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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15768: (In)citações (85): Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 2 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

1. Em mensagem do dia 5 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), enviou-nos um trabalho com a sua opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes da Guiné, durante a sua permanência naquela Província: Arnaldo Schulz, António de Spínola e Bettencourt Rodrigues. 
Segunda parte.

Aceitando o repto do Tabanqueiro-mor Luís Graça, entendi apresentar algumas considerações sobre o tema.
Por ter cumprido 3 Comissões, por imposição, na Guiné (tenho a convicção que não haverá muitos militares nestas condições), eis a minha opinião resultante, fundamentalmente, das funções que desempenhei em cada um dessas comissões.

************

Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 2

4. GUERRA DOS 3 G´s (Guidage, Guileje e Gadamael) 

4.1. Introdução – Mísseis terra-ar STRELA, do IN 

Em DEZ72, a DGS/Guiné tinha recolhido a informação que o PAIGC havia recebido novas armas antiaéreas. Mais tarde, Luís Cabral, disse que os mísseis só chegaram, depois da morte de seu irmão, Amílcar Cabral, ocorrida em 20JAN73.

Em 25MAR73, um Avião FIAT G 91, pilotado pelo Sr. Ten. Pil. Av. Miguel Pessoa, foi abatido por um desses mísseis, na região de Guileje, após ter sido chamado a prestar apoio aéreo, na sequência de uma flagelação ao aquartelamento, em pleno dia (14H30); este procedimento do IN foi propositado, pois era conhecido que, nessa situação, a nossa Força Aérea sempre marcava sua presença. O Piloto, verificando que o seu avião fora atingido, conseguiu ejectar-se, mas como o fez a baixa altitude, o pára-quedas não abriu totalmente, tendo caído no arvoredo intenso, sofrendo a fractura de uma perna; conseguiu assinalar a sua presença, mas devido ao adiantado da hora, só foi recuperado na manhã seguinte.

Nas semanas seguintes, foram abatidas mais 4 aeronaves, uma das quais pilotada pelo Sr. Ten. Cor. Pil. Av. Almeida e Brito, Comandante do Grupo Operacional da Base Aérea 12; este abate verificou-se na região do Boé.

Com a introdução dos mísseis terra-ar, a guerra entrava numa nova fase, decididamente bem pior para as forças terrestres, que até então pudera contar com o apoio aéreo, nas suas diversas vertentes: apoio de fogo, acompanhamento de colunas de reabastecimentos, transportes gerais, reconhecimentos aéreos, regulação aérea dos fogos de Artilharia e evacuações, estas efectuadas mesmo em zonas de combate.

Para fazer face à nova ameaça, a FA adoptou as medidas consideradas necessárias, que se traduziram em grandes restrições ao Apoio Aéreo. Nestas condições, a Repartição de Operações do Comando Chefe, enviou, em 27ABR73, uma mensagem, a todos os Comandos, determinando:

. cancelados, temporariamente, as evacuações, por avião ligeiro DO 27, a partir de Guileje, Gadamael,…

. cancelados, temporariamente, os transportes gerais, por DO 27 (o chamado avião do Sector), em todos os Comandos.

. os acompanhamentos por DO 27, passavam a fazer-se a altitudes superiores a 6000 pés.

. os ataques ao solo, por aviões FIAT G 91, seriam feitos só com bombas, a altitudes acima de 6000 pés.

. as evacuações, por helicóptero, passavam a ser objecto de estudo prévio do Comando de Operações Aero-Tácticas (COAT), da FA.

No que se refere a Guileje, as colunas de reabastecimentos (Gadamael/Guileje), até 06ABR73, eram acompanhadas por um avião DO 27, armado, sobrevoando o itinerário; após essa data, deixaram de ter qualquer apoio aéreo, tendo sido determinado que, no caso de haver contacto com o IN, deveria ser pedido apoio imediato.

Com todas estas restrições, nenhum meio aéreo aterrou em Guileje e também em Gadamael (até 22MAI73), com uma única excepção: uma visita a Guileje, em 11MAI73, do Sr. Comandante-Chefe, Sr. General Spínola. As evacuações passaram a ser feitas, por estrada (nas colunas) até Gadamael, daqui por barco para Cacine, onde a FA as fazia para Bissau, de helicóptero.


4.2. GUIDAGE - situado na fronteira Norte, com a Rep. do Senegal 

Dotado de uma nova arma - o míssil STRELA, que condicionou de um forma muito significativa a nossa FA, o IN modificou, radicalmente, a sua maneira de actuação que, até então se caracterizava, fundamentalmente, por montar emboscadas e implantar engenhos explosivos nos itinerários, flagelar os aquartelamentos das NT e as populações, especialmente de noite e passou a uma outra fase, concentrando grandes efectivos, apoiados por bases de fogos com consideráveis quantidades de armamento pesado, sem qualquer restrinção de munições, tendo em vista objectivos específicos das NT.

Assim, em 08MAI73, começou por montar uma emboscada a uma coluna de reabastecimento Farim – Guidage, impedindo a sua realização; de seguida, iniciou as flagelações ao aquartelamento de Guidage, que se iriam manter durante bastante tempo. O Comando Chefe resolveu reforçar de imediato, o COP 3 (Comando Operacional nº. 3), com sede em Bigene, do qual dependia Guidage.

O Sr. Chefe de Repartição de Operações do CEM (Corpo de Estado-Maior) Pinto de Almeida, interrogado sobre o assunto, (no âmbito do processo que me foi instaurado, como consequência da retirada de Guileje), declarou:

“. As flagelações a Guidage tiveram início em 08MAI73 e prolongaram-se até 01JUN73 (não tendo havido flagelações em 20, 24 26, 30 e 31MAI).

. Relativamente a colunas de reabastecimento, a primeira chegou a Guidage em 10MAI, a segunda no dia 12MAI, a terceira em 15MAI. 

. Quanto ao balanceamento de meios do COP 3, para reforçar Guidage, a esta guarnição chegaram em 08MAI, 2 GC (Grupo de Combate) da CCAÇ 3 (Companhia de Caçadores 3 – do recrutamento da Província); em 12MAI, mais 1 GC da CCAÇ 3 e os Destacamentos de Fuzileiros Especiais 1 e 4.

. Relativamente aos reforços atribuídos a Guidage: na coluna de 12 MAI, 5 GC do BCAÇ 4512 (Batalhão de Caçadores de Farim), 1 Bigrupo da 38ª. CCMD (Companhia de Comandos), 1 Secção do Pel Mort 4274 (Pelotão de Morteiros); este reforço manteve-se até à manhã de 13MAI. Na coluna que atingiu Guidage em 15 MAI, chegaram 2 GC do Comando de Bissau, 1 GC da Companhia Eventual Africana e o Grupo de Milícia de Jumbembem; este reforço manteve-se até à manhã de 19MAI. 

. Guidage foi ainda reforçado com a CCP 121 (Companhia de Caçadores Paraquedistas), desde 23MAI até 30MAI. Após o dia 29MAI, foi reforçado por outras unidades, não discriminadas.

. No dia 08MAI73, a guarnição de Guidage era constituída pela CCAÇ 19 (recrutamento da Província) e 24º. Pel Artª. (Pelotão de Artilharia), de 10,5 cm.” 

De 17 a 21MAI73, o Batalhão de Comandos Africanos, realizou a Operação Ametista Real, cuja Missão consistia em aniquilar ou, no mínimo, desarticular a base inimiga de Cumbamory (Rep. do Senegal). Os resultados foram os seguintes: causados 67 Mortos ao IN, bem como bastantes baixas prováveis, provocadas pelos bombardeamentos da FA; destruição de uma enorme quantidade de material e capturado diverso armamento. As N T tiveram 10 Mortos, 22 Feridos graves e 3 Desaparecidos.

Nas várias colunas de reabastecimento (foram iniciadas 7 e 5 destas atingiram Guidage), as NT sofreram 26 Mortos e 100 Feridos; foram destruídas ou danificadas 6 viaturas. O In sofreu, na coluna do dia 08MAI, 13 Mortos e elevado número de Feridos.

Não tenho elementos que indiquem se o Comando Chefe tinha algum conhecimento prévio das intenções do IN sobre Guidage.

Relativamente à sua actuação, após o IN ter desencadeado os acontecimentos, considero-a OPORTUNA, EFICAZ e ADEQUADA.

Desta forma, foi possível manter o aquartelamento das NT em Guidage.


4.3. GUILEJE 

No que diz respeito a Guileje, o Sr. Comandante-Chefe conhecia as intenções do PAIGC, com antecedência, pelo menos desde 27DEZ72.

No seguimento de um requerimento que fiz, para serem juntos ao auto de corpo de delito que me foi instaurado, todos os documentos relativos ao COP 5, o Sr. CEM (Chefe de Estado-Maior) do Comando-Chefe Sr. Coronel do CEM Hugo Rodrigues da Silva, fez entrega, ao Sr. Oficial da PJM (Polícia Judiciária Militar), Sr. Brigadeiro Leitão Marques, de uma relação de 124 documentos, em 08AGO73; todos estes documentos foram apensos ao processo. O documento nº. 105 daquela lista de 124 (que passou a constituir a folha nº. 608 do auto), é o seguinte:

“EXTRACTO DO RELATÓRIO DE INTERROGATÓRIO – 27DEZ72”

Este relatório foi elaborado em 271800DEC72 e relata o interrogatório do nativo Mário Mamadu Baldé, de 25 anos, natural de Cacine. Nele declarou:

[...]

“INTENÇÕES DO IN 

2. NA FRONTEIRA: Refere que o In pretende fazer um ataque com bastante força a GUILEJE, porque pretende obter uma maior liberdade de movimentos logísticos e de pessoal no Corredor de GUILEJE. Para isso, ficaram em KANDIAFARA alguns elementos que vieram recentemente dum estágio de Artª. na Rússia, para fazerem reconhecimentos na área de GUILEJE e preparar esta acção.


MODOS DE ACTUAÇÃO

Os chefes sabem que as flagelações aos aquartelamentos não têm obtido resultados compensadores e por isso resolveram mandar vários elementos ao estrangeiro receber uma instrução mais adiantada de Artilharia. 

Esses elementos ficam a saber trabalhar com cartas topográficas, para poderem determinar com precisão as distâncias de tiro. Aprendem também a trabalhar com goniómetros-bússolas e outros aparelhos, assim como ficam a saber através da regra do milésimo converter as correcções métricas em direcção em correcções angulares. Estes elementos ficarão normalmente em observadores avançados durante as flagelações, ligados por telefone às bases de fogos, dirigindo a acção e regulando o tiro.”

Importa salientar que, incompreensivelmente, tal relatório de interrogatório não me foi dado a conhecer, quando fui nomeado Comandante do COP 5; se tivesse sabido o que nele constava, teria confrontado o Sr. Comandante-Chefe da impossibilidade de, apenas com os meios de que iria dispor e que já estavam no terreno, fazer face à ameaça muito precisa e que, em consequência, necessitava que o COP 5 fosse reforçado convenientemente. Mesmo que não me tivesse sido dado nenhum reforço, não deixaria de, com as poucas possibilidades que tinha, ter na devida atenção aquela ameaça.

O conteúdo do documento em questão, por não ter suscitado nenhuma reacção do Comando-Chefe e do seu Estado-Maior, é, em minha opinião, altamente comprometedor para aquelas entidades. Após dele ter conhecimento, a Repartição de Informações (REP/INFO) deveria ter tomado todas as diligências, no sentido de confirmar ou não o que nele constava. Não há nenhum indício de que tenha sido esse o procedimento da REP/INFO.

Estou convicto que, nem o CEM do Comando-Chefe – Sr. Coronel do CEM, Hugo Rodrigues da Silva, nem o Sr. Oficial da PJM – Sr. Brigadeiro Leitão Marques, dedicaram a este documento qualquer importância, pois que, se o tivessem lido com atenção, seguramente seria excluído da lista e nunca teria sido incluído no processo.

Num artigo publicado no jornal Público, em 26JUL2004, o Sr. Osvaldo Lopes da Silva (OLS), antigo Comandante de Artilharia do PAIGC, (págs. 358 a 361 do livro “A Retirada de Guileje”), relata a maneira como foi encarregado por Amílcar Cabral, em Agosto ou Setembro de 1972, de preparar as condições para destruir Guileje. Amílcar afirmara: “Se o quartel de Guiledge cair, cai tudo à volta”. Com um grupo de cerca de 30 homens, postos à sua disposição, OLS fez, durante alguns meses, os reconhecimentos e as acções, na zona de Guileje, que permitiram ao PAIGC desencadear uma acção em força sobre Guileje, com início em 18MAI73. Confirmava-se, totalmente, o que o nativo Mário Mamadu Baldé declarara, no interrogatório que lhe foi feito em 27DEZ72.

Em meados de Abril de 73, como as obras em Guileje estavam muito atrasadas e a época das chuvas estava próxima, enviei à REP/OPER do Comando Chefe uma mensagem, solicitando autorização para que a actividade da CCAV 8350 (Guileje) fosse reduzida ao mínimo, para poder intensificar o ritmo das obras; a autorização foi concedida, mas devendo continuar os reconhecimentos na área de Mejo, anteriormente determinados, tendo em vista a reocupação dessa localidade.

Esta reocupação fazia todo o sentido, porque serviria, também, para apoiar Guileje e as NT no Cantanhez. Como verifiquei nos reconhecimentos que foram feitos, nessa altura, o local mais adequado, para o futuro aquartelamento, era junto a um dos braços de rio, porque, além de garantir o abastecimento de água, permitiria ainda utilizar a via fluvial, para evacuações e até talvez para os reabastecimentos; neste caso, seria uma alternativa para o reabastecimento de Guileje, que estava totalmente dependente da ligação terrestre a Gadamael. Na sequência desses reconhecimentos, foi possível fazer por via fluvial, a evacuação do Morto e dos Feridos resultantes da emboscada ocorrida no dia 18MAI73. Se a evacuação, nestas condições, não tivesse sido possível, era muito provável que o militar Morto tivesse sido sepultado em Guileje, como sucedera em Guidage, em situações análogas.

Recorda-se que Mejo tinha sido abandonada por ordem do Sr. General Spínola, quando no início do seu Comando, determinara a remodelação do dispositivo; desta forma, mudou de opinião. A localidade de Mejo não foi reocupada.

Quando tive acesso ao processo que me foi instaurado, esperava encontrar respostas às dúvidas que tinha, relativamente à actuação do Comando Chefe e do seu Estado-Maior, acerca do que sucedeu em Guileje, no período de 18/22MAI73. As minhas expectativas foram goradas, em grande parte.

Uma das minhas interrogações era a forma como o Sr. Comandante-Chefe pensava resolver o problema de Guileje, alvo de um ataque em força do PAIGC, desde 18MAI73. A única resposta foi a proporcionada pelas declarações do Sr. Coronel Paraquedista Rafael Durão, quando foi ouvido com testemunha, no processo que me foi instaurado (pág. 117 do livro “A Retirada de Guileje”):

“No dia 21 recebi directamente de Sua Excelência o General Comandante-Chefe ordem para manter a todo o custo o destacamento de GUILEJE, naquele local, para o que devia verificar as necessidades em meios para lá colocar os abastecimentos de toda a ordem, mais de 200 toneladas, que se encontravam ainda em GADAMAEL, CACINE e muitos ainda a chegar de BISSAU….” 

O Sr. General Spínola, ao nomear o Sr. Coronel Rafael Durão Comandante do COP 5, substituindo-me nessa função, entendeu alterara missão para “defesa a todo o custo”, que não constava na missão que eu tinha recebido. A defesa a todo o custo é a mais exigente de todas, implicando resistir até ao último homem. Não obstante o Sr. Coronel Durão ter toda a confiança do Sr. Comandante- Chefe, este quis ter a certeza que, em qualquer circunstância, Guileje seria defendido até ao fim.

O Sr. General Spínola, que me tinha negado o reforço, bem modesto, de uma Companhia de tropa especial, atribuiria ao Sr. Coronel Durão os meios que este considerasse necessários; e estes só seriam apresentados quando o novo Comandante do COP 5 chegasse a Guileje e aqui fizesse o estudo da situação, o que, na melhor das hipóteses, aconteceria em 22MAI; seguir-se-ia o accionamento da ida dos reforços, que só chegariam ao seu destino (Guileje) passados uns dias.

Interessava também saber o que pensava, sobre este assunto, o Sr. Chefe da REP/INFO do Comando Chefe, Sr. Ten. Cor. de Infª. Baptista Beirão. Para isso, volto a recorrer ao processo e às declarações que nele fez (folhas 749 a 751):

“3. Sendo perguntado… 

e. No entanto e embora me pareça que estas flagelações foram mais violentas, devo acrescentar que quase não provocaram baixas na guarnição (apenas 1 morto)…” 

Esta declaração do Sr. Chefe da REP/INFO “apenas 1 morto” é lamentável, pelo desrespeito evidente pela vida humana, mesmo só uma. Parece que é lícito concluir que se as baixas tivessem sido maiores, a sua declaração teria sido diferente.

“7. Sendo perguntado se havia notícias que referissem a acção sobe Guileje e se essas notícias aumentaram nos princípios do mês de Maio disse: 

a. Sempre houve notícias de ataque a Guileje até de ataques em força. No entanto essas notícias esbatiam-se sempre em flagelações mais ou menos violentas, sem consequências graves.

b. Em princípios de Maio começaram a aparecer mais notícias, parecendo assim que aumentavam as probabilidades do ataque. A flagelação de cerca de uma hora, em 10 ou 11 de Maio, chegou a fazer supor que seria a acção que essas notícias anunciavam, o que, depois, veio a verificar-se não corresponder à verdade, com uma série de acções desencadeadas a partir de 18 MAI….”

Verificou-se que o Sr. Chefe da REP/INFO “esqueceu-se” de referir o documento, referido atrás – Extracto do Relatório de Interrogatório – 27 DEZ 72. Este esquecimento demonstra, com evidência, que não prestou nenhuma atenção ao conteúdo de tal documento, o que, do meu ponto de vista, é INACEITÁVEL.

A minha maior expectativa, que estava nas declarações do Sr. Chefe da REP/OPER, Sr. Ten. Cor. do CEM, Pinto de Almeida, foi totalmente frustrada. E o caso não é para menos, pois que, tratando-se de um auto do corpo de delito, sobre a retirada de Guileje, o Sr. Brigadeiro Leitão Marques, nomeado pelo Sr. Comandante-Chefe para dirigir as averiguações, teve o descaramento de NÃO TER FEITO UMA ÚNICA PERGUNTA, sobre Guileje, ao Sr. Chefe da REP/OPER.

Não tenho a mínima dúvida que tal actuação foi concertada entre os dois intervenientes, pois que o segundo respondeu, com todo o pormenor, sobre todas as perguntas relativas a GUIDAGE!!!, com excepção da que inquiria quais as baixas que tinham incidido sobre a CCAÇ 19 (Guidage), ao que a resposta foi “…ignorando qual percentagem sobre a Companhia de Caçadores dezanove…”. Seguramente que tal pormenor não fora objecto de prévio acerto mútuo.

Sendo o objectivo primário da fase de inquirição do processo, o esclarecimento da verdade dos factos, o modo como o Sr. Oficial da Polícia Judiciária Militar, Sr. Brigadeiro Leitão Marques, conduziu as averiguações, relativamente à inquirição do Sr. Chefe da REP/OPER do Comando Chefe, foi INACREDITÁVEL.


4.4. GADAMAEL

Após a retirada de Guileje, todo o pessoal que daqui viera, incluindo a população, ficou em Gadamael; nessa manhã de 22MAI73, tinha chegado o novo Comandante do COP 5, Sr. Coronel Paraquedista Rafael Durão.

Num documento elaborado pela REP/OPER do Comando Chefe, sobre a situação em Gadamael, no período 22/30MAI, não é referida a actividade das NT; segundo a informação de diversos militares que lá se encontravam, fiquei a saber que foram realizados, com frequência, vários patrulhamentos e emboscadas, tendo-se verificado a presença de alguns grupos inimigos, que não se empenhavam, indiciando que se tratava de missões de reconhecimento. No PERINTREP nº. 21/73 (PERÍODO de 20 a 27MAI73, a REP/INFO referia:

 “…De assinalar, ainda, os reconhecimentos efectuados ultimamente na área de GADAMAEL, constituindo possível indício duma acção em força.”

Não obstante tudo isto, aparentemente não se tiraram nenhuns ensinamentos do que se tinha passado em Guileje; o IN, após entrar neste em 25MAI e, porque, eventualmente, não foi sujeito a forte pressão da Força Aérea durante o período 22/25MAI, como deveria ter acontecido, rapidamente deslocou o seu dispositivo para a região de Gadamael.

Nem o Comando-Chefe e o seu Estado-Maior, em Bissau, nem o novo Comandante do COP 5, em Gadamael (Sr. Coronel Durão), consideraram que o efectivo das NT, profundamente desgastado, física, moral e psicologicamente, era manifestamente insuficiente para fazer face a uma acção em força do IN; acresce o facto, do conhecimento de todos, que o aquartelamento de Gadamael não dispunha de abrigos semelhantes aos de Guileje.

Salienta-se a presença de carros de combate do IN na fronteira (mensagem da CCAÇ 3566 – Empada, de 16MAI73), possivelmente para actuar sobre Gadamael, onde a configuração do terreno, mais aberto, era propícia à sua actuação.

O Sr. Coronel Durão, ciente de que o IN não actuaria sobre Gadamael, conforme disse a um Sr. Oficial da Companhia que tinha vindo de Guileje, foi para Cufar em 30MAI, tendo sido substituído, em Gadamael, pelo Sr. Capitão Comando Ferreira da Silva, que chegara no helicóptero que levou o Sr. Coronel Durão.

Em 31MAI, pelas 14H00, teve início uma forte flagelação inimiga, sobre Gadamael; no período de 31MAI (14H00) a 02JUN (18H00), caíram no aquartelamento cerca de 700 granadas. As NT tiveram 5 Mortos e 14 Feridos. Foram provocados avultados danos materiais.

Só então foi accionado o reforço da guarnição, inicialmente com 2 Companhias de Paraquedistas, que se encontravam em Cufar (Sector do COP 4). A partir de 12JUN73, o Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12 (3 Companhias), esteve a reforçar Gadamael (com períodos de recuperação de uma Companhia em Cacine). Apesar deste considerável reforço, esteve prevista a retirada de Gadamael, para onde foi enviado o Sr. Major Leal de Almeida, para preparar o seu abandono, que não se verificou.

Nestas condições, parece lícito perguntar: se a guarnição de Gadamael tivesse sido reforçada, após a retirada de Guileje – 22MAI73, teriam sido tão graves os efeitos da acção inimiga sobre as NT? Arrisco-me a afirmar que, se os paraquedistas tivessem chegado mais cedo, seguramente que o IN teria tido muita dificuldade em montar o seu dispositivo de ataque.

A actuação do Comando-Chefe e do seu Estado-Maior, bem como do Sr. Comandante do COP 5, em Gadamael, no período 22/30MAI73, foi INCOMPETENTE, por não terem tido a capacidade de prever o que, com grande probabilidade, iria ser a iniciativa do IN.

A partir do início do ataque inimigo, o Comando Chefe accionou o reforço ADEQUADO, que no entanto pecou por tardio.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 17 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15759: (In)citações (84): Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 1 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15655: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (1): BAA 3434, dispositivos para iluminação do campo de batalha e Cumeré

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 10 de Janeiro de 2016, com as primeiras fotos para o seu Álbum fotográfico:

Olá Camaradas
É minha intenção enviar todas as minhas fotos da Guiné. Vou enviá-las por assuntos:
Segue o primeiro - a Btr AA 3434 que defendia heroicamente (digo eu) a Base Aérea 12 contra ataques aéreos e terrestres como aconteceu por duas vezes que me recorde.
Depois do guião e do emblema de peito um portefólio feito numa noite de exercício de defesa Anti-Aérea.
O Malogrado TCor Brito voava num T-6 e largou um ou dois flares - dispositivos para iluminação do campo de batalha) que ficavam a pairar à vertical da base e os artilheiros, PUMBA! Fogo neles.
E até acertaram... Era incipiente, mas era o que se podia arranjar. A defesa AA da Base tinha muitas limitações, como já se disse, mas se houvesse tempo era possível pôr tiros no ar que é o que faziam todas as AA da II GM que utilizavam os materiais de que dispúnhamos. O resto era rezar e esperar que Deus fosse português (e do Benfica de preferência...). Caso contrário poderia ser uma tragédia.
Seguem duas fotos do Cumeré, em MAI71. Ainda não estava completamente acabado, mas já fazia serviço e "embrulhou" na noite de 9 para 10UN71, quando foram atacados todos os quartéis à volta de Bissau e ao mesmo tempo 6 foguetões de 122 mm caíam à beira do "Pelicano" um restaurante bem agradável de que todos nos lembramos.
Voltarei à antena com mais fotos.

Um Ab.
António J. P. Costa



 





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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15153: FAP (90): Para acabar de vez com o mito dos MiG em Conacri: nunca os houve no nosso tempo, garantiu-me o comandante Pombo, no convívio da Tabanca da Linha (António Martins de Matos, ten gen pilav ref)


Cascais > Estrado do Guincho > Oitavos > Almoço da Tabanca da Linha > 24 de setembro de 2015 >  Selfie de dois bravos da FAP, o António Martins de Matos e o comandante Pombo...


Foto: © António Martins de Matos  (2015). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do António Martins de Matos


Data: 24 de setembro de 2015 às 18:41

Assunto: MiG


Caros amigos

Para terminar o assunto dos MiG

Dos postes anteriores (e foram muitos) (*), houve de tudo, MiG em Conacri, patrulhando a fronteira, picando aqui e ali, com pilotos guineenses, cubanos ou russos, em momentos cruciais escondidos ou deslocados para outras pistas (Labé), retaliando a quando da operação Mar Verde ….

Como não gosto de assuntos meio feitos, meio por fazer, tive que aprofundar o tema com quem tivesse uma visão mais completa do assunto.

E quem melhor para nos elucidar que o nosso amigo comandante José Pombo, piloto de caça e piloto dos TAGP [, Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa,] durante alguns anos, e depois de 1974 amigo do Presidente da Guiné Bissau e piloto privativo do Presidente Sékou Touré durante mais uns 5 ou 6 anos ?  (Interessante que, com tantos pilotos pró PAIGC, tenha escolhido um piloto portuga.)

Aproveitei o almoço, de hoje,  da Magnífica Tabanca da Linha e abordei-o. E ele disse-me o seguinte:

(i) nunca houve qualquer MiG em Conacri;

(ii) a coisa mais parecida com um avião de caça que vira em Conacri eram os restos da asa do Fiat G 91 [R/4 5419] do falecido ten cor pilav [Almeida] Brito, que o PAIGC tinha levado a título de troféu (**);

(iii) à  excepção de Conacri, mais nenhuma pista da Guiné tinha (tem) condições para receber os MiG;

(iv) confirma que a Rússia tinha dado treino a pilotos guineenses e, já depois da independência da Guiné Bissau, oferecido a este país  2 MiG;

(v) em data que não pode precisar, ao voar de Dacar para Conacri, descobriu que, no mar e à revelia do Governo de Bissau, alguém estava a fazer exploração petrolífera na águas da Guiné Bissau; avisou Bissau, saíram os 2 MiG pilotados por guineenses, não deram com a exploração, à volta e devido ao mau tempo, esmerdaram-se os dois, um ao pé do aeroporto, outro junto à estrada de Nhacra;

(vi) com tal performance,  a Rússia nunca mais lhes deu novos aviões.

E pronto, acho que está tudo dito.

Abraços

AMM


2. Esclarecimento:


(i) António (c/c Maria João), hoje:

Dizes que o comandante Pombo foi "piloto privativo" do Sékou Touré a seguir á independência da Guiné-Bissau ?... Nas conversas que já tive com ele, não me apercebi desse facto relevante...Sabia que tinha pilotado o pequeno Falcon da presidência da Guiné-Bissau; tendo estado ao serviço do Luís Cabral e depois do 'Nino"... Provavelmente querias dizer que foi "piloto privativo" do Luís Cabral de quem, além disso, era amigo. Como era amigo do 'Nino', a quem tratava por tu (***)...

António, é importante que me confirmes este facto... Peço a ajuda da Maria João.


(ii) Maria João Rodrigues Pombo, hoje

Bom dia,

Falei agora com ele [, o meu pai,] e diz que nunca foi piloto do Sékou Touré. Disse-me que chegou a levar várias vezes o presidente de São Tomé. no avião que era do Luís Cabral e que emprestava a aeronave.

Um grande bj e bom fds! Até breve.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de setembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15103: FAP (89): Op Mar Verde: e se os MiG, que existiam de facto, mesmo que pouco operacionais, tivessem sido localizados e destruídos ? (José Matos)


(**) Vd, Fundação Mário Soares >  Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 05360.000.142
Título: Combatentes do PAIGC junto aos destroços de um avião Fiat G-91, abatido por um míssil terra-ar Strela
Assunto: Combatentes do PAIGC junto aos destroços de um avião Fiat G-91 abatido por um míssil SA-7 Grail (Strela), que resultou na morte do piloto José Fernando de Almeida Brito, Comandante do Grupo Operacional 1201.
Data: c. Março de 1973
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: FotografiasDireitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.
Arquivo Amílcar Cabral > 11. Fotografias > 3.PAIGC > Luta Armada

[Nota de LG: O documento está irremediavelmemte danificado, só se aproveitando a metade dop lado esquerdo. Tomámos a liberdade de o edirtar. Com a devida vénia...

[Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43093]

(***) Vd. poste de 4 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14218: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (32): Falei ao telefone com o comandante Pombo, amigo de Luís Cabral e de 'Nino' Vieira... e sobretudo um orgulhoso sobrevivente dos Strela (em 1973/74) e da "Operação Atlas", em agosto de 1961 (travessia, com uma esquadra de F-86F “Sabre”, Monte Real-Bissalanca, num total de 3888 km e o tempo de 7h50 sobre o Atlântico) (Luís Graça, com José Cabeleira, cap TMMA ref, Leiria)

(...) O Pombo é hoje capitão pil, reformado Fez, segundo bem percebi, 4 comissões na Guiné. Voltou há pouco para Portugal, vive hoje em Bucelas, e é amigo pessoal do major gen paraquedista Avelar de Sousa, que passou pelo TO da Guiné, integrando o BCP 12, como comandante da CCP 123 (1970/71), e foi ajudante de campo, entre 1976 e 1981, do gen Ramalho Eanes, 1º presidente da república eleito democraticamente no pós 25 de abril. E esse fato é relevante para se perceber a influência, discretíssima, que o comandante Pombo terá tido na libertação do ex-1º primeiro ministro da Guiné-Bissau, Luís Cabral, depois do golpe do ‘Nino’ Vieira em 1980.

O comandante Pombo privou com os dois, e dos dois era amigo. Ao ‘Nino’ Vieira tratava-o inclusive por tu. E o Pombo continuou a ser o comandante Pombo, depois da independência da Guiné-Bissau. Terá havido um acordo entre as novas autoridades de Bissau e o governo português para que ele ficasse na Guiné... O PAIGC não tinha pilotos. O comandante Pombo pilotava o pequeno Falcon que fora oferecido ao Luís Cabral. Este gostava muito dele, e sempre que viajava com ele trazia-lhe uma garrafa de.. champagne.

Depois veio o golpe do ‘Nino’ e o Luis Cabral ficou preso na Amura… Sem cinto!... O comandante Pombo foi visitá-lo e encontrou-o sem cinto, com as calças na mão… Diziam-lhe, os seus carcereiros, que era para ele não poder fugir. Achando essa uma situação indigna, o Pombo foi falar ao seu amigo ‘Nino’, que lhe deu razão…

Mais tarde o Pombo moveu as suas influências, junto do Avelar de Sousa… O presidente Ramalho Eanes, como é sabido publicamente, exerceu forte influência junto de ‘Nino’, no sentido de obter a libertação de Luís Cabral que, primeiro, foi para Cuba e mais tarde para Portugal, onde veio a morrer. Ramalho Eanes e Luís Cabral tinham muita estima mútua.

Mas, e contrariamente ao boato que corria na Guiné, no tempo da guerra colonial, o comandante Pombo não estava feito com os “turras”… E a prova disso é que umas das aeronaves (não era um Cessna, era uma outra avioneta tipo DO 27…) foi perseguida por dois mísseis Strela, já depois do último avião da FAP ter sido abatido . (...) 

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13571: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (28): Guileje?!... Outra vez?!... (António Martins de Matos, TGen Pilav )

1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos, TGen Pilav Ref (ex-Tenente Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de 2 de Setembro de 2014:


Guileje, outra vez!

Após alguns eventuais estudos de EM, as Altas Chefias tinham chegado à conclusão que a melhor maneira de prepararem os jovens militares acabados de sair da Academia para uma vida de “futuras comissões no Ultramar” era dar-lhes uma primeira “experiência ao vivo” por terras da Guiné.
E qual o melhor local para “sentirem a coisa”? Guileje!!!

Não sei quantos Aspirantes eram, mais de 4 e menos de 8, alguém os terá levado até ao Guileje, visita e pernoita no quartel, devem ter aguentado uma manga de briefings, mosquitos, pius e … blá blá….
Até arrisco a dizer (especulação, alguém pode vir a confirmar ou negar tal pensamento) que terão visto e ouvido uns tiros de obus.
Depois havia que os trazer de novo à civilização, a missão da FAP consistia em ir recolhe-los e transportá-los de novo para Bissau.

20 Junho 72, já tinha um mês de Guiné e 11 horas de DO-27, completado o treino operacional (aterrar em Bula, Binar e Biambe), feito a minha primeira missão e, para além das do treino operacional já conhecia outras duas pistas, Tite e Fulacunda.
Coube-me ser o n.º 2 de uma formação de dois DO-27, o meu era o 3329, o piloto que liderava a operação parece que era daqueles que já tinha barbas, eu ainda era um imberbe periquito, nada de importante, não fazia a mínima ideia onde era o Guileje mas também não era importante, bastava-me seguir o chefe, havia de chegar ao destino.
Como ultimo conselho alguém amigo tinha-me dito para ter atenção à travagem já que a pista acabava na porta do quartel (que era de cimento).

 Posições relativas de Bula, Binar e Biambe

Posições relativas de Tite e Fulacunda

Ao fim da tarde lá descolámos de Bissau rumo Sul, apontados a Guileje, só que….

Época das chuvas, trovoadas, cumulo-nimbos, dilúvios à frente, ao lado, por detrás, nunca tinha visto chover tão grosso e por tanto tempo, lá me fui aguentando sem perder de vista o outro avião, mas com aquela sensação estranha de, em vez de avançarmos para o destino, andarmos às voltas.
Uma hora depois deste bailado vi algo que me fez disparar a adrenalina, um raio passou perto de mim a acertou lá em baixo no capim que, apesar de tanta chuva, logo começou a arder.
Devo ter dito algo pelo radio do tipo “Ó Janeca, olha lá o pingo da solda” de modo que o vetusto chefe da missão resolveu deixar-se de voltas e voltinhas e aterrar na pista mais próxima, esperando que aquele mau tempo acabasse por passar.
Depois de mais umas voltas finalmente lá encontrámos uma pista e aterrámos, só então me apercebi que, apesar de estarmos a voar há mais de uma hora, ainda só estávamos em … Bolama.
Os aviões apenas estacionados na placa, ao olharmos para Sul ia-me dando uma “travadinha”, vimos uma enorme mancha de “borrasca”, ali mesmo ao pé e a avançar para nós.
“Vamos embora JÁ”… e o grande chefe abalou.

 Localização de Bolama

Vide Carta da Provícia da Guiné 1:500.000

Sozinho, triste e abandonado, 40 dias de Guiné, lá me tentei desenvencilhar o mais rápido que podia e sabia, uma coisa era certa, tinha de descolar antes daquele mau tempo chegar, se ficasse no chão de certo que o vento me partia o avião.
Procedimentos a correr e muito atabalhoados, o inicio da descolagem acabou por coincidir com a ventania a chegar à pista, durante algum tempo ainda consegui manter o avião direito, depois as rajadas de vento tornaram o controlo da direcção difícil, o avião ficou tipo cata-vento, vi-me apontado a um dos embondeiros que ladeavam a pista.
Abortar a descolagem era má opção, continuei com o motor aos copos, em direcção à árvore.
Aqui um parêntesis, era periquito e com poucas horas no DO-27 mas tinha tido um grande instrutor.

Ao chegar perto do obstáculo… manche à barriga e flaps (todos) , o DO-27 parecia um elevador, logo passei por cima do embondeiro, como os pilotos costumam dizer… “na cagadinha”.

O regresso a Bissau demorou uns 15 minutos, os Aspirantes acabaram por ficar mais uma noite no Guileje, eu conheci mais uma pista (Bolama) e, com a ajuda do “Joãozinho Caminhante” … dormi que nem um justo!

Amigo José Almeida Brito [, foto de jornal, à direita], tenho saudades tuas, obrigado pelos teus ensinamentos, onde estiveres, este texto é para ti.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13415: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (27): De visita, com o seu neto, ao Museu do Ar, em Sintra, o Vitor Oliveira reencontra o T6, nº 1737, no qual voou no CTIG

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12265: FAP (79): Os Dias do Strela - Há 40 anos na Guiné (Paulo Mata / Miguel Pessoa)

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado), com data de 6 de Novembro de 2013, a propósito da publicação de um trabalho sobre a sua odisseia de 25 de Março de 1973, data em que a aeronave que pilotava foi atingida por um míssil Strela.

Olá Luís
Na realidade este artigo do Paulo Mata resultou de um conversa que tivemos no decorrer de um dos nossos almoços da Tabanca do Centro.
O Paulo Mata é um "jovem" de uma geração mais nova que a nossa, que tem o "bichinho" da aviação. Tem aparecido em alguns desses nossos almoços a meu convite e mostrou-se interessado em contar essa minha história.
Para teres uma ideia mando-te o texto saído na revista "Take-Off", com uma disposição gráfica um pouco diferente da que foi publicada no "Pássaro de Ferro" (por acaso até gosto mais desta última).
Sobre uma referência no blogue, tu saberás o que interessa publicar; por mim não vejo nenhum inconveniente, embora já se conheça o final... Até acho que está bem escrita - e o Paulo até me deu a oportunidade de lhe dar uma olhadela antes de ser publicada, não fosse haver alguma imprecisão.
Bom, talvez haja uma - do pessoal abatido pelo Strela fui realmente o único que terminou a comissão.
Outro pessoal que se ejectou antes do meu tempo, não te posso confirmar se acabou por concluir a sua comissão ou não. Mas isso provavelmente não é assim tão importante - apenas serviu para eu tentar explicar quão difícil foi o meu regresso ao "local do crime".
Já tive a oportunidade de referir isto por várias vezes: Quando me perguntavam se senti medo após o meu regresso, disse que sim - não o medo de ser outra vez abatido e morrer, mas sim o de ficar vivo. É que não me via a passar outra vez por aqueles episódios que vivi naquelas vinte horas que estive no chão, provavelmente com um fim bem menos feliz que da primeira vez...

Abraço.
Miguel




2. Assim, com a prévia autorização do autor, Paulo Mata [foto acima], passamos a reproduzir, com a devida vénia, o texto e fotos publicados no Blogue Pássaro de Ferro


OS DIAS DO STRELA - Há 40 anos na Guiné

Texto: Paulo Mata
Artigo publicado no jornal Take-Off de abril de 2013

Um Fiat G.91 R/4 com a configuração habitual de depósitos e rockets sob as asas    Foto: AHFA

Há momentos que marcam uma vida. Há 40 anos, a bordo do Fiat G.91 com a matrícula 5413 da Força Aérea Portuguesa, em missão nos céus da Guiné, o então Ten PILAV Miguel Pessoa teve vários desses momentos, quando foi atingido por um míssil terra-ar SA-7 Strela e teve de se ejectar em território hostil.
O Ten. Miguel Pessoa com equipamento de voo à saída da Esquadra 121 na BA12 - Bissalanca

A 25 de Março de 1973, cumprindo o serviço de alerta na BA12 em Bissalanca, na Esquadra 121- Tigres, que operava os Fiat G.91, a parelha é chamada a responder a um ataque com canhões e foguetões, sobre o aquartelamento de Guileje, no sul da Guiné Bissau, bem próximo da fronteira com a vizinha Guiné Conacri. De serviço nesse Domingo, o Ten. Miguel Pessoa acabaria por descolar sozinho, de modo a identificar visualmente as posições do  inimigo e transmitir a informação ao avião que descolaria em segundo lugar, entretanto equipado com o armamento mais adequado.

A placa de estacionamento com abrigos laterais na BA12 - Bissalanca onde ficavam estacionados os Fiat G.91 da Esq.121

Se há momentos a evitar, estar do lado errado de um lança-mísseis é certamente um deles. Mas foi isso exactamente que aconteceu a Miguel Pessoa, na aproximação a Gandembel, local referenciado pelo aquartelamento como provável base de fogo do inimigo que flagelava Guileje. Já cinco dias antes tal havia acontecido também, então no norte do território, com o míssil (então desconhecido) a deixar um rasto branco, por entre o seu avião e o do TCor Almeida Brito, com quem voava em formação. Desta vez não chegou a ver nada. Sentiu apenas a detonação do míssil na traseira do avião, e imediata perda de potência na turbina.

Um Fiat G.91 R/4 em picada sobre o inimigo    Foto: AHFA

E se há momentos que podem marcar a diferença entre a vida e a morte, puxar a alça de ejecção de uma cadeira ejectável num avião em queda, é certamente também um deles. Momentos que parecem desmultiplicar o tempo e multiplicar as forças. O gesto de puxar a alça de ejecção sobre a cabeça (mecanismo que oferece alguma resistência) foi feito de tal forma, que o piloto julgou estar o sistema de ejecção avariado, tal foi a facilidade com que a alça se moveu. Por outro lado, a ausência de resposta dos foguetes que deveriam impulsionar a cadeira, reforçou a mesma ideia, levando-o a considerar a hipótese de accionar o sistema secundário de ejecção, situado no assento da cadeira, entre as pernas. Contudo, antes de esboçar esse movimento, dava-se já a ignição dos foguetes, que iniciavam a extracção da cadeira do avião. Afinal tinham-se passado apenas 0,3 segundos.

Cadeira ejectável Martin Baker MkG W4B usada nos Fiat G.91 R/4 portugueses e que salvou a vida ao Ten. Miguel Pessoa

A escassa altitude, com o avião em queda desgovernada e já sem comandos devido a falha do sistema hidráulico, Miguel Pessoa ejecta-se da aeronave no último instante. De tal modo, que o pára-quedas não chegou a abrir totalmente, tendo o piloto entrado pelo arvoredo adentro com velocidade excessiva, o que lhe viria a causar a fractura do perónio, no embate com o solo. Acordado no meio de mato cerrado, depois de alguns minutos de inconsciência, havia que avaliar a situação.
Sem ter tido tempo para enviar um pedido de socorro, em zona não controlada por forças amigas, cercado de vegetação densa e inferiorizado fisicamente por uma perna partida e com fortes dores nas costas devido à violência da ejecção, o futuro afigurava-se incerto e pouco risonho para o piloto português. Explorando o kit de sobrevivência que transportava, do material que continha, elegeu osvery-lights e uma pequena bússola, como verdadeiramente úteis, esquecendo os restantes itens por falta de uso prático. Não havia rádio para poder comunicar. Na verdade, era a primeira vez que via tal material. Os treinos de sobrevivência não eram então o que são hoje.
Deslocou-se conforme pôde para uma zona de floresta menos densa, de modo a conseguir lançar osvery-lights e esperou pela passagem de alguma aeronave amiga. Apesar de não ter enviado pedido de socorro, a sua ausência seria naturalmente notada.
Passado pouco tempo, ouvia já de facto o ruído de aviões a jacto, mas a sua (falta de) visibilidade para o céu contudo, impedia-o de saber com certeza, a proximidade das aeronaves e avaliar o momento adequado para o lançamento dos foguetes de sinalização. Passava das 5 da tarde e as esperanças de resgate durante o dia diminuíam com a mesma velocidade da luz do sol, que na Guiné se desvanece cedo e rapidamente. Haveria que passar a noite no meio do nada. A única possível companhia que se afigurava então, era a que menos pretendia: o inimigo. Teriam visto o local do despenhamento? Teriam visto os very-lights que lançou? Andariam à sua procura? Perguntas às quais apenas os ruídos da floresta respondiam. Não tinha sequer a arma de mão que fazia parte do equipamento normal para missões de combate, uma vez que estava no fato anti-G, que não havia vestido, para ganhar tempo na resposta ao alerta.
A noite foi interminável. Apesar do cansaço, pouco dormiu. Todos os barulhos pareciam movimentos dissimulados no escuro da floresta. Todas as sombras se podiam confundir com vultos humanos. Num dos breves momentos em que conseguiu dormir alguma coisa, enganando as dores que sentia, acordou sobressaltado com a sensação de movimento junto à perna magoada. Seria uma serpente, ou apenas a perna partida a latejar? Na escuridão não arriscou mexer-se para saber. Se dum animal se tratou, nunca o chegou a saber. A sensação passou e pelo clarear da aurora já nada lá se encontrava.

Pela manhã, ainda que cansado, e com sinais de desidratação, visto não ter bebido qualquer líquido desde a hora de almoço da véspera, o moral melhorou com a perspectiva de ser resgatado. Não demorou muito para ouvir o som de aeronaves a sobrevoar a zona. Na verdade, havia sido localizado ainda na véspera, pelo TCor Almeida Brito, que em G.91 visualizou um dos very-lights lançados, já muito perto do anoitecer. A hora tardia contudo, inviabilizou o destacamento duma força de resgate ainda no mesmo dia.
O ruído característico dos helicópteros Alouette III fazia-se também ouvir nas proximidades, mas por via das dúvidas e por desconhecer ainda se já havia sido localizado ou não, lançou os very-lights que lhe restavam. Vestiu a camisola interior branca por cima do fato de voo, de modo a ficar mais visível, mas a ajuda tardava. Passavam já três horas desde o amanhecer e nada. Tentou fazer uma fogueira com alguns fósforos alegadamente anti-humidade, mas nenhum acendeu. A desidratação começava então também a pregar partidas, ao toldar os pensamentos e perturbar o discernimento. 

Marcelino da Mata com a catana na mão e o seu grupo posam para a foto após encontrar o Ten. Miguel Pessoa

Quando finalmente conseguiu divisar pessoas na sua proximidade, eram… africanos. Armas Kalashnikov e uniformes estranhos. Na falta de melhores argumentos para se defender, optou por insultar o que supunha serem elementos do PAIGC, portanto o inimigo. Estes contudo, trataram-no pelo próprio nome, o que lhe baralhou o raciocínio. O chefe identifica-se como sendo Marcelino da Mata, conhecido líder de um grupo de operações especiais das forças portuguesas, embora formado por elementos de etnia africana. Apesar de conhecer a sua fama, o Ten. Pessoa nunca o tinha visto pessoalmente. O facto de saberem o seu nome também facilmente se explicava, ou por informadores na base, ou por escuta de comunicações rádio, pelo que não estava convencido ainda. Sabendo que o verdadeiro Marcelino da Mata era conhecido por trazer sempre consigo cantis com Fanta ou Coca-Cola, pediu de beber e confirmou a veracidade da identidade através das bebidas. Foi uma espécie de o santo-e-senha improvisado. O regresso, apesar de penoso e demorado, devido à dificuldade em andar com a perna fracturada por entre a vegetação densa, não teve grande história. 

O penoso regresso a pé pela mata

O Alouette que o havia de transportar de regresso, encontrava-se na orla da mata e os restantes helicópteros que tinha ouvido mais cedo, destinavam-se à colocação dos grupos de caçadores pára-quedistas e de operação especiais que tinham ido em sua busca. Com uma primeira paragem em Guileje, onde outro helicóptero o haveria de transportar para o hospital militar, a jornada terminaria finalmente na BA12, após os exames médicos e tratamento da perna fracturada, onde um numeroso grupo festejou o seu regresso e o sucesso da missão de recuperação.

O Alouette III que transportou o Ten. Miguel Pessoa na chegada a Guileje
Aspecto da zona de aterragem em Guileje com os helicópteros destacados para transportar os grupos de busca

Há momentos que marcam um ponto de viragem e a introdução dos mísseis terra-ar no teatro de guerra, foi esse momento. Portugal perdia a supremacia dos ares, onde até então se tinha movido livremente. A guerra entrava numa nova fase, decididamente pior para as forças portuguesas. Durante as duas semanas seguintes mais quatro aeronaves seriam abatidas por mísseis SA-7 Strela. As tripulações não tiveram então a mesma sorte do Ten. Pessoa. Uma das vítimas mortais seria mesmo o TCor Almeida Brito, comandante do Grupo Operacional 1201, o mesmo piloto que havia localizado a sua posição no dia 25 de Março e que já havia sido alvejado consigo a 20 de Março na fronteira  norte da Guiné. 
Ficou então patente o modus operandi do inimigo, atacando posições portuguesas no terreno, para depois esperar a chegada dos aviões que vinham em resposta, e assim os alvejar. Após suspensão da actividade aérea, para análise da arma que se enfrentava, sua utilização e características, foram tomadas medidas a nível dos procedimentos nos ataques, altitudes de voo e armamento a utilizar. Depois de implementadas essas medidas, apenas uma aeronave mais seria abatida por um Strela, já em Janeiro de 74 e alegadamente por não ter cumprido os procedimentos definidos. 

O míssil portátil SA-7 Strela      Foto: US Navy

Quanto ao Ten. Miguel Pessoa, após passar duas semanas na enfermaria da BA12 terminaria durante os quatro meses seguintes na Metrópole, a convalescença das mazelas físicas decorrentes da ejecção, nomeadamente a nível do perónio fracturado e da coluna, cuja compressão de 2 cm nunca chegaria a recuperar. Depois deu-se o difícil regresso ao teatro de operações onde quase tinha perdido a vida, com a reactivação da sua comissão. Sem qualquer ajuda psicológica, ou apoio para voltar a enfrentar as mesmas situações de risco, voltar a sobrevoar o local onde tinha sido abatido não foi fácil, tal como não é difícil de compreender. Acabaria por ser o único piloto a terminar a comissão na Guiné, após ter sido abatido em combate. Ainda chegou a ser visado mais quatro vezes por mísseis Strela. Numa delas conseguiu mesmo ver a cabeça de busca do míssil que o perseguia e a tentativa de correcção da trajectória, para prosseguir atrás da fonte de calor que era o seu avião. Quando alguém alude à aura de herói que o rodeou por ter sobrevivido ao abate por um míssil, Miguel Pessoal responde que o verdadeiro acto de registo que teve, foi regressar e enfrentar outra vez o mesmo inimigo, o mesmo perigo, olhos nos olhos. E se os procedimentos de combate adoptados acabaram por lhe salvar a vida, nunca chegaram a ser aplicadas nos aviões quaisquer ajudas em termos de autodefesa relativamente aos mísseis.

De regresso a Portugal, e já depois do fim da guerra, viria a ser instrutor em T-37 na Esq 102 em Sintra. Integrou a patrulha acrobática Asas de Portugal durante sete anos, tendo sido também Comandante da Esq 102 e dos Asas. Foi mais tarde Comandante do Grupo Operacional 51 na BA5 em Monte Real onde voou ainda em A-7P e finalmente Comandante da BA6 no Montijo. Reformou-se com a patente de Coronel em 1998. 

A enfermeira pára-quedista Giselda Antunes à direita carrega a maca do Ten. Miguel Pessoa

Para final de história, em jeito de argumento de filme e dentro do espírito bem português, de conseguir ver sempre um lado positivo numa situação má, do abate que sofreu na Guiné, nasceria uma relação duradoura com a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes, que o socorreu em Guileje após o resgate, e viria a tornar-se sua esposa, no regresso definitivo a Portugal.


Perfil do avião em que seguia o Ten. Miguel Pessoa no dia 25/3/1973       Imagem: Paulo Moreno



Agradecimentos: Cor (Ref) Miguel Pessoa, Paulo Moreno, Carlos Santos, Cristiano Valdemar, Vicente Braz, Arnaldo Sousa

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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12206: FAP (78): Nunca tão poucos fizeram tanto com tão pouco... (António Martins Matos / Helder Sousa / Luís Graça)... Fotos do Artlindo Roda

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10269: CCAÇ 3325, Cobras de Guileje (1971/73): Parte II (Orlando Silva)



 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 5  de fevereiro de 1971 > Foto nº 7 > Pista de Guileje com algumas visitas militares: à direita, o Alf Rodrigues, Alf Cristina, o Capº Parracho ao centro e o Alf Almeida, com dois pilotos e com o nosso Guia Abdulai Jaló. [Segundo informação do nosso camarada António Martins de Matos, os dois pilotos são o ten cor pilav Almeida Brito e o maj pilava Pedroso de Almeida, e o DO-27 é o 3499].



 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 5 de fevereiro de 1971 > Foto nº 8 > Pista de Guileje com algumas visitas militares: à porta de armas, podemos ver da direita para a esquerda, o Alf Cunha, eu, o Cap Parracho ao centro, o Alf Cristina e o Alf Almeida, com alguns Oficiais Superiorers de Bissau.





 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Foto nº 6 > Uma Caserna/Abrigo acabada de construir



 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Foto nº 5 > Croquis do aquartelamento de Guileje (1971)

Fotos: © Orlando Silva (2009). Todos os direitos reservados.



1. Continuação da publicação da história da CCAÇ 3325, que esteve eem Guileje, de janeiero a dezembro de 1971, reproduzida aqui com a devida autorização do autor, José Orlando Almeida e Silva, ex-alf mil, residente em Aveiro (*)

CHEGADA A BISSAU – 26 de janeiro de 1971

Cabe aqui referir como aspecto altamente desmoralizante, a “propaganda” negativa de Guileje, que foi feita por elementos das Forças Armadas, inclusivamente por Oficiais, durante o único dia de estadia da Companhia em Bissau, logo que o navio atracou, sem qualquer conhecimento da região e das dificuldades que nos esperavam. De realçar que, tendo chegado num dia à noite, e sem qualquer experiência de combate, fomos enviados no segundo dia para o pior Quartel de toda a Guerra Colonial.

O comando notou, por isso, uma quebra nítida entre a disposição de toda a sua tropa um dia antes e um dia depois da chegada a Bissau, unicamente pelas razões apontadas, perdendo-se assim,  num dia, um trabalho de moralização de meses, obrigando a novo esforço no mesmo sentido, notando-se no entanto que se tinha perdido parte da confiança e alegria anteriores, o que só o tempo havia de voltar a dar. Podia afirmar-se que o IN não precisava de fazer acção psicológica neste aspecto, pois tinha quem a fizesse embora inconscientemente.

GUILEJE – 30 de janeiro de 1971


Como comandante do 2º Grupo de Combate dos Cobras de Guileje, e após ter lido o artigo publicado no jornal Correio da Manhã,  de 25/02/2008, não posso, em homenagem a todos os mortos e feridos, e a todos aqueles que não têm voz que os defenda, calar a revolta que me vai na alma. 

Porque sofremos em silêncio desde 1972 (regresso da Guiné), sem que a verdadeira história do Ultramar Português se fizesse, mais não fosse por homenagem a todos os mortos (que não se podem defender) e a todos os feridos que, como já disse, não são ouvidos por ninguém (só o são pelos seus familiares, que muito têm sofrido com isso), e porque sentimos na pele os rigores, a dureza, os sacrifícios e a dor, motivados pelo árduo cumprimento da n/missão militar e patriótica em Guileje, desde Janeiro/1971, tenho obrigatoriamente que corrigir os factos, e as afirmações de pessoas que, no desempenho das suas funções, e tendo abandonado (fugindo) o nosso Aquartelamento, vieram mais tarde afirmar que tinham sido obrigados a fazê-lo por estarem a ser atacados por todos os lados. NÃO É VERDADE!

A verdade é que os combatentes do PAIGC, como não vissem qualquer reacção às suas flagelações ao Quartel, começaram a aproximar-se lentamente, até que, ao fim de três dias, como viram que não havia nenhuma reacção (a população abandonou com as tropas), entraram à vontade no mesmo. Quem não souber o que aquilo era, até pode acreditar. Agora quem sabe, quem passou pelas mesmas situações mas trabalhou e não virou as costas, esses, apesar do sofrimento, sentem-se tristes com esta situação.

A minha introdução explica tudo isto. O aproveitamento pessoal de situações que o povo desconhece (inclui os Média), e a deturpação dos factos por vergonha da verdade. Mas ao calar, estávamos a ser cúmplices do que se tem afirmado, e estávamos a deixar que meia dúzia de pessoas ridicularizassem e envergonhassem uma mão cheia de Militares que se orgulham de ter defendido com honra as cores da Bandeira Nacional.

A confirmar o que acabo de dizer, basta assistir àquela novela que um Jornalista Português realizou e apresentou e está a apresentar em episódios na Televisão, filmado à volta da Guiné, Angola e Moçambique, mas entrevistando quase somente pessoas que tudo fizeram para ridicularizar de todas as formas a actuação dos Portugueses no Ultramar. Bem sabemos que aquele trabalho não foi feito por ignorância, mas sim direccionado para fins políticos.

E a sua intenção é “ocultar e disfarçar a cobardia de todos os Portugueses, que, arrastados pela degradação de valores que referi, julgam que ser democrático é criticar a História de Portugal e os Portugueses.”

Para demonstrar que não somos iguais, vou falar um pouco sobre a nossa actuação no TO da Guiné e mais propriamente em Guileje: Companhia Independente de Caçadores 3325 – Cobras  de Guileje

OFICIAIS E SARGENTOS


Oficiais:

Capitão Jorge [Saraiva] PARRACHO (hoje Coronel do Exército) – Comandante - Mafra
Alferes Adriano CUNHA (hoje Coronel da GNR) – 1º Grupo – Vila Real
Alferes Almeida e SILVA – 2º Grupo - Aveiro
Alferes Alberto ALMEIDA – 3º Grupo - Estarreja
Alferes Escalera RODRIGUES – 4º Grupo - Lisboa

Neste aquartelamento existia também um pelotão de Artilharia, comandado pelo Alferes Cristina – Portimão;  e um médico permanente: Alferes Acácio Bacelar (Dr) - Oeiras

Furriéis Milicianos:

Marreiro António – 1º Grupo
Maximiano Sousa – 1º Grupo
Bernardino Vale - 2º Grupo (Falecido em 16 de fevereiro de /1971)
Plácido Silva – 2º Grupo
Artur Pimenta – 2º Grupo
Manuel Oliveira – 3º Grupo (Falecido em 18 de abril de 1971)
Mário Prada – 3º Grupo
Acácio Barosa – 3º Grupo (Transferido para outra Unidade)
António Fragoeiro – 3º Grupo
João Noronha – 4º Grupo (minas e armadilhas)
Manuel Ferreira – 4º Grupo
António Bragança (2º Sargento) – 4º Grupo
Carlos Oliveira – 4º Grupo
Júlio Sequeira –Transmissões (Falecido em 17 de maio de 1971)
Alexandre Agra – Transmissões
Artur Alfama – Vaguemestre
José Jorge – Mecânico Auto
Luis Tomé – Enfermeiro


AQUARTELAMENTO

Vd. Foto nº 5, acima

–   Casernas/Abrigo
–  Caserna/Abrigo dos Oficiais
–   Secretaria/Depósito de Géneros e Secretaria
–  Bar dos Soldados/Enfermaria/Gabinete Médico
E
–  Comando/Alojamento do Comandante e Bar de Oficiais
–  Bar dos Sargentos
–  Transmossões
–   Capela
–  Messe
J – Cozha/Padaria
Escola
–  Paiol
M – Motor/Gerador
N – Abrigos de Morteiro 10,7
O – Campo de Futebol/Pista de Aviação
P – Heli-Porto
Q – Trilho para Gadamael por onde fugiu Coutinho Lima
R – Caminho de Garrafas feito pela C.Caç. 3325 (fotos 11/15/16)
–   Monumento aos Mortos feito pela C.Caç.3325 (fotos 13/14)
T – Avioneta que reconstruímos c/palmeira e lona (fotos 4/9/10)
X – Abrigo das Peças de Artilharia 11,4 (foto 19)

Sobre a Caserna/Abrigo (A) situada junto ao Abrigo dos Oficiais, estavam marcadas todas as direcções das Bases de Fogos do IN.

Chegados a 31 de janeiro de 1971 a Guilege, onde fomos render a CCAÇ 2617 que acabava a sua comissão neste Aquartelamento e ia ser transferida para Quinhamel, efectuámos uma sobreposição de 16 dias, realizando-se em 7 de Fevereiro a transmissão do Comando e daí a transferência da responsabilidade da Zona. [A CCAÇ 2617, os Magriços de Guileje, estiveram em Guileje de março de 1970 a fevereiro de 1971, L.G.]


A CCAÇ 3325 recebeu como reforço o 5º Pelotão de Artilharia pertencente à GA 7 que já se encontrava do antecedente em Guileje, comandado pelo Alferes Cristina.

Era uma zona particularmente difícil, com sérios problemas em todos os aspectos, onde a iniciativa pertencia de um modo geral ao inimigo, dado o grande potencial em efectivos e os meios que dispunha na região, dentro e fora do Território Nacional, e, pelo seu isolamento, Guileje só podia ter auxílio em caso de necessidade e rapidamente, através do apoio aéreo, e mesmo esse, só durante o dia.


O Inimigo circulava com um certo à vontade dentro da zona ou nas suas proximidades, utilizando inclusive viaturas no Corredor de Guileje, para as suas deslocações e transporte de material.
Procurou-se por isso, dentro dos condicionalismos impostos e dentro do princípio da economia de meios, ir progressivamente alargando as áreas de acção nas patrulhas que se iam realizando, podendo garantir-se,  ao fim de 3 meses, que não havia inimigo instalado na zona, o que se podia considerar excelente.


Nas primeiras flagelações sofridas, o pessoal reagiu bem de um modo geral e com calma, sem atropelos, nunca evidenciando sinais de pânico, embora logo no dia seguinte à nossa chegada a Guileje, tivéssemos sofrido uma flagelação com Morteiros 120 mm perfurante e Foguetões 122 mm.
A preocupação constante do comando era, a partir dessa altura,  a mentalização das tropas e a ocupação do tempo livre.

Para o nosso reabastecimento, existia unicamente uma picada entre Gadamael e Guileje, só utilizável após a época das chuvas e da intensa desminagem. Convém assinalar que estivemos isolados sem reabastecimento por terra durante 5 meses e meio. Até ovos nos foram lançados de pára-quedas.


Durante o mês de Março [de 1971] os reabastecimentos faltaram, ficando a tropa cerca de 15 dias a alimentar-se exclusivamente de pão e conservas. Também faltou a gasolina durante 8 dias, o que se reflectiu na actividade operacional, pois o pessoal teve de ser todo empregue no transporte a braço de água e lenha.

Todo o pessoal se encontrava bem instalado em abrigos-caserna (alguns em conclusão) à prova de 120 perfurante, com excepção de um Grupo, pois estava ainda a ser construido a caserna/abrigo que lhes era destinado (Foto nº 6).

A actividade da Companhia visava evitar que o IN se instalasse dentro da nossa Zona de Acção, procurando o contacto com ele, e criar-lhes insegurança para se evitarem flagelações frequentes ao Quartel, tanto pela execução frequente (diária) de acções, como utilizando a Artilharia e os Morteiros Pesados para bater a zona, e ainda manter o itinerário de reabastecimento livre. A Artilharia tinha instaladas 3 peças (Obus 11,4).

No dia 2 de Fevereiro de 1971, fomos visitados por Sua Exa, o General Comandante-Chefe António Spínola. No Brifing que se seguiu com todos os Oficiais, Sexa o General Spínola afirmou que, apesar de termos sido enviados para esta zona de guerra, e da inexperiência em combate, pois tratava-se de uma Companhia nova, confiava plenamente nas nossas tropas. Disse também, que iria acompanhar de perto a nossa actividade militar, pois iríamos enfrentar uma zona muito difícil.

Está mais que provado, de facto, que era a zona mais difícil de toda a Guerra do Ultramar.

No dia 5 de Fevereiro de 1971, fomos visitados pelo Comandante-Adjunto, Brigadeiro José Luís Ramires, e pelo Chefe e alguns Oficiais da Repartição de Operações do Comando Chefe. (Fotos nºs  7 e 8).

(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10264: CCAÇ 3325, Cobras de Guileje (1971/73): Parte I (Orlando Silva)

sábado, 28 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4088: FAP (20): Efemérides: 36 anos após a morte do Ten Cor Pilav Almeida Brito, abatido por um Strela em Madina do Boé (Miguel Pessoa)

1. Mensagem do Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74):

Luís:

Em 28 de Março de 2009 passam 36 anos sobre a morte do Ten Cor Pilav Brito (foto, à esquerda), abatido nos céus da Guiné quando pilotava um Fiat G-91 numa missão próximo de Madina do Boé.

Apenas conheci o TC Brito na Guiné mas, nos quatro meses que mediaram entre a minha chegada e a sua morte, tive a oportunidade de apreciar as suas grandes qualidades como Piloto, como Militar e como Homem.

Fomos os dois primeiros pilotos a ser alvejados por um Strela (que passou pelo meio dos nossos dois Fiats) em Campada (na fronteira norte) no dia 20 de Março; e fomos também os dois primeiros a ser abatidos por um Strela - eu em 25 e ele em 28 de Março.

Não me esqueço da importância que ele teve na minha recuperação, pouco tempo antes de ele próprio perder a vida, em circunstâncias idênticas, mas com menos sorte do que a que eu tive.

E também não me esqueço das palavras com que me acolheu, na minha apresentação:

"Você não está aqui para ganhar medalhas, mas sim para ajudar os nossos militares que estão para aí espalhados pelo mato".

Penso ter honrado a sua memória, pois foi isso mesmo que eu tentei fazer.

Miguel Pessoa

[Cor e bold, de L.G.]

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4077: FAP (19): Efeméride: há 36 anos sob os céus de Guileje 'Batata' procura e localiza 'Kurika' (António Martins de Matos)

(**) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)