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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14808: Bibliografia de uma guerra (73): Do meu livro "Paz e Guerra - Memórias da Guiné", excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné (1) (António Melo Carvalho, Coronel Inf Ref)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo de Carvalho(1), ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 ( e Bissum-Naga, 1969/70), actualmente Coronel Inf na situação de Reforma, com data de 16 de Junho de 2015:

Caro camarada,
Na sequência da colaboração prometida, junto envio um primeiro excerto do livro(2) que publiquei recentemente sobre a Guiné.

Um abraço
Melo de Carvalho


Do livro Paz e Guerra - Memórias da Guiné

Excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné (1)

António Melo de Carvalho

Agora, a mata era menos cerrada. Permitia um campo de observação e tiro razoáveis, fora de hipótese há umas centenas de metros atrás. Era assim possível colocar sistematicamente a segurança imediata à frente da área que estava a ser capinada.
Desde que há uns dias tínhamos ajustado o dispositivo de segurança às novas condições da vegetação, andava com o pressentimento de que algo de novo poderia vir a acontecer, por parte do PAIGC.
A aparente falta de iniciativa dos guerrilheiros perante a nossa estrutura, não estava a condizer com a sua habitual e quase diária agressividade. À distância de mais de quatro décadas, penso que andaríamos a ser observados, com o objectivo de identificarem as nossas novas rotinas.
Todas as manhãs, como responsável pela segurança, definia com os comandantes de pelotão, os respectivos sectores a ocupar, antes do início dos trabalhos. Para isso percorria com eles, a corta mato, a frente onde cada um se instalaria.
Tinha então que palmilhar umas centenas de metros na área que iria ser capinada e na que o fora no dia ou dias anteriores. Nestas caminhadas de preparação do dispositivo, tínhamos que nos desviar dos destroços mais volumosos das árvores e arbustos cortados, e do emaranhado da arborização que ainda aguardava os golpes certeiros das catanas desse dia.

Naquela manhã de 13 de Abril de 1969, procedia aos últimos retoques na estrutura de segurança à capinação e obras da estrada, com o alferes Pires da CCaç. 2312.
O Pires era na ocasião, na ausência do seu capitão, o substituto do comandante de companhia, como oficial mais antigo. Olhos bem abertos, como sempre, em particular com a máxima atenção aos pontos onde colocávamos os pés. O Pires atrás de mim a seguir as minhas pegadas, sempre que possível. Tinha de ser garantida a ligação entre os grupos instalados. Cada grupo não podia ter dúvidas sobre o posicionamento do grupo à direita e à esquerda, e conhecer bem os respectivos sectores de tiro. Percorríamos naquele momento a corta mato, era a regra sagrada a cumprir, a área que delimitava o fim da capinação do dia anterior, da que ia ser iniciada nesse dia.
Súbito como um raio, trovão violentíssimo, saído das entranhas da terra. Ficamos esmagados e sem respiração. Só a poeira, a envolver-nos por completo, ainda em movimento, perturbava o silêncio absoluto que se seguiu.
Numa fracção de segundo a consciência desperta.
Tinha sido um tremendo rebentamento mesmo por debaixo dos nossos pés. Senti-me projectado em frente e a cair de bruços. A visão reduzida a zero com a enorme e espessa nuvem de poeira à nossa volta. Respiração sufocada pelo pó e cheiro acre dos gases da deflagração.

Apesar de meio cambaleante, levantei-me de imediato. Por instinto, movimentei as pernas para me certificar de que ainda lá estavam. Elas e os pés. Felizmente vi-as a mexer, obedecendo à minha vontade. E então lembrei-me que não vinha só. Olho para trás, à procura do Alf. Pires. Apesar da visão ainda meia turva, o quadro que se me deparava deixou-me atordoado. Na cratera da mina que esperava por nós, no intervalo da minha passada, deduzi depois, jazia uma figura de contornos imprecisos, imóvel e silenciosa, enrodilhada em poeira cinzenta. Se alguém mais nos estivesse a acompanhar naquele momento, ser-me-ia totalmente impossível identificar a quem pertencia aquele corpo. Mas estávamos só nós dois. Era o Alf. Pires. Um dos pés tinha desaparecido. O que restava da perna, a seguir ao joelho, era uma banana meia descascada. A brancura da tíbia e perónio furava entre as massas musculares, toscamente arregaçadas em escuras tiras, quais tentáculos de cefalópode depois de dominado pelo pescador. Quase cobriam o joelho. Por detrás de uma máscara de terra e pó tentava-se adivinhar um rosto. Não se distinguiam olhos, nariz ou boca. A farda, um farrapo esburacado. À primeira vista, não aparentava encobrir mais ferimentos graves. Por estranho que pareça, e para mim foi, não se via sangue naqueles instantes. Nem na perna nem no rosto, nem em qualquer outra parte do corpo. Estaria vivo, estaria já morto? Fiquei na dúvida, naquele momento. Enquanto há vida há esperança, pensaria eu. De facto havia. Um quase sopro de vida diz-me que o Pires ainda cá estava. E uma tentativa de sílabas. Quase uma palavra. E mais outra. Um fio de voz muito baixa e resignada. Daquela vida que pressenti em fase terminal, começava-se agora a perceber um ténue lamento,
Meu capitão vou morrer …, meu capitão vou morrer …,
Era o murmúrio sereno que lhe saía da boca.
[...]
Mas aqueles vinte e dois anos que, por ironia do destino, se completavam naquele dia 13 de Abril de 1969, não acabaram ali.
[...]
Assalta-me agora o consciente, a mais de quarenta anos de distância daquela manhã, a conversa recente com uma irmã do Pires. Vive em Lisboa. Foi localizada graças à internet e ao meu amigo Magalhães, antigo comandante do 2º GComb. Com ela tive oportunidade de conhecer algo mais do Pires do que os contactos esporádicos durante cerca de dois meses permitiram, no início da nossa comissão na Guiné. Cego das duas vistas, sem testículos, sem uma perna, foi evacuado do Hospital Militar de Bissau para o Hospital Militar da Estrela, em Lisboa, dois dias depois do rebentamento, por sinal no mesmo voo em que regressava a Lisboa o então Presidente do Conselho de Ministros, Professor Marcelo Caetano, após uma visita à Guiné. Ainda falou durante a primeira metade da viagem. Depois calou a boca para sempre.
Era o mais novo de quatro irmãos. Ficaram sem mãe quando o Pires tinha dois anos. Foi a irmã, Margarida Pires, que a partir daí passou a ser sua mãe. Enquanto falava comigo, os olhos fugiam-lhe com frequência para a fotografia em ponto grande, do irmão fardado de uniforme nº1. Enchia o “hall” de entrada da casa, em Lisboa. “O ingénuo entusiasmo com que o meu irmão foi para aquela guerra!…”, lembrava ela. Era todo força e desenvoltura física. Tinha feito o curso de rangers em Lamego. Passado o primeiro ano de comissão na Guiné, veio de férias. O irmão que tinha partido para a guerra não voltou. No final desses dias de descontracção, se pudesse não regressaria. Nunca o disse explicitamente. O rosto e os prolongados silêncios, não deixavam margem para dúvidas sobre o seu estado de espírito, recordava a irmã.
[...]
Em meados de Maio de 1969, chegou-nos a notícia do fim do Alferes Pires no Hospital Militar de Lisboa. Segundo o relatório médico, a causa imediata da morte teria sido uma pneumonia dupla.
[...]
Após este contacto directo com a crueza da guerra, durante muito tempo na minha cabeça:
-Porquê ele e não eu?
Até esse dia 13 de Abril de 1969, uns tiros de arma ligeira e uma ou outra roquetada ou morteirada, sem consequências graves. Agora era o contacto com a morte iminente. Na ocasião, recebi este acontecimento como um cartão de visita das mãos do PAIGC, dando-me as boas vindas àquele palco. As rotinas estavam identificadas. Hoje tenho a certeza que o alvo da mina não era o Pires.
Foi a primeira e uma das principais situações, em que a estrela da sorte me acompanhou naquela guerra.

Afinal também havia minas fora dos trilhos!
[...]
____________

Notas do editor

(1) - Vd. poste de 26 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14665: Tabanca Grande (464): António Melo de Carvalho, Coronel Inf na situação de Reforma, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 (Có e Bissum-Naga, 1969/70), Grã-Tabanqueiro 688

(2) - Paz e Guerra - Memórias da Guiné, por António Melo de Carvalho (http://www.memoriasdaguine.com)

Último poste da série de 30 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14548: Bibliografia de uma guerra (72): Do meu livro “O Corredor da Morte”, rebentamento de uma mina PMD 6 (Mário Vitorino Gaspar)

terça-feira, 26 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14665: Tabanca Grande (464): António Melo de Carvalho, Coronel Inf na situação de Reforma, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 (Có e Bissum-Naga, 1969/70), Grã-Tabanqueiro 688

1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo tertuliano, António Melo de Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 ( e Bissum-Naga, 1969/70), actualmente Coronel Inf na situação de Reforma, com data de 21 de Maio de 2015:

Caros camaradas,
Sou um leitor assíduo do vosso blogue.
Julgo que chegou a hora de me juntar à vossa Tabanca Grande, que afinal também tem vindo a ser minha desde há anos.

- Nasci em Barcouço, em 18-8-1940.
- Frequentei o ensino primário em Barcouço e o liceal em Coimbra.
- Entrei para a Academia Militar em 1960.
- Sou coronel na situação de reforma.
- Cumpri 2 comissões no Ultramar. Uma na Guiné, em 1969/70, como comandante da Companhia de Caçadores 2465. Pertencia ao Batalhão de Caçadores 2861.
- Outra comissão em Moçambique, de Out 1973 a Abril 1975, no Serviço de Reconhecimento das Transmissões.
- A última unidade que comandei foi o Batalhão Infantaria Mecanizado, da Brigada Mista Independente (Santa Margarida).
- Depois de passar à situação de reforma, a meu pedido, desempenhei várias funções na empresa MCG durante 13 anos, no Carregado. A última foi a de Director Administrativo e Financeiro.

E agora digo mais duas palavras sobre a comissão da Guiné.
Estivemos em Có durante três meses, integrados na segurança à construção da nova estrada Bula - Teixeira Pinto. Depois, até final da comissão, a CCaç 2465 ficou como responsável pelo sector de Bissum – Naga. Era a área mais problemática do Batalhão, que tinha o comando em Bissorã.
A actividade operacional em Có e de modo particular em Bissum, até final do ano de 1969, foi muito dura.
Em 1970 diminuiu de intensidade. Então, o acento tónico da nossa actividade ficou inscrito em acções de paz, bem vivas ainda hoje na memória daqueles que então ainda continuavam a fazer a guerra. O apoio dado à população de Bissum, na formação escolar das crianças, no campo sanitário, habitacional e outros, a valorização escolar e profissional dos soldados da CCaç 2465, teimam em não deixar de afirmar-se, nas recordações desses dois anos, como o mais gratificante que fizemos na Guiné.
Apesar de largas dezenas de contactos com os guerrilheiros do PAIGC, regressámos todos.

Com um abraço
Melo de Carvalho

Vista aérea de Bula
Foto: © Carlos Ricardo.

 Estrada Bula-Có-Pelundo-Teixeira Pinto - Vd. Carta da Província da Guiné 1:500.000

Abril/Maio 1967 - Construção do quartel de Bissum-Naga. Como se pode ver, estas construções davam-nos cá uma qualidade de vida...
Foto e legenda: © Carlos Ricardo. 


2. Comentário do editor:

Caro camarada Melo Carvalho, bem-vindo à nossa caserna virtual de ex-combatentes da Guiné.
Uma vez que nos segues atentamente, não estranharás o nosso tratamento menos informal, por tu, que é uso na nossa tertúlia, independentemente da nossa idade, dos nossos postos antigos e/ou actuais, formação académica, profissão e outras circunstâncias que "lá fora" podem fazer diferença mas que entre camaradas são irrelevantes.

Saberás que este blogue é um repositório de memórias escritas e fotográficas dos momentos mais ou menos marcantes dos combatentes da Guiné. São relatos escritos na primeira pessoa e fotos, elas próprias também falantes.
No teu caso, poderás, se assim o entenderes, deixar um ou outro apontamento da tua passagem por Moçambique, esta última vivida nos tempos conturbados da passagem do testemunho da soberania nacional para aquele novo país independente e soberano.
Claro que o que mais nos interessa são apontamentos da História da CCAÇ 2465, da qual, além de ti, só temos na tertúlia o ex-Alf Mil Aníbal Magalhães que em tempos nos disse:

[...]
A nossa estadia na Guiné, no ambiente de guerra, foi difícil como deve calcular. Mas havia uma grande união entre todos, nos bons como nos maus momentos. 
É de realçar que fomos comandados superiormente pelo Capitão António Melo Carvalho a quem tudo devemos. Mas, como o Luís tem dito, todos temos uma história para contar. 
A minha (história) começou no início da década 1950, quando conheci Amílcar Cabral. Conheci como? Pois Maria Helena, primeira mulher de Amílcar era minha prima. As nossas mães eram irmãs. As reuniões familiares eram frequentes e algumas vezes em casa dos meus Pais. 
Tenho de Amílcar Cabral grandes recordações,uma grande simpatia, uma grande amizade. Toda a família o respeitava. Eu pessoalmente fiquei impressionado com aquela figura que apresentava uma grande confiança. 
Esta história como deve calcular teve muitos episódios sobretudo quando fui mobilizado para a Guiné. Estive na Guiné sem complexos e como afirmou Amílcar, a sua luta não era contra o povo português. A morte de Amílcar deixou-me triste, perdi um amigo e sua morte nada resolveu. 
[...]

Militam também na tertúlia: da CCS/BCAÇ 2861, o ex-Fur Mil Enf Armando Pires; da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861: o ex-Fur Mil António Nobre, o ex-Sold Apont AP Alexandre Cardoso e o ex-Sold Radiotelegrafista (DFA) José Maria Claro.

Se ainda não leste e quiseres aceder às suas memórias, clica nos nomes na cor laranja.

Os editores ficam ao teu dispor para esclarecer qualquer dúvida que tenhas e desejam que te sintas bem entre nós porque é com o maior prazer que te recebemos. Poderás conhecer alguns de nós no nosso próximo Encontro de 2016, muito provavelmente a levar a efeito no dia 16 de Abril em Monte Real.

Aqui fica um abraço em nome da tertúlia e dos editores
Carlos Vinhal
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 Nota do editor

Último poste da série de 5 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14568: Tabanca Grande (463): Joviano Teixeira, grã-tabanqueiro nº 687... É natural de Tavira, e pertenceu à CCAÇ 4142 (Gampará, 1972/74)

sábado, 3 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14113: A minha máquina fotográfica (18): A minha máquina foi comigo da Metrópole mas já conhecia os cantos da guerra. Tinha feito uma comissão de serviço, para os lados de Bissum, com um irmão meu, entre 1970 e 1972 (Albano Costa)

1. Mensagem, com data de 23 de dezembro de 2014, do nosso camarada Albano Costa (ex-1.º Cabo da CCAÇ 4150, Bigene e Guidaje, 1973/74), fotógrafo profissional, com estabelecimento em Guifões, Matosinhos:

Olá, amigos
É com muito gosto que estou a responder ao pedido feito pelo editor do nosso blogue, Luís Graça.

As fotos que insiro neste texto servem para ilustração do texto.

A máquina já foi comigo da metrópole para a Guiné, aliás, ela já tinha feito uma comissão por isso já era velhinha, assim como já conhecia os cantos da guerra, ela fez uma comissão para os lados de Bissum com um irmão meu que também esteve na Guiné entre 70-72 e depois foi comigo em 73-74.

Eu ainda ganhei uns trocos com a minha máquina, mas não trouxe dinheiro nenhum tudo foi dividido ainda na Guiné comigo e com os amigos mais chegados.

Eu comecei a fotografar logo no barco (Niassa), eu arranjei conhecimento com o funcionário do Niassa que num compartimento na ré do barco, tinha uma pequena oficina que imprimia as ementas do que ia ser as refeições dos oficiais e sargentos (um luxo para a época) e também fazia fotografia, e ele deixava-me ser eu a imprimir as minhas fotos e eu só pagava o papel e os banhos e pouco mais. Por isso durante o dia tirava as fotos e à noite muitas vezes estava a passar um filme a bordo e eu estava a fazer as minhas fotos para no dia seguinte as vender e tirava outras, mas tinha um colega que tomava a responsabilidade de as entregar e receber o respectivo pagamento (sem I.T. e sem NIF que ainda não existia), ainda juntei algum dinheirito.

Esse dinheiro veio a fazer muito jeitinho porque como devem saber, pelo menos com a nossa companhia foi assim, o primeiro dinheiro que recebemos foi ao fim de 3 meses, muito dos meus amigos já andavam nas lonas e quem pagava as contas da cerveja era o dinheiro das fotografias.

As minhas fotografias foram quase todas feitas na metrópole eu levei bobines de fita a P&B e depois cortava para fazer rolos de 36/37 fotos, e alguns rolos a cores (poucos) eram mais caros e tinham de ser impressos em Espanha, naquele tempo todo o serviço a cores ia para Espanha. Mas eu tinha o meu secretário que me ajudava no seguinte, eu tinha uns livrinhos (também trabalhei em artes gráficas e levei alguns comigo), que se usava e ainda hoje é usado pelos «rifeiros» e recebia primeiro o dinheiro e depois entregava as fotos mediante o respectivo talão, para salvaguardar, de depois não virem dizer que não tinham dinheiro e eu tinha de ficar com as fotos que não serviam para nada a não ser para o próprio.

Quando cheguei à Metrópole o meu pai (já falecido) ainda me perguntou se eu tinha dinheiro para pagar a despesa das fotos que eu fiz, e eu respondi, pai não fui para a guerra para ganhar dinheiro, o dinheiro que sobrou foram 4.000$00 que emprestei a dois colegas se eles me pagarem muito bem se não me pagarem paciência, um deles ainda me deu 2.000$00 o outro nunca mais apareceu.

A máquina depois de duas comissões não tirou mais fotografias, recolheu ao arquivo e ainda hoje lá se encontra junto de dezenas de máquinas do espolio que foi do meu pai e meu, e por lá vai continuar, mas ainda se for preciso faz o seu dever ainda funciona, porque de vez em quando vou dar uns disparos sem rolo para a manter activa.

Aproveito para desejar um feliz Natal e um próspero Ano Novo.

Um abraço
Albano Costa

Mala de protecção da máquina


Outro plano de frente da máquina

Costas da máquina

Arquivo de alguns de muitos rolos a P&B e cores

Arquivo em Digital para ficar para futuro. Já tem dado para fazer umas surpresas aos amigos.

Fotos © Albano Costa (2015). Todos os direitos reservados
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14103: A minha máquina fotográfica (17): Comprei uma Canon no navio "Timor" e andei com ela muitas vezes no mato... Tirou centenas de fotos e "slides" (que mandava para a Alemanha, para revelar) (Abílio Duarte, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12712: Tabanca Grande (426): Carlos Gomes Ricardo Cor Inf DFA (ex-Alferes da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, Bula e Bissum Naga, 1967/68; ex-Capitão, CCS/QG/Bissau e CMDT da CCAÇ 3, Guidaje, 1970/72)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Carlos Gomes Ricardo, Cor Inf DFA (ex-Alferes da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, Bula e Bissum Naga, 1967/68; ex-Capitão, CCS/QG/Bissau e CMDT da CCAÇ 3, Guidaje, 1970/72), com data de 3 de Fevereiro de 2014:

Caros,
O meu nome é Carlos Gomes Ricardo, sou Cor de Infª DFA.
Fiz 2 comissões na Guiné (1967-1968 e 1970-1972), a primeira como Alferes e a segunda como Capitão.

Envio-vos um link com fotografias da minha primeira comissão (Bula e Bissum).

Caso queiram fotos da minha 2ª comissão (Guidage), digam.
Envio também 2 fotos minhas: uma da época e outra actual.

Saudações
Carlos Ricardo


2. Mensagem de resposta envida em 4 de Fevreiro ao camarada Carlos Ricardo:

Caro camarada Carlos Ricardo
Muito obrigado pelo seu contacto.
Estou a responder em nome dos editores do nosso blogue já que me coube o pelouro das relações públicas.
Incumbiu-me o editor-mor Luís Graça de o convidar a aderir formalmente à nossa tertúlia. Gostaríamos que contribuísse com as suas memórias e fotos para o espólio da nossa Tabanca Grande, que queremos seja um repositório de episódios, tanto quanto possível, exactos e contados na primeira pessoa.

O Carlos diz que cumpriu duas comissões na Guiné, em locais bem pouco agradáveis, ao que sei, logo está na primeira linha daqueles que podem, quase diria devem, ter uma palavra importante no nosso Blogue.

No seu facebook descobri que foi Alferes (Mil?) na CCAÇ 1496, mas não tem referências à sua segunda comissão como Capitão (do Quadro?) e Comandante de Companhia em Guidaje (1970/72).
Saiu de lá mesmo a tempo, pois em 1973 deu-se aquele terrível assédio que tantas vidas custou a ambos os lados.

Ficamos à espera da sua resposta com a anuência de adesão à nossa tertúlia e complemento de dados em relação às suas comissões de serviço.
Não sei se quer fazer alguma referência à sua condição de DFA, como e quando.

Receba desde já um abraço em nome dos editores e os votos de boa saúde.
Ao seu dispor o camarada e amigo
Carlos Vinhal


3. Mensagem de Carlos Ricardo com data de 6 de Fevereiro:

Caro Carlos Vinhal,
Tentei a adesão ao site, mas não consegui. Peço que me indiquem a melhor forma de o fazer.

Sobre a minha carreira militar:
Entrei na Academia Militar em 1962 e saí em 1966 (curso de Infantaria).
Cumpri a minha primeira comissão na Guiné como alferes (de Jan 1967 a Jan 1968 – foi o curso que foi enviado para as colónias como estágio junto dos Comandantes de Companhia – link com fotos que vos enviei);
Estive em Bula e Bissum Naga, integrado na CCaç 1496/Bat 1876 e Mansoa;
Fui ferido em combate;

De 1968 a Janeiro de 1970 – Tavira a dar instrução;

De Janeiro de 1970 a Junho de 1972 (30 meses !!) cumpri a minha 2ª comissão na Guiné como Capitão, onde estive até Novembro de 1970 a comandar a CCS do QG e depois fui para Guidage (CCaç 3), onde estive até Março de 1972.

Embora com a comissão mais que terminada, não embarquei para a Metrópole por ter um processo disciplinar pendente.
Fui colocado no QG/CTIG.
Baixei à psiquiatria em Maio de 1972 e vim evacuado em Junho desse ano.
Fui dado como incapaz para todo o serviço militar (por motivos ortopédicos e psiquiátricos) em Junho de 1973 e passei a DFA em 1982, como Capitão.
Por inerência do Dec-Lei 43/76 (deficientes), acompanhei o meu curso até Cor (graduado).

A minha baixa à psiquiatria tem contornos maquiavélicos. Mais tarde poderei contar a história.

Quanto a fotos, poderei enviar algumas (as mais significativas) de ambas as comissões. Tenho fotos da 2ª Comissão (Guidage) publicadas no blog SPM 118 orientado por Felix Dias.

Até breve
Carlos Ricardo


4. Aqui ficam 4 fotos retiradas do facebook de Carlos Ricardo

A bordo do Uíge, a caminho da Guiné - Carlos Ricardo é o segundo, de pé, da esquerda para a direita.

Vista aérea de Bula

Abril/Maio 1967 - Construção do quartel de Bissum-Naga. Como se pode ver, estas construções davam-nos cá uma qualidade de vida...

Janeiro de 1968 - A bordo do Uíge - Regresso à Metrópole - Carlos Ricardo é o primeiro da fila de baixo à esquerda.

Fotos : © Carlos Ricardo. Editadas por Carlos Vinhal


5. Comentário do editor:

Caro camarada Carlos Ricardo
Muito obrigado por te juntares à tertúlia da Tabanca Grande.
Para acederes à nossa página tens de ir a http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt
Guarda nos teus favoritos. Este endereço permite fazer pesquisas na página e publicar comentários nos postes.

Para publicação das tuas histórias/memórias e fotos no nosso blogue, terás de os enviar para a nossa caixa de correio: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com para serem editados e inseridos pelos editores.

Ficamos a conhecer um pouco do teu percurso por terras da Guiné. Falta agora dares-nos a conhecer aqueles momentos que mais te marcaram.
Fazer o estágio, como Alferes, numa Companhia operacional, em pleno mato da Guiné, era uma experiência muito importante para qualquer futuro Comandante de Companhia. Conheci pessoalmente um camarada em Mansabá que esteve connosco uns meses em formação.

Um dia hás-de contar-nos como foste ferido em combate, na tua primeira comissão e aquela confusão toda nos finais da segunda, da qual queríamos também publicar fotos.

Não estranhes o tratamento por tu, mas faz parte do relacionamento, no Blogue, entre a malta que, em campanha, pisou aquele pequeno território. Queremos assim evitar as distinções entre os antigos e actuais postos militares, formação académica, idade, etc.

Ficamos por aqui ao teu dispor para qualquer dúvida.
Além do endereço do blogue, podes ainda utilizar o meu: carlos.vinhal@gmail.com e/ou o do Magalhães Ribeiro: magalhaesribeiro04@gmail.com

Deixo-te um abraço de boas-vindas em nome dos editores e da tertúlia.

Ao teu dispo o camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12683: Tabanca Grande (425): António Rocha Costa, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2539/BCAV 2876, S. Domingos, Antotinha e Bissau, 1969/71)

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Guiné 63/74 – P12125: Estórias avulsas (70): Balas de raiva: o meu amigo Toy Sardinha, da CCAV 1747 (Bissum, 1967/69), gravemente ferido em 24/12/1967, é evacuado para o HMP... Os médicos não lhe encontram a bala... que virá a sair, anos mais tarde, da perna... contrária! (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos uma mensagem.



Relatos, na primeira pessoa, da Operação “Bolo Rei”

Toy Sardinha esteve num desses combates e foi um dos feridos graves

Balas de raiva

Debitei, recentemente, um texto no nosso blogue onde trouxe à luz o nosso camarada, e meu particular amigo, Toy Sardinha, um soldado que fez parte da CCAV 1747, sendo o seu destino o destacamento em Bissum. Tive o cuidado de refazer, superficialmente, o seu trajeto militar pelos trilhos da Guiné até ao momento da trágica emboscada sofrida, resvalando o conteúdo do meu tema para os momentos dolorosos pelos quais passou.

Frisei o contacto com IN num dia em que o entoar dos sinos já tocavam os celestes sons natalícios. Estava-se precisamente do dia 24 de dezembro de 1967. Recordo que o balanço final dessa inesperada emboscada montada pelo IN, resultou num morto e quatro feridos.

Perante a realidade contada pelo antigo combatente, insisto no título balas de raiva uma vez que, em meu entender, o rótulo desmitifica a raiva sentida por cada um de nós quando as balas dispersas pelo infinito horizonte, penetravam em corpos de companheiros inocentes que caminhavam ao nosso lado.

Refleti, confesso, sobre o teor do seu ferimento grave e literalmente tracei o seu longo processo de recuperação. Debrucei-me, também, sobre a sua luta titânica que apontava para uma melhoria substancial no seu quotidiano. Objetivo conseguido, não obstante a sua visível deficiência física. Hoje o Toy é, tal como sempre o foi, um homem feliz. 

Aceitando o repto lançado pelo Luís Graça, caminhei no trilho da esperança que visava esmiuçar uma profícua certeza sobre a razão do “embrulhar” numa altura de festa que se previa solene e próspera: o Natal. Tanto mais que o nosso camarada Luís Martins, ex-alferes miliciano, e que conheceu esses combates, já tinha lançado dicas factuais sobre as operações “Bolo Rei” e “Cavalo Orgulhoso” que tiveram lugar nesse período natalício de 1967 na zona de Bula.

Num encontro, mais um, em Beja, com o nosso antigo combatente da CCAV 1747, propôs-lhe um desafio memorial que visou, logicamente, trazer à tona da reminiscência razões óbvias que resvalasse para os conteúdos da emboscada e as suas consequências.

O Toy, com as suas faculdades mentais em plena perfeição e com o sorriso nos lábios, como é hábito, começou por nos dizer: “Lembro-me que dormimos no mato na noite de 23 para 24 de dezembro. Essa operação envolveu toda a minha companhia e muitas outras. Foi um ronco enorme. Era gente por todo o lado”.

Reata a conversa e afirma: “Tratou-se efetivamente da Operação Bolo Rei, uma vez que estávamos precisamente na época do Natal. Foi um pandemónio. Não sei se se terá efetuado uma outra em simultâneo. Não me recordo. Esta operação, Bolo Rei, começou no dia 22 de dezembro de 1967 e só terminou a 3 de janeiro de 1968. Eu fui ferido a 24 de dezembro às 11 horas da manhã. Foram combates intensos. Soube mais tarde que no fim da operação se registaram 7 mortos e 32 feridos”.

O Toy, com ar brincalhão, recorda esse malfadado dia: “Estávamos emboscados e demos conta de dois homens e uma mulher no trilho. Eram turras. Houve um grande alvoroço, não conseguimos apanhar os homens, fugiram, mas conseguimos apanhar a mulher. Estava grávida. Depois ouviram-se gritos para deixarmos a mulher em paz. Levantou-se um burburinho de tal ordem que tivemos que abandonar o local que, entretanto, se tornara perigoso e passado pouco tempo estávamos a embrulhar na emboscada. Lembro-me que era para atravessarmos uma ponte, o que não aconteceu, resolvemos ir por um outro lado, só que a emboscada já estava montada e nós caímos nela. Se temos atravessado a ponte teria sido uma grande razia. Tivemos um morto e quatro feridos”.

Memórias de um combatente que foi, no fundo, um dos muitos militares que se depararam com as consequências das balas de raiva num conflito armado que marcou, inquestionavelmente, gerações de jovens enviados para as frentes de combate.

Guiné um território onde António Manuel Moisão Sardinha se deparou com o encurtar da sua comissão. Chegou em julho e foi ferido em dezembro.

Registemos pois o seu depoimento. Que surjam outras opiniões de camaradas que estiveram envolvidos nas Operações “Bolo Rei” e “Cavalo Orgulhoso”. 

Proposta deste vosso camarada: Comandante Chefe do nosso blogue, Luís Graça, sugiro que António Manuel Moisão Sardinha, vulgo Toy, se torne membro da nossa Tabanca Grande. Lancei-lhe o desafio, ele aceitou, ficando a minha proposta de uma ida do camarada ao próximo encontro (almoço) dos velhos tabanqueiros. Prontifiquei-me em levá-lo comigo. 

Um abraço camaradas deste alentejano de gema, 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 


sábado, 5 de outubro de 2013

Guiné 63/74 – P12118: Estórias avulsas (69): Balas de raiva: o meu amigo Toy Sardinha, da CCAV 1747 (Bissum, 1967/69), gravemente ferido em 24/12/1967, é evacuado para o HMP... Os médicos não lhe encontram a bala... que virá a sair, anos mais tarde, da perna... contrária! (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.



Homenagem a um velho amigo, e camarada, que muito estimo



António Sardinha, ferido numa emboscada na região de Bula no dia 24 de dezembro de 1967



Balas de raiva



Não quero, tão-pouco pretendo, lançar achas para a fogueira cujas labaredas se predispõem a mal entendidos quando em causa residem opiniões egocêntricas que cruzam um espaço onde se debitam ideias variadas e que ostensivamente merecem o nosso devido respeito.



Sublinho que a minha já longa experiência de vida, na escrita sobretudo, não me permite dirimir convicções, ou certezas absolutas, mas um alinhamento de conjugações factuais que literalmente elevam o teor da discussão. É credível a opinião de todos os camaradas, pese embora a precisão faturada de quem emite pareceres de um determinado acontecimento vivido em grupo. 

A pluralidade de um destinado confronto com a guerrilha é por vezes digerido, e comentado, de formas diferentes. Porém, existe na narração verdades pelas quais passámos, sendo que a maneira de explanar o chamado “embrulhar” tem perniciosos tentáculos amplamente complicados.

As emoções sentidas por cada um de nós na guerra da Guiné, levam-nos a extravasar díspares sensações vividas no meio do conflito onde eramos, apenas, pedras de um puzzle colocados em espaços anárquicos e ao serviço de interesses alheios.

A temática por ora exposta tem como título balas de raiva numa Guiné deveras surpreendente. Creio que era peculiar conviver de perto com o aforismo popular sangue, suor e lágrimas.

Todos, ou quase todos, conhecemos os amargos de uma guerra que não deu descanso. A luta trivial nas frentes de combate foi extremamente dura. Duríssima, acrescento. Perdas de vidas, estropiados e feridos com gravidade foram mato.

Desse imenso rol de camaradas que ainda hoje se deparam com problemas herdados da guerra na Guiné, trago à estampa o meu velho amigo António Manuel Moisão Sardinha, natural de Beja, que embarcou para aquele território em julho de 1967, sendo que seis meses depois, numa emboscada sofrida na zona de Bula, colocou fim à sua comissão.

O meu amigo e camarada Toy Sardinha, como é habitualmente conhecido em Beja, pertencia à CCAV 1747, independente, e que ficou instalada no aquartelamento de Bissum.

No dia 24 de dezembro de 1967, vésperas de Natal, o pelotão onde seguia caiu numa emboscada, sendo que o saldo final se cifrou num morto e quatro feridos. O morto, segundo o Toy, tinha como sobrenome de Silva.

Sendo o seu estado preocupante, o nosso antigo camarada foi evacuado para o Hospital de Bissau, onde se manteve dois meses, e transferido para o Hospital Militar de Lisboa. Foi operado naquela unidade hospitalar e a sua recuperação estendeu-se até ao mês de dezembro de 1969.

O nosso camarada é um homem que jamais escondeu a sua postura física. Ela é visível. A perna esquerda ficou mais curta. Ainda assim fez, e faz, uma vida absolutamente normal. Vive no seu recanto familiar com a sua eterna companheira Fernanda. Trabalhou na antiga Administração Regional de Saúde em Beja. Está aposentado. Mantém uma disposição ótima. É alegre. Os seus apartes desabam, normalmente, para descomunais sorrisos. Tem sempre uma anedota na ponta da língua. 

O Toy é e será um dos muitos milhares de deficientes das Forças Armadas Portuguesas. Assume. Um selo herdado de uma emboscada sofrida no malfadado dia 24/12/1967, lá para as bandas de Bula

Hoje, o nosso camarada não se refugia na herança que a vida, enquanto jovem, o carimbou. Ironizando, como é seu hábito, assegura: “Na altura da operação a equipa médica não conseguiu encontrar a bala alojada na perna, mas passados muitos anos a magana acabaria por sair pela perna contrária sem que nada o fizesse prever. Coisas do destino”, diz com um sorriso nos lábios.

Expressa o povo, e com razão, que o nosso corpo tem por hábito expulsar matérias estranhas e a bala de raiva que dilacerou as entranhas do nosso camarada, finalmente apareceu. 

Força, Toy! 




Junto ao rio


Com outros camaradas em Bissum


O segundo da fila


No Hospital Militar, em Lisboa

Com Rosa Santos, antigo árbitro de futebol internacional, amigo de infância e que foi ferido em Angola 
Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 


Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:



Vd. último poste desta série em:


2 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12105: Estórias avulsas (68): Do meu Álbum de Fotos sobre Galomaro 3 (José Ribeiro)

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11101: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (4): Fui praxado, em Bissum Naga, e não vi nada de mal nisso... (Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez)

1. Mail do Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez, (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), que tem andado um tanto escondido  "escondido" por detrás do poilão da nossa Tabanca Grande:

Viva,  Luís,

Acabei de votar Concordo ( mau grado o secretismo que deve envolver as votações...)

E votei Concordo porquê ?

Fui praxado,e não vi nada de mal nisso, antes pelo contrário.  A praxe serviu para criar nos piriquitos a necessidade de sentirem a dura realidade da guerra, como que um acordar para a mesma mas também para os familiarizar com as dificuldades...

Há duas ou três situações que por muitos anos que viva nunca esquecerei...

Estávamos em sobreposição com a companhia que íamos render a Bissum/Naga,e à noite,na messe ouvíamos um alferes da companhia velha a "contar vantagem" (como diriam os brasileiros...). Era um operacional de truz,no mato tivera inúmeros contactos com o IN...  Os turras tinham-lhe medo pois ia para o mato com galões apensos (ao estilo AB...).

Viríamos a saber depois,  por um seu furriel, que se tratava de um faroleiro que se pisgava do mato sempre que podia...). Pois durante as suas divagações, pousou-lhe um mosquito num braço... Sem sequer fazer menção de o afastar do braço, olhou-o e disse : 
- Mas que falta de respeito é esta ? Com tantos piriquitos e vais escolhar a velhice ? 

Aquilo foi uma espécie de abanão para a consciencialização de que a comissão dele chegara ao fim e a nossa chegaria,ou não...

Outra situação,esta sim, verdadeira praxe, foi o convite formal, feito por um furriel velho, à malta para alinharmos numa tainada de galinha da Índia que ele supostamente teria abatido... Caberia aos piras o pagamento das bebidas...

"Entramos pela madeira dentro",como soe dizer-se,com a massa para as loiras, e fomos presenteados com uma travessa cheia de nacos de ave, besuntada em molho de piripiri e tomate ,para se parecer com a travessa que os furriéis velhos colocaram para eles próprios...

Só que a deles tinha nhec e a nossa abutre... Depois de termos "dado cabo" da nossa parte,disseram-nos então o que acabáramos de comer... Foi uma risada geral...

Fizeram-nos ainda durante as saídas noturnas em que ia uma secção deles, a "vida negra" ao obrigarem a deitar no solo completamente encharcado junto aos palmeirais (eles deitavam-se na parte seca) e passando a palavra afirmavam terem "embrulhado" várias vezes ali... 
- Está a deitar, nem um pio... 

A época das chuvas tinha começado...Quando regressávamos ao quartel,tínhamos a farda completamente enlameada em contraste com a deles... Acabaríamos depois por constatar estarmos pertíssimo do quartel, mas tínhamos dado voltas e mais voltas em irculos fechados, com o deita e levanta, que nos baralhara e amedrontara...
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11100: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (3): Também praxei "periquitos", em Cufar... (António Graça de Abreu)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11037: Notas de leitura (454): "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2012: 

Queridos amigos,

“A Pátria ou a Vida”, de Gertrudes da Silva, não tem paralelo em tudo quanto me foi dado ler sobre a nossa guerra. é bem provável que o autor tenha sido o comandante da CCAÇ 2781, que passou uma boa parte da sua comissão em Bissum-Naga.

Não há ali farronca, exaltação dos feitos, encómios sobre a obra feita. Entrega-se, de alma e coração, a esculpir caracteres, é um autor, ele próprio à procura de compreender e justificar quem observa, praças, sargentos e oficiais. Retrata um oficial do quadro que escapa ao protótipo idealizado para os seus pares. Aliás, não tece elogios aos seus superiores, mostra-os mesmo incapazes de perceber a natureza daquela guerra.

Um abraço do
Mário


A Pátria ou a Vida (2)

Beja Santos

“A Pátria ou a Vida”, por Gertrudes da Silva (Palimage Editores, 2004), é uma obra singular em toda a literatura da guerra colonial, garanto-vos. Trata-se de uma companhia acantonada em Bissum-Naga, os relatos bélicos estão absolutamente condicionados aos comportamentos e às vivências dos militares. A narrativa começa por destacar os diferentes grupos intervenientes, o João Benvinda, o furriel Antunes, o primeiro-sargento Cebola, o aspirante Costa. O capitão parece não ter nome, talvez para camuflar o autor da prosa, há sérios indícios de que é ele o responsável pelo que aqui se lê. Sabe-se que ele leva demasiado a rigor a vida da companhia, e mais:

“Não nos larga todo o dia e mesmo no fim da tarde nunca dispensa a reunião diária para avaliação do trabalho desenvolvido e preparação do que há a fazer do dia seguinte. Às vezes, vê-se mesmo que perde a noção do tempo e quase que saímos dali – os comandantes de pelotão – diretamente para a formatura da instrução noturna, sem comer nada de jeito”.

Afinal, o capitão tem um nome completo, forjado, Júlio dos Santos Parente, cursou a Academia Militar, tem raízes marcadamente rurais, era o Juca entre familiares. Sabe-se que fez uma comissão em Angola, andou depois por Mafra.

Após a apresentação por retratos, sabe-se que a partida para a guerra está para breve, o João Benvinda foi recebido pela família a chorar, o furriel Antunes também deu consigo a chorar quando se despediu dos seus, enfim, do capitão às praças todos deixam o mundo para trás contritos, entes queridos tolhidos por tanta dor. Chegados a Bissau, escrevem às suas famílias. O João Benvinda dá a saber à sua Amélia que há problemas na companhia por causa dos corrécios de Penamacor que transformaram a viagem numa polvorosa, com cenas de porrada, cabeças partidas e até facadas, numa mistura com vigarices, copos a mais e jogos da vermelhinha. Segue-se o IAO, marcham para Bissorã, aqui se ouve falar em Queré, Choquemone e Tiligi. A primeira operação torna-se no batismo de fogo. E parte-se para Bissum-Naga, temos a crua descrição do local:

“À volta de um grande terreiro que nem é quadrado nem é circular, aparecem regularmente plantadas quatro edificações, a definir, em ângulo obtuso, os quatro cantos do aquartelamento, ficando assim, para já, com este nome. São as quatro casernas-abrigos, uma para cada grupo de combate. Da mesma traça arquitetónica (e esta?!...) destes, e logo à direita de quem entra, está o abrigo do Comando, ali no desempenho das suas mais nobres funções. Na ala da direita, que mais correto será dizer que é do Poente, a configuração do recinto vai-se aprimorando com mais um alongado abrigo onde funcionam o posto de socorros e a messe de oficiais e sargentos. E agora, se ao entrar, que é pelo Norte, nos virarmos para o lado esquerdo, temos logo ali, em tosca simetria com o abrigo do Comando, o depósito de géneros, o posto de rádio, e aqui que ninguém nos ouve, o centro cripto. E o desenho do terreiro, serve de muita coisa, e também de campo de futebol e de parada, completa-se nos intervalos com construções mais ligeiras e desenterradas, dispostas como todas as outras ao longo e do lado de dentro da dupla fiada de arame farpado: é o conjunto do forno do pão e das cozinhas, do gerador e da ferrugem. Fora deste esquema estão o paiol, do lado de fora do alinhamento, mas dentro da rede de arame farpado que ali se alargou um pouco mais e, onde deu mais jeito, os sanitários e cantina. E entre o arame e o topo sul da tabanca, ali mesmo ao pé da porta de armas, o único edifício que, se calhar merece tal nome – a escola. E, para já, é tudo. É tudo, não. Porque deixávamos passar o que no conjunto até é o mais saliente – as quatro torres de vigia, de secção quadrangular, com seus telhados de zinco a quatro águas, sobressaindo, mais ou menos a meio das quatro casernas – abrigos”.

Ali estão, fazem furtivas incursões, as operações de ronco são encargo das forças especiais. Trata-se de uma escrita sem prosápia, um documento que preza, acima de tudo, as revelações do comportamento não embotadas pela dureza da guerra.

Segue-se uma descrição do dia-a-dia, com afazeres, incumbências e estados de espírito, desbobinam-se as pequenas chatices, as idas à água e os reabastecimentos de mês a mês. Depois, a guerra é reveladora do melhor e pior da condição humana, o Moura do 1º Grupo de Combate, um dos tais que viera diretamente de Penamacor, que talvez arrombasse carros ou andasse a furtar recheios, agora deu-lhe para o sentimento, trouxe uma gatinha do Cumeré, fez-lhe uma casota que prantou entre o abrigo e o arame farpado, afaga o bicho com as duas mãos, é nisto que chamam o pelotão que está de serviço interno para ir à pista, do avião saem dois senhores, o comandante de batalhão e o oficial de operações, o assunto que os traz é Tiligi, Queré, Inquida e Choquemone, afinal vão mesmo ao Insumeté, uma península, não rodeada de água por todos os lados menos por um mas que vai dar ao mesmo, se em vez de água pusermos bolanha. Vão com o pelotão de milícias, tudo vai correr nos conformes até à emboscada, infelizmente que não chegou na hora certa o apoio aéreo, andaram por ali a penar. O regresso foi penoso, no fundo uma operação sem história.

Aqueles combatentes são seres humanos, escrevem às namoradas com juras de amor, fala-se mesmo em casamento na situação em que a rapariga ficou grávida. O quartel aprimora-se, a escola funciona, os autóctones não prescindem dos seus festejos, os trabalhos de reordenamento vão de vento em popa. Segue-se uma incursão a Inquida, novo susto. O Moura perdeu a cabeça e quis abater o nosso capitão, tudo se resolveu a bem. O autor disserta sobre os santuários e estas incursões sem proveito nem glória. Dá-se um tremendo acidente, vem de Bissau o comandante-chefe e apostrofa nosso capitão em público. Descobre-se um negócio sórdido em que o pessoal turra do Tiligi, segundo constava, punham minas, que as milícias levantavam, auferindo os prémios. A verdade é que “Os tipos do Tiligi iam levantar os engenhos aos grandes campos de minas de Bula e logo que as tinham com eles, lá arranjavam maneira de fazer chegar tão preciosa informação aos seus conhecidos e provavelmente amigos do lado de cá. Estes, no retorno levavam-lhes metade dos respetivos prémios. Assim seria o trato. Entendeu-se que não havia nada a fazer a não ser acabar com esta mina das minas”.

É uma obra que deliberadamente não anda em permanência à procura dos urros, das fúrias, das emboscadas, das enormes flagelações, de tonitruantes atos heroicos. Não é um livro de guerra condimentado de feitos ou exaltação épica, versa homens na sua condição de combatentes que têm vida própria, estão providos de memória e vivem conjuntamente o mesmo penar, a retaguarda dos combatentes assoma à primeira linha, recorrente, é um caso inédito na especificidade desta literatura. Até porque o capitão sofre com a pesada humilhação pespegada pelo comandante-chefe, sai da companhia, o resto é rememoração, o capitão foi para Bula, aqui o capitão narrador descreve a localidade e é um pouco cruel ao retratar os seus pares. E regressam, fazem o espólio e partem para as origens:

“O Paredes já ali vai. Deixem-no ir também, que está mesmo aflitinho por pegar no pimpolhozinho que ainda avistou de raspão lá fora e por dar um apertado abraço à Amélia, que ainda não chegámos ao tempo de beijos de amor no meio da rua e à frente de toda a gente. Agora vai ali o furriel Antunes; sem pressas, como sempre. Assim que chegar a Mondim, e tal como as coisas por lá estão, com a mãe muito doente e o pai envelhecido e cansado da vida, vai provavelmente começar logo uma outra sobreposição e render o pai na condução da empresa. O alferes Costa também já lá vai. Mas já não é o mesmo. Agora passou e quase que nem nos falou. Seria do ferimento no Insumeté, das operações que teve de fazer – e dizem que estas coisas das anestesias deixam sempre as suas marcas numa pessoa, de coisas que se teriam passado por lá por Tite, quem sabe”.

Uma obra inqualificável, moldada pela ternura e os fios que a amizade tece na tal dureza da guerra.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 28 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11016: Notas de leitura (453): "A Mulher Portuguesa na Guerra", coordenação do Cor Alberto Reis Soares e "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10427: Blogues da nossa blogosfera (55): Memórias de Bissum-Naga, no blogue de Quim Santos (CCAÇ 2781, 1970/72)











Guiné > Região do Oio > CCAÇ 2465 (1969/70) > De cima para baixo: (i)  lavadeira, (i) ajudantes de cozinha descascando batas; (iii) crianças á espera das sobras do rancho; (iv) milícias; (v) tabanca, reordenada.

Fotos: Aníbal Magalhães (2009). Cortesia de Quim Santos







"Este Blog foca memórias sobre a guerra colonial, destina-se ao público em geral e aos ex-combatentes em particular", aos militares do BCAÇ 2927 e especificamente à CCAÇ 2781 /(Bissum, 1970/72)...

"Vamos recordar aquele período das nossas vidas passado na Guiné, em particula na zona de Bissau, Bissalanca, Cumeré, Bissorã e Bissum, onde estivemos destacados. Qim"..
.

Fonte: Guiné Bissau - Memórias, blogue de Quim Santos



 1. O Quim Santos - pseudónimo, Verdegaio - vive na Póvoa do Varzim, tem 12 blogues, está no Blogger desde 2007. O nosso grã-tabanqueiro Armando Pires já em tempos se tinha referido ao Quim Santos e a este blogue, tendo inclusive cedido uma série de fotos relativas à chegada dos "piras" do BCAÇ 2927 a Bissorã. E antes do Armando, já o Quim Santos tinha aparecido por aqui a informar-nos da existência do seu blogue e da sua estadia em Bissum, entre finais de 1970 e finais de 1972, como homem das transmissões da CCAÇ 2781.


Em resumo, já anteriormente estava assinalada a existência deste blogue, representando mais um ponte entre o nosso presente e o nosso passado. Metaforicamente falando, um blogue de um camarada nosso deve ser saudado como mais uma estrela no firmamento das nossas memórias. Mas, o que acontece à maior parte deles, é que têm uma vida curta, um trajeto meteórico pela blogosfera. Deixam de ser atualizados, em geral por falta de "matéria-prima" para alimentá-los...Ou então acabam por ser "destronados" pelo Facebook, hoje mais populae que os blogues...

É o que parece ter acontecido a este blogue do Quim Santos. Deixou de ser atualizado a partir de 25 de abril de 2011. Mas, no caso do Quim Santos, o problema pode ser outro: com doze blogues, mais o Facebook, o nosso camarada não tem mãos a medir... Em novembro de 2010 criou um grupo no Facebook sobre o BCAÇ 2927 (que já tem 228 membros): 

(...) Vamos tentar reunir aqui o maior número de combatentes nas ex-colónias, com saliência para a Guiné e em particular a malta do Batalhão de Caçadores 2927, que partiu em missão para a Guiné em Setembro de 1970 no Uíge e era constituído pelas companhias - CCS, 2780, 2781, 2782 e lá ainda com Caçadores 13.

Seria interessante a publicação das nossas vivências e memórias ilustradas com documentos fotos e tudo o mais relacionado com esta campanha na Guiné Bissau, que apesar de ter acontecido nos anos 70, está ainda bem presente nos ex-combatentes que a integraram.

Amigos, interessados nesta temática e ainda familiares dos ex-combatentes serão bem recebidos aqui com os seus depoimentos e tudo o mais que acharem por bem publicar. 

O meu blogue sobre as minhas memórias ao serviço da Companhia de Caçadores 2781 que se fixou em BISSUM NAGA após passagem por Bissau, Cumeré e Bissorã, pode ser visitado aqui. www.guine-bissum.blogspot.com, Abraço a todos os ex-combatentes. Pinto (TRMS da CCaç 2781). (...)


3. Entretanto do blogue sobre a CCAÇ 2781 e sobre Bissum, tomamos a liberdade de selecionar, editar e reproduzir algumas fotos, com a devida vénia. Está também na altura de convidar o nosso camarada Quim Santos para integrar a Tabanca Grande. Sabemso que ele segue o nosso blogue. LG.




Guiné > Região do Oio > Bissum-Naga > CCAÇ 2465 (1969/70) > A velha GMC, "aquela máquina"!...



Foto: Aníbal Magalhães (2009). Cortesia de Quim Santos.


4. PS - Em comentário a este poste, há a seguinte informação, oportunísssima, do nosso grã-tabanqueiro Aníbal Magalhães, ex-alf mil CCaç 2465/BCaç 2861 [, foto à esquerda]:


"Amigo Luís Graça: Quero esclarecer que as fotos apresentadas no P10427 foram tiradas no tempo da CCaç. 2465/B.Caç.2861 (Bissum-Naga, 1969/70).

 "De maneira nenhuma quero reprovar a apresentação destas fotos, até por contrário. Dizem respeito a todos nós, principalmente aos amigos que passaram por Bissum-Naga em várias épocas.

"Um abraço, Aníbal Magalhães, CCaç 2465".



Resposta do editor:

Camarada Magalhães: O seu a seu dono!... Este é um dos nossos princípios sagrados: respeitar os "direitos de autor". Já corrigi o poste. Os créditos fotográficos são, portanto, teus. Fico-te grato pela generosidade e franqueza. No blogue do Quim Santos, é difícil de apurar de quem são os créditos fotográficos. Foram estas as fotos que me sensibilizaram mais, que eu editei e procurei valorizar, fazendo-as chegar a um público mais vasto do que aquele que acede ao blogue do Quim. Tomo boa nota da tua informação, segundo a qual estiveste em Bissum-Naga, de 14/05/1969 a 14/12/1970. 

 Já agora, vou mais longe e peço-te que comentes estas fotos, que são de excelente qualidade. Se bem recordo, a maioria da população civil era de etnia balanta. 

Um alfa bravo, extensivo a todos os camaradas que passaram por Bissum-Naga. LG
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10392: Blogues da nossa blogosfera (54): A Página do nosso camarada Carlos Silva "Guerra na Guiné 63/74" atingiu o milhão de visitas

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9844: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte II_ Batismo de fogo em Bissum-Naga até às férias...





Guiné > Bissau > BAC 1 > Dezeembro de 1967 > Peça de museu, de arilharia, possivelmente do tempo da(s) "guerra(s) de pacificação", à entrada da messe de oficias > Foto nº 23/199 do álbum do João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) .





Guiné > Bissau > BAC 1 > Dezeembro de 1967 >  Obuses 10.5 > Foto nº 31/199
 



Guiné > Bissau > Bissau > c. meados de 1968, tempo das chuvas > Avenida marginal, dando ao acesso ao porto de embarque >  Foto nº 56/199.






Guiné > Bissau > Bissau > c. meados de 1968 >  Instalações da marinha, junto ao porto >  Foto nº 57/199.






Guiné > Bissau > Bissau > c. meados de 1968 > LDM no Rio Geba, ao fundo  do  lhéu do Rei, frente ao porto de Bissau. (Distância aproximada: 1,5 km) [... e não "Ilha do Príncipe"] > Foto nº 62/199.





Guiné > Região do Cacheu > Bissum-Naga > 1968 > "Eu em Bissum - à esquerda ainda se vê o 'canhão' de um obus 8,8cm e a entrada do aquartelamento virada a Nordeste; ao fundo, um abrigo onde dormia, com um posto de vigia em cima, e à direita e em primeiro plano, no meio da parada, e danificado pelas granadas de morteiro do IN que caíam com muita frequência, estava o paiol das munições". 



Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da  Guiné. Todos os direitos reservados. (Fotos editadas e parcialmente legendadas por L.G.)



Memórias da minha comissão na Província Ultramarina da Guiné - Parte II (*)




Por João Martins  (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) . 


(Continuação)

4 – Chegada à Guiné e partida para Bissum-Naga

Na manhã do dia 19 de Dezembro de 1967 (*), chegámos e atracámos ao cais de Bissau. Vieram-nos buscar e conduziram-nos à nossa nova unidade, a BAC 1 (Bateria de Artilharia de Campanha nº1). 


Apresentámo-nos ao Capitão Abreu Faro, comandante da unidade, que nos deu as boas-vindas e teve uma breve conversa connosco. Perguntou-nos quais as nossas perspectivas, comecei por ouvir os meus dois camaradas. Um, disse que sofria do estômago e que agradecia um lugar em que se comesse bem, o outro, que tinha mulher e um filho de modo que lhe dava jeito um local onde não houvesse muita “porrada”.

Depois de ter pensado duas vezes, e já que não fazia sentido pedir o mesmo que os meus camaradas, se bem que fosse essa a minha vontade, resolvi pedir as férias em Agosto [, de 1968], na Metrópole, para as poder gozar em S. Martinho do Porto, porque, sem praia e sem mar, as férias para mim não são férias. E assim aconteceu tanto em 1968 como em 1969.

A seguir, o capitão mandou-me vestir o camuflado e mandou-me para a Lancha de Desembarque Média (LDM) que já se encontrava no cais,  com um pelotão de 3 obuses 8,8 cm.

Não me lembrei da ração de combate, pelo que, na ida para Bissum-Naga pelo rio Cacheu, passando por Joanlandim [o João Landim, na travessia do Rio Mansoa], durante dois dias praticamente não soube o que era comer nem beber, nem mesmo os da lancha me deram o que quer que fosse.

Era esta a falta de solidariedade que se vivia entre militares de ramos diferentes, o que mostra a falta de espírito de “unidade nacional” sem a qual não se vencem guerras, e, quanto ao dormir, faz-se ideia do que é dormir ao ar livre, numa noite bem escura para não sermos vistos pelo IN, em cima de um colchão de espuma.







Guiné > Região do Cacheu > Carta de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bissum-Naga e de Biambe.



5 – Bissum-Naga

Chegámos a Bissum a 21 de Dezembro [de 1967], portanto, na semana que precede o Natal, pelo que, como de costume, e talvez para esquecer as saudades das famílias que nessa quadra ainda são mais intensas, iniciámos a operação “Bolo Rei”, a que se seguiu a operação “Cavalo Orgulhoso”.

Tive uma adaptação particularmente difícil, porquanto logo nos meus primeiros dias tivemos feridos e mortos, e, na véspera de Natal, de forma imprópria de gente civilizada, houve um elemento considerado afecto ao inimigo que foi muito, mas muito maltratado, pelo que fiquei a saber da selvajaria de que também éramos capazes. Foi um dos piores locais da Guiné por onde passei.

Terra de balantas, etnia altiva e independente, nunca me senti muito bem visitando as palhotas e interagindo com a população, dir-se-ia que, ao longo de cerca de 500 anos de convivência os nossos povos tiveram muito poucos contactos.

A tabanca localizava-se entre o aquartelamento e o rio Cacheu, ao longo da estrada, de modo que eramos atacados apenas dos quadrantes Sul e Este. Nós e a população éramos frequentemente sujeitos a flagelações por parte do IN que nos atacava tanto de dia como de noite, pelo que, durante os meses que estive lá, dormi sempre sem saber o que eram uns lençóis e um pijama.

Recordo vários episódios:

Uma vez, numa operação, um dos nossos soldados tropeçou num ninho de abelhas. Ficou com a cara de tal maneira picada e inchada que estava completamente irreconhecível, é claro que teve que ser imediatamente evacuado para Bissau.

Todos os dias era necessário ir buscar água à bolanha que não ficava longe, cerca de 800 metros a Nordeste, e estava rodeada de palmeiras que tapavam a visibilidade. Era uma rotina normalmente sem incidentes, pelo que os nossos soldados iam com sapatilhas, descontraídos, sem qualquer preocupação em montar segurança, e iam mais preocupados em apanhar algum pássaro que pudessem comer ao almoço já que a comida escasseava.

Aconteceu que, certa vez, depararam-se com uma emboscada; o IN estava à espera deles e apanhou-os completamente desprevenidos. Quando começou o tiroteio corri para o obus que estava voltado para Este e dei ordem de fogo na direcção da orla da bolanha calculando que não atingiria nenhum dos nossos. Creio que o disparo e o barulho do rebentamento das granadas pô-los em fuga, mas não evitou algumas baixas.

Noutra altura, na sequência de uma operação, trouxeram para o aquartelamento uma rapariga muito “bonita e jeitosa”, uns tantos abusaram dela, dei-lhe todo o apoio que me foi possível e lamentei o sucedido.

Mais tarde, vi um dos principais responsáveis com a cabeça muito inchada, porque, a jogar futebol, tinha batido com ela, tinha perdido os sentidos e a memória, e não se lembrava de nada. Não sei se foi castigo de Deus… Mas não descarto essa hipótese…

Uma vez, num ataque que fizeram ao quartel, entrámos em tiro direto, estávamos a ver se descortinávamos onde se encontrava o IN pela observação dos disparos das espingardas quando ouvimos um tilintar no canhão; aberta a culatra, encontrámos uma bala que tinha entrado pelo cano, o alvo eramos nós mas não tiveram essa sorte.

Outra vez, estava a tomar banho de chuveiro à hora do almoço dos soldados, porque era a melhor hora para estar completamente nu e mais à vontade. Quando começou o ataque ao aquartelamento pensei que não iria durar muito, estando completamente nu, não estava em condições de ir para onde quer que fosse.

Decidi esperar pacientemente pelo final da flagelação. Esta porém estava a prolongar-se mais do que poderia esperar e as balas e as granadas de morteiro passavam cada vez mais próximo pelo que já me estava a aborrecer… Estava eu nesta conjectura quando ouço um som sibilino que, pela minha já longa experiência de flagelações ao aquartelamento,  me levou a concluir que se tratava de uma granada que se aproximava perigosamente. Só tinha uma decisão a tomar, atirar-me para o chão, a granada caiu a menos de dois metros e felizmente do outro lado de um tronco de palmeira que delimitava a zona do duche. Depois, já recomposto do susto, e constatando que tinham parado de disparar, resolvi fugir para dentro de um abrigo como Deus me deitou ao Mundo. Foi então que alguém reparou que eu estava a deitar sangue de uma perna, felizmente que estava apenas ligeiramente ferido.

Dias mais tarde, vieram-me dizer que o PAIGC tinha dado a informação na rádio de que me tinham abatido. Eles bem fizeram por isso em tiro direto, estilo tiro ao alvo e o alvo era eu, percebi então porque é que as tinha sentido a passar tão perto de mim, mas não tinha chegado a minha hora…

Era raro sair do aquartelamento, aquela gente não me inspirava grande confiança, talvez porque ainda era “periquito”, mas uma vez vieram-me dizer que havia “ronco” na aldeia. Decidi ir ver como era. Compreendi que era dia de festa estilo S. João e com a particularidade dos habitantes das redondezas (“turras”) também virem participar na festa. Não fiquei nem muito à-vontade nem muito descansado, e menos fiquei quando em plena “sala do baile” me vieram avisar que “eles” andavam à minha procura. Resolvi não armar em herói e regressar rapidamente ao quartel. No caminho, ainda houve quem me apontasse um arco com uma flecha, mas não teve coragem para me atingir.

Recordo que para melhor ocupar o tempo decidi ensinar os soldados [, guineenses,] do meu pelotão que eram iletrados, a ler e a escrever. Contrariamente ao que eu poderia supor, alguns opuseram-se radicalmente, parecia que atentávamos contra a sua liberdade de optarem pela ignorância e que muito mal lhes queríamos.

Expliquei que o nosso único desejo quando largávamos os nossos familiares na Metrópole era irmos defendê-los dos terroristas ficando sujeitos a sermos feridos ou mesmo a morrermos e o facto de nos dispormos a ensiná-los a ler e a escrever era o de pretendermos para eles uma vida melhor. Também argumentei que teriam a possibilidade de escrever aerogramas às suas famílias.

Não ficaram convencidos, o que muito me entristeceu na medida em que revelava pouca confiança relativamente aos nossos verdadeiros propósitos e também uma certa dose de estupidez, porque, no fundo, era um esforço adicional a que nos dispúnhamos tendo em vista a melhoria das suas condições de vida. Só depois de falarem uns com os outros é que alguns aceitaram fazer o esforço de aprendizagem, dir-se-ia que estavam satisfeitos com o que tinham, um vencimento ao fim do mês com pouco trabalho e que lhes dava para viver.

Não mostravam estar muito preocupados com o seu futuro nem como iriam sustentar as suas famílias, talvez contassem que fossem as mulheres a trabalhar para os sustentar… ou então, seriam os europeus.

A certa altura, o capitão da companhia de cavalaria que defendia Bissum e que era miliciano (**), resolveu construir uma pista para avionetas, e como não tinha os meios adequados, resolveu pôr a viatura do pelotão de Artilharia a puxar um tronco de árvore. A pista, vista do ar podia ser muito bonita, mas em terra era notória a existência de lombas acentuadas, o que não podia ser do agrado dos pilotos.



João Martins


(Continua)
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Notas do editor:


(*) Vd. primeiro poste da série > 30 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9834: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte I: De Mafra (EPI) a Bissau (BAC1)

(**) Provavelmente, o Cap Mil Inf Manuel Carlos Dias, comandante da CCAV 1747: mobilizada pelo RC 7, partiu partiu para o TO da Guiné em 20/7/1967 e regressou à metrópole em 7/6/1969. Esteve apenas em dois sítios, segundo a respetiva ficha de unidade: Farim e Bissum. 


A CCAV 1747 é contemporânea da CCAV 1748 (Bissau, Bula, Contuboel, Bissau, Farim; Comandante: Cap Mil  Inf Emílio  Augusto Pires); e da CCAV 1749 (Mansoa, Mansabá, Quinhamel; Comandante: Cap Mil Inf  Germano da Silva Domingos). 


Nenhuma destas três companhias - que se presume fossem independentes - está devidamente representada da nossa Tabanca Grande. O nosso camarada José Nunes, do BENG 447 (15jan68 / 15jan70), confirma - através de uma foto aqui publicada - que a CCAV 1747 - "Unos e Firmes" - esteve em Bissum-Naga (em 1968). Também sabemos, por outras fotos do José Nunes, que em 1966/67, esteve aqui a CCAÇ 1497, pelo menos com três grupos de combate (o 1º,  o 2º e o 3º).