Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos Azeredo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos Azeredo. Mostrar todas as mensagens

sábado, 17 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9217: Efemérides (80): O Gen Carlos de Azeredo recorda, em entrevista à TSF, a invasão de Goa (que faz hoje 50 anos)

1. Em entrevista à TSF, conduzida ontem pelo jornalista Rui Tukayana, o Gen Cav Ref Carlos Azeredo, de 81 anos,  nascido em Marco de Canaveses, lembra que "em Goa ninguém queria acreditar na invasão indiana". Ouvir aqui o registo áudio (duração: 11' 24'').

Recorde-se que Carlos de Azeredo cumpriu cinco comissões no Ultramar, duas no antigo Estado Português da Índia – onde foi prisioneiro de guerra das tropas indianas - uma em Angola (Cabinda) e duas na Guiné.

(...) "Na véspera do 50.º aniversário do avanço da união indiana sobre os antigos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu, o general Carlos Azeredo, na altura comandante da polícia em Goa, recorda, em declarações à TSF, o princípio do fim do império.

"O general lembrou a forma rápida como as tropas inimigas invadiram o território, o desequilíbrio na balança de forças, a rendição em lágrimas do ultimo governador do território a e intransigência de Salazar.

"Carlos Azeredo contou ainda que em Goa ninguém queria acreditar na invasão, mas os preparativos indianos eram evidentes para todos" (Fonte: TSF 'on line').

2. Sobre este militar português, ver ainda a seguinte entrada da Wikipédia:

(...) Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme, GCC, ( Várzea da Ovelha e Aliviada, Marco de Canaveses, 4 de Outubro de 1930 – ) é um general do Exército Português. Monárquico, participou activamente no 25 de Abril de 1974.

Foi Comandante da Região Militar do Norte e Chefe da Casa Militar do Presidente Mário Soares. Foi candidato à Presidência da Câmara Municipal do Porto nas eleições autárquicas de 1997 à frente de uma coligação entre o PSD e o CDS-PP, tendo sido derrotado por Fernando Gomes. Em 1996 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Editou um livro sobre a sua vida "Trabalhos e Dias De Um Soldado Do Império". (...) [Lisboa: Livraria Civilização Editora, 2004, 496 pp.  7 €]

__________

Nota do editor:

Último poste da série > 15 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9202: Efemérides (58): A invasão por tropas indianas dos territórios de Goa, Damão e Diu, em 18 de Dezembro de 1961

terça-feira, 17 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4043: Falando do General Carlos Azeredo (José Belo / Joaquim Queirós)

1. Mensagem do nosso camarada José Belo (*), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Reformado, a viver na Suécia, com data de 14 de Março de 2009:

Todo o já largo tempo em que tenho procurado acompanhar a Tabanca Grande me surpreendi com "a falta" da presença do "Major" Azeredo, respeitado, admirado e estimado, comandante do C.OP. de Aldeia Formosa em 1968.

Por inconveniente nas suas ideias e posições frontais, tão fora do vulgar no nosso Exército de então, fora continuamente perseguido, e punido, pela hierárquia. Com a chegada de Spínola e o arranque do programa "por uma Guíné melhor", justiça foi finalmente feita ao "Major" Azeredo com a nomeação pelo Comando Chefe para, então, tão importante cargo operacional. Com o conhecido entusiasmo e frontalidade, acompanhado sempre do seu exemplo pessoal, o Major Azeredo conseguiu, de imediato, motivar mesmo os "menos crentes", transformando desde o primeiro dia do seu comando todo o sector operacional.

Dizia conhecido general romano:
- O carácter não se inventa, o carácter forma-se!

Daí não resistir lembrar aos Camaradas um acontecimento passado com o Capitão Carlos de Azeredo aquando da queda da Índia portuguesa onde então prestava serviço.

Após tentativa de fuga de militares portugueses prisioneiros no campo de Pondá, efectuou-se uma formatura de emergência para contagem de prisioneiros no campo de Alparqueiros onde o Cap. Carlos de Azeredo se encontrava detido. Os prisioneiros foram obrigados pelos militares indianos a comparecer em acelerado. Foi então que o Cap. Azeredo, indiferente às ordens recebidas, se diriguiu calma e compassadamente para a formatura. Advertido por um militar indiano, este intimidou-o a correr. Como o Cap. Azeredo tivesse reagido verbalmente, o Cap. Nahir do 4.º Bat Sik da 17.ª Div. Inf., deu ordem a três soldados indianos para o agredirem à coronhada, o que fizeram. O Cap. Azeredo, violentamente agredido e arremessado ao solo, comportou-se com excepcional coragem e dignidade, perante a admiração dos militares portugueses que assistiram à cena.

(Do livro - Queda da India Portuguesa - Carlos A. de Morais)

Meu General, aqui da tão distante Suécia quero "gritar-lhe" que sentirei sempre orgulho em ter servido sob as suas ordens no humilde destacamento de Mampatá!

Estocolmo
14/Mar/09
José Belo

2. Artigo publicado na edição do dia 11 de Março de 2009, no Matosinhos Hoje Online, de autoria do jornalista senhor Joaquim Queirós, fundador e Director do mesmo Jornal em papel.



Convívio de mais de centena e meia de matosinhenses ex-combatentes na Guiné, com a presença do general Carlos Azeredo.(**)

“Sim, meu general”

No passado sábado, nas magníficas instalações do restaurante “Mauritânia”, na rua de Mousinho de Albuquerque, realizou-se o 3.º encontro de convívio entre os militares matosinhenses que combateram na Guiné-Bissau, então Guiné portuguesa.

Foi um momento de grande companheirismo, em que não faltaram as boas e más recordações, tendo estado presente, a presidir a tão significativo momento, no qual também esteve a deixar um abraço o presidente da Câmara de Matosinhos, dr. Guilherme Pinto, o general Carlos Azeredo, que para além do militar exemplar que ainda o é, na Reserva do Exército português, foi um chefe que se fez respeitar sem quebrar o sentimento de solidariedade e amizade com todos os seus subordinados.

O “Matosinhos Hoje”, convidado para o convívio, não podia deixar de aproveitar a oportunidade para conversar com tão elevada e histórica figura militar, agora com 78 anos, que esteve em comissão de serviço por duas vezes em Goa (Índia), tendo sido até feito prisioneiro quando da invasão daquele território pelos indianos; em Cabinda (Angola) e por duas vezes na Guiné. Foi assessor militar de Sá Carneiro e chefe da Casa Civil do Presidente da República Mário Soares. Ocupou, ainda, a chefia militar da Região do Porto.

Dada a actual conjuntura de tragédia na Guiné-Bissau com o assassínio do Presidente Nino Vieira e do chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, Tagmé Na Waié, o general Carlos Azeredo não teve dúvidas em afirmar:
- Há inúmeras etnias, mas é um povo extraordinário. Mas é um também um país que, noutros tempos tinha hipóteses de criar a sua subsistência e até exportar arroz, enquanto agora é a miséria que se sabe, tomando o Estado conta de todo o espaço e dando uns quintais aos balantas. Depois, há o facto importante de ser um pequeno país que, quando a maré sobe o mar cobre metade do território.

Quanto aos actuais e trágicos acontecimentos, é o resultado natural da luta étnica e dos caminhos negros do envolvimento do país no narcotráfico, tal como se pode depreender pelas notícias. O Presidente Nino, quanto a mim foi um grande guerrilheiro, embora um bárbaro, um Viriato daquelas paragens e estes homens terão de ter sempre morte violenta. As é horrível ter conhecimento destas desgraças e da desgraça destes povos.

O jornalista via na face do grande chefe militar uma nota de inconformismo sobre a situação actual guineense:
- Um grande povo, trabalhador, mas infelizmente envolvido numa situação que não se sabe como irá acabar.

O bacalhau já havia sido digerido e todos procuravam que o “nosso general” também provasse o porco preto, mas ele não acedeu à “ordem de serviço”:
- Já tenho bacalhau quase até sair da boca!

E continuou a curta conversa com o jornalista, não deixando de lhe dar uma ordem”: coma, homem, aqui tem o prato”.

Mas o jornalista antes queria beber a solicitude do general e a sua amabilidade, a força que ainda o velho militar demonstra. Recordamos quando Carlos Azeredo, perante a admiração da população da cidade do Porto, via o então brigadeiro transitar, quando no comando da Região Militar, montado na sua “vespa”. O general deu uma gargalhada:
- Você lembra-se disso? Era uma “Vespa”. Mas também tive uma motorizada igual à dos pedreiros. Era para fugir ao trânsito e chegar ao quartel general a tempo e a horas. Olhe (e dá uma gargalhada bem sonora) um dia descia a Rua da Boavista, montado na tal bicicleta a motor, e na Carvalhosa, o sinaleiro quando me viu passar, fez-me a continência e rodou, de boca aberta, porque não queria acreditar. Eu era e sou assim.
- Mas há mais situações?...
- Sim, por exemplo, quando fui nomeado Chefe da Casa Militar do Presidente Mário Soares estava com uma perna partida e engessada. Parti o gesso, calcei as botas e apresentei-me, correndo o risco de ficar com uma mazela. Mas tinha de estar presente. Se tinha!

E sem nos deixar continuar:
- Fui Governador Militar e representante da República na Ilha da Madeira, tive as minhas discussões bravas com o dr. Alberto João Jardim, algumas que até não quero recordar porque se sabe como é o meu feitio, mas hoje somos grandes amigos e ele fez da Madeira um exemplo de governação. Aqui no Continente bem precisávamos de dois ou três.

A conversa continuou, com parte dela a não ser conveniente reproduzi-la pois falava da “porrada” que houve na guerra colonial e pelas “porradas” que constavam das relações do general com as suas tropas, muito embora estas admirassem o seu comandante, aliás como aquele momento bem o demonstrava.

Carlos Azeredo, nascido, por acaso, em Marco de Canaveses, ainda antes dos nove meses de gestação, situação que, segundo se lê e ouve é sinal do nascimento de alguém que vai fazer história de relevo, hoje, com 78 anos rijos como o “pinguelim” dos oficiais de Cavalaria. Hoje vive na sua propriedade do Douro (“se quiser ir a minha casa, vai à Régua, encosta-se no edifício da estação dos caminhos de ferro, olha para o lado de lá do rio e a minha casa é ali. E tem boa pinga…”) quando lhe apetece, como ele diz no seu ar bem disposto “escrevo umas coisas para O Diabo”.

Foram uns momentos bem passados, de óptima recordação. O nosso obrigado a inúmeros amigos que ali vimos e que soubemos que, alguns, já visitaram as terras onde viveram momentos de sofrimento.

Por: Joaquim Queirós

Com a devida vénia ao Matosinhos Hoje
__________

Notas de CV.

(*) Vd. poste de 8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3998: Tabanca Grande (124): José Belo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70), actualmente Cap Inf Reformado a viver na Suécia

(**) Vd. poste de 14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4030: Convívios (100): Ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, ocorido no dia 7 de Março de 2008 (Carlos Vinhal)

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral não era muito elevada (A. Graça de Abreu)

A Guerra Estava Militarmente Perdida?

Mensagem de António Graça de Abreu, de 29 de Maio:

Uma boa polémica – Beja Santos e António Graça de Abreu

Confesso que é com algum desprazer que me sento uma vez mais diante do computador para alinhar o texto que se segue. Mas tem de ser.
Não gosto de polémicas, não gosto de ter razão, porque a minha razão pode ser sempre diferente da razão do meu irmão. E Mário Beja Santos é meu irmão nas coisas da guerra da Guiné. Somos irmãos até porque escrevemos ambos um livro com o mesmo título, o meu Diário da Guiné editado em 2007 e o Diário da Guiné do Mário, editado em 2008.

Mas a Guiné ainda me dói, vai doer até ao fim dos meus dias. Se alguma coisa aprendi (pós Guiné) lá pelos orientes mágicos onde despedacei, construí também a minha vida, é que, dia a dia, temos de agradecer aos deuses a magia de continuarmos vivos, de continuarmos a caminhar serenamente sobre a terra. A tranquilidade, a paz, o não remorso, agora aos sessenta e um anos, fazem parte de mim. A Guiné, a China estarão sempre cá dentro, por bem. Por isso, lavei as mãos antes de escrever.

Participámos todos numa guerra injusta. O entendimento que temos do conflito é naturalmente plural, cada homem é um mundo. Isto não significa que não haja análises distorcidas, falsidades, juízos que não correspondem, de modo nenhum, às realidades que todos vivemos.
Custa-me ler que, em 2008, ainda haja pessoas convencidas de que em 1973/74 a guerra da Guiné estava militarmente perdida, de que havia um colapso militar, de que os homens do PAIGC que então lutavam heroicamente pela liberdade e independência da sua terra, possuíam armamento superior e haviam já derrotado militarmente as tropas portuguesas. Porque as tropas portuguesas éramos todos nós que estávamos lá, no terreno, mais 400.000 guineenses que viviam ao nosso lado. Não estávamos derrotados.

Vamos ler as palavras do General Carlos Azeredo, como nós combatente na Guiné, em José Freire Antunes (ed.), As Guerras de África, vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pag. 385:

“A guerra na Guiné era mais complicada mas não estava perdida, e a maior parte da população estava connosco. Em cinco quintos da população nós tínhamos três a nosso lado, um indeciso e um ao lado do PAIGC.”

Isto é verdade ou é mentira? É verdade, gostemos ou não de Carlos Azeredo. Numa guerra de guerrilha é fundamental o estar junto das populações, tê-las sob nosso controlo, sermos aceites por elas. Qualquer manual de guerrilha explica isto. Assim se ganham, assim se perdem as guerras. Porque perderam os americanos a guerra no Vietname, porque é que não a podem ganhar, agora no Iraque?

Em 1973/74 as tropas portuguesas na Guiné não eram esses militares do ar condicionado em Bissau que nunca passaram de Nhacra ou do Cumeré, esses coronéis ou brigadeiros que tudo sabiam sobre a guerra arrastando o traseiro pelas poltronas do Terreiro do Paço, não eram alguns ex-militares portugueses que haviam combatido na Guiné e que em 1973/74, a partir de Lisboa, acreditavam (ainda hoje acreditam!) no inacreditável, não eram uns tantos ministros ou diplomatas que debitavam ignorância e montanhas de incongruências sobre o conflito militar.

Vamos a factos.

Ao longo desta polémica tenho procurado, acima de tudo, os factos e não os argumentos.

A 12 de Fevereiro de 1974, escrevia eu no meu Diário, em Cufar, sul da Guiné:

Esta tarde fomos ao porto buscar um soldado de Cafine que pisou uma mina e ficou sem perna do joelho para baixo. Veio uma DO buscá-lo, o calvário do costume, hospital de Bissau, hospital Militar de Lisboa, inválido para toda a vida.
Muito resiste este meu povo! Hoje ao almoço, esparguete com rodelas de chouriço, ao jantar, arroz com pedacinhos de atum. Subalimentado, fora do mundo que lhe diz respeito, mal pago, com a invalidez ou a morte à frente dos olhos e continua a fazer a guerra.
[1]

A 17 de Janeiro de 1974 escrevia eu no meu Diário, num aerograma que, no livro, tem a cópia do original:

Tivemos ontem ministerial visita, Baltazar Rebelo de Sousa, do Ultramar. Impressionantes medidas de segurança que o Sr. Ministro não lobrigou. Tropa emboscada em Catió, pára-quedistas que vieram de propósito de Bissau emboscados em Caboxanque, Fiats lá por cima a grande altitude, prontos a actuar, os heli-canhões protegendo os itinerários de passagem. Resumindo, lindo de ver! E o ministro, quando chegar a Lisboa é capaz de botar discurso e afirmar que se deslocou livremente por toda a Guiné, foi onde quis, contactou com as populações, etc., etc.
(2)

Em nota de rodapé, na mesma página, inserida em 2006, cito Marcello Caetano:

"A Guiné portuguesa pôde ser visitada há dias de lés a lés, mais uma vez, pelo Ministro do Ultramar, com numerosa comitiva, no meio do carinho e do aplauso das populações."
Discurso de Marcello Caetano na Conferência Anual da Acção Nacional Popular proferido em 16 de Fevereiro de 1974, em Depoimento, Rio de Janeiro, Ed. Record, 1974, pag. 211.

Era este o governo de Portugal. Baltazar Rebelo de Sousa, ministro do Ultramar (pai do nosso conhecido Marcelo Rebelo de Sousa que, de resto, deve o seu nome de baptismo a Marcello Caetano, seu padrinho) voou de helicóptero de Bissau para Cufar, Cadique, Caboxanque e Cacine. Claro que tínhamos tropas emboscadas nos itinerários de passagem do Ministro, que viajou acompanhado do governador General Bettencourt Rodrigues, e noutros helicópteros, de uns tantos jornalistas. Lembro-me do José Mensurado e de uma equipa da RTP.

Gostemos ou não, com umas tantas mentiras pelo meio, a verdade é que o ministro do Ultramar, em Fevereiro de 1974 andou por Cufar, pelo Cantanhez, por Cacine. A "superioridade militar" dos guerrilheiros do PAIGC não se fez sentir.

Agora o meu irmão Mário Beja Santos, para justificar a tese da derrota militar das tropas portuguesas na Guiné, cita as memórias (memórias escritas quase trinta anos depois, o que por vezes tolda o entendimento!) do embaixador José Manuel Villas-Boas onde o diplomata diz:

"Eu iria a Londres como seu (de Rui Patrício ministro dos Negócios Estrangeiros) emissário pessoal e devia tornar claro aos guineenses que representava o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros. Resumindo: eu seria portador de uma oferta de independência à Guiné-Bissau, a troco de um cessar-fogo."

Os meus caros tertulianos e o Beja Santos não sei se repararam na utilização do tempo condicional na prosa do embaixador Villas-Boas: "Eu iria a Londres…" Foi ou não foi com estas propostas? Existem ou não actas destas reuniões? De resto, – e estamos a falar de negociações antes do 25 de Abril, – como é possível um Presidente do Conselho, ou primeiro-ministro, como Marcello Caetano discursar em Fevereiro de 1974 na Conferência Anual da Acção Nacional enaltecendo a visita do seu ministro do Ultramar à Guiné e um mês antes, em Janeiro de 1974, enviar um embaixador a Londres e delegar-lhe a capacidade de negociar com o PAIGC "a oferta da independência à Guiné-Bissau, a troco de um cessar fogo".
Será que Marcelo Caetano havia enlouquecido? Será que desconhecia as diligências de Rui Patrício, seu ministro dos Negócios Estrangeiros? Quem acredita em tamanha desgovernação em questões absolutamente fundamentais? Creio que só o meu irmão Mário Beja Santos.
De resto, eu conheço o embaixador José Manuel Villas-Boas, agora na reforma na sua bonita casa, um turismo de habitação em Caminha. Depois de uma passagem atribulada pela África do Sul, foi enviado "de castigo" como embaixador para Pequim que, nos anos oitenta do século passado, o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros considerava um mau posto. Fiquemos por aqui.

Penso que existe uma evidente confusão que o Beja Santos confirma no seu texto no blog ao ligar o "antes" e o "depois" desses meses de Abril e Maio de 1974. A oferta de independência a troco do cessar-fogo surge nos primeiros dias a seguir a 25 de Abril de 1974. Quando há uma revolução em Portugal que tem como um dos principais objectivos acabar com as guerras em África é claro que as tropas portugueses na Guiné querem a paz, querem regressar a casa, o mais depressa possível, e dizer adeus à pátria de Amílcar Cabral e Nino Vieira.

Estávamos fartos da guerra e a moral não era muito elevada. Isto não significa, de modo algum, que a guerra estivesse militarmente perdida.

As negociações posteriores em Londres com o PAIGC, em Maio de 1974, creio, já com o Mário Soares, o Almeida Santos e o Almeida Bruno, e o José Araújo e o Pedro Pires pelo PAIGC esclarecem o contexto em que, para bem e para mal, evoluiu o situação política na Guiné. A propósito destas primeiras negociações pode-se consultar o depoimento do general Almeida Bruno em Rui Rodrigues (coord.), Os Últimos Guerreiros do Império, Amadora, 1995. Pp.87 e 88.

Agora algumas respostas directas ao meu irmão Mário Beja Santos.
Ponto Um:

Não denegri, de modo algum, a ausência de quadros superiores do PAIGC no interior da Guiné ao longo da guerra. Limitei-me a constatar o facto de, por necessidade, quase todos eles viverem na Guiné-Conakry.
E atenção, Mário Beja Santos, quanto escreves no nosso blog que na fase final do conflito, as nossas tropas não respondiam aos ataques do PAIGC, o que segundo as tuas palavras "era uma nova inferioridade", digo-te, meu caro, que a tua afirmação é falsa e porque é falsa põe em causa, por completo, todos nós, 60.000 homens que combateram na Guiné em 1973 e até 25 de Abril de 1974. Fiquemos também por aqui, escrevo com punhos de renda, pela elevação necessário que acho dever ter o nosso blog.

Ponto Dois:

Não pertenço a nenhuma clique nem claque, nem Opus Dei, nem Maçonaria, nem Sociedade Protectora dos Animais. Não sou de esquerda, nem de direita, gosto muito pouco de política. Sou apenas sócio do Sporting e membro do PEN Club Português. Vivo, por gosto, semi-exilado nesta casinha de aldeia, em S. Miguel de Alcainça, nos arredores de Mafra, rodeado de livros, muita China, música e sossego. Tenho todo o gosto em te convidar, Mário, para vires um dia até minha casa.

Ponto três:

Agora vou ter de desenvolver o tema por mais umas páginas:
Insistes, meu caro Beja Santos, no blog, a 25.05.2008 na superioridade do armamento do PAIGC e, como sempre, na guerra militarmente perdida.

És muito teimoso, meu irmão. Não sou eu que te vou responder às questões, peço emprestadas as palavras do general João de Almeida Bruno, que tal como afirmas a propósito do Carlos Fabião "conhecia a Guiné como ninguém". Cito o depoimento oral de Almeida Bruno publicado por José Freire Antunes (ed.), As Guerras de África, vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pp. 721 e 722:

"Acho que o exército português estava bem equipado para o tipo de guerra no teatro de operações da Guiné. A Força Aérea estava bem, a Marinha e as forças terrestres também. O meu batalhão de comandos africanos estava muito bem equipado. Todo o material que tínhamos era o melhor material soviético que existia e que foi capturado ao inimigo. (…) A Kalashnikov, a Degtyarev e os RPGs 3 e 7 eram excelentes armas. As milícias também estavam equipadas com armamento capturado. (…) Não havia parte nenhuma do território onde nós não fôssemos. Nem o célebre Morés. Isso é pura fantasia. Claro que eles tinham lá bi-grupos, claro que nós íamos lá, claro que eles tinham baixas e nós também. Mas eles não dominavam. Em guerra subversiva a dominação é a dominação das populações. E as populações eram dominadas por nós, totalmente enquadradas pelas milícias. Agora dizem-me: 'Mas eles à noite iam às tabancas e pediam para eles lhes darem umas cervejas, e eles davam'. É muito natural que isso acontecesse, não digo que não. Mas o Cacheu, era nosso, Bigene também, todos os pontos fundamentais eram nossos.

(…) a Guiné não estava perdida militarmente. A Guiné estava perdida porque a solução não era militar mas política e nós já tínhamos perdido a solução política. (…) Daí até dizer que em Julho de 1973 estávamos à beira de uma derrocada, parece-me falso. Eu digo que é mentira porque eu fui a Kumbamory, no Senegal. Fui, rebentei com Kumbamory e Guidage passou a estar aberta.
(…) Se saíssem aviões da Guiné-Conakry lá teríamos de fazer uma segunda operação Mar Verde. E se viessem Mig da Guiné-Conakry o governo teria de comprar Mirage que pudessem ir à Guiné bombardear. E estavam a ser negociados.
(…) Eu perdi o meu gosto pela Guiné a partir do momento em que vi que a nossa solução política estava perdida, porque os políticos de Lisboa não tinham entendido a nossa mensagem. Quando percebi que tinha perdida essa batalha, só vi uma hipótese: derrubar o regime. Aderi e ajudei a derrubar o regime por razões de seriedade comigo próprio e para com todos quantos sob o meu comando combateram e morrerem em África."

Então, meu caro Mário Beja Santos?

Pois, eu sei que Carlos Fabião disse "Com a chegada dos Strella, a guerra acabou." No nosso blog tu citas esta frase totalmente fora de um contexto. Vamos então até à citação completa do general Carlos Fabião que regressou a Portugal em 1971 (corrijam-me se estou enganado!) e nos últimos três anos de guerra perdeu o contacto com o quotidiano da Guiné. Eis o seu depoimento oral a 30 de Janeiro de 1995, publicado por José Freire Antunes (ed.), As Guerras de África, vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pp. 374.

"Quando apareceram os Strella, a guerra da Guiné acabou. Deixámos de ter possibilidade de acção. Não é fácil dizer que a situação estava perdida, embora haja gente que faça análises pouco sérias, na minha opinião. Se me disserem que a guerra colonial estava perdida na Guiné, eu digo que estava. Se me disserem que a guerra colonial não estava perdida na Guiné, eu digo que não estava."

Em que ficamos, general Carlos Fabião? Não posso deixar de admirar o seu rigor de análise. O general sabia muito bem que a guerra não tinha acabado e que não deixámos de ter possibilidade de acção. Muita coisa se alterou, é verdade, mas continuaram a realizar-se operações de grande envergadura até Abril de 1974. E com muito apoio aéreo, mesmo com os Strella que nunca mais mandaram nenhum avião abaixo. Já incluí no blog a referência no meu Diário a uma delas, a operação Estrela Telúrica no Cantanhez, no Natal de 1973/ Ano Novo de 1974.

Seria curioso e importante aparecerem aqui no blog pilotos ou pessoal da força aérea explicando como voavam entre Junho de 1973 e Abril de 1974, depois dos Strella, explicando como bombardeavam, como iam com os helicópteros ao mato colocar tropa ou fazer evacuações. Eu sei alguma coisa, em Cufar estive dentro disso tudo.

Carlos Fabião foi um grande combatente na Guiné, mas nestas palavras a análise justa não faz parte do seu discurso. Assim, com este Carlos Fabião não nos entendemos. Se estivesse vivo, talvez concordasse com as teses do Mário Beja Santos, e talvez assinasse por baixo o texto do general Almeida Bruno.
No entanto, eu acredito no general Carlos Fabião quando ele fala na compra de armamento.

O Beja Santos no blog, a 25.05.2008 diz textualmente.

" Os diplomatas portugueses, como veremos adiante, desde a segunda metade de 1973 tudo fizeram para adquirir o armamento compatível. Foi recusado sem sofismas, a diplomacia ocidental afastara-se definitivamente do colonialismo português."
Haverá um fundinho de verdade nesta afirmação mas admira-me sempre a segurança e certeza do Mário Beja Santos ao defender as suas teses. Era aos diplomatas, aos embaixadores portugueses no estrangeiro que Marcello Caetano pedia para comprarem armas? Não é estranho? Não existiriam outros circuitos muito mais eficientes?

Para concluir, e porque a prosa já vai longa, vou transcrever as palavras do General Carlos Fabião exactamente a propósito da compra de armamento, no mesmo depoimento, ob. cit., idem, pag. 371:

"Os russos prestavam auxílio ao PAIGC, mas também faziam o mesmo a nós, se quiséssemos. Vendiam armas a quem lhes pagasse. A Bélgica não vendia nada, a Holanda não vendia nada. O circuito era feito à boca dos aviões. As armas russas eram vendidas através da Norte Importadora, do Zoio, e destinavam-se formalmente à polícia do Uruguai, mas eram descarregadas em Lisboa. Comprei também armas à França. Pode ser que um dia fale, porque andei metido nisso."

Gostava de com este meu texto dar por encerrada a polémica.

Eu sei que o Beja Santos vem aí com o Nixon, os Red Eye, o Rui Patrício, o governo de Marcello Caetano, os quarenta pilotos do PAIGC para pilotar os Migs, as "doutas opiniões (de Costa Gomes!) acerca da redução dos quartéis em pontos nevrálgicos da Guiné".
Como tudo isto são hipóteses e argumentos nunca concretizados no terreno, não vale a pena mais polémica. Posso eventualmente errar num ou outro ponto, mas procuro os factos, a realidade do nosso dia a dia. Por isso escrevi um Diário da Guiné.

Uma saudação fraterna a todos os tertulianos e ao Mário Beja Santos.

António Graça de Abreu
S. Miguel de Alcainça, 29 de Maio de 2008
Ano do Rato
__________

Notas de A. Graça de Abreu:

(1) António Graça de Abreu, Diário da Guiné, Terra, Sangue e Água Pura, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2007, pag. 193;

(2) Idem, ibidem, pag. 184
__________

Notas:

1. Repomos a mensagem do A. Graça de Abreu na sequência cronológica que, por lapso do co-editor, não foi respeitada;

2 Adapatação do texto e sublinhados da responsabilidade de vb.

3. Artigos relacionados em:

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.
28 de Maio > Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)
27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)
25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)
22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu
15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)
13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)
30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)
17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)