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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9342: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (9): Fragmentos Genuínos - 7

FRAGMENTOS GENUÍNOS -7

Por Carlos Rios,
Ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66


Vista aérea de Bissorã

O tempo de permanência em Bissorã, já uma pequena cidade característica da colonização portuguesa e onde a sensação de isolamento patente em Fulacunda estava pelo menos psicologicamente sublimada, dado que, desde que devidamente protegidas já se organizavam colunas de viaturas e outras ligações por estrada com Olossato, Mansoa etc.., e onde as condições de aboletamento já eram minimamente aceitáveis, onde se verificava algum movimento, com o funcionamento ainda do administrador local, de alguns resistentes comerciantes mantendo a população residente na cidade como nas redondezas actividades autónomas, tendo curiosamente dois templos de culto, um católico e um muçulmano, realizando até semanalmente uma feira em campo aberto, onde se transaccionava uma parafernalha de artigos, teve em mim e penso que na maioria dos camaradas, pesem embora algumas acções e confrontos com o IN, um efeito retemperador e propiciador de um aumento de confiança , depois de um ininterrupto sucedâneo de tragédias e peripécias negativas até aí vividas.

O ambiente então proporcionado, permitiu-me, ainda que intermitentemente, passear palas tabancas das redondezas, acompanhado do meu amigo Djaló, um jovem nativo da Secção de Milícias que nos acompanhava e me servia de confiante companhia e de interprete. Raros eram os elementos da população estando autonomizados, que sabiam ou queriam falar ao menos crioulo, utilizando sempre os seus diversos dialectos. Uma curiosidade que pude detectar, era o facto de muitos escreverem com desenvoltura o árabe e nalguns locais se utilizar um idioma afrancesado, comunicando entre si, na errada convicção de que eu nada entenderia. Jamais me manifestei e foi-me de grande utilidade, deslocarmo-nos a algumas tabancas, com o prosaico intuito de observar e aprender, e onde, ainda que com alguma relutância inicial e que após pouco tempo, em que me senti como animal de feira a apreciar, se transformava na mais sincera e apreciada troca de opiniões, muitas das vezes tivemos que recorrer a garatujas desenhadas no chão, para nos entendermos.

Foi um tempo enriquecedor para mim, um compulsivo curioso, permitindo-me assim assistir a um sem número de vivências, rituais, danças tradicionais, jogos, cerimónias (estas nunca na totalidade) etc… das quais mesmo com as explicações do Djaló, francamente apenas retive alguns momentos em que uma estética rara e deslumbrante com uma beleza estonteante, que nos levava ao encontro de um etéreo visionamento. As próprias lutas (combates mano a mano), eram de uma dignidade e lealdade arrebatadora e elas próprias propiciadoras de esbeltos movimentos e momentos do conjunto em acção. Estes contactos despertaram em mim a curiosidade de conhecer os aspectos etnográficos, e assim vim a conseguir informação esclarecedora de muitas das minhas duvidas e que passo a transcrever mais à frente.

Mas porque o nosso “mote” era a guerra e o combate para o qual nos tinham empurrado e onde se teria de “matar ou morrer” tivemos mesmo assim neste períodos diversos recontros com o IN.
Ainda passados poucos dias de ter sido integrado na nova estrutura que agora constituía o grupo, e na escolta a uma coluna para o Olossato fomos vítimas de duas emboscadas, sendo atingido na barriga, com bastante gravidade um dos nossos habituais acompanhantes da Secção de Milícias.


Ainda mal refeitos das informações que nos chegaram sobre graves incidentes com o pelotão do Malaca dos Santos, era o nosso pelotão que actuava geralmente com uma Secção de Milícias, encarregado de executar uma emboscada na região de Embondé, já junto à estrada que vinha de Mansoa no caminho que conduzia depois da estrada ao Cambajo, aos primeiros vestígios que sentiram da nossa presença os elementos da população, que eram escoltados por dois guerrilheiros, no transporte de géneros para aquela base IN, fugiram desordenadamente, tendo nós capturado 20 deles que como era nosso timbre, entregamos na sede de Batalhão, não permitindo nunca, e já perfeitamente interiorizado e elogiado pelo nosso pessoal, menosprezos maus tratos físicos, ou verbais, antes tratando-os com a dignidade e respeito que o ser humano tem direito. Os géneros, confiscados, foram distribuídos pelos Milícias sempre disponíveis para receber as sobras com algum valor.

Contrapondo àquela nossa humanista preocupação e confirmando o velho aforismo popular “não há bela sem senão”, deu-se um acontecimento deveras insólito e dramático, proporcionado por um soldado da 1419, um mosca morta, pequeno e aloirado, donde parecia não poder advir nada de bem ou mal, mas que iludindo a vigilância do grupo de segurança ao conjunto de prisioneiros, enfiou pelo meio destes e numa demonstração de ódio e ferocidade inauditas, apanágio creio eu, de má formação, incultura e absorção da tremenda propaganda difundida e martelada pelo sistema político então vigente, e apunhalou um destes, liquidando-o sumariamente.

À boca pequena, contavam-se muitas estórias semelhantes. Oficialmente nada havia.
Quantas ignomínias e ferocidades cometemos ao longo de treze anos.

Foi ainda daqui que ficou interiorizada a má impressão e desilusão que me levam a ainda hoje uma negativa opinião da capacidade de actuação de alguns Grupos de Comandos na época, porquanto a par de invulgar destreza e destemor por parte de diversos Comandantes de Grupo e seus subordinados que digo com franqueza me deixavam pasmado, noutros casos e nas diversas saídas que tivemos com eles, mais que um grupo, podemos dizer que foram outros tantos revezes, porque havia sempre argumento para não avançarmos até ao objectivo: “já é muito tarde para atacar, tinha que ser na alvorada; houve demasiado barulho na aproximação; etc…etc…, nestas condições creio que o nosso grupo nunca tinha realizado um golpe de mão; fizeram-me recordar o velho grito épico do Caria, “Rumo a Fulacunda”.

Também em Bissorã vim a tomar conhecimento com a tremenda realidade que ainda estava reservada à nossa terrível passagem por este chão da Guiné onde nos tinham colocado, vejo hoje, para fazer uma guerra inaceitável e que na realidade tinha para alguns, objectivos obscuros que só agora entendo e são visíveis nas cópias dos blogues que apresento no fim.

"A guerra é um massacre de homens que não se conhecem em
benefício de outros que se conhecem mas não se massacram."
(Paul Valéry)

A zona de intervenção do Batalhão que veio a acabar em Mansoa onde pudemos verificar que as condições ainda se agravavam e onde tivemos maiores dificuldades e alguns revezes, abarcava uma imensa área com pavorosas e ameaçadoras condições de terreno, em que para além de imensa zonas de bolanhas pantanosas, que obrigatoriamente tínhamos que transpor, variadas vezes, tornando cada deslocação numa fonte de dificuldades, ainda tínhamos que contar, aproveitar a maré-baixa, para atravessar os canais de agua do mar que devido à orografia do terreno naquelas terras, são imensos, tendo em linha de conta que medeiam às vezes quilómetros entre uma maré e outra, e que fica no piso que tínhamos de percorrer, para além do terrível tarrafo (um tipo de vegetação que ficava quase submersa nas marés-cheias), uma espécie de argamassa que ao longe parecia compacta, mas que veio a revelar-se uma espécie de lama, mole, pegajosa, movediça, mal cheirosa, pútrida e de ténue consistência, só se conseguido atravessar, com tremendas dificuldades, sendo que nas maiores extensões terem de ser os mais altos e expeditos a terem de arrastar os mais baixos e alguns menos lestos que chegavam a correr riscos de atolamento. Estes eram momentos de terrível tensão dado, como chegou a acontecer sermos fustigados por parte do inimigo. Quando terminadas estas “travessias” parecíamos um conjunto de miseráveis soldadinhos de chumbo. Tremendas eram estas situações porquanto pouco tempo depois sob um sol e colores inclemente ficarmos secos e completamente enlameados, de tal maneira que nos dificultava ao movimentos, e com um cheiro nauseabundo.

As penosas situações em que por vezes fomos emboscados. Aqui maré cheia

A acrescer a este agreste e inóspito ambiente tínhamos ainda a toda a volta e obrigatoriamente nos percursos a atravessar as omnipotentes e majestosas florestas virgens, onde me parecia que a natureza tinha concentrado as suas forças para transmitir o que a vegetação tem de mais rico e variado. Para se conhecer toda a beleza que se pode usufruir destes autênticos santuários torna-se imprescindível introduzirmo-nos nestes locais tão antigos como o Mundo. Nada faz relembrar a cansativa monotonia das nossas florestas de carvalhos e pinheiros, cada ente constituinte deste luxuriante meio, tem por assim dizer, uma postura que lhe é singular, cada árvore tem um porte que lhe é próprio e a sua folhagem oferece frequentemente uma policromada tonalidade de verdes diferentes das que a rodeiam;

De comum apenas o ar majestático e a grandiosidade. Vegetação rasteira imensa, com lianas que abraçam as imensas árvores e onde se misturam e confundem sua folhagem, para atravessarmos este mar imenso de verdura tínhamos a maior parte das vezes de rastejar ou abrir caminhos com tremenda dificuldade á catanada.
Mais que uma vez tive a felicidade de ficar deslumbrado ao avistar alguma das imensas aves tropicais que habitavam este meio.
Enfim aqui nos meandros desta floresta que crescia ao deus dará, numa profusão de espécies que disputando o mesmo espaço muitas vezes se irmanavam e noutras se antagonizavam na procura da luz, que não era mais que a sua vida, não éramos mais que infinitésimos seres desambientados no seu interior, sentindo-a vigilante majestática, agreste e opressiva, ciosa da sua imponência e recato. Aqui me sentia como que protegido e resguardado por um manto de ilusão como se estivesse a ser objecto de afagos maternos. Quanta nostalgia.

Tomando como certa a informação de um dos elementos que antes tínhamos capturado, o Comando, encarregou-nos de executar um golpe de mão à tabanca de Quenhaqué, onde se realizava uma cerimónia, onde se iriam encontrar vários elementos do IN. Não sei porquê o Rui aceitou com alguma relutância esta missão. Avançámos a meio da noite, em conjunto com outro pelotão que ficou emboscado para proteger o nosso regresso e avançámos já de madrugada tendo o nosso pelotão sido dividido em dois, em que o grupo que eu comandava circundou a tabanca após o que daria o sinal para o restante pessoal, comandado pelo Rui entrar na mesma, Não chegámos a concretizar o plano porque fomos detectados e de dentro da tabanca, rebentou forte tiroteio. Rispostámos de imediato sobre elementos que entretanto se tinham posto em fuga, tendo abatido seis e capturado três armas, após o que encetamos minuciosas buscas na procura se mais armas o que não aconteceu, mas vindo a capturar um elemento do PAIGC, que me fez ver praticar o maior e mais arrepiante e ousado acto de insubmissão e lealdade de um ser humano. De mãos atadas atrás das costas no centro do nosso grupo, pediu para lhe pormos as cordas menos apertadas. Assim que sentiu aquelas ligeiramente mais frouxas ainda sem terminado o acto desatou em louca correria de fuga pelo meio do capim vindo a ser abatido, passados poucos metros por um elemento do grupo emboscado.

Já com o conhecimento do facto, de que iríamos para Mansoa, parti para férias na Metrópole, vindo a regressar aquela cidade em 06AGO66, para dar inicio ao mais violento e agressivo período, com que a Companhia se debateu, foi um tempo em que a par das inóspitas, agrestes e perigosas condições do terreno em que tivemos de actuar imensas vezes, algumas delas com fortes e trágicos revezes, ainda tivemos de suportar um ambiente húmido e infestado de milhões de mosquitos que não permitiam um momento de descanso fora dos mosquiteiros.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9336: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (8): Fragmentos Genuínos - 6

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9336: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (8): Fragmentos Genuínos - 6

FRAGMENTOS GENUÍNOS - 6

Por Carlos Rios,
Ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66


Era patente o ar de desânimo que se tinha instalado na Companhia, conducente a verdadeira pusilanimidade em todas as acções desenvolvidas, situação que criou em mim, já na altura um inconformado, impulsivo e obstinado, uma vontade de sair daquela modorra e requerer a transferência para os Comandos, o que provocou acesa troca de palavras com o Malaca dos Santos, o único que eu aceitava como interlocutor o que, por minha teimosia de nada valeu e lá fiquei a aguardar a chamada.
As memórias já difusas, passados que são mais de quarenta anos, não me permitem afirmar em absoluto, se ainda com o C. presente ou pouco depois apresentou-se para comandar um pelotão desanimado, amorfo e ainda chocado com o desaparecimento do seu líder e grande amigo Vasco, o Rui Alexandrino Ferreira. Apareceu-nos então um jovem Alferes, com um aspecto imberbe, parece-me que ainda não se barbeava; com uns óculos de lentes grossíssimas nuns aros de tartaruga mas com sentido de presença e um ar azougado e obstinado.
Foi displicentemente e com desconfiança recebido, o que aparentemente não o beliscou nada. Praticamente dávamos a entender que nós os velhinhos (que prosápia), não lhe passávamos cartão. Muito me tenho retratado ao longo da vida desta atitude de crianças rabinas. Que abnegação perseverança e tenacidade terão que ter existido neste HOMEM, para a prossecução dos objectivos que pretendia alcançar.

Quase de imediato saímos para o mato num patrulhamento e pesquisa de um hipotético objectivo (casa de mato), e espantados, vimos que o grande Rui se postava quase à testa da coluna, nos lugares de maior objectividade e em qualquer lugar passível de haver perigo.
Aparentemente indiferente aos piropos e apartes de alguns, (quão confrangido me senti muito pouco tempo depois por não ter intervindo mandando-os calar).

Ouvia-se:
- Será que o periquito sabe o que está a fazer?
- Dá cá o bico oh periquito!
- O gajo é mas é marado! É o que é! Só cá podia vir parar mais um tolinho!
- Esperem até que rebente alguma bernarda que logo vão ver o gajo todo acagaçado.
- Tás maluco! O Sacana é fino! – vais ver que se aguenta

Notava-se já um desanuviamento, eu próprio começava a sentir-me motivado e vazio de dúvidas.
Depois desta incursão e comportamento claramente demonstrativos de uma invulgar personalidade, que rapidamente calou os desbocados, e fez começar a desaparecer o desânimo instalado e aparecer imensa expectativa.
O Rui, apenas pelo seu valor e maneira de ser, adulterou as rigorosas regras comportamentais que disciplinavam e eram regra até à sua chegada, como na generalidade das Forças Armadas, numa forma até então considerada óbvia, o rígido relacionamento entre as três categorias que integravam a Companhia, Oficiais, Sargentos e Praças. Era porém diferente a visão do Rui e rapidamente passou da teoria à prática.

Creio que ainda hoje não me passou a estupefacção que me assaltou e me fez aderir incondicionalmente, nem que isso viesse a acarretar quaisquer dissabores. Não posso olvidar a sensata entusiasmante e eficaz intervenção do meu amigo Zé Monteiro no autêntico derrube de um sistema de relacionamento dogmático e divisor entre pessoas onde é necessária uma profunda coesão.
Seríamos sempre dois a acarretar com as responsabilidade de alterar códigos obsoletos.
Para além, muito para além, da existente e obsoleta hierarquia formal onde diariamente era esbatida e vinha ao de cima o valor humano de cada um na entrega e defesa da vida e dignidade gerais, sendo evidente as tentativas de auto-exclusão, salvo raras e honrosas excepções dos mais graduados, estava para nós a horizontalidade do primado do Homem.

Independentemente do posto, todos eram homens, com as suas qualidades e defeitos, manifestando as suas alegrias ou tristezas transmitindo algumas vezes com intensa emoção as suas incertezas, dúvidas e esperanças; porque estas são as últimas a morrer. Ali cada dia passado era uma conquista alcançada no atroz sofrimento da dúvida em prosseguir a vida ao encontro do seu saudoso lugar de direito. Mas acima de tudo a todos terem de ser encarados na sua imensa dimensão humana.
E neste ínterim, porque assim nos víamos e considerávamos, o Rui foi o precursor do tratamento de todos por igual, independentemente do posto de cada um sugerindo reciprocidade, fazendo despoletar em nós os mais belos e nobres sentimentos, este jovem imberbe tão invulgar se nos afigurou que rapidamente conquistou e conseguiu aquilo que me pareceu ser o seu objectivo, vindo a criar-se no grupo um sentimento de amizade e solidariedade imensos, fazendo desaparecer o desânimo e alguma intolerância, desencadeando uma empatia em que por incentivo conjunto se veio o pelotão a tornar no grupo temível e empolgado que, quando flagelado não se abrigava ou defendia, mas sim irrompia, de peito aberto com um volume de metralha incomensurável contra o inimigo e o desbaratava e punha em fuga.

Já entrosados em profunda empatia e solidariedade com elevado grau de confiança e entusiasmo estruturantes do grupo, fomos fazer um golpe de mão a uma casa de mato do inimigo em Binhalom. Na fila a caminho e ao encontro do objectivo, como de costume ocupava o segundo ou terceiro lugar vindo pouco depois o Rui e mais atrás o vigilante perspicaz e ponderado Zé Monteiro, que psicologicamente, como ainda hoje com todo o respeito sinto, como que me fazia sentir protegido de uma grande enxurrada por um polivalente chapéu de chuva, detectados e recebidos por valente saraivada de rajadas que felizmente não feriu ninguém, de imediato nos lançámos em avassalador e inconsciente ataque à posição IN, reagindo em conjugação de esforços todo o pelotão a maioria imitando-nos a mim e ao Rui sempre de pé, porque do chão nada se via, nada se controlava e o que poderia acontecer era desatarmos aos tiros para o ar, nada se dirigia e pouco se reagia, com a ajuda e protecção da sorte e da fortuna, essenciais nesses momentos, mas que tudo fizemos para o merecer e a sorte protege os audazes, disparando intensamente e corrigindo a pontaria, lançando eu próprio algumas granadas de mão sobre as posições donde pareciam provir os tiros conseguimos levar ao abandono do local os elementos do IN, muito embora de cada vez mais longe se continuassem a ouvir esparsas rajadas na fuga ao nosso avanço. Entrados então em Binhalom onde destruímos diversas tabancas duas canoas e capturámos algumas armas.

Vista geral do exterior do lado da porta de armas, ao fundo

Numa das curtas permanências em Fulacunda, o sentimentalão do Ferreirinha, irradiando alegria, dizia-me na cantina, depois de emborcarmos umas “Bazookas” :
- Eu não te dizia que se vinha juntar a estes mais um tolinho. Que maravilha.

Aspecto geral da Tabanca em Fulacunda

Homem de uma extraordinária humanidade fez-me a cortesia de escrever e publicar em livro de sua autoria:

“… mas tendo por especial referência o Rios, que foi ao longo do tempo que passou entre nós até ser gravemente ferido o elemento mais activo, dos que nunca se incomodava na busca de um abrigo ou de outra qualquer protecção. Ás vezes em manifesto abuso da sorte, como bem se viu, pois tantas vezes vai o cântaro à fonte que um dia lá deixa uma asa. Mas era uma força da natureza. Certamente sem ele a minha acção teria sido bem mais difícil senão mesmo impossível de levar a bom porto.
Nunca lhe poderemos, nem eu nem seguramente todo o grupo, que legitimamente era e será sempre o seu, retribuir o muito que por nós sacrificou, a generosidade com que nos brindou, o exemplo que nos contagiou e que só têm paralelo no orgulho imenso que por ele sentimos, na eterna gratidão que lhe devemos.
Poucos furriéis milicianos têm seguramente uma Cruz de Guerra de 1ª. Classe como ele. Se mais algum a tem certamente a não mereceu mais".

Pouco tempo passado fui então chamado para em Brá-Bissau, sede do Regimento de Comandos, prestar provas psicotécnicas e físicas para admissão ao próximo curso destes agrupamentos, tendo-me portado a contento e mandado assim que possível de regresso à minha anterior situação até à necessária chamada. Foi um período de tempo inimaginável de solidão e nostalgia, pois que o tempo ali passado abarcou o período de Natal e passagem do ano, e não consegui vislumbrar um único aspecto de solidariedade ou de inter-relacionamento comigo ou entre os elementos que por ali se passeavam cheios de empáfia, de lenços coloridos ao pescoço, com um ar soturno que inibia os novatos. Os sentimentos que me assaltaram eram tão negativos que para além da dorida saudade dos entes queridos e das lembranças da santa terrinha até dos meus camaradas da Companhia a que pertencia senti falta.
Enfim, felizmente que depois de chamado, não cheguei a ir para os Comandos, por razões que mais à frente destacarei, porquanto tenho das diversas vezes que operámos em conjunto com alguns grupos de Comandos uma péssima opinião.

Na segunda semana de Janeiro lá me mandaram embarcar numa coluna que se destinava a Bafatá para sair em Bissorã, local para onde tinha sido deslocada a minha Companhia, sendo ao apresentar-me no pelotão sido confrontado com uma ideia engendrada pelo Rui, e à qual aderi de imediato porquanto vinha ao encontro e preenchia totalmente as minhas perspectivas. Resolveu o sagaz camarada mais graduado do pelotão criar um grupo para o qual só entraria quem quisesse aderir à ideia, quase a totalidade dos constituintes do anterior pelotão o fez entusiasticamente, o Zé Monteiro mostrou-se um pouco recalcitrante à ideia, mas o espírito de solidariedade, coesão e amizade já existente naquele bloco, falaram mais alto e com o grupo recomposto e readaptado a funções mais interventivas e beligerantes (estaria o grupo sempre preparado e disponível para um eventual primeiro embate), tentava-se assim fugir aos serviços rotineiros, faxinas, guardas, etc… e ao qual resolvemos baptizar de “Insaciáveis” e pusemos a divisa de “Comandos da Caç1420” – que falta de parcimónia/que prosápia. Não tivemos nenhuma baixa mortal, sendo meu orgulho pelo cumprimento da minha missão ser eu o que mais estropiado ficou de entre os vários feridos em combate, quando co-responsável por aquelas três dezenas de Homens.

A estes jovens foi reconhecido valor e mérito que se traduziu em:

- Alf. Mil. Rui Fernando A. Ferreira – Cruz de Guerra de 1.ª classe
- Fur. Mil. Carlos Luís M. Rios - Cruz de Guerra de 1.ª classe
- Sold. José Ferreira dos Santos - Cruz de Guerra de 2.ª classe
- 1.º Cabo Manuel Oliveira da Silva - Cruz de Guerra de 3.ª classe
- 1.º Cabo Fernando Vieira Sampaio - Cruz de Guerra de 4.ª classe

Foram ainda merecedores de louvores do Comando de Sector (Agrupamento de Mansoa) os seguintes militares:

- 2.º Sarg. Artur Dias Ameixa - Um estóico e exemplar representante do Q.P.
- 1.º Cabo António Marques Oliveira - A serenidade e sensatez
- Sold. José Marques Fernandes (Zé do Eixo)- A audácia e desembaraço
- Sold. Américo Dias da Silva - Calmo e ponderado numa total e consciente entrega foi considerado “o exemplo do soldado Português".

Foi ainda louvado pelo Comandante do Batalhão o 1.º Cabo Radiotelegrafista Valdemar Ferreira Vilela - A personificação da compenetração e competência.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9320: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (7): Fragmentos Genuínos - 5

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9320: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (7): Fragmentos Genuínos - 5

FRAGMENTOS GENUÍNOS - 5

Por Carlos Rios, 
Ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66

A minha curiosidade e ânsia de aprendizagem e o imutável espírito popularucho que sempre fez o meu tipo, contribuiu para que em todo o tempo e locais por onde passei, me interligasse com toda a facilidade com as populações e estas me aceitassem quase sem reserva.
Aqui em Fulacunda e através do Soleimane Djaló e do Salu, milícias que trabalhavam comigo observei e participei em algumas actividades que a população realizava.

Mais que uma vez o Soleimane acompanhado com diversos elementos em que se incluíam mulheres me veio ao quartel chamar para ir à pesca com eles.
O meu amigo pedia-me para levar duas granadas, o que eu fiz embora de pé atrás, desconfiado, levando também à cintura ma pistola Walter e a minha acompanhante, a Formosa (G3); saí a sorrelfa do arame farpado (nunca na Companhia ninguém soube) o aparecer armado, mereceu alguma critica, – não tem perigo Rios, dizia o Soleimane, quando me juntei ao grupo já na tabanca e onde muitos demonstraram o seu desagrado, mas depois de algumas explicações em que transmiti a minha insegurança, não fosse aparecer algum inimigo, etc… lá aceitaram relutantemente e partimos pela picada por 4/5 Km até ao porto no Geba.

Este grupo era constituído por todo o tipo de população em que se incluíam mulheres e crianças e transportava imensos cestos, esteiras e catanas.
De notar que eu era sempre o ultimo da fila; alguma insegurança, sei lá?

Chegados ao local, estava a maré vazia, o pessoal espalhou as esteiras pelo chão e pôs-se na beira da rio com os cestos e as catanas, após o que o Soleimane me disse para lançar as granadas para dentro de água .
Poucos momentos passados um imenso cardume de todo o tipo de peixes, vogava à superfície e foi recolhido em grande quantidade com os cestos principalmente utilizados pelas mulheres, enquanto os homens aos pares junto do tarrafo apanhavam ostras às centenas, enquanto um aparava com um cesto, o outro com a catana raspava aí para dentro as grandes quantidade ali presas.

As mulheres espalhavam o peixe nas esteiras, escolhiam os que entendiam e logo ali na beira do rio os arranjavam e escalavam para depois de preparados, salpicavam-nos com sal e qualquer outro ingrediente que nunca soube o que era, para serem postos ao sol nas coberturas dos tabancas.

Depois do regresso e após um retemperador banho de agua fria, o regresso era sempre muito cansativo e ensolarado dirigia-me à cantina onde se comentava que de certeza ao “turras” tinham bombardeado algum barco patrulha da marinha lá para os lados do porto porque se ouviram bem os rebentamentos. Pela minha parte moita carrasco!

Grandes petiscadas de ostras, peixe seco, etc..etc… fiz no seio da tabanca! Só o diabo dos picantes e bebidas é que eram fogo.
Só muitos anos mais tarde tive oportunidade de entender o porquê daquela preparação do peixe, quando em Sesimbra vi um sistema de tratamento e secagem do bacalhau.

Passados mais alguns dias de momentos e vivências num meio hostil, agreste em que a par de milhões de mosquitos e toda a espécie de insectos, também o barulho ensurdecedor do gerador, e a natural ansiedade e sobressalto pouco nos deixavam descansar, apresentou-se a Companhia 1423, comandada pelo então Capitão P. A., sendo que no dia seguinte saímos em conjunto para uma operação, dita pelos chefes, de grande importância, seguindo então através do capim dado que a estrada se encontrava cheia de abatizes e o caminho por aí nos tornar mais vulneráveis. Perto de Nova Sintra onde à posteriori veio e ser construído um destacamento nosso no entroncamento com a estrada que levava à Ponta de Maasa, já no litoral do rio Geba, o Comandante da Operação mandou avançar ao encontro da estrada decidindo que o nosso Pelotão devia formar três colunas de frente, sendo que após o a realização desta actividade retornaríamos àquele lugar que era o de encontro, o que foi feito, ficando o Vasco à direita eu no centro e o Monteiro na esquerda.

Assim que entrámos na picada aconteceu aquilo que se pode considerar o nosso baptismo de fogo. Fomos confrontados com uma imensa fuzilaria a partir do interior da mata do outro lado da estrada. Coibidos de nos movimentarmos e disparar ou actuar sem pôr em risco os nossos camaradas que se encontravam a par connosco, conforme a desbragada técnica que engendrou o Comandante da operação, e com receio e na iminência de ficarmos imobilizados, avancei de supetão, acompanhado por todo o Pelotão, impulsiva e obstinadamente, sendo nesta altura que toda a coluna se partiu, porquanto o resto das Companhias recuou para o local de encontro já esfrangalhado em grupos, vindo o nosso pelotão e ficar segmentado em três, cada uma das secções laterais tomado a sua direcção e conseguido os meus rapazes obrigar à fuga dos elementos do IN tendo dois destes sido feridos deixando no terreno uma metralhadora PPSH, uma das primeiras a ser capturada na Guiné-Bissau.

Dramático veio a tornar-se este nosso baptismo de fogo, porque seis dos elementos do grupo que estava à minha direita e em que estava incluído o meu amigo e conterrâneo Alferes Miliciano Vasco Sousa Cardoso, curiosamente sobrinho do na altura Governador Geral de Angola, General Silva Tavares, o que pôs em polvorosa as cabeças pensantes daquele Sector, veio a perder-se e infiltrar-se em zona onde proliferavam forças do IN que lhe moveram implacável perseguição durante dois dias, onde passaram provações tremendas acabando depois de um deles se ter suicidado com um tiro na cabeça, já depois de um outro se ter deixado arrastar pela corrente do rio, acabando o Vasco por ser abatido e tendo o Leiró por ultimo sido capturado. Foi por este elemento que foi depois evacuado a partir da Guiné-Conacri, creio que depois de três anos de cativeiro através da Suíça para Portugal. Apenas viemos a tomar conhecimento destes dolorosos momentos, já que uma aura de incompreensão e mistério nos acompanhou, nada jamais nos foi transmitido, já nos anos noventa por nos ter chamado a atenção um artigo numa das revistas da época, e nos deslocámos a Marrases-Leiria (aquilo a que auto-chamo a confraria sempre presente) - o Rui, o Malaca dos Santos, o Monteiro, o Bastos, o Cabral e o Rios, enfim a nata da Companhia. Ah..ah…ah…! Os corpos destes infelizes jovens filhos de Portugal nascidos numa época madrasta para a juventude, exceptuando os filhos e afilhados de figuras de proa e os que fugiam, por lá ficaram a servir de pasto nas miseráveis condições atmosféricas, aos predadores que por lá existiam – esta é a ditosa pátria minha amada!!!

A par da actividade normal e tímida desenvolvida pela desmotivada Companhia, algumas peripécias verdadeiramente rocambolescas iam servindo como motivadoras de uma maior aproximação e conhecimento do pessoal. Num dos dias, entendeu o inaudito Capitão C. que se devia abater uma vaca que tínhamos capturado e trazido para o aquartelamento de um dos patrulhamentos que tínhamos realizado nas redondezas, e munindo-se de uma pistola disparou dois tiros no bicho, ele mais não fez que soltar débeis mugidos mantendo-se placidamente de pé, ai o azougado Silva, condutor auto-rodas, que já não conduzia pois que tinha entrado directamente com o jipe, dentro do buraco junto da messe de Sargentos que o Cap. C. tinha mandado abrir igual ao que também mandara fazer, colado a messe de Oficiais e destinados a abrigos de protecção, pegou numa segunda-feira (marreta de cinco quilos) e pum…, deu uma pancada brutal e certeira na cabeça da vaca e ei-la como fulminada virada de pantanas, ganhou de imediato o cognome de mata-vacas que ainda hoje nas nossas reuniões de confraternização o acompanha; veio a ser um precioso auxiliar do Jaime, o cozinheiro da nossa messe. Nestes buracos que nunca serviram para nada, o da messe de Oficiais foi ainda palco de uma das mais hilariantes cenas a que assistimos: Num violentíssimo ataque ao aquartelamento em que caíram dentro deste dezenas de granadas de morteiro que provocaram imensos estragos, felizmente, sem acidentes pessoais porquanto na maioria nos metemos dentro dos abrigos desmoronou-se para dentro do abortado pré-abrigo a parede lateral da messe e que correspondia ao quarto dos Capitães C. e P. A., pelo que aquele ainda não completamente refeito do ataque, chamou o pessoal, para retirar os escombros e procurar a sua estimada máquina fotográfica, sendo que um dos rapazes ao encontrar uma máquina se apressou a entregá-la ao nervoso e ansioso Caria que de imediato respondeu: - Esse caixote é do P. A., a minha é uma Kodak genuína. Foi o efeito descompressor da tensão daqueles rapazes e o motivo de imensa gargalhada geral.

Com este conjunto de acontecimentos vividos na área de intervenção da Companhia na solidão e isolamento deste local cercado de uma imensidão de mata verde luxuriante que deveria aparentar paz e tranquilidade, mas que era em nosso entendimento, propiciadora dos maiores receios, ansiedades e perigos que se vieram a confirmar; houve ainda oportunidade para as peripécias o mais caricatas possíveis. A messe de Sargentos era mensalmente gerida por um dos comensais, tendo nesta ocasião calhado ao inaudito trovador, Ernesto Fernandes (parece que ainda o estou a ver onde passava a maior parte do tempo; placidamente deitado a simultaneamente, fumar umas cigarrilhas de cheiro horroroso (Negritas), a ler e a beber latas de leite com chocolate; raramente tomava uma refeição como nós entendemos como normal. O Ernesto (bela voz que acompanhava à guitarra, é de origem indiana o que se nota acentuadamente), resolveu um dia presentear-nos com um almoço VIP, com dois pratos.

Estupefactos, quando nos sentamos à mesa, estava com a respectiva chave, dentro de cada prato, uma lata de atum ou sardinha em conserva por abrir. Quem quisesse podia trocar, eram dois pratos dizia o cómico sacripanta. Foi uma paródia pegada para a malta, apenas um pretensioso, isolado complexado Sargento da Companhia barafustou. Como nota curiosa relembro-me do ênfase com que esta codiciosa criatura salientava o facto de já aqui ter feito, em Fulacunda, uma comissão como Furriel Miliciano, mas curioso é que nas diversas conversas com as nossas conselheiras na tabanca, nenhuma delas o conhecia.

Ainda traumatizados e rejeitando sub-conscientemente, a perca do Vasco Cardoso e dos seus companheiros, acreditando que os mesmos ainda poderiam aparecer, ficamos ainda surpreendidos ao tomar conhecimento da ida do Cap. C. para o Hospital de Bissau, para tentar, o que conseguiu, a evacuação para a Metrópole, invocando o agravamento na inócua deslocação a Uaná Porto, que deu origem a sua épica frase “Rumo a Fulacunda”, que utilizava a todo o momento nas parcas curtas incursões que fez fora do Aquartelamento.

Foram feitas alterações na Companhia de tal modo que de quatro passámos a três Pelotões passando o Serigado que era o comandante do segundo pelotão e com o desaparecimento do Vasco a livrar-se das saídas para o mato, passando acolitado pelo inefável Dr. D. N., a comandar interinamente a Companhia.

O Serigado para além de ser o introvertido que já tínhamos detectado desde o início da formação da Companhia ainda em Abrantes, veio a revelar-se um individuo calado, distante e frio, alentejano complexado e desconfiado, que ao assumir o Comando da Companhia, criou um clima de difícil relacionamento porquanto eram visíveis e intoleráveis para nós os tiques de sobranceria e displicência que ostentava despudoradamente, inadequados quanto a nós para um miliciano e poucas vezes encontrado nas nossas andanças e contactos com diversos Oficiais do Q.P. de patente superior.

Nestas alterações e durante um pequeno período ficou o nosso grupo sem comandante de pelotão.

(Continua)
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Nota de CV.

Vd. último poste da série de 4 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9310: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (6): Fragmentos Genuínos - 4

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9310: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (6): Fragmentos Genuínos - 4

FRAGMENTOS GENUÍNOS - 4

Por Carlos Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66

Transportados para Fulacunda um dos lugares que se pretendia servir de tampão e dissuasor de pelo sul o IN chegar a Bissau, apenas tenho memória da viagem até ao porto no rio Geba que ficava a 4/5Km da localidade, de se avistar a perder de vista uma imensa e impenetrável floresta e da linguagem do inefável barbeiro da Companhia, o grande amigo Antonino Marques, já então como que de sobreaviso com as tropelias e prepotências que se vieram a verificar por parte do Alf. Serigado e do medroso Ferreira de Almeida, altamente vernácula e que se tornou paradigma nos considerandos e conversas que frequentemente mantínhamos.

Diversas vezes entrou em choque com o Serigado, nunca lhe perdoando; de tal modo que na primeira confraternização para a qual depois de já termos feito algumas, lá ter eu próprio convencido o Serigado a participar, tendo vindo acompanhado por um filho adolescente, e obrigando-me a tentar por em prática uma política de boas relações, o bom do Antonino quando nas despedidas o Serigado o pretendeu cumprimentar lhe disse na sua voz estentória: eu não conheço o senhor de lado nenhum, e assim ficou. É hoje este meu grande amigo o Barbeiro de Meruge – Oliveira do Hospital.

Aqui após o desembarque e posterior transporte por uma desesperante picada cheia de buracos e enlameada de tal modo que um dos unimogues que nos veio buscar se atolou, e em que um dos jovens desconhecedor como todos, das características da floresta bateu inadvertidamente com o corpo num arbusto ficando com uma comichão que o fez arrastar-se no chão para tentar suavizar o ardor; era, viemos a saber depois através dos velhinhos que íamos substituir o feijão-macaco. Chegados ao aquartelamento, um rectângulo rodeado de arame farpado e sem ligações com nada excepto este porto ou uma improvisada pista de aterragem, dentro do aquartelamento existiam algumas casas de antigos colonos e que serviam de messes enfermaria etc… e um refeitório e Bar, para além de já construídas duas casernas; no exterior havia uma tabanca e algumas casas abandonadas mas funcionando ainda um posto de correio, onde estava colocado um jovem cabo-verdiano que era o nosso companheiro de actividades e alinhando na fragilíssima equipa de futebol do sul, donde éramos meia dúzia e servíamos de batuta para o resto do pessoal. A nossa Companhia tinha como maior componente, pessoal oriundo das beiras.

Aqui começávamos a sentir a realidade de uma vivência em guerra cheia de agruras turbulências e peripécias algumas delas rocambolescas mas qualquer delas traumáticas e de inimaginável tensão; para além da tragédia da morte e desaparecimento de grandes amigos e camaradas. Na primeira noite ainda muito confiante e pouco avisado deixei-me adormecer numa cadeira tipo baloiço (de design militares das colónias - feitas com as tábuas dos barris do vinho), no alpendre das nossas instalações, só acordando por mor das milhentas picadelas de mosquitos que por ali pululavam aos milhões. Que banquete, eu já na altura era suficientemente anafadinho. Enfim fui o motivo para risada geral: os trastes hem!!!

Após poucos dias de estadia em Fulacunda e ainda sem uma completa adaptação ao meio, onde as noites eram passadas em sobressalto com os ruídos naturais tanto de algum movimento na Tabanca o natural rumorejar da floresta, e os guturais gritos dos macacos-cães, principalmente em dias de chuva e ventos, e que se tornavam verdadeiramente assustadores para estes neófitos e isolados guerreiros, saímos em patrulhamento no sentido de Uaná Porto. Esta tabanca ficava situada no terminus de um vale junto do rio Corubal e à beira duma mata intensa, sendo que por todo aquele vale/planície se via uma extensa plantação de arroz, vindo só junto ao rio a aparecer a povoação; era uma paisagem paraisidiaca, tendo nós assistido ao nascer do sol que era mesmo no sentido do Rio, é indescritível a beleza e sentido de paz que pairava etereamente no ar; no meio de um silêncio profundo, um camarada não se conteve, mandou às urtigas as recomendações de surpresa e disse em alta voz: “Oh meu Deus porque é que fazes guerras aqui”. A ansiedade era enorme, transformando-me numa autêntica pilha de nervos. Exceptuando uma rajada que um camarada nosso com menos auto-domínio executou e em que a espingarda logo encravou regressámos ao aquartelamento sem mais qualquer incidente. A sugestão do médico da Companhia, Dr. Dias Neves, do Montijo (era talvez o melhor atirador da Companhia; vi-o matar em pleno voo um pato bicanço), tinha pela sua maneira de ser um grande ascendente sobre o Cap. Caria e influenciava facilmente as decisões deste, toda a Companhia foi para a pista de aterragem fazer fogo para o mato a fim de testar as armas. Uma percentagem elevada estava inoperacional.

Hoje, por sobre o aquartelamento e redondezas desencadeou-se um tremendo temporal que faz desta noite um tempo de temores e sobressaltos, tal é a quantidade de água da chuva que mais parece uma catadupa permanente que se abate sobre tudo, acompanhada do mais rigoroso trovejar e com relâmpagos, com só vi na Guiné, e que são de tal modo que se vêem em sequência por centenas de metros iluminando tudo até para lá da pista de aterragem a ponto de se entreverem difusamente os contornos do início da floresta da Bianga.
Tudo se me afigura intimador e desconhecido. Entretanto já bastante tarde foi mandado chamar o nosso guia, Malam Sanhã. Era um homem já de idade (um Homem Grande) de porte altivo e forte presença, era muçulmano e usava os trajes condizentes, homem de poucas palavras, aceitava a missão de nos guiar e encaminhar para os locais onde pretendíamos agir sem o mínimo comentário; entendia-nos perfeitamente.

Reunida a Companhia, já transformada em três Pelotões, e mesmo em face aquelas inóspitas condições, lá tivemos que sair para o mato, sendo que apenas saímos com dois Grupos acompanhados dos sempre presentes elementos das milícias, com alguns dos quais estabeleci fortes laços de amizade, e alguns carregadores que sempre nos acompanhavam, (estes elementos eram recrutados entre a população e iam sem qualquer armamento levando em bolsas adaptadas as granadas de Bazooka e de morteiro e aos quais era pago uma quantia ridícula; desta vez tive, ao vir atrás trocar impressões com alguns camaradas, pois o meu lugar era como de costume o segundo, no caso logo atrás do Malan, a desdita de verificar que um destes pobres apresentava indícios de sofrer de poliomielite ou qualquer outra doença, pelo que lhe era bastante difícil caminhar; mas coitado pelos míseros pesos=escudos que iria receber lá ia sujeito a por ali ficar. Que desumanidades cometemos.


Lá avançámos a caminho do objectivo debaixo daquela tempestade do fim do Mundo, encaminhamo-nos, depois de atravessar a tenebrosa mata da Bianga, período durante o qual se afastou o temporal a que se seguiu um opressivo silêncio e escuridão de tal monta que tivemos de nos agarrar todos ao elemento da frente e onde amiudadas vezes caíamos ou batíamos com a cara na coronha da arma desse elemento, valeu-me nesta aflição ser o segundo logo atrás do Malan Sanha e as suas roupas serem mais claras. Aproximamo-nos do Rio Geba e ouviam-se nitidamente, para além de indecifráveis e misteriosos ruídos, uns estalos secos, que mais pareciam tiros à distância.

Questionei o Malan Sanha!
E este na sua superioridade cultural e calma placidez apenas disse: - É a mar… Rios, é a mar…

É verdade, os estalidos provinham do tarrafo que crescia a esmo à beira dos canais do Geba e em todas as enchentes de maré estalavam muitos e provocavam aqueles ruído seco.
Prosseguimos e ao alvor da madrugada entrámos no objectivo: afinal uma tabanca com todos os vestígios de ter sido abandonada recentemente e onde havia um imenso laranjal onde nos abastecemos, após o que regressámos sem incidentes e em menos de um quarto do tempo a Fulacunda.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9302: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (5): Fragmentos Genuínos - 3

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9302: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (5): Fragmentos Genuínos - 3

FRAGMENTOS GENUÍNOS - 3

Por Carlos Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66

Durante seis dias, passámos primeiro pelo Funchal para irmos buscar mais uma Companhia, navegámos a caminho de Bissau, correu uma agradável viagem sempre com mar calmo e bom tempo; pela primeira vez vi uns curiosíssimos peixes-voadores, que acompanharam diversas vezes o navegar do navio ao seu lado. Aqui vim também a reparar na extrema estratificação existente na sociedade portuguesa; que profunda ignorância a minha: os graduados tinham aceitáveis acomodações e uma sala para refeições; os restantes camaradas, que iam exactamente com o mesmo fim que nós (a guerra) iam instalados a monte em deploráveis condições nos porões de carga e comiam em marmitas no convés do navio.

No Bar e sala de estar, onde passávamos a maior parte do tempo, adormeci um sábado nos sofás do mesmo só acordando com os ruídos estranhos na manhã seguinte; o padre preparava o espaço para a realização de uma missa. Lá tive que me levantar de madrugada, 8h00, e desandar.

O famigerado Niassa

Ao aproximar-nos de terra vislumbrava-se à distancia uma paisagem deslumbrante, ainda que difusamente, o ar era pesado e o calor abrasador começava a fazer sentir-se, de um conjunto de ilhas fronteiras a Bissau, (arquipélago dos Bijagós) aonde nos dirigimos e fundeámos entre a cidade e o agora bem visível arquipélago, que nos transmitia uma sensação de placidez com a sua luxuriante floresta onde eram visíveis alguns conjuntos de moranças (tabancas) numa mostra exuberante e exótica de tipicismo tropical que já imaginava devido às profundas explanações e ao imenso espólio fotográfico a que tivera acesso em longas e agradáveis conversas durante toda a viagem, com o malogrado, querido amigo e conterrâneo Vasco Cardoso.

Imagem de uma tabanca situada em lugar de pouca mata e onde se pode verificar o seu aspecto exótico e tipicamente tropical. Ao fundo uma luxuriante, densa e misteriosa floresta.

O povo bijagó é nómada entre as ilhas do arquipélago e cultiva principalmente arroz

Uma bolanha cultivada com arroz

Braço de mar ou bolon, em maré baixa

Tabanca bijagó. As aldeias bijagós estão sempre cercadas de árvores e afastadas da costa.

Pouco tempo tivemos para usufruir deste ambiente, onde o calor era já abrasador, porquanto de imediato começamos a transferir para os botes que nos levaram ao cais, todas as nossas bagagens e afins. De imediato comecei a sentir um profundo desalento quando cheguei a um degradado cais de desembarque e pude constatar o movimento que nele se fazia e a miséria que dele parecia depreender-se, onde pululavam um número indeterminado de crianças desnudas ou em farrapos e que se ofereciam para transportar as nossas coisas, (houve de imediato quem aceitasse) tinham em comum um pormenor que na altura me chamou a atenção apresentavam grandes ventres e os umbigos de alguns eram bastantes salientes, a tudo isto juntava-se o ar sobranceiro e displicente que uns quantos indivíduos, alguns fardados, apresentavam. O ar era seco, denso, agreste, enfim; parecia quase irrespirável; a simples tarefa de transportarmos para as lanchas as nossas bagagens e afins faziam-nos estar permanentemente a transpirar com a roupa colada ao corpo como que pegajosa parecendo fazer parte da pele, era profundamente incomodativo a par do inóspito ar ambiente que em lugar das fragâncias e odores tropicais que imaginava ir encontrar. Fui confrontado assim que comecei a caminhar, com o sufocante respirar ao cheiro a terra vermelha queimada, típica do continente africano, ainda acompanhado de episódicos pequenos tufões que se levantavam em muitas das ruas, que em parte eram de terra e com pouca limpeza, o que começou a germinar em mim um sentimento de rejeição em relação a este pedaço (dito) de Portugal. Não, pensava eu. Aqui não fico, isto não tem nada a ver com a minha já saudosa linha do Estoril onde nasci e cresci e onde em comparação escolho os maravilhosos e esplendorosos nasceres do sol, em que sorvendo uma brisa agradável e revigorante, remando numa “chata”, navegava junto da costa para recolher os “galrichos”, postos na noite anterior para fazer decorrer uma maré, sendo que escolhíamos as noites em que um manto diáfano de luar nos alumiava transmitido pelo nosso satélite, na sua majestática quietude, de que usufruíamos para a minha falhada pesca artesanal. Surgiam nesta aérea cabeça mais alguns pingos nostálgicos.

Forte da Giribita visto da Praia de Caxias

Depois de em Stª. Luzia recebermos directamente o armamento, conselhos e despedidas de grande amizade e alvoroço, juntámos um grupo em que se incluía o Vasco Cardoso, o Bastos, o Mota e mais alguns que sendo guiados pelo malogrado Vasco, que já aqui tinha estado quando ainda na adolescência, fomos dar uma volta pela cidade e terminar no “Pireza” uma pequena cervejaria cujo proprietário o Vasco conhecia e onde a uma pergunta posta por este, apenas pude responder a frase que se veio a tornar paradigmática entre os diversos elementos que se deslocavam a Bissau: "a cidade como vila é uma aldeia bastante grande".

Vista aérea de Bissau em 1966

Uma rua de Bissau – havia muitas assim

(Continua)
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Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9289: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (4): Fragmentos Genuínos - 2

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9289: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (4): Fragmentos Genuínos - 2

FRAGMENTOS GENUÍNOS - 2

Por Carlos Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66


Retrospectivo agora um acidente marcante e que emocionou toda a gente; um dos condutores da Companhia de Formação e Serviços ao pôr uma GMC em movimento fê-lo no sentido inverso, entalando contra a parede do refeitório um camarada que teve morte imediata; nomeado o Alf. Mil. Pamplona para tratar das formalidades do enterro do jovem, lá fui também nomeado juntamente com mais seis praças companheiros do infortunado. Transportando-nos em duas viaturas uma maior onde ia eu próprio ao lado do condutor, indo na retaguarda em bancos laterais os praças tendo ao centro o caixão vindo atrás um velhinho Willis com um condutor a transportar o Alferes. Deslocámo-nos para o cemitério de Olhão por aí existir uma casa mortuária, aí já se encontrando no exterior os familiares do finado, onde foi feita a autópsia ao corpo, a que o Alferes teve de assistir para vir a elaborar o respectivo auto. Terminada que foi a autópsia, o coveiro que servia de ajudante ao médico, pegou em todos os utensílios cirúrgicos utilizados para o efeito, meteu-os num alguidar de plástico e veio ao exterior para uma torneira existente junto dos familiares, lavar toda aquela parafernalha ensanguentada. Que doloroso foi assistir aquelas manifestações pungentes e revoltadas.

Terminou esta fase ainda com a soldadura do caixão cuja execução digno de ser comparado com um das momentos de Hitchkoc. Aproximou-se a noite e como a casa mortuária não tinha luz, o expedito coveiro (não tinha o olho direito) foi buscar um gasómetro e foi a essa luz que o soldador fez o trabalho. Episodicamente saiam do caixão sopros de ar que digo com franqueza me aterrorizavam. Num dos intervalos que fazia para espairecer, um dos militares que nos acompanhavam, lembrou-me que não tinham jantado, pelo que dando dinheiro a um o encarreguei de ir comprar umas sandes e bebidas. Terminadas que foram estas peripécias arrancámos para Portel, agora levando atrás da viatura em que ia o caixão o carro com os familiares. Os militares aproveitaram a viagem para degustarem a merenda que tinham ido comprar; creio que a mesa terá sido o caixão vindo logo atrás o carro da família.

Participei, de homenagem durante toda a noite junto do desventurado defunto ate é a hora do funeral logo nos alvores da manhã.  A noite estava extremamente fria, não houve por parte de ninguém a oferta nem sequer de um golo de água e muito chegados a Portel, já alta noite, ali mantivemos um sentinela, em que também menos foi dirigida uma palavra. A tropa foi a responsável pela morte do ente querido e nós éramos a sua face. Após o cumprimento do regulamentado protocolarmente com a execução de salvas no acto final, antes do corpo baixar à terra, seriam pouco mais de 8h00, dirigimo-nos ao posto da GNR onde me foi dado assistir a uma cena perfeitamente rocambolesca: o Pamplona fardado com o capote (era bonito) cinzento com as virolas da gola em vermelho entrou no Posto, e provavelmente por ter ouvido barulho, apareceu numa porta lateral um Cabo já quarentão, de camisa da farda e em ceroulas; ficou varado: ainda ameaçou bater a pala, nunca vi expressão tão cómica. O Pamplona lá o fez vir a si pelo que rapidamente se despachou carimbando a guia de marcha e arrancámos direitos a Tavira, não sem antes nos banquetearmos com um suculento almoço oferecido pelo inefável jovem alferes.

Mais dois acontecimentos durante a minha estadia nesta cidade antes de vir a ser mandado apresentar em Abrantes já mobilizado para a Guiné, de notar que o meu irmão mais velho tinha acabado de chegar da guerra de Angola.

A primeira é demonstrativo da violência sobranceria e displicência eram tratados os jovens entregues à guarda desta instituição e ocorreu ainda durante o período em que estava a tirar a especialidade.

A actividade que fomos desenvolver nesse dia tratou-se de numa improvisada carreira de tiro que existia nas traseiras da enfermaria fazer treino de tiro com a metralhadora Dryse. Depois da necessárias recomendações pelo jovem alferes Cadete, Oficial de Tiro para aquela actividade, lá começámos a tarefa. Durante a sua actuação, o Silva de Braga, Professor Primário, deixou encravar a arma e inadvertidamente ainda deitado levantou-a do chão, de imediato o crápula do Alf Cadete lhe espetou um pontapé, que lhe quebrou duas costelas.

Não posso de deixar de contar esta rocambolesca estória quase no fim da minha estada em Tavira, um dos instruendos do Curso de Oficiais Milicianos de Infantaria que aqui decorreu, foi intimado a comparecer em Tribunal Civil no Porto para ser julgado. Fui nomeado como guarda do jovem em causa para o acompanhar ao julgamento e no caso de ser condenado teria de o trazer de regresso ao Quartel. Em conversa com o elemento foi-me transmitido por este, que praticamente estava assegurado que seriam os dois absolvidos, o pai também era arguido no processo. Então lá nos preparamos para apanhar o comboio do fim da tarde que chegou no dia seguinte de manhã a S. Bento. Mandei o meu “preso” levar uma mala com roupa civil e eu fiz o mesmo. Sai do Quartel de Tavira um desconchavado cabo-miliciano, já bastante conhecido fardado e de pistola à cintura e um anafado Cadete na sua coquete farda. Assim que o comboio arrancou, fomos imediatamente a casa de banho vestir a nossa roupa e transformámo-nos em dois jovens em amena cavaqueira a caminho do Porto, não sem antes eu ter dito: - Oh "meu a partir de agora amigo”, não penses em te pirar porque nem que vás até Paris eu vou atrás de ti.

Fizemos uma longa e incómoda viagem e ao chegarmos à Estação de S. Bento encontrava-se meio encoberto um casal que ao ver-nos aproximar se desmanchou no melhor dos sorrisos de boas vindas que se pode receber, não entendi o que esperavam ver. Lá nos metemos no carro do pai do jovem e seguimos de imediato para o Tribunal, mudámos dentro do carro de roupa convenientemente, e foi realizado o julgamento que de facto deu na absolvição.

Ainda me convidaram para ir a casa deles mas estava nos meus planos vir para casa - Caxias - para desfrutar do fim de semana e abalei imediatamente para a Estação de Comboio para passados poucos minutos embarcar. Apenas já depois de estar no comboio mudei de roupa, até a malvada da pistola foi à cintura até aí. Enfim coisas de um desmiolado e imberbe saloio.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. poste de 28 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9279: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (3): Fragmentos Genuínos - 1

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9279: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (3): Fragmentos Genuínos - 1


1. Em mensagem do dia 22 de Dezembro de 2011 o nosso camarada Carlos Rios (ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66), enviou-nos um extenso trabalho a que chamou "Fragmentos Genuínos" que começamos hoje a publicar, integrado na sua série Fragmentos da minha passagem pela tropa.



FRAGMENTOS GENUÍNOS - 1

O Singular acto de escrever nunca pode ser um esforço solitário e, sempre que possível, para mim um incipiente e ineficiente transmissor de factos e actos praticados, ou que me chegaram ao conhecimento verbalmente ou através de escritos, rocambolescos alguns, pungentes outros e ainda demonstrativos de verdadeiras iniquidades praticados por alguém e agora passados à prosa e dos quais com a devida vénia aos seus autores bem como textos e fotografias que me tornam extremamente grato ao Arquivo Histórico Ultramarino e outra instituições, ouso transcrever.

Há muitas pessoas que embora ausentes fisicamente aqui permanecem no meu sub-consciente estruturando e moldando a minha maneira de ser e pensar e a quem devo agradecer por ter conseguido reunir a energia, vontade e capacidade para levar a bom termo a tarefa a que me propus. Existem como é óbvio inúmeras e variadas formas de homenagear a intervenção e omnipresença dessas pessoas, pelo que imaginei mostrar-lhe o meu agradecimento e gratidão tão só pelo facto de existirem no meu Universo.

No topo da lista esta é claro a minha grande mulher, Fernanda, uma ribatejana dos sete costados (teimosa, resmungona, exigente, obstinada), mas a companheira de eleição para qualquer homem e que me mantém atento e concentrado em todos os aspectos realmente importantes da vida.

O meu filho, a minha nora, disponível e amiga que me presentearam com as maiores riquezas que um homem pode sonhar, as minhas adoráveis netas. E ainda os meus caros camaradas e amigos que tiveram que ao longo dos anos sofrer e participar numa horrenda guerra, prestando a mais sentida homenagem aos mortos e feridos daquele malfadado teatro de horrores, não esquecendo de daqui mandar um abraço de solidariedade aos sofredores de traumas e stress pós traumático com um desejo de incentivo nas suas vidas.

Também aos amigos da área da literatura e cultura pelos conselhos e apoio que me souberam transmitir.
A todos o muito obrigado!



As recordações dos momentos de rigidez, maus tratos e prepotências que eram coisa corrente, e marcaram primordialmente o período de cumprimento do serviço militar na metrópole, porquanto do que se tratava era de preparar, “homens para defender a pátria” no entender e dizer dos “instrutores”; elementos esses de que vim a fazer parte; fui colocado como monitor em Tavira na CISMI; (durante a recruta em Santarém morreu afogado no Tejo um camarada de outro pelotão), fazem aumentar o sentimento de desânimo e tristeza que alastra na despedida e adeus aos entes familiares e à terra que agora fazemos de bordo do Niassa a caminho da barra e no meu caso, começando já a sentir uma profunda nostalgia ao avistar no horizonte os locais da minha vivência; Caxias, Paço de Arcos etc…

No cais da Rocha do Conde de Óbidos

A partida era um momento tormentoso e tão emotivo que muitos sucumbiam em transes dramáticos. Para quantos não era um adeus definitivo aos melhores de todos nós, os jovens.
Quase todo o pessoal se encontrava na amurada do lado direito do barco e empoleirada em tudo quanto era sitio para um emotivo doloroso e incerto adeus. É indescritível o ambiente de ansiedade e inconformismo que quase se tornava palpável no ar. Não suportei a angústia que se instalou em mim e fui postar-me sorumbático e silencioso no Bar e remoer recordações.

Já em pleno oceano sentado no exterior na área da popa do navio espraiando o olhar pelo horizonte rememorei o período de tempo que passei na bonita agradável e acolhedora cidade de Tavira, onde para além de ter tirado a especialidade, me mantive como monitor do CISMI, o que me ocupou de Abril de 1964 até Junho de 1965, de tal maneira que já comentávamos eu e os meus companheiros que não iríamos para as colónias. Sonhos de jovens incipientes e desconhecedores dos mecanismos da instituição para onde tínhamos sido arrancados do seio das famílias. A população era afável e hospitaleira, principalmente em relação aos que se mantinham depois de terminados os obrigatórios cursos. O único senão encontrava-se nas degradadas e exíguas instalações do CISMI e na qualidade da alimentação. O problema era de tal ordem que espalhados por toda a cidade, haviam quartos alugados em casas particulares onde dormia e fazia a sua vida uma percentagem elevada de militares. Havia uma espécie de osmose entre um determinado estrato da população e os militares. Não me lembro durante este largo espaço de tempo de ter havido por parte dos comandos uma negativa aos pedidos de pernoita no exterior a qualquer militar. Creio que no pequeno quartel não haveria espaço minimamente decente para os cerca de seiscentos homens que ali chegaram a estar colocados.
A cidade vivia muito social e economicamente do meio militar

Paisagem da Cidade de Tavira

Havia uma notória falta de emprego e concomitantemente naquela época, entre parte da população a ilusória ideia de que os milicianos eram gente de posses, ideia que recolhi das prolongadas e agradáveis conversas que tive com a minha hospedeira e suas jovens auxiliares, dado que a senhora onde aluguei o quarto e passei a maior parte dos tempos livres, tinha um atelier de costura. Aqui passei bons e felizes dias que compensavam todas as agruras e passagens mais difíceis, no quartel. Poucas vezes me desloquei a casa, pudera; tinham que se pagar as viagens, o que se tornava assaz difícil depois de ter de pagar o aluguer do quarto. Num intervalo entre os dois cursos de que fui monitor e que coincidiu com a Páscoa (aproximadamente quinze dias), aqui me mantive, sendo tratado por todos como um filho e não só. Aqui, neste agradável ambiente externo alguns acontecimentos no quartel ajudaram, a que se fosse começando a moldar o cérebro deste jovem que julga hoje no ocaso da vida ser uma criatura que pretende ter como principal factor estruturante um profundo sentido de humanidade e solidariedade.

A minha pátria é o Mundo. A minha nacionalidade é a humanidade.

Uma das actividades de Tavira – As salinas

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9235: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (2): Miniautocarro civil detona mina anticarro em Encheia

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9235: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (2): Miniautocarro civil detona mina anticarro em Encheia



1. Em mensagem do dia 16 de Dezembro de 2011 o nosso camarada Carlos Rios (ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66), enviou-nos o segundo fragmento da sua passagem pela tropa.




FRAGMENTOS DA MINHA PASSAGEM PELA TROPA (2)

MINIAUTOCARRO CIVIL DETONA MINA ANTICARRO EM ENCHEIA

Algum tempo após estes graves incidentes, fui confrontado com o reactivar de uma realidade já sublimada pelo tempo e que me reactivou os sentidos de terror, pequenez e impotência ao enfrentar um inimigo invisível e tremendo: as minas.

Encontrando-me com alguns camaradas, de entre os quais estava o meu amigo J.M. Bastos, na esplanada do clube os Balantas, vestido eu à civil, (ainda me lembro da vestimenta - de calções de caqui e uma camisa de seda multicolorida, ao bom estilo africano, e uns mocassins), estava pinoca o saloio, quando ouvimos um grande rebentamento para os lados de Encheia. De imediato corremos ao quartel. Tal como estava, pus o cinturão em que tinha sempre para além das cartucheiras, quatro granadas, pegando na G3, material que sempre mantinha pendurado à cabeceira da cama, pedindo ainda a entrega de um dilagrama, e montados os diversos pelotões em viaturas, dirigimo-nos para a estrada de Encheia.

O quadro com que nos deparámos foi aterrador. Sendo aquela picada, junto da qual haviam diversas tabancas consideradas “controladas”, uma carrinha (mini-autocarro) vinha com alguma frequência de Bissau até junto da cambança para Encheia, transportando população e toda uma parafernalha de utensílios para a localidade e para as já referidas tabancas. Nesta viagem e a pouco menos de 500 metros do local onde habitualmente parava, pisou uma mina, que explodindo desfez literalmente a viatura, espalhando pelas redondezas mortos e feridos, um horror incomensurável, de tal maneira que o Zé Manuel Bastos e o seu Grupo tiveram que recolher para cima de um Unimog, corpos e pedaços dos mesmos chegando em alguns casos a haver membros decepados e esquartejados, de tal modo que não se sabia a quem pertenciam. Uma vez feito este pungente e dramático trabalho, lá seguiu o calmo e sensível J.M. Bastos e o seu Grupo com a macabra carga, sanguinolenta a tal ponto que escorria para o chão, sozinhos no Unimog para Bissau, vindo ainda já dentro da cidade a ser mandado parar pala PM. O desenlace foi um imberbe e sobranceiro alferes ficar tremelicando e sem voz na beira da Avenid , acabando o Bastos a sua missão.

Paradas as viaturas e tendo entretanto o meu Grupo intervindo por ali nas tabancas e arredores, enquanto outro grupo procedia à picagem da estrada, a população fugiu em massa para uma pequena mata pegada com uma bolanha onde cultivavam arroz, sendo que ainda fomos fustigados de longe ao que reagimos de imediato saltando eu para dentro da bolanha e disparando o dilagrama para dentro da mata, o que provocou um absoluto silêncio mantendo-me no mesmo local donde só saí (lá ficaram os meus queridos mocassins) quando a população, creio que se terá julgado entre dois fogos, começou a caminhar no nosso sentido. Na frente um encorpado gentio vestia uma camisola onde no peito era bem visível o emblema da Mocidade Portuguesa. Entretanto o pessoal que procedia à picagem do resto do troço viria a encontrar poucos metros depois de onde tínhamos parado outra mina que desmontaram e levantaram.

O contacto com esta atroz tragédia, demolidora do mais forte controlo de um ser humano, os diversos acontecimentos sub-sequentes incluindo a visão do elemento com a camisola referida fizeram despoletar em mim uma crise de nervos que me fez dizer e praticar todos os desmandos possíveis e que só no dia seguinte, já praticamente recuperado, a guerra continuava e eu era tido como preponderante no meu Grupo, vim a saber.

Mandei com a arma fora… desatando em completa convulsão a gritar “podia ser o meu irmão” maldita guerra, etc, etc..
Valeu-me o perspicaz e desembaraçado Rui, que pegando em mim ordenou a um condutor que me conduzisse de imediato ao Quartel o que ele acatou de bom grado mas clamando eu ainda que queria levar a mina.

E lá foi aquela boa alma sozinho ao volante de um camião Mercedes, com um maluquinho sentado ao seu lado com uma mina de cinco quilos de trotil ao colo. Chegados ao Quartel o meu bom amigo Carolino,(infelizmente já falecido, na sua terra - Marinha Grande), já de seringa em riste injectou-me uma mistela que só me deixou acordar no dia seguinte, tornando-se assunto motivo de conversas dichotes e conselhos assizados que puseram tudo no lugar.
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 11 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9179: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (1): Saída para o mato em noite de tempestade

domingo, 11 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9179: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (1): Saída para o mato em noite de tempestade

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Rios* (ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66), com data de 25 de Novembro de 2011:

Caros ex-camaradas de Armas
GRATIDÃO; é a palavra que a emotividade, condicionante de expressar o que pretenderia expressar aos ex-camaradas Luis Graça, Carlos Vinhal e Virginio Briote, por terem acolhido e incentivado o meu pedido de pertencer a este blogue de cariz grandemente socializante e de uma solidariedade incomensurável e que em mim fortalece um dos factores estruturantes do meu pensamento, “este Mundo pode ser sempre melhor”.

Não posso deixar de elogiar a excelente ideia e a extraordinária qualidade deste espaço criador de imensa empatia. Bem hajam!

P.S. – O meu estado de saúde actual não me permite, mas hei-de comparecer aos convívios que me permitam conhecer pessoalmente extraordinários seres humanos.

Em anexo: - Uma das esparsas memórias da minha passagem pela tropa. Tenho algumas escritas e já a esmo por um imenso grupo de folhas soltas. Algumas são perfeitamente rocambolescas e outras de momentos agradáveis; enfim sempre foram oito anos.

Com um abraço fraterno
Carlos Rios

FRAGMENTOS DA MINHA PASSAGEM PELA TROPA (1)

Saída para o mato em noite de tempestade

Hoje, por sobre o aquartelamento e redondezas desencadeou-se um tremendo temporal que faz desta noite um tempo de temores e sobressaltos, tal é a quantidade de água da chuva que mais parece uma catadupa permanente que se abate sobre tudo, acompanhada do mais rigoroso trovejar e com relâmpagos, com só vi na Guiné, e que são de tal modo que se vêem em sequência por centenas de metros iluminando tudo até para lá da pista de aterragem, a ponto de se entreverem difusamente os contornos do início da floresta da Bianga .

Tite > Junho de 1965 > Uma noite de tempestade
Foto: © Santos Oliveira (2008). Direitos reservados

Tudo se me afigura intimador e desconhecido. Entretanto já bastante tarde foi mandado chamar o nosso guia, Malam Sanhã. Era um homem já de idade (um homem grande) de porte altivo e forte presença, era muçulmano e usava os trajes condizentes, homem de poucas palavras, aceitava a missão de nos guiar e encaminhar para os locais onde pretendíamos agir sem o mínimo comentário; entendia-nos perfeitamente.

Reunida a Companhia, já transformada em três pelotões, e mesmo em face aquelas inóspitas condições, lá tivemos que sair para o mato, sendo que apenas saímos com dois grupos acompanhados dos sempre presentes elementos das milícias, com alguns dos quais estabeleci fortes laços de amizade, e alguns carregadores que sempre nos acompanhavam, (estes elementos eram recrutados entre a população e iam sem qualquer armamento levando em bolsas adaptadas as granadas de Bazooka e de morteiro e aos quais era pago uma quantia ridícula; desta vez tive ao vir atrás trocar impressões com alguns camaradas, pois o meu lugar era como de costume o segundo, no caso logo atrás do Malan, a desdita de verificar que um destes pobres apresentava indícios de sofrer de poliomielite ou qualquer outra doença, pelo que lhe era bastante difícil caminhar; mas coitado pelos míseros pesos=escudos que iria receber lá ia sujeito a por ali ficar. Que desumanidades cometemos.

Lá avançámos a caminho do objectivo debaixo daquela tempestade do fim do Mundo, encaminhamo-nos, depois de atravessar a tenebrosa mata da Bianga, período durante o qual se afastou o temporal a que se seguiu um opressivo silêncio e escuridão de tal monta que tivemos de nos agarrar todos ao elemento da frente e onde amiudadas vezes caíamos ou batíamos com a cara na coronha da arma desse elemento. Valeu-me nesta aflição ser o segundo logo atrás do Malan Sanha e as suas roupas serem mais claras. Aproximamo-nos do Rio Geba e ouviam-se nitidamente, para além de indecifráveis e misteriosos ruídos, uns estalos secos, que mais pareciam tiros à distância.

Questionei o Malan Sanha!

E este na sua superioridade cultural e calma placidez apenas disse:

- É a mar… Rios, é a mar…

É verdade, os estalidos provinham do tarrafo que crescia a esmo à beira dos canais do Geba e em todas as enchentes de maré estalavam muitos e provocavam aqueles ruído seco.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9134: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (5): A atribuição de Cruz de Guerra e apresentação de quadros diversos

sábado, 3 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9134: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (5): A atribuição de Cruz de Guerra e apresentação de quadros diversos

1. Finalizamos hoje a apresentação de "Porto de Abrigo", as memórias passadas a escrito pelo nosso camarada Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66.


PORTO DE ABRIGO - V

Medalha da Cruz de Guerra

A Cruz de Guerra foi criada pelo Decreto n.º 2870, de 30 de Novembro de 1916, para premiar actos e feitos de bravura praticados em campanha. Esta condecoração recebeu notoriedade durante a I Guerra Mundial e durante a Guerra Colonial Portuguesa. Divide-se em 1ª, 2ª, 3ª e 4ª classe, por ordem decrescente de importância.

A Cruz de Guerra, levemente inspirada na Croix de Guerre francesa (principalmente nas cores da fita de suspensão), teve, ao longo da sua história, três tipos ou modelos diferentes, respectivamente legislados em 1916, 1946 e 1971.

O desenho desta medalha (desde 1971) na sua 1.ª Classe, é o seguinte:
- Relativamente ao anverso, ou face, é uma cruz templária, em ouro, tendo sobreposto, ao centro, um Emblema Nacional.
- O reverso tem, ao centro, um círculo carregado de duas espadas antigas passadas em aspa, cercadas de duas vergônteas de louro, frutadas e atadas nos topos proximais com um laço.
- A fita de suspensão é de seda ondeada, com fundo vermelho, cortado longitudinalmente por cinco filetes verdes de 0,0015 m de largura e equidistantes entre si e das margens da fita; largura de 0,03 m; comprimento necessário para que seja de 0,09 m a distância do topo superior da fita ao bordo inferior da condecoração, por forma a obter o alinhamento inferior das diferentes insígnias; ao centro, uma miniatura da cruz de guerra, cercada de duas vergônteas de louro, tudo de ouro.

Durante a Guerra Colonial Portuguesa, foram entregues as seguintes medalhas da Cruz de Guerra:

- Exército: 2634
- Armada: 68
- Força Aérea: 273

OBS: - Texto e imagens retirados da Wikipédia, com a devida vénia.


Que mentira!
Que iniquidade!


Esta condecoração que me foi aposta ao peito por um dos mais altos dignitários da nação naquele dia de Portugal, passado algum tempo perdeu a cor do Ouro. Seria mesmo ouro aquela medalha que lá está para casa com uma cor parecida com o aço?

Acima de tudo
Os homens passam.
As instituições ficam e podem sempre melhorar.
Que viva Portugal

FUR. MIL. DE INFANTARIA
CARLOS LUÍS MARTINS RIOS

Condecorado com a Cruz de Guerra de 1ª classe, porque tendo tomado parte em numerosas acções de combate, como comandante da Secção do Grupo de Combate Especial, para o qual se ofereceu, se revelou um graduado com excelentes qualidades de Comando e de combatente. Marchando normalmente a sua secção na testa das forças empenhadas, exposto portanto a maiores perigos, soube o Furriel Rios incutir-lhes confiança, pelo ardor combativo que demonstrou nas acções de fogo, pelo exemplo que constantemente lhes deu e pelo entusiasmo com que cumpria as missões que lhe foram dadas, mesmo nas situações mais críticas. É digna de realce a acção deste militar em diversas operações nomeadamente «Ferro», «Estopim» e «Espetro».
Tomou parte na operação «Ferro» voluntariamente, pois encontrava-se inferiorizado fisicamente e accionou uma armadilha durante a progressão para o objectivo o que em nada contribuiu para alterar o optimismo com que sempre encarou as acções de combate.
Detectadas as nossas tropas nas proximidades do objectivo, lançou-se o Furriel Rios, de rompante, com a sua Secção sobre a base inimiga onde elementos blindados abrigados reagiam ao assalto, com volumoso fogo de armas automáticas e bazucas, desalojando-os e pondo-os em debandada, com baixas. Destruído o objectivo e já no regresso ao Aquartelamento, foi a cauda da força flagelada com volumoso fogo, quando atravessava um descampado. Acorreu prontamente o Furriel Rios à retaguarda incentivando a reacção das nossas tropas, e conseguiu que a parte do Grupo flagelado manobrasse com rapidez sobre o inimigo, que perante a ameaça de envolvimento debandou, furtando-se ao contacto. Mostrou assim serena energia debaixo de fogo, coragem, sangue-frio e desprezo pelo perigo.
Durante a operação «Espectro», em que tomou parte também voluntariamente, foi o Furriel Rios vitima da sua dedicação e espírito de combatividade ao ser gravemente ferido à queima-roupa quando tentava capturar um elemento inimigo que avistara em fuga, elemento esse que explorado convenientemente certamente contribuiria para um melhor cumprimento da missão. Pelos motivos apontados, considera-se o Furriel Rios como um militar voluntarioso, abnegado, corajoso e cumpridor dos seus deveres, pelo que se tornou digno da maior consideração pela parte dos seus superiores e admirado pelos seus subordinados, constituindo assim um exemplo vivo do Soldado Português.



Apresentação de quadros diversos



Para que as gerações futuras repudiem as guerras e não esqueçam!
Em Carnaxide, 11 de Março de 2011
Carlos Rios

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Nota de CV:

Vd. postes da série de:

23 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9082: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (1): Dedicatória, início da vida militar e viagem para a Guiné

26 de Novembro de 2011> Guiné 63/74 - P9097: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (2): A nossa estada em Fulacunda

29 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9112: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (3): A nossa estada em Bissorã e Mansoa, e as baixas em combate
e
1 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9124: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (4): Troca de mensagens