu partir para o caminho da infinidade, desde o dia (27/7/2006) em que o AVC me visitou, já lá vão 17 anos, mas que jamais abandonarei a verdadeira noção de escrever e deixar para a posterioridade uma visitação, esta morosa, que me levou a escrever mais um livro, sendo este sobre a terra que me viu nascer: Aldeia Nova de São Bento. 

OUma obra trazida aos escaparates pelas Edições Colibri, Lisboa, onde faço uma viagem no tempo e trago à estampa algumas das profissões, embora resumidamente, que outrora marcaram a vida na minha aldeia.

Profissões e os seus mestres



Mestre Pote, sapateiro e músico 

Escrevi, atrás, um tema sobre a antiga Banda Filarmónica de Aldeia Nova de São Bento em 1930, com a respetiva fotografia, sendo o seu maestro o mestre Pote. Ficou, certamente, a dúvida quem foi, afinal, o mestre Pote?

Pois bem, o mestre Pote nasceu em Aldeia Nova de São Bento, teve como profissão a de sapateiro e foi sobretudo um homem que muito se interessou pela escrita. 

Sabe-se, também, que foi um sublime contestatário do Estado Novo. Homem hirto com as suas convicções políticas, o mestre Pote debatia, clandestinamente, as suas teorias assumidas como revolucionárias.

As barbearias, à época, eram antros onde se concentravam os chamados revolucionários de um regime que ditava despotismo numa sociedade marcada, na altura, literalmente por extratos sociais. Nessas recuadas eras, as barbarias, locais de ajuntamentos, eram propícias para um debitar de ideias, tanto assim que os caixeiros-viajantes eram habituais “fregueses”. Levavam e traziam notícias tidas como proibitivas para uma sociedade que se via sistematicamente vigiada pela então polícia do Estado, a PIDE.

Mestre Pote, homem então da escrita, lá debitava crenças políticas que a sua alma encarecidamente lhe pedia. Chegou, inclusive, a trabalhar para o jornal “Avante”. 

Virtudes de um tempo onde as pessoas que sabiam ler e escrever eram raras. Atendendo à época vivida, quase se contavam pelos “dedos de uma mão” os jovens que frequentavam a escola primária. O trabalho no campo, como pastores, porqueiros, vaqueiros os almocreves era o destino da juventude, ou como aprendizes de sapateiro, abegões, ferreiros, caixeiros, carpinteiros, de entre outras profissões que evitavam o árduo trabalho nos campos.

Hoje, os tempos são naturalmente antíteses de um passado que deixou profundas raízes.

Sapateiro, uma nobre profissão


A profissão de sapateiro assumia-se, em tempos, como nobre! Sou de um tempo em que as sapatarias proliferam na aldeia. Lembram-se? De um lado, estavam os mestres, senhores já conhecedores da arte, e do outro, os aprendizes. 

Tenho uma vaga ideia que a entrada para a oficina de um novato, obedecia a um pedido feito ao mestre supremo, normalmente o dono do espaço, que aceitava ou não o rapaz. Nessa altura os aprendizes não tinham uma jorna fixa, o mestre dava alguns escudos, poucos, para o rapazola se sentir satisfeito e na próxima semana jogar-se com um maior empenho ao trabalho.

A entrada do candidato passava por uma eventual conversa com o rapazito, sendo que o mestre, já conhecedor da matéria, colocava-o à prova, questionando-o acerca do trabalho que por ali se fazia, a qualidade das peles para o manusear perfeito de um bom par de botas, ou de butes, das formas utilizadas para o trabalho cuidado do calçado, das meias solas que constantemente eram solicitadas, dos remendos que amiúde os homens procuravam no seu calçado, de entre muitos afazeres que os sapateiros se predispunham efetuar.

Neste já longo percurso de vida, revejo imagens que me enchem hoje de saudade, tendo como princípio básico o que foi, na verdade, o primoroso trabalho dos sapateiros. 

De facto, a labuta com os materiais era minuciosa e carecia de mestria. Lembro as opiniões positivas que o homem do campo lançava numa das suas idas às tabernas. “Estão muito bem-feitos esses butes e assentam nos pés como luvas”. E, num desabafo, assegurava: “O mestre sabe da poda”.

Recorro, com a devida vénia, a uma foto do amigo Zé Bica, cuja imagem estava em casa de seu sogro, o mestre Lico, que retrata, no fundo, a azáfama dos mestres e quiçá aprendizes na hora do trabalho. A imagem reporta-se à sapataria do mestre Estevão que se situava na Rua de Fora.

O mestre Estevão é o homem que está à máquina, sendo o mestre Lico o que se encontra em baixo, à sua frente. Aliás, o nome do mestre Lico era o seguinte: Manuel Afonso Arrocho. Um outro nome apurado de entre os sapateiros e aprendizes é do Chico Paulos, de pé, à esquerda.

Abegões (vd. foto acima)

Os abegões eram indivíduos que possuíam bastos conhecimentos de carpintaria e de ferraria. O abegão era conhecedor profundo de uma arte literalmente enquadrada na construção completa dos carros em madeira, sabendo-se que o resto da sua estrutura assentava nos eixos, molas e aros das rodas feitas em ferro.

Os abegões utilizavam como armas de trabalho as serras, um instrumento de corte utilizado para o cortar da madeira, uma forja de ferreiro, o fole, macetas para bater o metal e as tenazes. Numa perspetiva global o abegão possuía uma aptidão natural para a construção de um carro de bestas.

A pintura dos carros era sobretudo original e tinha, normalmente, o cunho pessoal do abegão, ou da oficina que o tinha construído. O artesão, chamemos-lhes assim, era exímio na sua arte e a construção final do carro enchia-o de orgulho.

Recuando no tempo, décadas de 1940 e de 1950, damos conta que em Aldeia Nova existiam vários abegões. Tanto mais que os carros de mulas eram, de facto, muitos. Manuel Palma, pai do Zé Calatróia, cuja oficina se situava na Rua do Sobral, os irmãos Afonso, Chico e Zé, Rua das Flores, Manel Graça, nas proximidades do depósito da água, lá para os lados do Largo dos Madalenos, e o Valadinhas, na Rua Herói Pedro Rodrigues, foram alguns dos protagonistas que se dedicaram inteiramente à profissão de abegões.

Presentemente, a profissão de abegão já fora chã que deu uva. Fica a certeza que os tratores, como é o caso, deram uma nova vida aos nossos campos, sendo que as utilizações dos carros com bestas continuarão perpetuados, apenas, nas nossas memórias.

Carpinteiros



Domingos Barradas, carpinteiro


Profissões que marcaram indeclináveis gerações, os carpinteiros foram mestres numa arte que passava de geração para geração. Em Aldeia Nova o velho ofício perdurou no tempo e ainda hoje se revêm gentes, cujos nomes muito dizem a pessoas que conheceram as origens dos seus antepassados.

A carpintaria era, e é, uma oficina de trabalho onde o carpinteiro trabalha a madeira, em bruto, dando-lhe, naturalmente, o efeito desejado. As peças em madeira eram, e são, trabalhadas com ferramentas próprias, tipo serra, formão, serrote e prumo, de entre outras, pois atualmente existem máquinas próprias que o carpinteiro amiúde utiliza.

No campo da matéria-prima a trabalhar, supõem-se que a cerejeira, o cedro, o eucalipto, o mogno, ou outros troncos de árvores africanas e asiáticas, serão, talvez, as mais utilizadas pelos carpinteiros.

O trabalho numa carpintaria obedece a esforços humanos e, por outro lado, a cuidados redobrados, tendo em conta que o manipular da nova maquinaria é guarnecido de uma proteção, pois um mínimo descuido é causador de danos físicos irreparáveis.

Puxando pela memória. recordo as oficinas dos irmãos Barradas, Zé e o Domingos, junto à Igreja de São Francisco, e a António Mora Barradas e o irmão Zé Barradas, sendo que em ambas se fizeram excelentes mestres, e deixaram a arte para os descendentes.

Latoeiros



Francisco Valente, o latoeiro

A latoaria é uma arte onde latoeiro assume um ofício e se afirma como um verdadeiro artesão. Prepara e repara artefactos, essencialmente em metal, ou lata, ou chapa zincada, que copiosamente as suas mãos, e saber, trabalham com mestria dando-lhes a forma que o cliente previamente solicitou.

Na aldeia existiu em tempos um latoeiro que dava pelo nome de Francisco Valente, sendo que um dos seus filhos, o Arsénio, com ele ainda trabalhou. O Chico Valente, como o povo habitualmente lhe chamava, mexia com um assunto que lhes era peculiar. Lembro, em particular os pequenos cântaros que proliferavam pelos lares aldeões. Ou, de cântaros maiores onde se guardava o azeite.

É verdade que várias peças saíam da sua oficina. Comedouros e bebedouros para o gado se alimentar no campo; alguidares em zinco; os já mencionados cântaros; candeias para iluminar as noites de escuridão; os regadores, enfim, uma panóplia de manufactos que a população por sistema recorria.

Atualmente, esses velhos ofícios desapareceram. Tudo se compra já feito e quase já não há compradores que encomendem essas antigas relíquias.

Fica a presença do nosso conterrâneo Chico Valente para perpetuar essas antigas memórias.

Ferreiros

O mestre Manuel Guerreiro 



O mestre Manuel Guerreiro


Trabalhar o ferro é uma profissão conhecida como milenar. O ferreiro, assim se designava a denominação do homem que utilizando o forno a carvão de pedra moldava o ferro, era mestre num ofício que por vezes passava de geração para geração. Ou seja, uma profissão, digamos hereditária, que passava dos pais para os filhos, indo até aos netos e bisnetos.

A profissão de ferreiro era um misto de artesão com artífice metalúrgico. Aliás, vamos à nossa história e reparamos que já nos tempos dos reis existiam homens, donos de um talento invejável, que trabalhavam o ferro eficazmente. As espadas, exemplificando, eram armas cruciais em tempo de guerras. Mas, todo o trabalho dos ferreiros tinha a sua arte.

Nas oficinas ouviam-se sons barulhentos e o apupar da matéria-prima trabalhada. Na bigorna, com uma ajuda de uma pequena marreta, dava-se o molde a um ferro, em brasa, que, entretanto, havia sido retirado da chama, uma chama que se mantinha acesa por via de um fole puxado por um fio que a mão do homem atempadamente se encarregava de executar o serviço.

Olhemos, com a devida cortesia, para os ferreiros existentes na nossa aldeia em tempos idos: António Paulos, pai do Zé Guerreiro, cuja oficina se localizava na Rua do Sobral, mesmo defronte à moagem (antiga fábrica), o Manel Guerreiro, pai do Chico Guerreiro e do Emiliano Guerreiro, Rua Bento Costa, e o Manel do Facho, pai do Veríssimo e do Zé do Carmo, oficina que se situava na Rua do Rossio, quase em frente da antiga loja do Chico Mendes, foram alguns dos homens que se entregaram à faina de trabalhar o ferro.

Dessas eras recordo-me, por exemplo, do Honório “Coxinho”, um homem que tinha um defeito no pé e que sempre o vimos de pé descalço. Trabalhava, se a memória não falha, na oficina do Manel Facho.

Albardeiros


Albardeiro era um ofício cuja finalidade era fabricar albardas, cabrestos e molins, de entre outros apetrechos para animais de carga, quer estes fossem para transportar mercadorias e pessoas em carros de bestas, quer na labuta dos campos, sobretudo nas lavouras.

Estes apetrechos compravam-se normalmente nas feiras, sendo o caso  da nossa terra na feira anual de setembro que se realizava entre os dias 1, 2 3 de setembro. Ou, quando existia no povoado um albardeiro que fazia a preceito destes utensílios. 

Naquele tempo todos estes apetrechos obedeciam a princípios básicos que se prendiam com as medidas do animal, isto é, com a sua cilha. Mediam os lombos dos animais e lá faziam uma albarda enquadrada com a sua cinta. O método era extensivo aos cabrestos e aos molins. O animal tinha que se sentir confortável com as “peças” que o seu dono havia comprado. Tanto mais que o objetivo prioritário era não ferir o animal. Tudo, no fundo, era analisado ao pormenor e até as próprias arreatas tinham um tamanho que se encaixava com o manejar dos animais.

Em Aldeia Nova temos conhecimento que no antigamente houve um profissional na arte de nome Miguel Albardeiro. Aqui, a meu entender, o apelido de Albardeiro ter-se-á ficado a dever à profissão que ao longo da vida desempenhou.

Alfaiates



Sebastião Barradas, o alfaiate


Eram os tempos em que tudo o que se pretendia com a feitura dos fatos, calças ou uma outra indumentária para homens, o pessoal dirigia-se ao Sebastião Barradas, sendo que a sua casa se situava na Rua do Outeiro, quase defronte à antiga Casa do Povo, hoje sede do Atlético.

O Sebastião Barradas tinha uma oficina de trabalho, sendo coadjuvado no seu serviço de alfaiate pelos filhos e era ali que recebia as encomendas, alinhava a sua labuta diária, cosia, trabalhava carinhosamente as fazendas, alinhava as peças, tirava medidas, recebia os fregueses, fazia as provas, quantas fossem necessárias, por fim surgia a peça de vestuário ajustada ao corpo do cliente.

Sebastião Barradas era um homem muito caseiro. Não frequentava as tabernas e não se lhe reconheceu qualquer filiação a uma das coletividades lúdicas da aldeia. Deixou a sua marca num tempo em que a função de alfaiate era algo rara.

Ele, porém, conseguiu fazer a sua vida a trabalhar peças de roupa, cujo evoluir estava resignado à sua mestria, a uma mesa sobre o comprido, a um giz branco para fazer os talhes das fazendas à medida do corpo de cada um dos seus clientes, a uma máquina de costurar e, sobretudo, a uma dedicação a uma profissão agora condicionada, e adaptada, aos estilistas que hoje existem nas principais metrópoles portuguesas e não só.

Menina Bia, a costureira de vestidos de noiva

Um pouco mais adiante do alfaiate Sebastião Barradas, quase em frente à casa do Zezinho Chora, Rua do Carril, morava a menina Bia. A menina Bia era a costureira perfeccionista dos vestidos para as noivas.

A sua casa era muito frequentada pelas jovens que sonhavam com o dia do seu divinal enlace matrimonial. A menina Bia, uma conterrânea que, infelizmente, tinha um defeito físico num dos seus órgãos inferiores, ou seja, numa das pernas o que motivava que a sua deslocação fosse feita através de duas muletas, foi uma pessoa muito especial para as noivas se sentirem adoradas na hora do seu ambicioso enlace.

Das suas mãos saíam autênticas obras de arte. As jovens noivas acorriam literalmente à menina Bia. Ela, com a sua velha e conhecida calma, lá ia paulatinamente dando corpo, e imagem, a um vestido antes sonhado pela noiva. Provas e mais provas, tirar daqui e repor ali, alfinetes na peça que ditavam o óbvio acerto, arranjos de última hora e eis o sonhado vestido de noiva, em cor branca, que faziam as delícias do encantado rapaz que se via envolvido no traje do seu amor.

O branco significava, e ainda hoje significa, pureza. A jovem, então virgem, embrulhava-se no seu vestido e encantava não o seu amado, assim como os convidados. Fora, então, as mãos da menina Bia que deram fulgor à festança.

Aliás, nessas épocas existiam também outros casamentos, só que esses vínculos tinham um outro requinte, pois a noiva já não era virgem, logo o ir de vestido branco à igreja estava-lhe puramente restrito.


No capítulo das costureiras, recuamos ao ano de 1927 e deixamos uma foto de um grupo de senhoras da nossa terra que marcaram presença num curso de bordados, onde os “professores” eram funcionários da Singer, uma marca de máquinas para costurar que, à época, fazia furor em Portugal.       

Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Texto e fotos: © José Saúde (2023).
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Nota de M.R.: