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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19259: (D)o outro lado do combate (39): Vídeo de 2/3/2008 com entrevista a antigo guerrilheiro do PAIGC, contemporâneo do cerco a Darsalame, em julho de 1962, pelo grupo de combate da CCAÇ 153, comandado pelo cap inf José Curto (Luís Graça)



Guiné-Bissau > Seminário Internacional de Guiledje, 1-7 de março de 2008 > Visita, no dia 2, ao Cantanhez, na região de Tombali. Reconstituição do antigo acampamento ("barraca") Osvaldo Vieira. O nosso saudoso Pepito (1949-2014) fala com um antigo guerrilheiro do PAIGC, sentado à sua esquerda,  sobre o início da luta aramada em 1962.

Vídeo Guné. Cantanhez. Acampamento Osvaldo Vieira5. Alojado no You Tube > Nhabijoes (*)

Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guné]


1. Guiné-Bissau, Região de Tombali,  Mata do Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, domingo, de manhã, 2 de março de 2008... Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, à Baraca  (acampamento) Osvaldo Vieira, outro dos momentos surpreendentes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral.

Neste vídeo (**), um dos homens grandes da região conta como foram os primórdios da luta aramda... Trata-se de um excerto, há informação que perdi...  Infelizmente não consegui fixar o nome do entrevistado. Creio que é nalu. 

"Entrou no mato", como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir a (ou ser aliciado por) o PAIGC, ainda antes do início das hostilidades... Recorde-se que, para o PAICC e para a historiografia portuguesa, a guerra começa oficialmente com o ataque  Tite a 23 de janeiro de 1963.

A designação deste acampamento corresponde à verdade fática, histórica, não é  apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis (, de resto, controversos...) do PAIGC, o Osvaldo Vieira  (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional)... Ao que parece, o Osvaldo Vieira não actuou só na região do Óio (Frente Norte), também terá andado pelo Cantanhez (Frente Sul).

"Quando começou a mobilização, quando entre no mato, foi em 1962. Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"...

O entrevistado fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o que diz ou quer dizer o entrevistado...

E a narrativa continua: 

"Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto".  (Aqui o  Pepito acaba por baralhar a audiência, maioritariamente estrangeira, ao falar em dois capitães Curto,  um dos quais teria andado a espelhar o terror no chão manjaco; ora, o capitão a que o antigo guerrilheiro se referia era o cap inf José Curto, comandante da CCAÇ 153, com sede em Fulacunda, e reportando ao BCAÇ 236, que estava em Tite.)

Na mesma altura apareceu o Nino. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça, ninguém podia dar um passo… Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… Alguns mais novos conseguiram-se escapar e pedir socorro ao grupo do Nino, que estava na "barraca".

O Nino ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o Mão de Ferro, com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. "Tu não vais. Vão lá saber o que se passa com a populaçãi"...

Quando os camaradas lá chegaram, o cap Curto já não estava lá. Foram informar o Nino. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque. “Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Cantanhez)…

2. O vídeo, ou pelo menos este excerto, é omisso sobre a data em que acorreu o cerco de Darsalame, e suas consequências em termos de baixas (mortos, feridos ou prisioneiros). Mas tudo indica que tenha sido em julho de 1962 e que foi na mesma ocasião em que, às tantas da madrugada, houve mortos entre um grupo de alegados simpatizantes e militantes do PAIGC, entre eles o 'comandante' Victorino Costa (1937-1962). (Já cadáver,  terá sido reconhecido por um cipaio ou guia que acompanhava o grupo de combate do cap Curto.)

Enfim, não tive, no Cantanhez, e em Bissau, em 2008, oportunidade de confirmar esta história  dos "anos de chumbo", em que se cometerem muitas arbitrariedades e ações de terror de um lado e do outro... Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconciliação, entre homens que tinham combatido de um lado e do outro, para aprofundar a história (macabra) da cabeça do Vitorino Costa que terá sido levada para Tite.

Por outro lado, tanto o Nuno Rubim como o José Martins me confirmaram, na altura, em 2008, que no TO da Guiné, em 1961/63,  só havia um oficial com o apelido Curto....

Escreveu-me então o Nuno Rubim:

 "Só há dois [ com esse apelido,] que poderão ter comandado companhias: (i) José dos Santos Carreto Curto, oriundo de Infantaria, mais tarde com o curso de EM [Estado Maior,], promovido a Major em Jul 1966; e (ii) Luís Manuel Curto, Cap de Artilharia, promovido a este posto em Ago 1969. (...) 

Quanto à "companhia manjaca do Bachile", o José Martins esclareceu o seguinte:

(...) "A unidade que esteve em Bachile foi a CCAÇ 16, criada em 04Fev70 com elementos Manjacos enquadrados por graduados e praças especialistas metropolitanas. Em Bachile colocou 2 pelotões em substituição da CCAÇ 2658 em 04Mar70. Em 30Abr70 assumiu e responsabilidade do subsector, então criado. Em 26Ago74 entregou o quartel de Bachile ao PAIGC recolhendo a Teixeira Pinto, sendo extinta a 31 desse mês. Não consta nenhum Capitão de nome Curto, no seu historial." (...).

Sobre o cap Curto, falecido há dias (com o posto de ten gen reformado), escreveu  ainda o seu camarada George Freire (radicado na América há 5 décadas e meia, e membro da nossa Tabanca Grande desde 29/12/2008):

(...)  Formei-me na Academia Militar, (nesses tempos com o nome Escola do Exército), no ano de 1955. Servi na Guiné de 26 de maio de 1961 a 26 de maio de 1963 (...) A companhia de que originalmente fiz parte quando partimos para a Guiné, no dia 26 de maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes, onde eu ainda tenente, segundo comandante, e o capitão Curto, comandante, (do curso um ano mais velho do que o meu), passámos semanas a organizar a companhia.

(…) Comecei em Fulacunda como Tenente na Companhia 164 [, deve ser  153, e não 164], comandada pelo capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ª CCaç  [, Indígena, mais tarde, CCAÇ 6].  Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade" (...)
_____________


(...) De acordo com as coordenadas do GPS do Nuno Rubim (...), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso... Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar directamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iremos almoçar nesse domingo).(...)


(***) Vd. postes de:

11 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

10 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

12 de janeiro de  2009 > Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em 1962

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17522: (De) Caras (81): O fur mil inf Hércules Arcádio de Sousa Lobo, natural da ilha do Sal, Cabo Verde, foi gravemente ferido pelo primeiro fornilho acionado no CTIG, às 9h00 do dia 3 de julho de 1963, na estrada São João-Fulacunda, vindo a morrer no HMP, em Lisboa, no dia 16, devido às graves queimaduras. Eu era o comandante da coluna (António Manuel de Nazareth Rodrigues Abrantes, ex-alf mi inf, CCAÇ 423, São João e Tite, 1963/65)


Guiné > Zona de Quínara > Tite > BCAÇ 237 (Tite,  julho de 1961/outubro de 1963) > CCAÇ 423 (São João e Tite, abril de 1963/  abril de 1965) > O estado em que ficou a GMC sinistrada devido ao rebentamento de um  fornilho na estrada entre Nova Sintra e Fulacunda, em 18 de julho de 1963, qual vitimou  o tenente mil inf Carlos Eduardo Afonso de Azevedo, natural de Angola. Pertencia à CCAÇ 423.

Quinze dias antes, a 3 de julho de 1963, tinha sido aciocinado, no mesmo troço, o primeiro fornilho da história da guerra na Guiné, de que uma das vítimas foi o fur mil inf Hércules Arcádio de Sousa Lobo, natural da ilha do Sal, Cabo Verde, também da CCAÇ 423.

A CCAÇ 423 foi mobilizada pelo RI 15, esteve em São João e Tite, entre abril de 1963 e abril de 1965. Comandante: cap inf Nuno Gonçalves Basto Machado. Esteva adida ao BCAÇ 237 (Tite, julho de 1961 / outubro de 1963)

Foto : Cortesia de; © Sol da Esteva  editor do blogue Acordar Sonhando (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Canmaradas da Guiné]



1. Comentário (*)  do ex-alf mil António Abrantes, da CCAÇ 423  (São João e Tite, 19763/75):

Data: 27 de junho de 2017 às 23:12

Assunto: Luís Graça & Camaradas da Guiné: Guiné 63/74 - P9507: Em busca de... (184): Camaradas do Fur Mil Hércules de Sousa Lobo, natural da ilha do Sal, Cabo Verde, gravemente ferido pelo primeiro fornilho acionado no CTIG, em julho de 1963, na estrada São João-Fulacunda (Maria Luísa Sousa Lobo)

Enviado do meu iPad

Gostaria de poder entrar em contacto convosco mas não tenho conseguido e isto especialmente no que respeita à primeira mina/fornilho colocada na Guiné, mais concretamente em Bianga, a poucos kms de Fulacunda, na estrada S.João - Nova Sintra - Fulacunda. 

Infelizmente era eu, ex- alferes miliciano, António Manuel de Nazareth Rodrigues Abrantes, o comandante da força da CCAÇ 423, sediada em S. João, que, no regresso da deslocação a Fulacunda, sofreu este rebentamento, mais ao menos no mesmo local onde na véspera tinha sido emboscado debaixo de uma forte chuvada.

 O rebentamento ocorreu às 9h00 do dia 3 de julho de 1963, debaixo do depósito de uma GMC e vitimou vários militares do meu pelotão, entre eles o furriel miliciano inf Hércules Arcádio de Sousa Lobo, que viria a falecer cerca de 13 a 15 dias depois em Lisboa [, mais exatamente em 16 de julho de 1973], devido às graves queimaduras sofridas.  (**)

O relatório desta operação foi, como é óbvio, enviado para o Comando do Batalhão estacionado em Tite [BCAÇ 237]. Posteriormente e já vários anos depois enviei cópia para a Liga dos Combatentes da qual sou sócio. 

A propósito de Tite, a foto da GMC que dizem ser da primeira mina é tirada em Tite, é da segunda mina, a qual vitimou [, em 18 de julho de 1963]  o tenente mil inf Carlos Eduardo Afonso de Azevedo. Isto porque esta [GMC]  tinha capota de lona pela qual foi projectado o referido tenente que, contrariamente ao referido, não faleceu no local mas sim em Tite. (***)

A GMC da primeira mina [, 3 de julho de 1963,]  tinha capota rígida sobre a qual eu havia mandado instalar uma metralhadora Breda.. 

Um Grande Abraço a todos os camaradas,
António Abrantes
___________________

Notas do editor:


(...)  José Marcelino Martins disse...

Furriel Miliciano Atirador Hérculçes Arcádio de Sousa Lobo
:  Mobilizado no Regimento de Infantaria nº 15 - Tomar, para a Companhia de Caçadores nº 423. Solteiro, filho de Emídio Sousa Lobe e Cacilda Sousa Lobo, natural da freguesia de Nossa Senhora das Dores, concelho do Sal, em Cabo Verde. Faleceu no Hospital Militar Principal, em Lisboa, no dia 16 de Julho de 1963, vitima de ferimentos em combate, provocados pela explosão de um fornilho em 3 de Julho de 1963, na estrada Nova Sintra - Fulacunda. Foi inumado no cemitério do Alto de São João.

(CECA- 8º volume - livro 1 - página 31/3) (...)


Abreu dos Santos (senior) disse...

... ajudas de memória: (...) deflagração de um fornilho que causa às NT duas baixas mortais instantâneas (Soldados apontadores-de-metralhadora Alberto dos Santos Monteiro e José Isidro Marques), e cinco feridos graves pouco depois heli-evacuados para o HM241- Bissau, onde ainda naquele mesmo dia vem a falecer o 1º Cabo Ap Met António Augusto Esteves de Magalhães; os outros três feridos graves são aerotransportados para o HMP-Estrela, onde dois sucumbem aos graves ferimentos, em 16Jul63 o Furriel miliciano Atirador Hércules Arcádio de Sousa Lobo, e em 20Jul63 o Soldado Atirador Alpoím Pereira Rodrigues.

Na 5ª feira 18Jul1963, um pelotão daquela mesma subunidade, comandado pelo Tenente miliciano de infantaria Carlos Eduardo Afonso de Azevedo, quando em deslocação-auto entre Tite (sede do BCac237) e Nova Sintra, é alvo da deflagração de outro fornilho que causa às NT a morte instantânea do citado oficial, e do Soldado Ap Met José Rato Casaleiro, e ferimentos graves ao Soldado Ap Met Joaquim da Silva Bento Jorge, heli-evacuado para o HM241 onde vem a falecer decorridos onze dias. (..:) 


sábado, 3 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16794: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte I (José Teixeira)




Sítio das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo, Guiné-Bissau, onde vem inserido o poste "O fim da dominação colonial", com uma entrevista, concedida em 2001, pelo cor Arafam Mané (1945-2004), sobre o histórico ataque a Tite em 23 de janeiro de 1963.



O inicio da Guerra Colonial no CTIG, contada pelo outro lado:  entrevista,  de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam Mané (1945-2004) -Parte I  (José Teixeira)



1. Enquadramento 

por José Teixeira



[Foto à esquerda: José Teixeira, em 2013, com o régulo de Medjo: 

(i) é nosso grã-tabanqueiro da primeira hora; 

(ii) tem mais de 300 referências no nosso blogue; 
(iii) foi 1.º cabo aux enf,  CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; 

(iv) está reformado como gerente bancário;  (v) vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; 

 (vi) é dirigente no movimento nacional escuteiro, onde é conhecido por "esquilo sorridente"; 

(vii) é um dos fundadores e 'régulos' da Tabanca de Matosinhos e continua a ser um dos nossos grã-tabanqueiros mais solidários e inquietos;

 (viii) foi talvez dos poucos de nós que, graças ao seu papel de enfermeiro (e também por mérito pessoal, pela sua generosidade, coragem, inteligência emocional, sensibilidade sociocultural,, empatia  e demais qualidades humanas), conseguiu saltar a 'barreira da espécie': ele, "tuga" e cristão, foi aceite e amado pela população fula e muçulmana, e ainda hoje tem verdadeiros amigos, fulas, lá Guiné-Bissau profunda, onde  é amado, mimado, adorado quando lá volta (e já lá voltou não sei quantas vezes) ]


Todos nós, os que passamos pela guerra, temos vindo com o tempo, a tentar passar aos vindouros as situações vivenciadas no ambiente agressivo da guerra. É o nosso ponto de vista. Com mais ou menos romantismo; com mais ou menos realismo, vamos escrevendo o que a nossa memória registou. É comum ouvirmos camaradas nossos contar testemunhos de situações que vivemos em conjunto e encontrarmos diferenças nas versões dos acontecimentos, ou pormenores que desconhecíamos. Foram vividas em comum, mas analisadas por outro ponto de vista. Alguém, com outra base académica ou cultural, ou até com outra visão politica e militar da situação. O local e ângulo de onde se está a vivenciar o acontecimento, afetam a informação registada na memória. A memópria humana é seletiva.

Neste caso concreto, estamos a tomar conhecimento de um testemunho de alguém que vivenciou o ataque a Tite. Foi o seu comandante, mas do outro lado da barricada, logo, o relato dos acontecimentos que viveu e a visão global do ataque são à partida diferentes (e tão "respeitáveis", omo os nossos relatos). São estes conjuntos de pontos de vista, diferentes entre si, e muitas vezes contraditórios, dos acontecimentos que vão permitir escrever a História.

José Teixeira, Tabanca de São Martinho do Porto,
11/8/2011. Foto de LG.
É comum afirmar-se que a guerra colonial na ex-província da Guiné teve o seu inicio com um ataque a Tite na célebre noite de 22 para 23 de janeiro de 1963, Aliás, o próprio Amílcar Cabral afirmou-o uns dias depois.

Na realidade, este ataque, pela sua dimensão e resultados, com mortos e feridos de ambas as partes em contenda, assinala simbolicamente a abertura das hostilidades.
E, no entanto, foi um acontecimento fortuito, desorganizado, sem comando definido e sobretudo à revelia dos órgãos do PAICG. 
Assim o afirmou, em 2001, o coordenador do ataque,  o então coronel Arafam Mané. 

Segundo ele, a guerrilha, à data, já era um facto no Norte, no Centro Sul e Sul desde 1961. Tite já terá sido atacada em 1962. As regiões do Tombali e Quínara estavam a fervilhar numa luta surda entre as forças portuguesas e o PAIGC, com muitas mortes (assassínios) na população, da responsabilidade de ambos os intervenientes. Esases primeiros tempos foram de terror e contarterror, subversão e contraversão... Uma época muito mal conhecida (e pior estudada)...

Revivo com saudade o meu amigo Samba, de Mampatá Foreá, infelizmente já falecido há muitos anos. Sargento da milícia, imã da comunidade muçulmana local (Fula). Homem culto, excelente cozinheiro,  que deixou Bissau para regressar à sua terra, o Regulado Foreá, e defender o seu povo. Muitos serões passámos em amena conversa, onde a religião e o drama da Guiné eram assunto.

Recordo, apesar da poeira do tempo, uma conversa sobre a forma como o inimigo procurava conquistar aderentes à força, no início da luta. Eles, dizia-me, o PAIGCV, entravam, armados, pelas tabancas dentro, e tentavam convencer o chefe da tabanca a entregar os jovens para as forças da guerrilha. Se não o fizesse,  era morto ali mesmo, e os homens válidos eram convidados a segui-los ou em caso de resistência eram forçados, com muitas mortes pelo meio.

Não foi por acaso que o Amílcar Cabral convocou o Congresso em Cassacá, em 1964. Um dos objetivos deste Congresso, foi acabar com as barbaridades,  as arbitrariedades eos abusos de poder, praticadas por alguns chefes de guerrilha, sem qualquer preparação política, de modo a que o povo voltasse a ganhar a confiança no Partido, nos seus dirigentes e no destino da luta de libertação nacional.

Muitos anos mais tarde, em 2008 no Simpósio Internacional de Guileje, tive oportunidade de conhecer e conversar com um ex-combatente das FARP da Guiné-Bissau que me tinha atacado várias vezes em Mampatá e na estrada de Gandembel, em 1968. É dele esta frase, que recordo com emoção:

“Guerra é guerra, meu 'ermon', quando passa não deixa saudades, mas, muitas amizades, neste mundo perdido. Os antigos inimigos se procuram, para saldar as contas com um abraço sentido.” Dizia-me ele: "Desculpa. Eu fui apanhado na minha tabanca, tinha quinze anos."

Mas não pensemos que as autoridades portuguesas ofereciam mel e pão aos guineenses para os conquistar para a sua causa. Os factos narrados nesse Simpósip, por vitimas guineenses, que fugiram para o mato, creio que por medo (alguns) e posteriormente integraram a guerrilha, são de fazer arrepiar o mais “durão”. Era o tempo do “chapa ou fogo” na versão mais agressiva do temido e odiado capitão Curto por parte dos guineenses afetos ao PAIGC (*).. E, nas minhas idas à Guiné-Bissau, tenho conversado com ex-combatentes do PAIGC, onde relembram os tempos de terror imposto pelos "tugas" nas tabancas do interior, que os levou a fugirem para o mato e entrarem na luta.

Mas voltemos ao ataque a Tite para rever os acontecimentos através de relatos insuspeitos de terceiros e presenciais.

".... Em Janeiro de 1963, foi a sede do Batalhão atacada com armas automáticas e de repetição e granadas de mão. Deste ataque resultou 1 morto e 1 ferido das NT e 8 mortos confirmados e vários feridos graves IN. Depois deste ataque foram intensificados os patrulhamentos de que resultou a morte do Papa Leite, elemento IN que actuava na área e que facultou a recolha de valiosíssimos elementos da Ordem de Batalha IN..."

In, Carta de 7-07-1981 do ten cor  Manuel José Morgado, enviada ao director do Arquivo Histórico Militar, em resposta ao assunto " História das Unidades ".

Resumo da Actividade do BCaç. nº 237/BCaç. nº 599 - Maio de 1963 a Maio de 1965 [Caixa nº 123 - 2ª Div/4ª Sec., do AHM


O historiador José de Matos fala em quinze a vinte elementos do PAIGC, que mantem o quartel sob fogo intenso, durante cerca de meia hora, provocando um morto e dois feridos às nossas tropas e deixando três mortos no terreno.(vd. poste  P15795).

O nosso investigador de serviço ao blogue, o incansável José Martins, convidado pelo Luís Graça a investigar o ataque a Tite, concluiu:

“Arafan Mané (, nome de guerra, 'Ndajamba'), militante do PAIGC, destacado Combatente da Liberdade da Pátria, é considerado o 'responsável' pelo inicio das hostilidades na Guiné, ao ter disparado a primeira rajada de metralhadora e comandado a ofensiva. Teria menos de 20 anos. Veio a falecer em 2004, em Espanha, de doença". (P10990)

Estranhamente pouco ou nada se escreveu oficialmente sobre este acontecimento tão marcante, (seria?) para o desenvolvimento da guerra na Guiné.

Há o testemunho do Gabriel Moura, (vidé P 3294; P 3298 e P 3308 de 11/11/2008; 12/10/2008 e 13/10/2008 respetivamente). Foi este soldado português de Gondomar que estava de sentinela ao quartel de Tite, naquela fatídica noite, que entrou no Blogue pela mão do Carlos Silva, (seu conterrâneo e amigo) já depois do seu falecimento para contar a história que vivenciou. Foi o primeiro militar português, quando se encontrava de guarda ao aquartelamento, a responder ao fogo da força que atacou as instalações de Tite. Na reação ao fogo de que foi alvo, consumiu todas as munições de que dispunha, provavelmente três carregadores, assim como utilizou as duas granadas que lhe estavam distribuídas para o serviço. Faleceu em 2004, dois anos após ter editado as suas impressões sobre o acontecimento, e por coincidência no mesmo ano da morte de Arafan Mané.

Temos agora a oportunidade de tomar conhecimento do testemunho do Arafam Mané, ou seja, a versão de quem comandava o outro lado da barricada, numa entrevista publicada em 2001 no jornal O Defensor – Orgão de Informação Geral do Estado Maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau. Reproduzida em 2015 no sítio das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo, por iniciativa do major  Ussumane Conaté,. diretor da publicação.



2. Arafam 'N' djamba' Mané (1945-2004)
(segundo nota biográfica redigida pelo major Ussumane Conaté, diretor de O Defensor; adaptação de JT])

[Foto à esquerda, Arafam Mané, cortesia de O Defensor]


O comandante Arafam 'N’djamba'  Mané nasceu no dia 29 de setembro de 1945, em Bissau, sendo filho de Lassana Mané e de Nhalin Cassama. Faleceu, de doença de evolução prolongada,  no dia 4 de setembro 2004,  num hospital de Madrid,  onde estava internado, [A data de nascimento pode não ser precisa, os guineenses nessa época não tinham registo civil].

Arafam Mané entrou cedo para o PAIGC, tendo chegado a Conacri, capital da República de Guiné em 1961, onde se foi juntar a Amilcar Cabral e outros militantes do PAIGC que tinham deixado Bissau para, a partir dali, organziar e dirigir a luta de guerrilha.

Após a proclamação unilateral da independência do país em 24 de setembro de 1973, o coronel Arafam 'N´djamba'  Mané ocupou vários cargos  entre as quais os  de chefe de Casa Civil da Presidência da República, director geral da farmácia Farmedie, governador (sucessivamente) das regiões de Gabú e Bafata, ministro da Defesa Nacional,  ministro dos Combatentes da Liberdade da Pátria.

Foi também deputado  durante vários mandatos legislativos, membro do Comité Central, membro do Bureau Politico do PAIGC e também membro do Conselho de Estado durante o mandato presidencial de Koumba Yala. (Notas de Ussumane Conaté,  coronel, diretor de O Defensor)

[Mais elementos sobre Arafam ou Arafan Mané: vd.  poste P2190 de Virgilio Briote]

Esta entrevista, de que se reproduz uam primeira parte, hioje neste poste,  foi concedida em 2001 ao jornal O Defensor  "no quadro da recolha de depoimentos dos Combatentes da Liberdade da Pátria sobre os acontecimentos históricos que marcaram a luta armada de libertação nacional para a independência total da Guiné-Bissau do jugo colonial".

É um documento de interesse para todos nós, pelo que tomamos a liberdade de o reproduzir e divulgar, no nosso blogue, com a devida vénia.  São raros os testemunhos de históricos dirigentes e comandantes do PAIGC, como o Arafam Mané.  Muitos deles morreram, levando consigo irremediavelmente para a tumba as suas memórias.  Nunca escreveram ou deram uma entrevista em vida.


3. Sinopse da entrevista (parte I) 


O Arafam Mané assumiu, com 18 anos, o comando da operação. Começa por confessar que o grupo,  vindo de Conacri,  não tinha experiência militar e estava muito mal armado - tinham apenas, três armas e uma pistola.  Ao grupo juntaram-se civis,  de várias tabancas locais, num total de cerca de 150 pessoas, munidos de catanas, paus, pedras e algumas armas de fogo, suponho que mausers (?) e canhangulos.

A iniciativa partiu do grupo sem que tenha sido dada qualquer ordem superior. Ele mesmo afirma ao entrevistador: “Garanto-lhe que ninguém nos tinha dito nem ordenado atacar o inimigo no quartel de Tite”. E explica o "contexto":  "A operação foi realizada com raiva porque, em 1962, fomos corridos pelos 'tugas'. Este episódio aconteceu, depois de termos efetuado uma sabotagem, cortando as linhas telefónicas e os cabos elétricos daquela zona sul do país. Foi a partir das ações de sabotagem, que a administração colonial e suas forças de defesa e segurança souberam da nossa presença na área."

Muito interessante a ideia (romântica?) de se fazer acompanhar de um “djidiu” de kora (músico tradicional) para cantar, animar e elogiar os camaradas, enquanto combatiam no interior da unidade. Só que o “djidiu” deu ás de “vila diogo” e o combate ficou sem música, que não fosse a das espingardas e os gritos de dor.

Afirma que só tiveram um morto, creio que o seu guarda-costas, Wagna Na Bomba, o que contradiz a informação recolhida no nosso blogue, que fala em 8 mortes. Dado que grande parte dos atacantes eram da população local, talvez se esteja a referir apenas aos elementos do grupo vindo de Conacri e os outros mortos tenham sido dos elementos civis, locais

Refere que o  Quemo Mané [, um homem temperamental  e violento, associado a cenas de terroer, pós-independência, segundo o testemunho do nosso Cherno Baldé] foi encarregado de tentar eliminar o major Fabião.

Suponho que ele se queria referir ao major Pina, comandante da unidade sediada em Tite. [Nessa altura, era o BCAÇ 237, chegado à Guiné em 18/7/1961; esteve em Tite até ao fim da comissão, em 19/10/1963; teve dois cmdts: major inf [José] António Tavares de Pina; e depois o nosso conhecido ten cor Hélio Augusto Esteves Felgas, que será mais tarde o cmdt do Comando de Agrupamentio nº 2957, Baftá, 1968/70.]

Aconselho a leitura do testemunho do Gabriel Moura / Carlos Silva para se entender o conteúdo da entrevista que se segue e apurar as contradições. (Sinopse de JT).



Primeira página de O Defensor, órgão das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo. Edição nº 22, dezembro de 2015, 16 pp.,   disponível aqui em formato pdf. O jornal, fundado em 1994, e de periodicidade mensal, tem como  diretor o major Ussumane Conaté.


4. Entrevista com o coronel Arafam Mané - Parte I

Com a devida vénia ao jornal O Defensor, ao seu diretor, major Ussuame Canoté, e ao sítio das FARP. Revisão e fixação de texto: José Teixeira.



O Defensor – O coronel fez parte do comando que em janeiro de 1963 orquestrou o ataque 

contra o aquartelamento fortificado de Tite, em Quínara, no sul do país. 

O que é levou o vosso comando, mal-armado e inexperiente, 
a atacar esse quartel colonial?



Coronel Arafam Mané - O ataque contra o aquartelamento de Tite foi realizado com poucas experiências militares, pois o efetivo que participou nele, era constituído por um grupo de camaradas do partido vindo de Conakry, [a que se juntaram elementos das] populações locais , munidas de algumas armas de fogo, catanas, paus e pedras. 

O ataque que surpreendeu as tropas do exército colonial, [que era]  muito temido pela sua barbaridade contra os autóctones, foi de facto executado sem um comando designado. Foi um ato de coragem e patriotismo que, desde a época dos nossos antepassados, sempre caracterizou a resistência dos guineenses contra qualquer tipo de dominação.

Em termos de armamentos, tínhamos apenas quatro (4) armas, uma pistola (1). Entreguei aos camaradas uma pistola e a arma que eu tinha, e fiquei com uma pistola automática com a qual disparei o primeiro tiro {[para o]  ar para assinalar ]a]os companheiros o início do ataque quando estávamos no interior do quartel fortificado de Tite. Com esse disparo, os camaradas entraram em ação,  utilizando todos os meios de combate que possuíam. O estrondo das armas,  misturado com as vozes de comando dos guerrilheiros que procuravam orientar melhor os companheiros para evitar perdas humanas, acordou as tropas coloniais e despertou a atenção dos sentinelas.

A operação foi realizada com raiva porque,  em 1962, fomos corridos pelos "tugas". Este episódio aconteceu, depois de termos efetuado uma sabotagem,  cortando as linhas telefónicas e os cabos elétricos daquela zona sul do país. Foi a partir das ações de sabotagem, que a administração colonial e suas forças de defesa e segurança souberam da nossa presença na área.

[Em] 1963 repetimos a mesma operação de corte de linhas telefónicas e cabos elétricos. Estas práticas que eram prejudiciais para a comunicação e o funcionamento das instituições públicas e militares, irritaram os colonialistas que começaram a pressionar as populações com ameaças e torturas para obterem informações sobre os que eles chamavam “terroristas”. No âmbito da repressão foram alargadas as redes da PIDE-DGS (Polícia colonial).

O Defensor  – Na altura, a guerrilha já tinha criado 'barracas' 
a partir das quais coordenava as ações militares 
contra os interesses coloniais?

Coronel ADM - Na altura ainda não tinha constituído 'barracas' [acampamentos temporários]. Às vezes alguns camaradas nossos saiam do Sul, iam até Bissau cumprir missões do partido e regressar sem serem descobertos pelas autoridades portuguesas, a PIDE e os seus agentes. Para além de Bissau, cidade capital, mais controlada, os guerrilheiros também se infiltravam nas tabancas,  partilhando refeições e outros alimentos com as populações sem que ninguém desse  conta ou soubesse quem eram.

Mas não pense que tínhamos homens prontos para efetuar trabalhos de reconhecimento e outras missões arriscadas. Não. Às vezes era eu, o meu guarda-costas e meu adjunto, camarada Fernando Badinca, entre outros.

Foi assim que,  em 1962, nos instalámos na tabanca de Cantongo a 3 km de Nova Sintra, a partir de onde nos movimentávamos até as aldeias de Flac-An, Flac Mindé, Flac-Mim, Flora, Bunaussa... Às vezes atravessávamos o rio, íamos a Bolama e daí íamos para a tabanca de Uato para entabular contactos com a população, com o régulo Oliveira Sanca, contactar Jaime Sampa, Lai Canté e outros camaradas. [Eram]  estes que nos enviavam jornais e outros objetos de que precisávamos.

Tínhamos também contactos com o camarada Rafael Barbosa, Aristides Pereira,  inclusive o senhor Eustáquio que, ultimamente, depois da independência teve problemas [de saúde mental]. Foi assim que se iniciou a luta armada de libertação nacional.

O Defensor  – Qual é a estratégia adotada pela guerrilha 
quando se sentiu ameaçada pela movimentação 
da força militar colonial na zona?


Coronel ADM - Alguns tempos depois fomos obrigados a abandonar esses locais, devido as ações do inimigo que, em termos de material bélico, nos superava na altura. Este é o primeiro fator. 

O segundo fator é que abandonamos a zona para salvaguardar as nossas populações, alvos de torturas quando os "tugas"  descobriam que a tabanca manteve contactos connosco ou albergava os nossos camaradas.

Entretanto, quando nos retiramos de lá, fomo[-nos]  instalar na tabanca de Calunca a partir da qual conseguimos ocupar todas as tabancas da fronteira com a Guiné Conakry. Logo depois da ocupação daquelas tabancas,  mandamos o camarada Malam Sanhá, para Conacri, para contactar os membros da Direção Superior do Partido e dar-lhes informações sobre a nova situação.

A chegada de Malam Sanhá a Conacri coincidiu com a chegada das primeiras armas provenientes do reino de Marrocos. Eram cerca de quatro a cinco armas de marca “Patchanga” [metralhadora ligeira DEGTYAREV RDP Cal. 7,62 mm] que,  quando chegaram,  foram distribuídas entre nós,  antes de voltarmos para o mato.



Guiné > 1964 > PAIGC > Cassacá > I Congresso.do PAIGC, Quinta, 13 de fevereiro de 1964 - Segunda, 17 de fevereiro de 1964, Da esquerda para a direita, Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek durante o I Congresso.do PAIGC, em Cassacá,

Foto (e legenda): Portal Casa Comum / Fundação Mário Soares, Consult em 28 de junho de 2016. Disponível em http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=05224.000.056 (Reprodução parcial, com a devdia vénia)


O Defensor –A chegada das primeiras armas do reino de Marrocos 
às mãos da guerrilha, foi acompanhada de uma ordem superior 
para atacar o quartel colonial de Tite?


Coronel ADM – Garanto-lhe que ninguém nos tinha dito nem ordenado atacar o inimigo no quartel de Tite. Amílcar Cabral não nos tinha dito nem ordenado atacar o fortificado quartel com três ou quatro armas. Amílcar Cabral recomendou apenas que voltássemos para o mato,  visto que estávamos armados. Mas, no entretanto, para assustar os colonialistas e também para libertar os nossos companheiros, encarcerados na prisão, decidimos assaltar o quartel de Tite.

Eu me encontrava baseado em Nova Sintra enquanto Malam Sanhá estava na área de Cantona (Fulacunda), onde já se sentia sufocado,  devido a falta de matas densas para se esconder melhor. Esta realidade que representava um potencial risco para ele e seus homens, obrigou[-o] a abandonar o local e juntar-se a nós,  em Nova Sintra.

Recordo que Malam Sanhá chegou a Nova Sintra, precisamente na altura em que nós já estávamos em plena preparação da operação de assalto ao quartel de Tite. Aproveitamos logo a oportunidade para apresentar-lhe a nossa ideia de assaltar as instalações militares de Tite e ele concordou.

Portanto, uma vez a ideia acertada, procedeu-se a distribuição de tarefas claras e concretas a cumprir por cada um de nós. Assim, o camarada Malam Sanhá,  que já tinha sido militar no exército colonial português, foi designado para destruir a caserna dos soldados, enquanto o camarada Quemo Mané tinha como missão eliminar fisicamente o major Fabião, comandante da força colonial em Tite. Quemo Mané, que era grande caçador, tinha essa missão porque conhecia muito bem a residência do major, a quem ia sempre vender carne de caça.

O camarada Dauda Bangura tinha como missão rebentar as portas da prisão, [fazendo  explodir uma mina. Ele tinha feito um treino militar na República Popular da China por isso tinha alguns conhecimentos sobre as minas.

Eu fui encostar-me [a uma] das esquinas da caserna que devia ser atacada pelo camarada Malan Sanhá. Foi a partir dali que disparei a pistola, o primeiro tiro que deu início ao histórico ataque da guerrilha contra o quartel fortificado de Tite. 

Neste ataque, levámos connosco um “djidiu” de kora (músico tradicional) para cantar, animar e elogiar os camaradas, enquanto combatiam no interior da unidade. Mas este camarada,  com a intensidade do fogo e a tentativa de resposta do inimigo, não desempenhou o seu papel e acabou por desaparecer,  abandonando os instrumentos musicais.

Eu, a partir da posição que ocupava,  gritava com força ao camarada Dauda Bangura,  dizendo-lhe “Dauda! Mina, mina, coloque a mina no sítio indicado e faça-a explodir”. Eu gritava tanto, porque não tínhamos experiência de guerra. Talvez foi por essa razão que não sentíamos o perigo que pairava sobre nós assim como as consequências que poderiam advir.

(continua)

Introdução, seleção, notas, revisão e fixação de texto:  Zé Teixeira

______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 18 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6866: O Nosso Livro de Visitas (97): José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, Julho de 1961 / Outubro de 1963): Evocando o lendário Cap Curto (CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63)

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13787: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (12): Em meados de 1962, seis meses antes do início oficial da guerra, já a região de Quínara está "a ferro e fogo", a avaliar por um comunicado de 30/6/1962, assinado pelo comandante do PAIGC Rui Djassi (nome de guerra, Faicam)

1. Transcrição de documento disponível no portal Casa Comum, da autoria de Rui Djassi [nome de guerra  Faincam] ( 1938-1974], com 3 folhas

Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 04620.104.055

Título: Comunicados [Zona 8] [Clicar aqui para ampliar]
Assunto: Comunicados assinados por Rui Djassi (Faincam): destruição de pontes e comunicações na região de Empada, ataque a agentes da PIDE, prisão de professores catequistas (entre os quais Bernardo Mango), ataque das tropas portuguesas à tabanca de Caur e à população.

Data: Quarta, 27 de Junho de 1962 - Quarta, 4 de Julho de 1962

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1960-1962 (interna). Documentos anexos a 04620.104.054.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos

Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Fonte:

Arquivo Amílcar Cabral
05.Organização Militar
Comunicados


Citação:
(1962-1962), "Comunicados [Zona 8]", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40585 (2014-10-23)


2. Transcrição, fixação de texto e revisão por L.G.: 

[Folha 1/3]

30/6/1962

Da ultima hora -  Empada

Destruiram pontes no dia 27-28, cortaram fios em grande quantidade. Há dificuldade [de] comunicação para vários pontos, entre os quais Bissira-Empada, Empada- Pam- Tchuma, Sacunda -Aidará.

No dia 28 [do corrente mês, junho de 1962] foi morto um comerciante europeu que está [estava] ao serviço da PIDE.

Na mesma noite meteram fogo na casa do Anso Mara [sic], também agente da PIDE.

Todos os professores catequistas daquela área foram presos sem motivo de justificação. Eis os nomes: Domingos Lopes; Mário Soares; Avelino Mendes Loes; Bernardo Mango, e mais alguns camaradas. E mais agradecia mandar relogio para José Sanhá.

a) [Rui] Djassi (FAINCAM)

 [Filha 2/3]

Informação


Dia 30 de junho – Metralharam um homem de raça balanta, que se encontrava preso, com uma rajada de 10 tiros, só porque [se] levantou para fazer necessidade.


Dia 3 de julho – Em Madina de Baixo atiraram sobre um pobre homem, que andava no campo a lavrar, [e ] que logo foi morto.


Dia 4 de julho – Na madrugada, a tropa portuguesa invadiu a tabanca de Caur onde começaram a fazer fogo sobre a população. Foi morto um elemento do Partido, de nome Iaiá Camará, vários feridos e 16 prisões.



O povo já está em revolta, porque os colonialistas declararam já guerra contra o povo. 

[Folha 3/3] 

E estes juraram de que se a tropa repetir, vão morrer todos mas têm que defender[-se].

Agora em todas as tabancas homens e mulheres estão preparados para qualquer contratempo.
 

Por aqui termino esperando da sua resposta e palavra de ordem o mais rápido possível.

Djassi (Faincam)


Informação do bijagós  [sic]–

O Pereira está insuportável lá. Gastou todas as balas dele e dos camaradas. Atira sobre macacos, gazelas, etc. Anda sempre na bebedeira. Vendeu a roupa dos camaradas que tinham ido para serviço nas outras ilhas

Para lhe substituir, recusou. Portanto, mandei-lhe chamar para voltar, porque com ele não posso trabalhar. Quanto aos outros, estão a trabalhar bem.


3. Comentário de L.G.:

Contrariamente a outros documentos do Arquivo, ele  está redigido com letra bem legível, boa caligrafia e em português quase perfeito. Recorde-se que o Rui Djassi [, nome de guerra, Faincam],fazia parte da segunda leva de militantes do PAIGC que foram enviados para a China,  no 2.º semestre de 1960, para formação político-militar como futuros comandantes.

Rui Djassi fazia parte destes 10 futuros destacados dirigentes do PAIGC, hoje todos desaparecidos, uns em combate outros na "voragem da revolução" (com exceção de Manuel Saturnino da Costa, irmão de Vitorino Costa)… Aqui vão, mais uma vez  os seus nomes, por ordem alfabética: 

(i) Constantino dos Santos Teixeira (“Tchutchu Axon”);

(ii) Francisco Mendes (“Tchico Tê”) (1939-1978);

oficialmente terá morrido de acidente na estrada Bafatá-Bambadinca; mas também há ainda suspeitas de  assassinato, em 7/6/1978;  foi primeiro ministro e chefe de Estado:

(iii) Domingos Ramos (morto, em combate, em Madina do Boé, em 11 de Novembro de 1966);

 tem nome de rua em Bissau; foi camarada do nosso Mário Dias no  1º curso de sargentos milicianos  (CSM) realizado na Guiné, em 1959;

(iv) Hilário Rodrigues “Loló”:

comissário político, morreu em 1968, num bombardeamento da FAP, no Enxalé;

(v) João Bernardo “Nino” Vieira, nome de guerra, Marga (1939-2009)

natural de Bissau; ex-Presidente da República;

(vi) Manuel Saturnino da Costa:

será 1º ministro entre 1994 e 1997, num dos piores governos do PAIGC,  na opinião do nosso saudoso Pepito (1949-2014); ainda é vivo;

(vii) Pedro Ramos:

fuzilado em 1977, às ordens de ‘Nino’ Vieira, ao que parece, no âmbito do chamado "caso 17 de Outubro"; era irmão do Domingos Ramos;

(viii) Rui Djassi:

comandante da base de Gampará, na aregião de Quínara, morreu em 1964, por afogamento na sequência de um ataque das tropas portuguesas); tem  nome de rua em Bissau;

(ix) Osvaldo Vieira (1938-1974):

morreu, por doença, em 1974, num hospital da ex-URSS, e com a terrível suspeita de ter estar implicado na conjura contra Amílcar Cabral; ironicamente repousam os dois, lado a lado, na Amura; era também conhecido como "Ambrósio Djassi" (nome de guerra); tem nome de rua em Bissau; o aeroporto internacional também ostenta o seu nome;

(x) Vitorino Costa:

morto, numa emboscada em meados  de 1962, antes do início oficial da guerra, por um grupo da CCAÇ 153 / BCAÇ 237, comandado pelo Cap Inf José Curto; era irmão de Manuel Saturnino da Costa: e terá sido o primeiro revés de Amílcar Cabral, no plano militar); tem nome de rua em Bissau;

Neste comunicado acima transcrito, o Rui Djassi parece sobretudo querer "mostrar serviço" ao secretário geral do Partido que está em Conacri. Mesmo com a habitual imprecisão factual (em relação a topónimos, nomes de pessoas, datas, circunstâncias,  etc.) fica.-se com a ideia (grosseira) de que terá sido  na região de Quínara, e em especial Empada,  que se acendeu o rastilho que infelizmente daria origem a uma guerra estúpida e inútil, que poderia ter sido evitada por ambas as partes.

Esta época continua mal conhecida e pior documentada, em grande parte também por falta de testemunhos dos militares portugueses que atuaram na região, ainda em missões mais paramilitares do que militares (como foi o caso do cap inf José Curto). na medida  em que se estava ainda na fase preliminar da "guerra subversiva".

Recorde-se que a guerra só começa oficialmente com o ataque a Tite, em 23 de janeiro de 1963. E como descreve o nosso  Zé Martins, "nessa madrugada em que se deu o combate de Tite tombou o primeiro militar português, desconhecendo-se se por causa do fogo inimigo ou fogo amigo, sendo ele Veríssimo Godinho Ramos, Soldado Condutor Auto Rodas nº 834/59, do Batalhão de Caçadores nº 237, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 6, no Porto, solteiro, filho de Joaquim Ramos e Ricardina Joaquim Godinho, natural da freguesia de Vale de Cavalos e concelho de Chamusca. Faleceu no dia 23 de Janeiro de 1963 durante o ataque a Tite, vitima de ferimentos em combate, Foi inumado no Cemitério de Vale de Cavalos." (...)

___________

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10990: Efemérides (116): 50 anos anos da guerra colonial no CTIG ? 23 de janeiro de 1963, o fim do princípio ou o princípio do fim (José Martins / Carlos Silva)


Guiné > 1964 > PAIGC > Cassacá > I Congresso.do PAIGC, Quinta, 13 de Fevereiro de 1964 - Segunda, 17 de Fevereiro de 1964, Da esquerda para a direita,Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek.


Fonte: (1964-1964), "Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek durante o I Congresso.do PAIGC, em Cassacá", CasaComum.org, Fundação Mário Soares, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=05224.000.056 (2013-1-22)


1. Passam hoje 50 anos sobre o "início da guerra colonial" na Guiné, segundo uma certa historiografia (por ex., a do PAIGC e seus "simpatizantes"). Alguma imprensa portuguesa (Correio da Manhã, por exemplo) vai dar algum destaque à efeméride. A questão não é pacífica, nem este dossiê está fechado: a guerra (colonial) na Guiné começou, de facto, em 23/1/1963, com o ataque ao quartel de Tite, liderado pelo Arafan Mané (versão do PAIGC) ou ainda antes (1961, 1962) ? 

Em 1962, por exemplo, o exército, a  par da PIDE e da polícia administrativa,  está já envolvido em operações de repressão mais de natureza policial do que militar. Destacados dirigentes da guerrilha, ainda em organização, são aprisionados ou abatidos em 1962. [ Por exemplo, Vitorino Costa, irmão de Manuel Saturnino da Costa  é morto, numa emboscada em 1962, antes do início oficial da guerra, por um grupo da CCAÇ 153, comandado pelo Cap Inf José Curto, na região de Darsalame; Vitorino e Manuel Saturnino são dois dos históricos militantes enviados para a China para receber treino político-militar, juntamente com João Bernardo Vieira (Nino), Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira  e Hilário Gomes, tendo sido recebidos pelo "grande timoneiro", Mao Zedong, em 1961]

Enfim, já demos para este "peditório". O nosso camarada Carlos Silva sobre esta questão (o ataque a Tite, descrito pelo seu amigo Gabriel Moura,) já deu, aqui, em tempos um valiosíssimo contributo (*). Não temos entretanto  dados novos. Não fazemos de investigação de arquivo, não somos historiógrafos, publicamos de preferência os materiais que nos chegam às mãos, inéditos, da autoria dos nossos camaradas, ex-combatentes da Guiné. Isso não nos impediu de pedir ao José Martins, nosso colaborador permanente, bem como ao Carlos Silva, um pequeno apontamento sobre esta data. Aqui vão duas pequenas notas.

2. Mensagem de José Martins [ foto à esquerda]: 

23 de Janeiro de 1963: o Fim do Principio ou o Principio do Fim

50 anos depois... O ataque ao aquartelamento de Tite é considerado quer pelo PAIGC quer pela Comissão de Estudos das Campanhas de África 1961-1974, como o inicio da “guerra na Guiné”, pelo que esta data marcará, na nossa opinião, o “Principio do Fim”, dado que a partir dela as acções, de parte a parte, só vieram a terminar após o 25 de Abril de 1974.

Ainda apareceram “teses” de que o inicio das confrontações se reportavam a 3 de Agosto de 1959, o massacre de Pidjiguiti, ou ao ataque ao aquartelamento de São Domingos, na noite de 20 para 21 de Julho de 1961.

À época a localidade de Tite estava guarnecida com o Batalhão de Caçadores nº 237, apenas com comando reduzido, pelo Pelotão de Morteiro nº 19, pelo Destacamento de Manutenção de Material nº 245 e, provavelmente, um pelotão da Companhia de Caçadores nº 275.

No cinquentenário deste combate, lembremos três homens que ficarão ligados a este acontecimento: (i) Arafan Mané (,comandante do PAIGC, vd. foto acima); e os militares portugueses (ii) Gabriel Moura, e (iii) Veríssimo Godinho Ramos.

Arafan Mané (nome de guerra, "Ndajamba"), militante do PAIGC, destacado Combatente da Liberdade da Pátria, é considerado o “responsável” pelo inicio das hostilidades na Guiné, ao ter disparado a primeira rajada de metralhadora e comandado a ofensiva.  Teria na altura menos de 20 anos. Veio a falecer em 2004, em Espanha, de doença prolongada, com o posto de coronel.



Guiné > Região de Quinara > Setor de Tite >  1961/63 >  Gabriel Moura, do pel Mort 19, junto a um cavalo de frisa.

Foto: ©  Gabriel Moura / Carlos Silva (2008). Todos os direitos reservados.


Gabriel Moura, natural de Gondomar (tal como o Carlos Silva, seu amigo, ) foi mobilizado pelo Regimento de Infantaria nº 6, do Porto, para o Pelotão de Morteiros nº 19. Foi o primeiro militar português, quando se encontrava de guarda ao aquartemanento, a responder ao fogo da força que atacou as instalações de Tite. Na reacção ao fogo de que foi alvo, consumiu todas as munições de que dispunha, provavelmente três carragadores, assim como utilizou as duas granadas que lhe estavam distribuídas para o serviço. Faleceu em 2004,  dois anos após ter editado as suas impressões sobre o acontecimento, e por coincidência no mesmo ano da morte de Arafan Mané.

Veríssimo Godinho Ramos [na foto, à esquerda, é o do meio], Soldado Condutor Auto Rodas nº 834/59, da Batalhão de Caçadores nº 237, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 6, no Porto,  era solteiro, Filho de Joaquim Ramos e Ricardina Joaquim Godinho. Natural da freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, faleceu no dia 23 de Janeiro de 1963 durante o ataque a Tite, vitima de ferimentos em combate. Foi inumado no Cemitério de Vale de Cavalos. Há ainda dúvidas dúvida se a causa dos ferimentos foram ou não de “fogo amigo”, dada a surpresa do ataque e a forma da reação das NT.

Por falta de mais elementos  novos sobre o acontecimento de 23 de Janeiro, "imaginei" criar um texto que se apresentasse uma visão mais global, ainda que resumidamente, do que se passou desde 1446 [, descoberta da Guiné pro Tristão da Cunha,] até Janeiro de 1963.

Quando li ou reli o texto do Moura, senti-me "muito pequeno", pelo que estava a ler. É um texto que emociona qualquer um. quer tenha ou não experiência de combate. É realista e, para mim, muito credível. Proponho que o seu nome passe a figurar, entre os "grã-tabanqueiros que da lei da morte se foram libertando". Seria uma forma de honrar a sua memória.

Pelo exposto, e pensando "com os meus botões", achei oportuno lembrar os que se tinham distinguido, para o bem ou para o mal, o facto de que se vai ao perfazer os 50 anos: Quem atacou, quem reagiu e quem tombou. Daí a sugestão de (re)leitura dos  postes do Carlos Silva/Gabriel Moura (*).

 José Marcelino Martins

19 de Janeiro de 2013 (**)

3. Mensagem do Carlos Silva [, foto à esquerda,com o António Camilo, no Saltinho, 2008]:

A brochura que o meu falecido amigo e conterrâneo [Gabriel Moura,]  escreveu com textos também do meu diário e fotos minhas, fala de algo mais.

Já li dezenas de livros e tenho mais dezenas para ler, que já não leio nem na cova e não há absolutamente nada escrito sobre o tema tão desenvolvido como o Gabriel fez.

Eu acompanhei-o pessoalmente nessa tarefa em busca de camaradas do pelotão dele quer em Lisboa quer em Porto de Mós e falámos pessoalmente com eles para ele escrever a história que tanto ansiava e praticamente nada ouvi da boca deles. Não se lembravam de nada.

Aliás, até um Ten Cor creio que do BCaç 237, do qual não existe História da Unidade, não se lembra de nada ao responder a uma pergunta sobre o tema ao AHM.

Do lado do PAIGC nada, apenas umas alusões ao início da guerra

O jornalista José Carlos Marques, do Correio da Manhã (companheiro de route no Simpósio de Guiledje) vai publicar um artigo, falou comigo ao telefone, e eu  enviei-lhe as fotos que tinha. Ele disse-me que iria publicar o artigo invocando o meu site, disse-lhe para não publicar tretas, pois já tenho visto muita coisa com a ganância de publicar (...).

Poucas testemunhas deve haver relativamente a tais factos, mas devem estar um quanto chés-chés, pois segundo  me contava o Gabriel que bem se esforçou porque tinha formação académica (, era economista,) e tem outros escritos, eles diziam que não sabiam, não se lembravam etc etc. O costume.

Zé, quanto a idade do Arafan (...), não se sabe que idade tinha, nem os do PAIGC sabem e basta ler vários (poucos) livros que se contam pelos dedos de malta do PAIGC que nada sabem, nem o Aristides Pereira, tal como ele revela nos 2 livros, apenas o Amilcar Cabral era o detentor da informação, isto afirmado por ele Aristides, irmão Luís e mais um ou outro.

Portanto, meus amigos, nada se sabe e estou curioso por ver o artigo do Zé Carlos, que admito possa acrescentar algumas lérias se encontrou alguém dessa altura do pelotão do Gabriel, o BCaç 237 [ Pel 237 + Pel Mort 19 ] mas que não vejo que tenha a desenvoltura que o Gabriel tinha e a forma como escreveu a brochura, parte em minha casa de Porto de Mós e de elementos que recolheu em minha casa e meus. Agora, só se falarem pelo que escreveu o Gabriel.

O resto para mim, são tretas, a menos que veja alguma coisa escrita com credibilidade o que não vi até agora. Como sabem, nem os nossos amigos Leopoldo Amado o Julião, historiadores, nada falam sobre o assunto apesar das suas investigações em numerosos arquivos, apenas abordam levemente a data 23-01-1963, cujo trabalho já fiz e publiquei no blogue.

Recebam um abraço amigo

Carlos Silva
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Notas do editor

(*) Vd. postes de:

11 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3294: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte I) (Carlos Silva / Gabriel Moura )

12 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3298: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte II) (Carlos Silva / Gabriel Moura)

13 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3308: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte III) (Carlos Silva / Gabriel Moura)

(**) Último poste da série > 13 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10936: Efemérides (115): Nhabijões, 13 de Janeiro de 1971, morte na picada (Luís Rodrigues Moreira)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9510: Em busca de... (185): Pessoal da companhia de São João, a que pertencia o Fur Mil Hércules de Sousa Lobo, vítima da explosão do primeiro fornilho na história da guerra, colocado no troço da estrada entre Faracunda e Nova Sintra, em julho de 1963 (Sol da Esteva, autor do blogue Acordar Sonhando)


Guiné > Zona de Quínara > Tite > BCAÇ 237 (cujos comando e CCS estiveram sediados em Tite, entre julho de 1961 e outubro de 1963) > O estado em que ficou a GMC, sinistrada devido ao rebentamento do fornilho na estrada Fulacunda, São João,  entre Nova Sintra e Faracunda...


Imagens:© Sol da Esteva / Blogue Acordar Sonhando (2011). Todos os direitos reservados

1. Sol da Esteva é um leitor do nosso blogue (e, possivelmente, também um camarada da Guiné). Tem um blogue de poesia onde já publicou pelo menos um poema (intitulado Batalha) do nosso camarada Santos Oliveira. Também dedicou uma homenagem à Manuela França, ex-cap enf paraquedista, falecida em 27/12/2011


O blogue chama-se Acordar Sonhando, foi criado em novembro de 2010, e é visitado por camaradas nossos.  De acordo com o seu perfil no Blogger, o Sol da Esteva (pseudónimo) vive em Vila de Nova de Gaia, é delegado de marketing, tem formação em Relações Públicas, Comunicação e Marketing, da Católica do R.J. [Rio de Janeiro]. É casado, tem uma filha e dois netos. A avaliar pelas canções (dos anos 60) que fazem parte do fundo musical do seu blogue, é um homem da nossa geração. 


Tudo indica que o nosso poeta tenha estado na Guiné, a avaliar pelas imagens que nos acaba de mandar, e que têm a ver com o poste P9507 (*) em que se pediam informações sobre a companhia do Fur Mil cabo-verdiano Hércules de Sousa Lobo, vítima do primeiro fornilho usado pelo PAIGC na Guiné. O Sol da Esteva acrescenta, na legenda das fotos: "Não possuo ou lembro (sic) outras informações"...

A informação que nos mandou, por mail, esta manhã é a seguinte:

"Várias Baixas, na Companhia de S. João, pelo acionamento de mina/fornilho, na Estrada de S. João (Jul 63), entre Nova Sintra e Faracunda, mais a sul. As baixas foram deslocadas para Tite (BCac 237) e depois remetidas para o Hospital Militar, pelos meios adequados. 

"Não havia nenhum bidão de combustível, na viatura. Apenas a gasolina que a GMC tinha no depósito. Doutro modo acabaria calcinada, e pode ver-se que não, pela imagem abaixo feita já no quartel de Tite. A coluna fazia o patrulhamento habitual (demasiado rotineiro) que lhe era cometido, até ao cruzamento de Nova Sintra."


2. Comentário do editor:


Ficamos a saber que:


(i) O Fur Mil Hércules de Sousa Lobo pertencia uma força que fazia um patrulhamento de rotina na estrada São João - Fulacunda;


(ii) A GMC onde ele ia acionou um engenho explosivo (fornilho), colocado no troço entre Faracunda e Nova Sintra, antes portanto do cruzamento para Tite;


(iii)  Essa força vinha de São João e devia pertencer à companhia lá sediada. 


Temos, portanto,  que saber que companhia (ou pelotão) estava estacionada em  São João, nessa época (julho de 1963). Pede-se a colaboração dos nossos leitores. Um abraço de reconhecimento e apreço  para o Sol da Esteva.
______________

Nota do editor:

domingo, 22 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6880: Controvérsias (103): O BCAÇ 237, a CCAÇ 153, o Coronel Bessa, o Major Pina, o início da guerra... (Carlos Silva / José Pinto Ferreira)

A. Comentário de Carlos Silva (*) ao poste P6866

Data: 19 de Agosto de 2010 02:28
Assunto:   Guiné 63/74 - P6866: O Nosso Livro de Visitas (98): José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, Julho de 1961 / Outubro de 1963): Evocando o lendário Cap Curto (CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63)

Neste Poste está escrito o seguinte:

(iii) Para terminar digo-lhes que até hoje não me apercebi que alguém tenha referido o ex-Comandante Militar da Guiné, Coronel Bessa. Este Comandante visitou Tite em Janeiro/63, no dia seguinte ao ataque do Quartel [23], tendo sido afrontado pelo Comandante do BCAÇ 237, José António Tavares de Pina, de que ou resolvia rapidamente o problema da falta de meios humanos do Batalhão, ou arreava ferros e os seus homens fariam o mesmo.

1 - Sobre o início da Guerra, há vários Postes (por exemplo,  P3531) e Comentários e escritos por mim.

2 – O BCaç 237 só é de nome, porque nem 1 Companhia constituiu, não tem História da Hunidade, vd
Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] - 7º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002, págs 40 e 41.

3 - No AHM [, Arquivo Histórico Militar, ] apenas existe 2 ou 3 Docs resumidos que tenho em meu poder e num deles refere que até Maio de 1963 o Comando do BCaç 237 dispusera, praticamente, apenas de um pelotão operacional, o Pel Mort nº 19 do R I 6.

Nesta data já tinha ocorrido ataque a Tite em 23-01-1963 e sobre este ataque apenas há uma Brochura, Tite – Guiné – 1961/62/63 que contém excertos de um trabalho meu, escrita pelo meu amigo e conterrâneo Dr Gabriel Moura, já falecido, que antes de falecer teve o cuidado de recolher informação e que eu acompanhei nessa tarefa, junto dos camaradas do Pel Mort 19 e dos poucos elementos do chamado Bat Caç 237, que nos induz em erro, porque não tem semelhança, nem de longe nem de perto com os Batalhões do meu tempo (1969/71) e não só, que integravam 600 militares ou mais.

4 – Nesse documento, único, no país e em todo o Mundo, o Gabriel relata exaustivamente os acontecimentos do dia 23-01-1963, claro a sua versão e de alguns camaradas e não se refere à presença em Tite do Cor Bessa, no dia seguinte ao ataque, 24-01-1963, omissão que até admito possa ter acontecido, pois nem de tudo nos lembramos.

Sobre estes acontecimentos de alguma forma desenvolvida podem ver o meu Site:
http://www.calosilva-guine.com/, embora eu não tenha transcrito todo o conteúdo da Brochura.

5 – Uma vez que tanto se fala na verdade dos factos, pelo menos, tanto quanto possível próximo da verdade, e uma vez que o nosso camarada José Pinto Ferreira da CCaç 153, que não era uma Companhia do dito BCaç 237, e que infelizmente nem sequer é referida no livro de Fichas do EME acima referido, chegou à Guiné posteriormente ao ataque a Tite, não tendo por isso presenciando o mesmo, agradecia que me informasse qual a fonte verbal ou escrita credível em que fundamenta a sua versão de que o Cor Bessa esteve presente em TITE no dia seguinte ao ataque, 24-01-1963,  e teve aquela reacção para com o Maj Pina, Comandante do BCaç 237 (?) até 10-05-63, porquanto constitui um facto importante a juntar ou não à narração feita pelo nosso camarada Gabriel Moura.

Com os meus agradecimentos e um abraço amigo
Carlos Silva

B. Resposta de José Pinto Ferreira:

Data: 20 de Agosto de 2010 18:04

Assunto: Guiné 63/74 - P6866: O nosso livro de visitas (98): José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, Julho de 1961/ Outubro de 1963): evocando o lendário Cap Curto (CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/1963)

Respondendo ao Ponto 5 do Comentário do Dr. Carlos Silva, digo-lhe que a Brochura do falecido Gabriel Moura tambem está na minha posse e tem um contributo, muito modesto, dado por mim à mesa de um café em Gandra, concelho de Paredes, para onde o próprio me desafiou para uma conversa sobre a sua intenção de escrever essa brochura.

Digo ainda ao Dr. Carlos Silva que aquilo que diz no Ponto 5 não corresponde em nada ao que digo na mensagem reproduzida no P6866. Peço-lhe que leia novamente, mas a informação que me pede aí vai:

Quem ouviu o diálogo travado entre os dois Comandantes, o da Guiné e o do BCAÇ 237, fui eu próprio. À exigência do Comandante do 237, o Comandante Militar da Guiné retorquiu em tom mais macio:
- Ó Pina, tu és o Comamdante!

E o Pina responde:
- Eu sei, meu Comandante, mas já não aguento mais.


Pelo que disseram nesse dia, e ou dias seguintes, certo, certo foi que passados 30 dias após o ataque ao Quartel, o IN tentou nova incursão, desta vez tentando incendiar a Messe dos Sargentos, só que a recepção já foi feita com ferramenta pesada, mais condiscente para aquele tipo de visitantes, foi com Auto-Metralhadora, a que os seus manejadores baptizaram de "Conjunto Maria Albertina"

Antes disto não havia nada.

Digo-lhe ainda que nunca pertenci à CCAÇ 153, CORRIGINDO a sua afirmação.

Adeus, Amigo Dr. Carlos Silva.

Sei que é de Gondomar mas reside em Sintra. Já residi nos dois concelhos, em Gondomar na Rua do Monte Crasto, em Sintram em Algueirão-Mem Martins.

Um Abraço
JPF

[Revisão / fixaçãod e texto / bold a cor / título: L.G.]

_________________

Nota de L.G.:

(*) O nosso amigo e camarada Carlos Silva foi Fur Mil Inf, e pertenceu ao CCaç 2548/BCaç 2879 (Jumbembem, 1969/71), é jurista de formação, co-fundador e dirigente da ONGD Ajuda Amiga... É autor da melhor página, na Net sobre o sector de Farim > Guiné 63/74, por Carlos Silva.


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6866: O Nosso Livro de Visitas (97): José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, Julho de 1961 / Outubro de 1963): Evocando o lendário Cap Curto (CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63)


Vila Real > Agosto de 1963 > CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63) > O regresso a casa... Na foto, o 1º pelotão... Repare-se no fardamento, o caqui amarelo...

Foto:  Cortesia de João Baptista (2008), autor do blogue Fulacunda (entretanto falecido)

1. Mensagem do nosso leitor José Pinto Ferreira


Data: 13 de Agosto de 2010 23:18
Assunto: Memória Viva (Postes 2752, 3717, 3724, 3726 e 3731 (*)

Caros amigos:

Permitam-me que os trate assim. Chamo-me José Pinto Ferreira, fui nascido, baptizado e criado até aos 14 anos na freguesia de Ariz, concelho de Marco de Canaveses. Após aquela idade fui pregar para outra freguesia à procura de mais e melhores oportunidades de conquistar um futuro mais apetecível.
Já crescidinho regressei à terra natal onde resido, actualmente na Rua do Canto, nº 38,  4625-037 Ariz, Marco de Canaveses, com o telefone nº. 255589702, e em alternativa o telefone em horário laboral, nº.255589380.

Feita esta apresentação, um pouco corriqueira, vamos ao que me interessa colocar-vos à consideração e que entendi titular de Memória Viva.

Fui militar, classe de 1959. Pertenci á Arma de Engenharia, Batalhão de Transmissões , tendo sido telegrafista no R.E.2,e posteriormente no Centro de Transmissões do Quartel General da 1ª. R.M., nos anos 60/61. Neste Centro de Transmissões fui escravo da especialidade que tinha, trabalhando de noite e dia, com prevenções sucessivas como quando do assalto ao Santa Maria.

Em Julho/61 fui para a Guiné integrado no Comando do BCAÇ 237,aquartelado em Tite até Outubro/63.

Depois do que acima fica dito, quero dizer-lhes que a Guerra da Guiné merece ser contada sem paixões nem vaidades. Quase diariamente corro a persiana e espreito a janela do Vosso Blogue, o que me permite dizer ter a opinião de alguma crítica ao que é dito nos Postes referenciados.

Fui telegrafista muito activo ao serviço do Comando do BCAÇ 237, o que me permitiu assimilar algumas verdades nunca desmentidas. Dito isto, peço que aceitem e reflictam no que se diz nos Postes acima referidos:

(i) O Comandante da CCAÇ 153 foi o Capitão José dos Santos Carreto Curto, aquartelado em Fulacunda. Era um oficial corajoso, visto como inimigo fidalgal pela Rádio Conakry. Nunca terá cortado cabeças a ninguém, mas tão só sido acusado injustamente de um acto menos digno que terá sido praticado por um seu subordinado no IN, morto quando fugia para o Rio. ACTOS REPELENTES, sem confirmação,  não devem ser credibilizados.

(ii) Mudando o tema, quero dizer que as tropas que foram para a Guiné a partir de 1961 também eram portuguesas. Não tiremos a Verdade à História e saibamos com humildade dignificar os que foram antes, mas também os que partiram depois.

(iii) Para terminar digo-lhes que até hoje não me apercebi que alguém tenha referido o ex-Comandante Militar da Guiné, Coronel Bessa. Este Comandante visitou Tite em Janeiro/63, dia seguinte ao ataque do Quartel [23], tendo sido afrontado pelo Comandante do BCAÇ 237,  José António Tavares de Pina, de que ou resolvia rapidamente o problema da falta de meios humanos do Batalhão, ou arreava ferros e os seus homens fariam o mesmo.

Adeus,  Amigos

Até Sempre (**)

2. Comentário de L.G.:

Já em tempos, mais exactamente em 23 de Abril deste ano, fui contactado,  por telefone, pelo José Pinto Ferreira,  natural de (e residente em) Marco de Canaveses, concelho com o qual de resto tenho afinidades, pelo casamento e pela amizade. No essencial, o José Pinto quis dar-me alguns esclarecimentos sobre o Cap Inf José Curto, comandante da CCAÇ 153 / BCAÇ 237, subunidade que estava sediada em Fulacunda, aquando do ataque a Tite em 23 de Janeiro de 1963, data tradicionalmente tida como a do início da guerra na Guiné.

Sobre a lenda do então Cap Inf José Curto (de que eu própio me dei conta na visita que fiz ao Cantanhez, no início de Março de 2008, aquando realizaçãodo Simpósio Internacionalde Guiledje, Bissau, 1-7 de Março de 2008), o ex-1º Cabo Radiotelegrafista contou-me o que sabia, nestes termos:  houve um guerrilheiro que foi morto, já lá as bandas do Cantanhez, num ataque de surpresa a uma das barracas do PAIGC. Ao que parece, era um tipo importante da guerrilha, que estava no ínicio da sua organização, e que foi reconhecido pelo guia ou por um caipaio. Estávamos no início da guerra, com todo o sul já polvorosa. Um militar da companhia terá, à revelia, do seu comandante,  decepado o cadáver, para trazer, para Fulacunda,  uma prova da sua eliminação física.

Este terá sido o princípio da lenda... O capitão passou a ser o diabo, o terror do sul da Guiné, segundo a Rádio Conacry. Para o José Pinto, o capitão José Curto era um militar corajoso que foi apanhado pelo eclodir da guerra de guerrilha no sul (Regiões de Quínara e Tombali), e para a qual as NT estavam muito pouco ou nada preparadas, em termos humanos, psicológicos e militares... O raio de acção da sua companhia ia de Fulacunda a Cacine (onde tinha um Grupo de Combate!).

 Atenção: ele, José Pinto,  não presenciou este acto, "ouviu contar" à malta da companhia (que pertencia ao mesmo batalhão)... Fiquei de voltar a falar com ele, desta vez pessoalmente,  em Ariz, o que até agora ainda não se proporcionou... Recebo agora este mail em que ele volta a reabilitar a memória do Cap José Curto (hoje general reformado, ao que ele me diz).

Fico na dúvida se o José Pinto quer integrar a nossa Tabanca Grande. Se sim, faltam-nos as duas fotos da praxe. Terei muito gosto em inscrevê-lo como membro do nosso blogue, para mais sendo um homem da minha segunda terra. Fico, pois, à espera de notícias. Entretanto, para a semana talvez o possa encontrar pessoalmente.

Ao nosso blogue interessa apenas a verdade dos factos. Como é nossa norma, não fazemos juízos de valor sobre o comportamento, individual, de nenhum combatente da guerra colonial na Guiné, muito menos dos nossos camaradas operacionais (de soldado a capitão).

Sobre o episódio acima narrado, tenho uma outra versão, mais consistente e válida, de um graduado da própria  CCAÇ 153, e que estava com o seu comandante, Cap Inf José Curto,  nesse dia e local, e que portanto é uma testemunha privilegiada. Sei que, depois do regresso à metrópole, em meados de 1963, o pessoal da CCAÇ 153 nunca conseguiu reunir-se e muito menos com o seu comandante, sobre o qual de resto esse graduado confirma a opinião do José Pinto de ser um "oficial corajoso".

O nome deste camarada não será divulgado. Poderá no entanto vir a integrar a nossa Tabanca Grande, no caso de aceitar o meu convite. Até à data só tínhamos notícia do João Baptista, Fur Mil da CCAÇ 153, e açoriano, autor do blogue Fulacunda, mas infelizmente já  falecido há um ou dois anos.
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Notas de L.G.: