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terça-feira, 28 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3372: Unidades que passaram por Mansoa, de Maio de 1969 a Fevereiro de 1971 (César Dias)

1. Há tempos (já lá vai mais de ano e meio..), o César Dias lembrou-se de nos mandar estes elementos informativos sobre as unidades que compunham o sector de Mansoa no seu tempo, o período em que estiveram no sector e as respectivas baixas (mortos e feridos graves, evacuados para Lisboa ou para Bissau). Ai ficam, uma vez que podem ser úteis a muitos camaradas nossos. Obrigado, Césra. Como vès, na nossa Tabanca Grande, nada se perde, tudo se transforma...

Recorde-se que o César Vieira Dias foi Furriel Miliciano Sapador, na CCS do BCAÇ 2885, um batalhão que esteve em Mansoa e Mansabá desde Maio de 1969 a Março de 1971 .



Unidades que passaram pelo sector de Mansoa no período de 8 de Maio de 1969 a 15 de Fevereiro de 1971

por César Dias


(i) BCAÇ 2885 substitui o BCAÇ 1912 em 14 de Maio de 1969

Composição do Batalhão

CCS - Não teve mortos em combate; 6 Evacuados para Lisboa: 21 evacuados para o HM 241 (Bissau)
CCAÇ 2587 > 1 morto; evacudos: 10 (Lisboa) + 26 (HM 241)
CCAÇ 2588 > 7 mortos; evacuados: 14 (Lisboa) + 31 (HM 241)
CCAÇ 2589 > 6 mortos; evacuados: 8 (Lis) + 21 (HM 241)


(ii) Outras Forças adstritas ao Batalhão


CART 2411 nos destacamentos de Porto Gole, Bissá e Enxalé até 15-03-1970 > Não teve mortos; Evacuados: 5 (Lisboa) + 14 (HM 241)

CCAÇ 2403 em Mansabá, desde 10-69 a 21-04-1970 > 2 mortos e 3 evacuados: 1 (Lisboa) + 2 (HM 241)

CART 2732 em Mansabá desde 21-04-1970 até 11-11-70 para COP6 > 1 morto; 5 feridos (evacuados para Lisboa); mais 6 (HM 241).

CCAÇ 15 em Mansoa desde 4-03-1970 > Evacuados: 4 (Lisboa) + 15 (HM 241)

CCAÇ 17 em Mansabá 17-10-1970 (sem baixas)

PEL CAÇ NAT 54 no destacamento de Porto Gole e Enxalé até 26-10-69 : 1 ferido (HM 241)

PEL CAÇ NAT 57 no destacamento de Cutia até 28-01-70 sendo rendido pelo PEL CAÇ NAT 61 > 1 ferido (HM 241)

PEL CAÇ NAT 58 no destacamento de Infandre desde 16-11-69: 6 mortos; 2 feridos evacuados para Lisboa e 1 para o HM 241

PEL CAÇ NAT 61 em Mansabá até 28-01-70: 8 feridos (HM 241)

PEL CAÇ NAT 62 no destacamento de Braia, extinto em 16-11-69 e substituído pelo
PEL CAÇ NAT 58: sem baixas

PEL MORT 2172 > feridos graves: 1 (LIsboa) + 1 (HM 241)

11º PEL ART 8,8 em Mansoa: sem baixas

PEL MORT 2004: 2 feridos evacuados para o HM 241

- 1 secção em Mansoa
- 1 Esq em Cutía
- 2 Homens em cada destacamento: Bindoro, Infandre, Rossum, Bissá, Porto Gole, Enxalé, Jugudul, Braia e Uaque

21º Pel Art /ga 7: 1 ferido evacuado para Lisboa

2 Auto Metr / Pel AM 2048 em Mansoa e Mansabá > Feridos evacuados: 1 (Lisboa) + 2 (HM 241)

PEL MILÍCIA 155 depois 250, em Mansoa: 1 morto; 1 ferido grave (HM 241)

PEL MILÍCIA 156 depois 251, em Mansoa: 1 morto; 1 ferido grave (HM 241)

PEL MILÍCIA 159 depois 253, em Mansabá: 1 morto, 1 ferido grave /HM 241)

GRUPO DE CAÇADORES BALANTAS, este grupo foi transformado em PEL MILÍCIA 186 depois 252 em 1-12-69: Mortos: 5; feridos evacuados: 1 (Lisboa) + 2 (HM 241)

PEL SOLDADOS BALANTAS, sem Quadros (esteve 2 meses em Mansoa, voltando depois para Bolama): sem baixas.

28º PEL ART 14, substitui o 11º PEL ART 10,5 indo este para Bissorã para o BCAÇ2861 em 19-07-70: sem baixas

1 PEL AML PANHARD com 3 viaturas, em Mansabá: sem baixas

(iii) Outras unidades:

COP6 em Mansabá

CCAÇ 15, a 2 grupos de combate

PEL SAP da CCS do BCAÇ2885 em 21-11-70 até 09-02-71

13º PEL ART, substitui o 21º PEL ART que foi para Olossato em 21-11-70

BCAÇ 3832, substitui o BCAÇ2885 que em 15-02-71 ruma ao Cumeré a aguardar transporte para Lisboa.

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1091: Memórias de Mansabá (5): O terrível ataque ao aquartelamento em 12 de Novembro de 1970 (Carlos Vinhal)


Guiné > Região do Oio > Mansabá > Aquartelamento > Novembro de 1970 > Aspecto da enfermaria, destruída por canhão sem recuo.

Guiné > Região do Oio > Mansabá > Tabanca > Novembro de 1970 > Moranças destruídas na sequência do ataque do dia 12, que causou 14 mortos e 45 feridos à população.


Guiné > Região do Oio > Mansabá > Novembro de 1970 > A nova estrada (alcatroada) de Mansabá-Farim

Texto e fotos: © Carlos Vinhal (2006) (ex-furriel miliciano da CART 2732, Mansabá, 1970/72

Caro Luís e Camaradas:

O nosso camarada Vítor Junqueira veio avivar-me a memória, lembrando-me os conturbados tempos da construção do lanço da estrada Bironque-K3 (1). Foram tempos muito difíceis para todos os intervenientes, especialmente para a CART 2732 e CCAÇ 2753 que tinham a dupla função de forças de quadrícula e de intervenção.

Assim segue um trabalho sobre o ataque ao aquartelamento e povoação de Mansabá em 12 de Novembro de 1970.


Ataque a Mansabá em 12 de Novembro de 1970


Foi o terceiro ataque a Mansabá desde a nossa chegada (2). Foi ao escurecer apanhando toda a gente mais ou menos desprevenida.

O último tinha acontecido em 5 de Outubro, provocando a morte imediata a um milícia. No dia seguinte, no reconhecimento à zona envolvente da povoação e aquartelamento, morreu o alferes Couto, vítima do rebentamento de uma mina antipessoal quando a tentava neutralizar.

Desta feita, fomos atacados por um numeroso grupo IN, durante 45 longos minutos, que utilizou para bombardear Mansabá morteiro 60 e 82 e canhão sem recuo. Não faltaram as armas ligeiras (vulgo costureirinhas) para ajudar a desorientar.

As NT reagiram como puderam ao fogo, mas as forças do PAIGC não retiravam. A nossa artilharia começou a varrer a zona e nós, com armas ligeiras, bazucas e morteiro 60 e 81 tentávamos que eles não se aproximassem demasiado do arame farpado.

A determinada altura, e porque a situação ficou fora de controle, foi pedido apoio aéreo para Bissau. Na tabanca, também atingida pelo fogo IN, eram já visíveis vários focos de incêndio e a população, gritando, fugia desordenadamente.

Para sorte nossa o IN acabou por retirar e nós pudemos descansar um pouco, redistribuindo as poucas munições que sobraram e começando a recolher os mortos e feridos na tabanca. Ainda bem que não voltaram à carga, porque não tínhamos praticamente munições e resistiríamos pouco tempo. Se tivessem voltado bem podiam entrar pela porta de armas e apanhavam-nos à mão.

Falando de estragos: uma morteirada caiu junto dos quartos dos oficiais, outra junto à casa dos geradores, outra junto à Secretaria de Comando e outra junto ao bar dos sargentos. O bar dos praças foi mesmo atingido no telhado. A enfermaria foi atingida por canhão sem recuo provocando destruição parcial, seguida de incêndio. Tentou-se fazer corte ao fogo, mas mesmo assim os estragos foram elevados. Pelos alvos atingidos, é de supor que o IN tinha conhecimentos precisos do interior do aquartelamento.

Na tabanca havia muitas moranças a arder e os gritos dos populares eram horríveis. As nossas viaturas, num vaivém constante, recolhiam as vítimas, trazendo-as para o interior do quartel, onde eram tratados os feridos e posto de lado os mortos. Contabilizaram-se 14 mortos e 45 feridos só na população.

Felizmente que na altura tínhamos um médico na unidade e o nosso furriel enfermeiro Marques, que era enfermeiro na vida civil, tinha muita experiência. Havia também muitos militares da nossa CART a quem tinha sido dadas noções de primeiros socorros e enfermagem que se tornaram preciosos na colaboração que prestaram.

O apoio aéreo veio muito mais tarde e sobrevoou-nos muito lá por cima.

Este ataque fez parte de um programa do PAIGC para desestabilizar os trabalhos de construção do último troço que faltava para completar a estrada Mansabá-Farim que nessa altura ia só até ao Bironque. Neste mesmo dia tinha chegado a Mansabá muita gente vinda de outras tabancas com o fim de trabalhar na construção da referida estrada. Como na confusão do ataque muitos fugiram, foi preciso ir no dia seguinte, pelo mato fora, procurar e trazer de volta aqueles que por medo tinham partido.

No dia seguinte recebemos a visita do General Spínola que veio dar apoio moral às NT e fazer acção psicológica junto da população, para que eles não voltassem a fugir e convencê-los a colaborar na construção da estrada, que iria ser um factor de progresso e segurança na mobilidade de tropas e civis até Farim.

Há apenas dois dias, tinha sido reactivado o COP6 em Mansabá para coordenar as forças de protecção aos trabalhos (Operações Faixa Negra). No âmbito deste COP foram criados dois agrupamentos, um de Intervenção e outro de Trabalhos compostos por tropa especial como Companhias de Comandos, Companhias de Caçadores Paraquedistas, etc. A CART 2732 tinha como missão dar apoio logístico a todas as forças presentes, dispor de forças de intervenção e ainda participar na segurança próxima aos trabalhos.

Ao fim de muitos meses de sacrifício, contactos com o IN, accionamento de minas pelos trabalhadores civis, acidentes mortais, etc, esta estrada ficou pronta, passando-se a ir de Bissau ao K3 (na margem esquerda do rio Cacheu) em estrada alcatroada numa distância de mais de 120 Km. Para se chegar a Farim era só atravessar o rio de jangada. Valeu a pena, pois nós próprios ainda pudemos gozar deste conforto.

Carlos Vinhal
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Os Barões da açoreana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72) (Vitor Junqueira)

(2) Vd. posts de:

25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

(...) "Na manhã do dia [21 de Abril de 1970], [a CART 2732] seguiu para Mansabá [entre Mansoa e Farim, na região do Oio], onde chegou cerca das 13H00 para render a CCAÇ 2403. Neste mesmo dia, Mansabá foi flagelada pelo IN com morteiro 82 e armas ligeiras, causando 16 feridos na população. Assim estava consumado o baptismo de fogo".

8 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P857: 'Periquito vai no mato': de Bissau a Mansabá, passando por Safim, Mansoa, Nhacra, Cutia e Mamboncó (Carlos Vinhal, CART 2732)

quinta-feira, 4 de agosto de 2005

Guiné 63/74 - P135: Informação & propaganda: de que lado estava a verdade ? (2) (Vítor Junqueira)

1. Mensagem do Vitor Junqueira, que foi alferes miliciano da CCAÇ 2753, em Mansabá (1970/72).

Amigos e camaradas;

Recorrendo à minha memória e a documentos classificados de então, que ainda hoje guardo religiosamente, estou em condições de assegurar que a transcrição de um comunicado oficial da época que o Afonso Sousa nos facultou, corresponde em absoluto à verdade.

Fui testemunha presencial de alguns dos factos referidos no comunicado. Entre eles vi elementos IN capturados e muito material apreendido. Outros há que me abstenho de relatar dada a sua natureza chocante.

Participei nesta operação emboscando nos dias 19, 20, 21 e 22 de Dezembro de 1971, na região de Madina Fula que era considerada uma das possívei vias de fuga dos guerrilheiros do PAIGC sob grande pressão nas suas bases do Morés. O IN sofreu nesta operação [Safira Solitária] um dos revezes mais brutais, tendo a sua estrutura naquela zona ficado afectada durante muito tempo.

Glória aos Heróis Tenente Saegue, Sargento Loma, Alferes Tomás, [dos Comandos Africanos] e outros que conheci, guineenses orgulhosamente portugueses, cobardemente assassinados no Cumeré.

Morte a todos os embusteiros, traidores e oportunistas que durante os últimos trinta anos tudo têm feito para desonrar as Forças Armadas Portuguesas e os ex-combatentes.

2. Ainda a propósito da Op Safira Solitária, o Vítor Junqueira manda-nos "um trecho de um texto que escrevi há algum tempo onde consta a missão da minha Companhia [CCAÇ 2753], tal como vinha definida na ordem de operações.

(...) Estávamos nos primeiros dias do mês de Fevereiro de 1971. A nossa Companhia era uma das Unidades que compunham o COP 6, cujo comando estava sediado em Mansabá. Fazia parte do Agrupamento T, tendo-lhe sido atribuída a missão (transcrevo dos registos oficiais, que constam da História da Unidade e Feitos e Factos da CCAÇ 2753):

"Assegurar a protecção dos trabalhos da estrada Mansabá - Farim, em ordem a garantir um ritmo acelerado de construção e evitar as flagelações do IN sobre os meios técnicos empenhados.

"Na segurança dos trabalhos as forças adoptam o dispositivo com as seguintes missões:

- Montam a segurança próxima dos trabalhos em ordem a garantir a interdição de itinerários de aproximação, eliminando a possibilidade do IN exercer acções de flagelação sobre a zona dos trabalhos, para o que monta emboscadas nas possíveis bases de fogos e executam patrulhamentos na ZA atribuída.
-Garantem a segurança imediata dos trabalhadores e equipamentos, detectando ou aniquilando quaisquer elementos IN infiltrados através do dispositivo próximo, para o que realiza patrulhamentos frequentes nas imediações da zona de trabalhos e ocupa posições sobre os eixos da mais possível infiltração.
- Realizam acções ofensivas sobre as áreas fulcrais do Morés, Canjaja e Biribão em ordem a anular a pressão do IN sobre o eixo Mansabá - Farim".

(...) há anos que nenhuma força militar portuguesa tivera condições para se movimentar naquele itinerário, a partir de e para norte de Mansabá até ao K3. A região estava agora a ser (re)conquistada diariamente, palmo a palmo, metro a metro. Por sua vez, o IN tentava a todo o custo impedir ou retardar o avanço dos trabalhos, pois aquela era uma via estratégica para o desenvolvimento das suas acções. Nela desaguavam os corredores do Sitató e Lamel, que lhe permitiam uma ligação fácil e rápida entre as bases junto à fronteira sul do Senegal e o coração da Guiné (Oio, Morés e região dos Sares).

As frequentes escaramuças consistiam em emboscadas e flagelações sobre a frente de trabalhos, com baixas entre trabalhadores e danos nas máquinas. Após o pôr do Sol, invariavelmente pela hora do jantar, era preciso estar atento ao som inconfundível das saídas dos CSR [Canhão sem recuo], MORT 82 e RPG que, vindo da orla mata, anunciava uma saraivada de balas e estilhaços a rasgar o céu por cima do aquartelamento.

Localizado num ponto do mapa, onde antes da guerra existia uma pequena povoação, o Destacamento Temporário do Bironque foi ocupado pela CCAÇ 2753 em 1 de Dezembro de 1970, que aí veio substituir a CCAÇ 17. Dias antes, tinha havido uma espécie de motim com cenas de tiros entre os oficiais e sargentos daquela Companhia e os seus elementos nativos, de etnia maioritariamente manjaca. Estes, fartos de bordoada, recusaram-se a sair para o mato, alegando que, a terem levar porrada forte e feia, preferiam apanhá-la defendendo o seu Chão. O gen. Spínola resolveu o contencioso através de umas despromoções e da transferência da Companhia para Bula.

De Bissau, avançam os Barões da CCAÇ 2753 até então afecta ao COMBIS como força de reserva. Passam assim da noite para o dia de uma espécie de tropa VIP, bem alojada, bem alimentada e com tarefas aligeiradas, ao grau mais elementar de tropa macaca. Cheirando ainda a periquito, sem qualquer treino operacional e, não tendo beneficiado de rodagem por sobreposição com tropas mais batidas, vêem-se entregues à bicharada, obrigados a aprender à própria custa. Certo é que provaram ser dignos do lema que orgulhosamente ostentavam nos crachats Noblessse Oblige [Nobreza Obriga]!

Acompanhando a progressão dos trabalhos, a Companhia transfere-se com armas e bagagens em 13 de Janeiro de 1971 para um novo Destacamento mais a norte, na zona de Madina Fula, a uns 8 Km de Farim. Nestes Destacamentos Temporários não existia qualquer construção ou barraca, apenas algumas tendas de lona, insuportáveis durante o dia devido ao calor. À noite não ofereciam a quem estivesse no seu interior, qualquer protecção contra balas ou estilhaços, pelo que toda a gente preferia pernoitar nos abrigos. Tratava-se em rigor de um acampamento que as poderosas máquinas Caterpillar ao serviço da empresa construtora, edificavam do seguinte modo:

Sobre uma das faixas desmatadas de cerca de 100 metros de largura que se estendiam de cada lado da estrada em construção (para evitar o ataque próximo às nossas colunas), erguiam quatro barreiras de terra com dois metros de altura, de maneira a formar um quadrado com mais ou menos 50 metros de lado. No topo destas barreiras, escavavam-se então os espaldões para as armas pesadas, trincheiras e simples covas que abrigavam um ou dois homens. Era a partir deste arremedo de fortim que se montava a vigilância e defesa, tanto do pessoal como das máquinas que no final do dia de trabalho, recolhiam ao seu interior. Como vizinhança , muita força de mosquitos e matacanhas!

Logo nos primeiros passeios pela natureza, tivemos a visão clara do inferno que teria sido a vida dos camaradas que nos precederam. Numa região enxameada por bases do PAIGC localizadas nas regiões de (e volto a citar dos registos) Cã Quebo, Santambato, Cambajú, Iracunda, Mansodé, Cubonje, Canjaja, Biribão, Ionfarim, Uália, Mansomine, Binta, Queré, Banjara e Manhau, qualquer movimento nosso era acompanhado por acção semelhante por parte do IN, tornando-se o contacto inevitável.

Em alguns pontos, nomeadamente ao longo do que antes tinham sido as bermas e valetas da estrada, as cápsulas de munições de armas ligeiras, apanhavam-se aos milhares, nalguns sítios literalmente à pazada. No entanto, o sortido abrangia um pouco de tudo, desde velhas minas anti-pessoal com a tampa de madeira carcomida pela formiga mas ainda capazes de nos pregar uns sustos, até granadas anti-tanque, algumas intactas, bojudas, matulonas que se chamavam (?) Panzerovkas.

Havia armadilhas na estrada e nas zonas de mato contíguas. Por ali confiscamos também em operações subsequentes, variadas peças do arsenal do IN que incluía itens antigos, como obsoletos canhangulos, novíssimas granadas de RPG 2 e 7 e respectivos lançadores, Mort. 82, munições de Browning 20mm e os tripés das mesmas (utilizadas então como anti-aéreas), muitas pistolas de várias proveniências, PPSH, Degtariev e kalashnikov, Esping. M44 americanas (!). E ainda, Met. Pesadas Breda (2) e Dreyses (1), por certo gamadas ao Exército Português. Também faziam parte deste catálogo um par de lindíssimas espingardas Mauser, com ferragens cromadas e, gravado sobre as câmaras, o sêlo da República Portuguesa. A quem teriam pertencido? Quem terá ficado com elas?

O dia começava bem cedo para o pessoal engajado nas operações de segurança próxima, e não só! Ainda não eram quatro da matina e já uma das sentinelas tinha obrigado o russo (cozinheiro) e o básico, seu ajudante, a porem-se de pé a fim de preparar o pequeno almoço e a merenda para o 3º Gr Comb que iria emboscar em Farim 2 C6 97.

Os restantes, guarnição e pessoal da segurança imediata, comiam mais tarde, por volta das seis e meia ou sete horas. Junto à banca que servia de refeitório, a parelha dos tachos aguardava impaciente (queriam voltar para o choco!) os homens que iam assomando em pequenos grupos para o dejejum. Apresentavam-se praticamente em estado de prontidão. Devidamente equipados. Emoldurando-lhes os cachaços, cachos de granadas de mort. 60 e grinaldas de munições de bazuca 6cm, 10.7, Instalazzas, dilagramas e outro material de efeito pirotécnico. GMD penduradas em tudo o que era grampo ou presilha e, naturalmente, quilómetros de fitas para as HK.

Todo o material se encontrava limpo e bem cuidado. Com as canhotas então, tinham desvelos amorosos, tratando-as tão bem ou melhor do que se fossem namoradas! Suspensos do cinturão, um ou dois cantis de água e todos os carregadores de G3 próprios e alheios a que pudessem deitar mão. Sem contar com aquele sistema inventado pelo Zé soldado em momentos de aperto, que consistia em embutir um carregador na arma, ficando outro amarrado a este, preso em cruz com fita adesiva. E não se disse ataviados como impõe a gíria militar.

Porque fardas era coisa que já não existia havia tempo, tinham ido à vida. Mergulhos forçados nas bolanhas, lavagens frequentes com pouco sabão e muita paulada aliadas às carícias de gravetos e espinhos do mato, tinham decretado o seu desgaste precoce. Por esta altura, iam-se combinando os restos dos camuflados com peças n.º 1, 2 e 3. Botas de cabedal bambas com várias comissões no coiro, umas já sem rasto, outras com ventiladores nas biqueiras, alternavam com as de lona a dar as últimas e chanatos adquiridos pelos próprios. Já então era a crise!

Vitor Junqueira