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domingo, 9 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17224: Historiografia da presença portuguesa em África (73): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte II: Prosseguem as inaugurações, em 29 e 30 de janeiro... Nessa época havia uma linha área, a Linha Imperial, entre Lisboa e Lourenço Marques....








Recorte da 1ª págima do Diário de Lisboa, nº 8683, ano 26, quarta-feira, 29 de janeiro de 1947, diretor: Joaquim Manso (Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivos > Diário de Lisboa / Rua Ramos > Pasta 05780.044.11034(  (com a devida vénia...)





Recortes da edição do "Diário de Lisboa, nº 8685, ano 26, sábado, 1 de fevereiro de 1947, diretor: Joaquim Manso (Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivos > Diário de Lisboa / Ruella Ramos >  Pasta: 05780.044.11036 (com a devida vénia...) .


1. Em 29 e 30 de janeiro de 1947, prosseguia a visita, à Guiné, do subsecretário de Estado das Colónias, engº  Sá Nogueira, sendo então governador-geral o futuro ministro das Colónias  (1950) e depois do Ultramar (em 1951) Manuel Sarmento Rodrigues. (Repare-se: só em 1950, os territórios ultramarinos têm um "ministro", até então eram representados por uma obscura subsecretaria de Estado...).

 Sublinhámos  em poste anterior a importância política de que se revestia esta  demorada visita, de  quae um mês, quer  para o governo de Salazar, na conjuntura do pós-guerra e no início do movimento de descolonização, como para o governador geral Sarmento Rodrigues, um prestigiado oficial da marinha, considerado com um "conservador liberal", com "ligações à Maçonaria" e que apoiava o Estado Novo... 

Natural de Freixo Espada à Cinta, era conotado como sendo um homem "à esquerda" do regime, com afinidades com o Marcelo Caetano, o então ministro das Colónias . Foi governadorgeral da Guioné entre 1945 e 1949. Será o preferido de Salazar para o lugar de Ministro das Colónias, em 1950, e depois do Ultramar, em 1951.  [Foto à direita, cortesia da Revista Militar].

É reconhecido o trabalho que Sarmento Rodrigues desenvolveu na modernização de Bissau e outras cidades, e na ganização do território. Destaque, no seu tempo,  para os estudos relacionados com a Guiné e a África Ocidental, ao criar, com a colaboração de Avelino Teixeira da Mota, o Centro de Estudos da Guiné. 

 O engº Sá Nogueira tinha chegado no dia 27. Dois depois,  fazia uma série de inaugurações, com destaque para o abastecimento de água a Bissau e para o bairro de Santa Luzia. O representante do governo da Metrópole e a sua comitiva visitava de manhá as obras do Museu,do Palácio do Governador e moradias dos funcionários "que transformarão radicalmente a fisionomia da cidade, dando-lhe o aspeto de um centro urbano moderno", lê-se na primeira página do "Diário de Lisboa" desse dia, segundo despacho da agência noticiosa Lusitânia... A residência do delegado do ministério público também foi objeto de visita, sendo considerada "a última palavra da nova arquitetura colonial" (sic).

Não faltaram os vivas e as aclamações dos "indígenas de diversas tribos, que tocaram o hino nacional em instrumentos gentílicos", bem como dos "colonos"... Houve ainda visita aos depósitos de construção do Alto Crim, bem como às obras do porto do Pigiguiti (sic) (era assim que o topónimo era grafado: hoje há variantes para todos os gostos!).

A 30, foi feita uma visita ao Asilo de Bor, uma obra de assistência às crianças abandondas, dirigida pelas irmãs franciscanas missionárias. E foi inaugurado o posto administrativo de Prábis. Na edição do "Diário de Lisboa", de 1 de fevereiro de 1947, dava-se também a notícia, do regresso a Lisboa, no "avião da Linha de África" (sic), do correspondente do jornal, o dr. Norberto Lopes. À chegada,o jornalista manifestou a sua "agradável impressão tanto pelo que viu na Guiné" (sic), como pela "regularidade e excelente funcionamento da carreira aérea entre Lisboa Lourenço Marques". O avião era um Douglas C-47, CS-TDD,  o 1º Dakota da TAP, pilotado pelo comandante Rodrigues Mano, e trazia 7 passageiros.



TAP - "Uniforme da linha imperial" (1946-1953). Era feito de caqui leve e fresco, Era usado exclusivamente nas linhas áreas para África. A inspiração eram as expedições e safarias em terras de África. (Foto e legenda: cortesia de Jornal TAP, edição nº 119, abril de 2015 > "Hangar da história: 70 anos de moda".)


Recorde-se que o  pretexto desta  visita ao territíório da "colónia", a primeira de um membro do governo de Salazar, foi o encerramento das comemorações do descobrimento da Guiné, em 1946 (uma data, de resto, polémica, para os historiadores, a da pretensa chegada de Nuno Tristão ao território). A iniciativa das comemorações locais foi do comandante Sarmento Rodrigues, tendo por trás  equipe dinâmica, criativa e entusíástica que se abalançou à tarefa hercúlea de conhecer, desenvolver e modernizar a Guiné, reforçando  a presença portuguesa no território, num conjuntura geopolítica, a do pós-guerra,   que se inicia o processo de descolonização.   Destaque, nessa equia, para o então 2º tenente da marinha, Avelino Teixeira da Mota, responsável pelo "Boletim Cultural da Guiné" Portuguesa" (que irá dedicar um nº especial, em outubro de 1947, a esta efeméride, o V Centenário).

quarta-feira, 22 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17169: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XVIII Parte: Cap IX - Guerra 2: O primeiro Lassa a morrer em combate, o sold at inf Marinho


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCç 763 (1965/67) >  T6 com motor gripado, a aterrar na pista de Cufar, depois de alvejado  em Caboxanque.


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCç 763 (1965/67) > 1965 > Dakota afocinhando, na pista de Cufar, quando transportava motor do T6 alvejado em Caboxamque. O Mário Fitas é o 1º da direita-

Fotos ( e legendas): © Mário Fitas (2016). Todo os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto  em baixo, à direita, março de 2016, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais.]

Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XVIII Parte > Cap IX - Guerra 2 (pp. 58-61)

por Mário Vicente


Sinopse:

(i) Depois de Tavira (CISMI) e de Elvas (BC 8),

(ii) o "Vagabundo" faz o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o periquito fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965.

Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XVII Parte: Cap IX: Guerra 2 (pp. 58-61)

E voltamos ao Cantanhez agora para fazer a {Op] Retorno a 17 de Setembro [de 1965]

Flaque Injã é o objectivo e o novo acampamento IN. Os Lassas a três grupos de combate embarcam em duas LDM, no cais de Impungueda pelas 24h00,  desembarcando na bolanha a oeste de Caboxanque, progredindo rapidamente,  ultrapassando esta tabanca e a de Flaque Injã, internando-se na mata a leste desta última.

Como primeiro objectivo teríamos a visita ao antigo acampamento, destruído na operação Satan, no entanto foram emboscados cinco elementos tendo sido aprisionados dois, que conduziram a CCAÇ ao novo acampamento existente. A recepção foi forte por parte do pessoal do PAIGC, utilizando armas ligeiras e pesadas, com balas tracejantes. Apesar dessa forte resistência, os Lassas assaltaram o acampamento desalojando o IN a quem causaram seis baixas confirmadas, apreendendo diverso material. 

Dirigem-se depois para Caboxanque em cujo cais deveriam reembarcar. Na frente da coluna em primeiro escalão, vai a secção do Chico Zé,  comandada pelo Carlos Manuel,  da secção de cães, levando como guias, Alfa Nan Cabo, Gibi Baldé e  Carlos Queba. Seguem-se as secções de Tambinha e Vagabundo. Há que atravessar um túnel arbustivo, onde se encontra uma cobra verde enroscada. A malta vai passando a palavra para trás, para as precauções necessárias pois uma picada desta bonita e simpática coisinha, de vinte e cinco centímetros no máximo é morte certa entre três, quatro minutos. 

Quando a cabeça da coluna atinge as proximidades da mata, de acesso ao cais de Caboxanque, há umas rajadas e uns tiros de G3 isolados. Malta para o chão, seguindo-se uns segundos sepulcrais. Que terá acontecido? Carlos Manuel e os seus homens lá na frente tinham desfeito dois indivíduos, capturado uma metralhadora ligeira, uma pistola e vários cunhetes de munições É aqui que Alfa torce o nariz, vem atrás e fala com Carlos.
– Ali na frente, manga de chatice! Pessoal não pode passa lá!

Inquieto, nariz no ar como que animal adivinhando catástrofe da natureza, rinoceronte perscrutando o perigo, não deixando de fazer o seu vocal som característico de “tchee… tchee…”.. Manga de chatice são as únicas palavras que sabe dizer. Almeida e Vagabundo chegam à frente, Alfa e Gibi apontam o chão. A experiência de escuteiro leva o furriel a verificar a erva levemente inclinada e a concluir também que por ali passaram dezenas de indivíduos.

Almeida leva os três guias e conferenciam com Carlos e Paolo. Carlos manda os Lassas abandonarem a mata em ziguezague e entrarem na bolanha, afastando o máximo possível.

É impressionante! O festim estava preparado com toda a ciência, uma emboscada com uma técnica fora do vulgar.

Quando os comandos do PAIGC se aperceberam que lhes tínhamos morto a detecção à retaguarda, fazer a diversão para terreno aberto, escamoteando a entrada na zona de morte, papando-lhe as migas na cabeça, ficaram fulos. Desvairado, o pessoal do PAIGC veio também para terreno aberto. Então começou o lindo espectáculo das bazucas e dos RPG a digladiarem-se. Estamos um pouco em vantagem porque as granadas dos RPG ao caírem na bolanha enterrando-se na lama, grande parte não rebentava. O céu mantinha-se encoberto e não tínhamos apoio aéreo. Verifica-se que são mais do que nós e que sem medo avançam em terreno descoberto.

Dá-se um milagre!... O sol desponta e ouve-se o roncar dos velhos T6. Damos a nossa posição no terreno com granadas de fumo. O “Mais Audaz” localiza tudo e faz duas picagens. Vagabundo, rádio sintonizado com o ar,  ouve nitidamente o tenente piloto dizer:
– Só vejo malta a rebolar… estou a atingir em cheio… vou picar novamente e gastar os últimos roquetes!

E assim faz, aparecendo sobre o tarrafo do lado do cais de Caboxanque, faz nova picagem. Ficamos suspensos por momentos, o piloto informa que a aeronave foi atingida e que ia tentar aterrar na pista de Cufar. Corações pequeninos, ouvimos que tinha conseguido. Quando regressados a Cufar soubemos, o T6 tinha sofrido bastantes impactes que lhe causaram dezassete furos,  um dos quais no depósito do óleo que esvaziara por completo, o avião a tocar na pista de terra batida e o motor a gripar.

Entretanto o festival em Caboxanque continuava. Alertadas, as lanchas e a vedeta da Marinha tinham subido o Cumbijã. Com a sua ajuda e mais uma parelha de T6, as forças do PAIGC foram reduzidas ao silêncio e os Lassas embarcaram,  regressando a Cufar.

Passados dias soube-se e ficará gravada na história da CCAÇ 763, tínhamos tido à nossa espera uma Companhia do Exército Popular, comandada, nada menos nada mais, do que pelo comandante 'Nino', a qual sofreu das mais avultadas perdas em termos humanos averbadas pelo PAIGC.

Obrigado Alfa, FAP e Marinha,  pois estaríamos metidos numa enorme e indefinida encrenca se não fosseis vós. A sorte também conta, sendo de uma importância extraordinária nesta guerra.

Nunca será pouco enaltecer os amigos fuzos e marinheiros, e aquilo que por nós fizeram com as suas lanchas e vedetas. Aos pilotos, e às enfermeiras páras, bastará o conhecimento e forma como são recebidos em Cufar para saberem como lhes estamos gratos por tudo.

É claro que nem tudo foram rosas.

Havendo uma grande operação dos fuzos na zona de Cabedu, foi montado o posto de comando e evacuação em Cufar,  derivado da sua bela pista e segurança. Hospital de campanha montado do lado esquerdo junto à entrada do aquartelamento. Por escala os Vagabundos de piquete. O seu chefe furriel já alcunhado de Mamadu, vestido ou despido à maneira do mato, calção e camisa de caqui, bota de lona e boina preta, pistola caindo do cinturão à “pistoleiro” em vez de carregar com a G3. Malta almoçada, segurança montada às aeronaves na pista, um calor de rachar, toca de espreguiçar numa maca, instalada no improvisado Hospital de Campanha.

Foram-se juntando alguns soldados em redor do furriel, começando as anedotas e histórias da vida de cada um. Mamadu delirando contar e ouvir uma anedotazinha, contava aquela do dramático caso do patrício que se queria suicidar por infidelidade de sua companheira e que, subindo ao quinto andar do prédio, de lá gritava estar farto da vida e que se iria mandar dali abaixo. O povoléu juntava-se todo à espera do desfecho do drama, quando apareceu a mulher do infeliz e que em desespero gritou:
– Oh!, a  homem, não faças isso,  porque eu só te pus os cornos, não te pus asas!

Encontrava-se Mamadu e aquela malta toda nesta bagunçada, quando de repente aparece a alferes pára enfermeira. Ao ver a malta por ali sentada, correu com a soldadesca toda. O furriel continuou agora sentado na maca, mas também ele teve ordem para se pôr a andar. Verificando o protagonismo que a sra. alferes estava a tomar, o chefe dos Vagabundos resolveu manter o seu. Deu-se então um diálogo interessante. Mamadu levantou-se e informou:
– Saiba Vossa Senhoria, meu alferes, que eu não vou abandonar esta posição, se há alguém que tenha de solicitar autorização para permanecer neste local, não serei eu, pois quem é aqui o responsável neste momento é este maltrapilho do mato que se apresenta a vossa senhoria!...

Perfilando-se, na posição de sentido, o furriel pronunciou:
– Apresenta-se o furriel miliciano Mamadu, comandante do piquete com a responsabilidade total pela segurança desta tenda, bem como de todas as aeronaves que se encontram na pista. Não tenho as divisas nos ombros, porque no mato é adorno que não usamos e a boina preta está superiormente autorizada.

Grande discurso!... A alferes enfermeira [, Maria Ivone Reis, foto à esquerda,]  sorriu e repostou:
– São todos iguais!... Têm todos a escola do vosso capitão! Mas pelo menos deveria estar com roupa em condições!
–  Saiba sra. meu alferes, que a minha lavadeira Miriam está em Catió com montes de roupa à espera de portador, pelo que não tenho o prazer e a honra de lhe satisfazer esse desejo. Mas como sabe e muito melhor do que eu, para morrer tanto faz estar de smoking como de camisa rota, o importante é estar lavada!
– Machistas de merda!

Foi a resposta que o furriel recebeu. Tinha razão a alferes enfermeira!?... Sim! Tinha razão, mas a CCAÇ não pode parar com estas ninharias pois o caminho a percorrer é longo. Reentramos nos cercos e limpeza e bate-se toda a tabanca de Cubaque,  dando forma à operação Rissol. Voltamos a Camaiupa e Cantumane para efectuar a [op] Rastilho, reconhecendo toda a mata. Uns tiros sem importância para comunicação e reunião, nós sabemos que eles continuam lá, é vital para dar seguimento ao corredor de Guilege. 

Quando entrávamos em Cantumane aconteceu precisamente o mesmo que na operação Trovão. No mesmo local e da mesma forma, fomos emboscados e atacados com o sistema de abelhas. O grupo de combate que seguia em primeiro escalão é obrigado a recuar. Só depois do envolvimento dos outros dois grupos e após uma hora de fogo intenso, a CCAÇ consegue repelir o IN causando-lhe nove mortos e pelo menos um ferido. Pela nossa parte um morto e vários feridos com picadas de abelhas. O soldado Marinho regressou à sua terra para nela repousar eternamente. Alguém irá ao Terreiro do Paço, receber a medalha postumamente atribuída. Os feridos no total de oito tiveram de ser evacuados alguns para Bissau,  resultante das picadas das abelhas, pelo que nos tivemos de deslocar para a bolanha para serem levados pelos helicópteros.

Com a morte do primeiro militar da CCAÇ 763, houve que definir coisas muito importantes. Tendo em atenção, a construção da nossa identidade, com o direito à identificação e localização, de um ente que faz intrinsecamente parte do nosso génese, ou agregação espírito-matéria. Sendo um direito adquirido, fazendo parte da nossa complexa estrutura cultural, o cultivar o culto dos mortos, e fazermos o nosso luto. Nunca um combatente poderá ficar no campo de batalha, local da sua morte, mas sim onde as suas cinzas façam parte de um todo, de uma vontade una daqueles a quem estão ligados.

É Cultura Portuguesa, caso contrário não teríamos ninguém nos Jerónimos.Todos devem ter direito aos seus sentimentos!

É importante que as nossas famílias saibam o que lhes é entregue. Quem não dignificou o valente soldado português, vindo dos mais recônditos lugares deste país? Não são considerados e respeitados por quem devia.

Carlos manda formar a Companhia e é assumido o compromisso:
–  Qualquer elemento da CCAÇ 763 que tenha a infelicidade de aqui falecer, a família receberá o seu corpo. Todos contribuirão para o efeito, em função do seu vencimento. Assim acontecerá!

Não abrandamos o controlo a sul. Num golpe de mão a Cantone, Quepul Na Cuenha,  chefe de partido de Mato Farroba, e Go Na Ialá,  enfermeiro do PAIGC, são feitos prisioneiros. Go Na Ialá é abatido por uma sentinela ao tentar a evasão, saltando o arame farpado. Mas também não temos meios para fazer tudo na noite de 26 para 27 de Novembro, elementos do PAIGC aparecem nas tabancas a sul tentando aliciar a população, raptando alguns blufos que conseguiram fugir e se apresentaram no aquartelamento informando do acontecido.

Confirmamos as dificuldades do PAIGC com a população, e no recrutamento interno, mas chegam-nos informações de que o Exército Popular está a ser reforçado por pessoal estrangeiro que não se limita a dar instrução, entrando também em combate. Verificamos que a guerra começa a internacionalizar-se. Não é novidade, já haviamos abatido uma ave estranha.

Continua a cobrança!... Hoje pagas tu, amanhã pago eu!

Primeiro de Dezembro, uma data que ainda diz qualquer coisa a este povo português. Inauguramos uma escola para as crianças nativas. A sua actividade é iniciada com a frequência de uma centena de alunos das povoações a sul e por nós controladas. É-lhes igualmente distribuída diariamente a primeira refeição, tendo-lhe sido fornecidos livros e outro material, tudo a expensas da CCAÇ 763. Desempenha as funções de professora Dª. Glória, tendo como assistente na parte de desporto Jata, o nosso amigo Micaelense, sargento Luís Tavares de Melo.

Não param os Lassas, apesar dos mortos e dos feridos que já sofreram, é necessário aproveitar a maré alta e por isso já fomos para o outro lado do Cumbijã, estamos cá para quê?... Fazer a guerra? Faça-se!
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quarta-feira, 27 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16023: Fotos do álbum da minha mãe, "Honra e Glória" (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego e Paunca, 1969/70) - Parte V: A FAP no Gabu


Foto nº 1 >  Uma parelha de Fiat G-91 na pista de Nova Lamego


Foto nº 2 >  O Dakota na pista de Nova Lamego


Foto  nº 3 > O Abílio Duarte junto a um T6


Foto nº 4 > O Abílio Duarte "vendo os estragos num T6", em Canquelifá

Guiné > Zona leste >  Região de Gabu> 

Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2016). Todos os direitos reservados.  


1. Continuação da publicação de fotos do Abílio Duarte [, ex-fur mil, CART 2479, mais tarde CART 11 e, finalmente, já depois do regresso à metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa Companhia de “Os Lacraus de Paunca” (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)] (*).

Trata-se do "álbum que a minha saudosa mãe criou com fotos que eu lhe enviava".

Desta feita, apresentam-se quatro fotos relacionadas com a FAP no Gabu (**).
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 12 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P15968: Fotos do álbum da minha mãe, "Honra e Glória" (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego e Paunca, 1969/70) - Parte IV: saudades de Contuboel

(**) Sobre o destacamento da FAP em Nova Lamego,. vd.  alguns dos nossos postes, escritos por camaradas da FAP

17 de fevereiro de  2011 > Guiné 63/74 – P7807: FAP (60): O destacamento de Nova Lamego ou Recordando o Tcor José Fernando de Almeida Brito (António Martins de Matos)

16 de abril de 2011 >  Guiné 63/74 - P8111: FAP (65): Falando do nosso destacamento em Nova Lamego (Gil Moutinho)

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15335: FAP (92): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - Parte II (José Matos, historiador e... astrónomo)

1. Continuação da publicação do artigo do nosso grã-tabanqueiro José Matos sobre a "arma que mudou a guerra", o míssil terra-ar Strela, de origem russa, introduzido na Guiné depois da morte de Amílcar Cabral, na sequência da escalada da guerra.

Recorde-se que o José [Augusto] Matos, de acordo com o portal Linkedin,   é  especialista em aviação e exploração espacial ["instructor, lecturer, and media commentator on Astronomy and Space Exploration since 1994"]. Faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro, tendo-se formado em astronomia em 2006 na University of Central Lancashire, Preston, UK...

Tem-se dedicado, como investigador independente, à história militar, e em particular à história da guerra na Guiné (1961/74).


SA 7- Grail (designação NATO), 
míssil terra-ar, de origem russa (9k 32 Strela 2), desenhado por volta de 1964 e operacional em 1968. 

Caraterísticas técnicas do SA- 7 «Grail» / 9K32M Strela-2 | Míssil antiaéreo:

Fabricante: KB Machinostroyenia; função principal: defesa antiaérea próxima; alcance: até 4,2 km; velocidade: 1300 km/h; tipo de ogiva : alto Explosivo / pré-fragmentada; peso da ogiva : 15 kg.; peso total: 10 kg; comprimento: 1.47 m; diâmetro: 72 mm; sistema orientação: infravermelhos

O Strela 2 foi concebido e testado por volta de 1964. Foi dado como operacional em 1968. Com um alcance máximo de 3,7 km e problemas com o sistema de orientação, as prestações do míssil não foram consideradas satisfatórias. Rapidamente foi lançada a versão Strela-2M, em 1971.  A versão melhorada podia atingir em teoria alvos a distâncias de até 4,2 km. Era eficaz contra alvos a mais de 50 metros de altura e menos de 1500 metros.

Foto: Cortesia de Wikipedia. Imagem do domínio público.


O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné (Parte II),
  por José Matos



A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M).  A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo.



(Continuação) (*)

A redução da actividade aérea 


Além da perda de aviões e de pilotos, o míssil afecta também a actividade aérea da FAP. Através da análise dos SITREPS (relatórios de situação) da época verifica-se que a actividade aérea na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG) sofre uma redução muito acentuada na segunda semana de abril (57% em termos de exploração operacional), embora depois se assista a uma progressiva normalização [26].  Como se pode ver pelo gráfico 1 relativo à exploração operacional, no final do mês de abril, as várias aeronaves da ZACVG atingiram já os níveis de actividade do começo do mês, o que significa que a FAP se adaptou à nova ameaça, embora com uma série de restrições operacionais, como se viu anteriormente. Pelo gráfico podemos ver que a viragem acontece na 3.ª semana de abril, quando as medidas cautelares começam a ser aplicadas.




A Directiva 20/73

As novas normas de voo e as tácticas defensivas adoptadas são então objecto de uma directiva do Comandante-Chefe da Guiné, General António Spínola, que, a 29 de maio, emite a Directiva 20/73, que estabelece definitivamente todos os procedimentos antimíssil a tomar, bem como as normas para os pedidos e acções de apoio aéreo [27].


De uma forma geral, todos os meios aéreos da ZACVG passavam a operar com novos parâmetros de segurança e de voo. Nos procedimentos de voo de carácter geral, todas as aeronaves deviam seguir as seguintes regras:

  • Altitudes de voo – acima de 6 mil pés e abaixo de 200 pés;
  • Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude);
  • Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido;
  • As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível, não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo;
  • Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas.
Heli Alouette II. Bambadinca. c. 1969/71.
Foto de Humberto Reis
Além destas medidas gerais, a directiva estabelecia também medidas de carácter específico, que passavam pelas seguintes restrições:

  • Redução do número de pistas utilizáveis pelos aviões de transporte médio (Noratlas e C-47), além destes terem igualmente limitações na carga transportável;
  • Restrições nas missões de controlo (DCON), com PCV ou PCA (posto de comando volante ou posto de comando aéreo de operações usando DO-27), que ficavam também restringidas tanto pela redução de pistas utilizáveis, como pelo número de descolagens por missão e ainda pela limitação de horas de voo e pela altitude de operação (acima dos 6 mil pés);
  • Alterações nas missões de ataque ao solo, os T-6 deixavam de actuar a este nível ficando estas missões atribuídas apenas aos Fiat G.91, mesmo assim, com limitações nos parâmetros de voo e de ataque;
  • Limitações na utilização de helicópteros, condicionados também nas missões de transporte e evacuação, além de ataque e escolta armada [28].
Em suma, como se admite na própria directiva, a utilização de mísseis terra-ar pela guerrilha tinha provocado profundas alterações no emprego da Força Aérea e na eficácia das operações aéreas.

O impacto do míssil nos diferentes tipos de missões


Através da análise dos SITREPS da ZACVG podemos ver a evolução dos diferentes tipos de missões ao longo de 1973, bem como a actividade operacional da FAP [29]. Para uma melhor compreensão dos gráficos apresentados de seguida e elaborados a partir dos dados disponíveis nos SITREPS, faz-se aqui uma pequena explicação das abreviaturas utilizadas nos mesmos:

  • ATIP – Ataque Independente Preparado;
  • ATIR – Ataque Independente em Reconhecimento;
  • ATAP- Ataque de Apoio Próximo;
  • AESC – Ataque em Escolta;
  • RVIS – Reconhecimento Visual;
  • RFOT – Reconhecimento Fotográfico;
  • TMAN – Transporte de Manobra;
  • TGER – Transportes Gerais;
  • TEVS – Transporte de Evacuação




Começando pelas missões de ataque, podemos observar no gráfico 2 das acções aéreas de ataque, que há alguma quebra em abril e nos três meses seguintes, com excepção de maio, em que se regista um pico de actividade provocado pela crise militar de Guidage e Guileje. De facto, maio é um mês crítico na Guiné com fortes ataques da guerrilha contra estes dois quartéis.

No entanto, como se pode ver pelo gráfico 2, a partir de agosto, as missões de ataque da FAP aumentam de forma visível atingindo níveis superiores aos de Março. Este aumento deve-se, principalmente, ao uso mais intensivo do Fiat G.91 a partir de agosto, que desempenha um papel importante na resposta à guerrilha. De salientar também o pico de actividade em outubro, um mês em que a guerrilha esteve pouco activa.

Convém também referir que, em finais de novembro, o novo Comandante-Chefe da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, emite uma nova directiva para o apoio aéreo, que permite algumas excepções às directrizes definidas na Directiva 20/73 de 29 de maio. Nesta nova directiva, os ATAP em G.91 com foguetes e metralhadoras passam a ser possíveis por decisão do Comando da Zona Aérea ou do chefe de formação de voo empenhada, o mesmo acontecendo com as missões ATIR-ATID dos Fiat, o que dá maiores possibilidades de acção aos “Tigres”. De resto, a nova directiva mantém em vigor as orientações definidas em maio [30].

Intetior de um C-47. Foto: cortesia de Wikipedia. Imagem
do domínio público.
Além do Fiat G.91, um C-47 é adaptado para missões de bombardeamento horizontal podendo levar 80 bombas de 15 kg, que são depois atiradas à mão por uma abertura na fuselagem usada habitualmente para instalar máquinas fotográficas. As missões nocturnas do C-47 (conhecido por Flecha de Prata) eram feitas tanto em corredores usados pela guerrilha, como no apoio a aquartelamentos sob flagelação.  Embora fossem missões de bombardeamento de área a 10 000 pés, ou seja, com pouca precisão, tinham um efeito psicológico grande sobre a guerrilha.

No caso das missões de reconhecimento, a quebra é mais significativa e o nível de actividade só recupera de forma manifesta no final do ano, como se pode ver no gráfico seguinte.



As missões RFOT são as mais afectadas, mas, a partir de outubro, o maior empenho de várias aeronaves (G.91, DO-27 e C-47) em RVIS e RFOT faz aumentar o número de missões. No entanto, é evidente a relação causa-efeito entre o míssil e o decréscimo deste tipo de missões. O DO-27 é claramente limitado pelo Strela nas missões RVIS e o C-47 é também desviado para outras missões, embora possa fazer fotografia vertical a 10 mil pés. As missões RFOT a baixa altitude ficam assim, praticamente, só para o Fiat e para objectivos pontuais.



Quanto às missões de transporte no gráfico 4, a quebra é evidente até setembro aumentando a partir daí, embora nunca se alcance o número de acções registado em março. A redução é mais significativa nas missões TGER, importantes no abastecimento das diversas unidades do Exército espalhadas pela colónia. Relativamente às missões TEVS de evacuação de feridos, convém referir que atingem o pico máximo em maio, durante a já referida crise militar que ocorreu nesta altura. Os Alouette III desempenham, neste âmbito, um papel importante com 102 acções TEVS no mês de maio, sendo seguidos pelo DO-27 (87 acções) e pelo Noratlas (26 acções) [31].

No entanto, apesar deste pico de actividade em maio, as unidades mais atacadas pela guerrilha neste período ficam sem evacuação aérea, pois os Alouette III experimentam severas dificuldades em actuar nessas zonas, devido à proximidade entre as forças em confronto, que não permite que as forças portuguesas assegurem pequenas áreas de aterragem para os helicópteros, livres de tiroteio ou da queda de granadas de morteiro. 

Além disso, quando os guerrilheiros detectam a presença dos helicópteros, bombardeiam os quarteis ou as pistas. Os aviões ligeiros como o DO-27 também não podem actuar neste cenário, o que provoca graves dificuldades às unidades atacadas, nomeadamente em Guidage e Guileje, onde a guerrilha efectua ataques de grande magnitude e durante um longo período [32].

O mesmo acontece, em Gadamael Porto, um quartel no sul da Guiné que é fortemente atacado pelo PAIGC, em junho de 1973 e onde os helicópteros ficam impedidos de actuar, devido aos bombardeamentos da artilharia em consequência de, como posteriormente se soube, os guerrilheiros terem montado um posto de regulação de tiro, num local fronteiriço ao aquartelamento, na outra margem do rio Cacine [33]. A utilização de helicópteros é assim interdita na área, obrigando que as evacuações sejam feitas a pé, até ao quartel, e depois de barco, pelo rio Cacine [34].



Desta forma, a Força Aérea vai-se apercebendo de que as missões TEVS, em situações desta natureza, mesmo com a presença de um helicóptero armado, são muito perigosas. A solução passou por aumentar a protecção armada aos helicópteros TEVS que começaram a ter dois Alouette III armados, de escolta (AESC). A análise das missões TEVS e AESC do Alouette III, ao longo de 1973, no gráfico 5, revela que o número de acções de evacuação diminuiu, mas que as acções de escolta aumentaram de forma clara [35].

Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise. No fundo, a Força Aérea usou mais intensivamente o único meio aéreo que podia representar alguma capacidade de resposta face à ofensiva da guerrilha. No saldo final, todavia, a exploração operacional do GO 1201 ressente-se com o míssil ao longo do ano, ficando sempre abaixo dos níveis de março de 1973.





(Continua)

[Fixação de texto, imagens e links: LG. Temos cerca de meia centena de referências, no nosso blogue, aos mísseis Strela]
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Notas do autor:

[25] Relatório Imediato nº 5641/73/DI/3/SC da DGS sobre o míssil solo-ar Strella-2, 31 de Outubro de 1973, ADN/F3/1/1/1. 

[26] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 14, 15, 16 e 17/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87.

[27] Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, AHM/DIV/2/4/228/2.

[28]  Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, AHM/DIV/2/4/228/2.

[29] SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87 e 88.

[30] Directiva para o Apoio Aéreo do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 30 de Novembro de 1973, ADN/SGDN/Cx.1666.

[31] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 18/73 a 22/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/88.

[32]  Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.

[33] Calheiros, op. cit., p. 535.

[34] Ibidem., p. 542.

[35] SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87 e 88.

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Nota do editor:

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14128: Memórias de Copá (3): Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)

1. O nosso camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1ª CCAV do BCAV 8323 (Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 1973/74) enviou-nos o seguinte texto. 

COPÁ – JANEIRO DE 1974

A minha 1ª CCAV / BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá. 

Este texto sobre os acontecimentos em Copá no início de Janeiro de 1974 foi retirado das minhas memórias da Guerra na Guiné. 
 
Chegámos ao dia 3 de Janeiro de 1974 e foi um dia mais ou menos calmo como de costume, embora durante a tarde enquanto jogávamos futebol na pista de aviação em Copá, se ouvissem fortes rebentamentos na direcção de Canquelifá, que soubemos depois estava a ser violentamente flagelado com armas pesadas, mas tal era ainda nessa altura o nosso àvontade, que, apesar de ouvirmos tantos rebentamentos e tão próximo de nós mantivemo-nos a jogar à bola no exterior do arame farpado e realmente até ao fim do dia nada de anormal nos aconteceu. Deitamo-nos como de costume cerca das 20h30 ou 21h00, embora ficasse como era normal um homem de sentinela em cada abrigo.

O nosso baptimo de fogo

Eram 23h30 em ponto do dia 3 de Janeiro de 1974, quando o Manuel Vicente Antunes que àquela hora fazia reforço no meu abrigo, gritou, ao mesmo tempo que ouviamos um rebentamento, que saíssemos da cama porque havia perigo, mas não foi necessário o grito do sentinela, pelo menos para mim que ao ouvir o rebentamento saltei imediatamente da cama e vim para ao pé da vala ver o que se passava.

Quase no mesmo momento todos os meus camaradas de abrigo estavam fora da cama e a nossa primeira reacção àquele rebentamento e aos outros que se lhe seguiram, é que seriam rebentamentos do obús 10,5, arma da nossa artilharia instalada em Canquelifá e que estavam a bater a zona depois de terem sido atacados durante a tarde. 



Entretanto, um dos meus camaradas de abrigo foi ao posto de transmissões saber o que na realidade se passava e na verdade de Canquelifá não havia notícias, mas o Alferes que comandava o pelotão de Africanos que já tinha mais experiência do que nós disse-lhe: "Vai avisar os teus camaradas que se previnam que este fogo é de armas inimigas"; e assim estávamos realmente pela primeira vez a ser atacados por armas inimigas e a enfrentar a realidade daquela guerra. Era este o nosso baptismo de fogo. 



As primeiras granadas passavam por cima de Copá e iam rebentar aí a uns 2 Km de distância, entre Copá e Bajocunda, elas vinham bastante alternadas, atiravam 3 morteiradas, deixavam passar dez minutos e voltavam a atirar outras três e assim sucessivamente. Entretanto perante o que estava a acontecer, lembrei-me dum conselho que me tinha dado o Amândio Noversa com a experiência que ele já tinha e que era o seguinte: “Sempre que oiças um rebentamento seja ele de que arma for, atira-te para o chão e tenta abrigar-te porque isso pode valer-te a vida”.



E eu ao lembrar-me disso, fiz precisamente o que devia, meti-me dentro da vala a aguardar o que viria a acontecer, entretanto os rebentamentos continuavam de 10 em 10 minutos e cada vez a aproximarem-se mais do nosso aquartelamento o que nos dava a impressão de o fogo estar a ser comandado por rádio. Enquanto isto acontecia, os restantes meus camaradas que se mantinham fora da vala diziam: "O Rodrigues é um cagão, tem medo a isto só está bem no buraco", palavras não eram ditas e eis que ali junto a nós cai a primeira granada, (pois que elas se tinham vindo a aproximar lentamente) e, ao rebentar, os estilhaços bateram com violência no telhado de chapa do nosso abrigo, foi então que os meus camaradas se abrigaram também na vala convencidos do perigo em que estávamos, e diziam uns: "Ai N.ª Srª de Fátima"; outros, "Ai minha Mãezinha"; e depois diziam todos, o "O Rodrigues sempre tinha razão em se ter protegido porque isto está feio".



Entretanto as bombas continuavam a cair, é curioso que a dada altura duas em cada três granadas caiam ali próximas, mas não rebentavam, entravam na terra a uma profundidade cerca de 5 metros e então dizíamos nós uns para os outros, "Amanhã não vão faltar aí granadas inteiras", dizíamos isto porque era de noite e apenas as ouvíamos cair, mas elas perfuravam a terra e desapareciam pelo chão dentro. 


A dada altura, ainda deste primeiro ataque, as granadas começaram a cair com maior intensidade sobre o abrigo ou posto onde eu me encontrava, a nossa falta de experiência disse-nos naquele momento que devíamos abandonar o posto e irmos para outro menos apoquentado, porque na verdade o abrigo 7 era naquela noite o que estava a ser mais atingido e por isso não hesitamos em nos mudarmos todos para o abrigo 1 que ficava ali mesmo ao lado e ali ficamos à espera do que iria acontecer, uma vez que não dispunhamos de armas com que pudéssemos responder, a arma mais forte que tinhamos era um morteiro 81 cujo alcance máximo, segundo me recordo,  era cerca de 5 Km e a distância a que estava o inimigo era superior, por isso a nossa resposta limitou-se a um ou dois disparos de morteiros. 

O PAIGC continuava entretanto a disparar de 10 em 10 minutos sobre Copá, pelo que só se resolveram a parar eram duas horas da madrugada do dia seguinte, precisamente no momento em que o luar desapareceu, foi aí que o primeiro ataque a Copá desde que lá chegamos terminou. Viemos a saber mais tarde que o destacamento de Copá sempre foi um dos que ao longo da guerra sofreu regularmente fortes flagelações, aliás não era difícil qualquer um de nós encontrar provas mais do que evidentes do que tinha lá acontecido muitas vezes. 

Os Guerrilheiros dispararam nessa noite, sobre Copá, 58 granadas,  mais de metade das quais caíram fora do aquartelamento. 

Felizmente naquela noite não houve problemas de maior, nem sequer o mais leve ferimento, mas a ideia que nos ficou foi que o barulho que fizemos durante a noite da passagem de ano serviu ao inimigo para ponto de referência, que aproveitou para apontar as armas a Copá e depois acabou de acertar, através de rádio, próximo do local. 

Mas o ataque desse dia foi apenas um pequeno aviso, passaram-se os dias 4, 5 e 6 com relativa calma, para o dia 7 marcou-se novamente a coluna que dias antes tinha sido interrompida, mas nesse dia veio mesmo a realizar-se, só que, chegada a meio do percurso (Massacunda Maunde) foi atacada por uma forte emboscada feita nesse local pelo PAIGC. 

Eram cerca das 9.30h da manhã, estava eu e os homens que nesse dia estavam de serviço à água junto ao poço onde tirávamos a água em Copá, a dado momento ouvimos um forte rebentamento na direcção de Massacunda, logo seguido de um enorme tiroteio, lembramo-nos logo que seria a nossa coluna que estava a ser emboscada, ficamos um pouco suspensos e logo um furriel nos chamou e disse que largássemos a água porque tinhamos que ir em socorro dos nossos camaradas. Nós assim fizemos, eu peguei no carro imediatamente e regressamos para dentro do arame farpado, formou-se o pelotão que arrancou imediatamente para o local, em Copá ficamos apenas 5 ou 6 homens mais ou menos,  um por cada abrigo, pois ainda tínhamos connosco mais alguns soldados Africanos.


7 de Janeiro de 1974: o dia mais infernal por que já passei

Na mesma altura em que saiu o pelotão, partiu também para outra zona do mato, nos arredores de Copá na direcção da fronteira com o Senegal, um Africano civil que era nosso informador, que passadas algumas horas chegava com más notícias, disse-nos ele que ali próximo o PAIGC estava estacionado com várias viaturas carregadas de munições para atacar Copá, o que na verdade se veio a concretizar nesse mesmo dia.

Na verdade esse dia 7 de Janeiro de 1974 foi para a minha companhia e particularmente para o pelotão destacado em Copá, o dia mais infernal que lá passamos e que, eu já mais esquecerei. 

Entretanto do local da emboscada chegava-nos via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido, dois mortos – o Soldado Rui Silveira Patrício e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro [1], os primeiros mortos do meu Batalhão.

Os dois faziam parte do 3.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323, que eu recordo com muita saudade, havia também quase todo o pelotão que fazia segurança à coluna bastante ferido, nomeadamente, o Alferes Santos que o comandava e outro homem com uma perna partida, um outro que acabou por perder uma vista e ainda hoje tem o corpo cravado de estilhaços, para além de duas viaturas Berliet destruídas: a primeira porque accionou a mina anti-carro e o condutor Sousa foi cuspido pelo ar e caiu ao chão, ficou com as partes superiores das pernas pisadas, porque bateu com elas no volante ao ser cuspido e arranhou uma perna ao cair, a sua carga era parte do pessoal que fazia segurança;  a segunda ia carregada de munições de G3 e granadas de morteiro 81 e 60, na cabine desta viatura seguia o Soldado Condutor Abílio Correia Sabino Magalhães e o Rui Patrício mais o Aguiar Ribeiro.

O Correia saltou abaixo sem problemas, mas nesse mesmo momento os outros dois camaradas já tinham sido atingidos com um tiro, o Rui Patrício ainda desceu da viatura e disse ao Correia que ia morrer, o que aconteceu naquele preciso momento, o Aguiar Ribeiro já ferido abrigou-se debaixo da Berliet que entretanto começou a explodir as munições que trazia tendo ficado reduzida a um monte de ferros espalhados pela picada, o que deu origem a que o Aguiar Ribeiro morresse completamente calcinado pelo fogo, pois que para além das munições começarem a explodir, o PAIGC ainda continuou a atacar durante bastante tempo, tendo usado Minas Anti-Carro e Anti-Pessoais, RPG2, RPG7 Morteiros e armas automáticas. 

Para além dos mortos e feridos e das referidas viaturas, destruíram o dinheiro que seguia nessa coluna para pagamento do anterior mês de Dezembro a todos os militares Europeus e Africanos que se encontravam em Copá, foi ainda destruído todo o correio destinado a Copá, que incluía os postais de Boas Festas e lembranças dos nossos Familiares que, dadas as circunstâncias não chegaram a tempo do Natal e tendo sido ali destruídas não pudemos recebê-las. 

Para socorro dos camaradas que sofreram a emboscada, para além do Grupo de Combate de Copá, partiu de Bajocunda mais um Grupo de Combate da 1.ª CCAV / BCAV 8323 e de Pirada,  comandados pelo próprio Comandante de Batalhão, partiram mais 2 Grupos de Combate da 3.ª CCAV / BCAV. 


Estas forças de socorro levantaram 6 minas antipessoais e destruíram 1, levantaram uma Anti-carro, tendo recolhido a Bajocunda e a Copá respectivamente pelas 20h00.


Guiné > Zona leste > Pirada > Copá > 1.ª CCAV/ BCAV 8323 (1973/74) > Berliet destruída pro mina A/C na emboscada de 7 de janeiro de 1974 na picada Copá-Bajocunda. Foto de António Rodrigues. Cortesia do blogue da Associação dos Combatentes do Concelho de Arganil.
Foto: © António Rodrigues. (2013). Todos os direitos reservados.


Ataque a Copá no mesmo dia durante várias horas (das 17h00 às 22h20), ficando a guarnição reduzida a 29 homens

Mas nesse dia as coisas más não tinham terminado, aí, às cinco horas da tarde desse mesmo dia, com apenas pouco mais de um homem em cada posto (porque o restante do pelotão ainda se encontrava no local da emboscada) concretizavam-se as informações que tinhamos recebido de manhã e Copá às dezassete horas em ponto começava a ser atacado de novo pela artilharia do PAIGC.

Os poucos que ali nos encontravamos metemo-nos nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tinhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiros 120 e 82 que carregava sobre nós persistentemente, só cerca das 20H00 é que entrou o restante pelotão em Copá debaixo de fogo, quando a maioria da população aos gritos se punha em fuga das suas tabancas que ardiam infernalmente e fugiam em direcção à Republica do Senegal cuja fronteira ficava dali a 3 Kms. 



Juntamente com a população fugiram (desertaram) praticamente todos os militares Africanos que ali se encontravam em reforço da Guarnição, ficando apenas em Copá naquela noite, um Alferes e um furriel Europeus que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323 num total de 29 homens. 



Devo dizer que nessa noite vivemos um autêntico ambiente infernal e de terror com tantas chamas à nossa volta, das tabancas e do milho, que ardiam como gasolina, para além do perigo que representava o calor das chamas próximas das nossas munições que podiam explodir em qualquer momento e nós debaixo de tanto fogo, chamas e bombas não sabia-mos onde protegê-las. 

Mas o ataque do PAIGC continuava, agora já noite e com as chamas a servirem-lhe de alvo, mas nós continuavamos sem capacidade de resposta, porque eles estavam a grande distância e as nossas munições eram muito poucas para se gastarem inutilmente, dispunhamos apenas de umas 18 a 20 granadas de morteiro 81, algumas de morteiro 60 e talvez pouco mais de uma dúzia de granadas de mão, que viriam a ser lançadas de dilagramas [2], mas a artilharia do PAIGC não parava o seu ataque e vimo-nos forçados a pedir auxílio a Bissau, que nos mandou um avião Dakota que começou a sobrevoar Copá eram 22h20 da noite, altura em que a artilharia do PAIGC parou com o fogo, tinham decorrido 5 horas e 20 minutos seguidos, que nós aguentamos debaixo de fogo intenso e violento. 

Entretanto os estilhaços das bombas tinham rebentado os fios da iluminação eléctrica, visto que tinhamos um gerador próprio e como era de noite o avião não tinha qualquer sinal para nos localizar, então através do rádio o piloto falou para o nosso posto de transmissão e perguntou qual a localização do inimigo, no que foi mais ou menos informado, depois o piloto pediu para lhe fazermos um sinal que consistia no seguinte: como junto das cantinas existiam sempre uns bidões com garrafas de cerveja vazias, utilizamos essas garrafas para fazer uma grande cruz no centro de Copá e enchemo-las com gasóleo, pusemos-lhes uma torcida de pano e acendemo-las de seguida e assim o piloto já nos podia detectar facilmente além de que, esse mesmo sinal lhe servia também de ponto de referência para a partir dali localizar o inimigo. 

Feito isto e já sem se ouvir o mais pequeno ruído do inimigo, (porque este, mal ouviu o ruído do avião calou-se imediatamente),  o piloto do Dakota tentou localizar o melhor possível a base do PAIGC naquela noite e quando entendeu que estava sobre ela começou a despejar bombas e manteve-se por ali durante cerca de mais de meia hora, espaço de tempo em que nos mantivemos relativamente calmos porque o fogo tinha parado. O avião regressou à base cerca das 23h00. O resultado do bombardeamento do avião deixou-me as maiores dúvidas, porque de noite todos os gatos são pardos. 

Mas o PAIGC, ao emboscar nesse mesmo dia de manhã a coluna que nos vinha abastecer de munições e ao atacar em massa Copá nesse dia à tarde apanhando-nos quase desarmados, tinha feito uma acção muito bem planeada e em grande escala, jogava forte na conquista de Copá nesse dia. 

Mas mais uma surpresa estava para acontecer, nessa mesma noite aconteceu uma coisa bastante curiosa para nós, o inimigo não satisfeito com o resultado do ataque que tinha terminado minutos antes, ou talvez pensando que estaríamos quase todos mortos, ao aperceber-se que ia ser bombardeado pelo nosso avião, em vez de se retirar para o interior do Senegal, que ficava ali muito próximo e donde provavelmente eles se tinham deslocado, usou uma táctica inesperada, como era noite escura e se podiam deslocar à vontade sem serem vistos pelo avião, saíram do local onde se encontravam e deslocaram-se para junto do nosso aquartelamento, pois sabiam que assim estavam em melhor segurança em relação ao avião, e mal o avião partiu e se foi embora, eram cerca das 23 horas, começamos a ouvir fortes ruídos de motores a trabalhar, dava-nos ideia de serem viaturas que se dirigiam a Copá e a sê-lo àquela hora, eram com certeza do inimigo. 

Entretanto quase todos os meus camaradas do Abrigo 7 se foram deitar, pois todos estávamos bastante cansados, mas eu ao ouvir todo aquele estranho ruído tinha um pressentimento de que as coisas ainda não tinham terminado nesse dia e então decidi ficar a pé e fazer companhia ao sentinela, até ver o que ia acontecer. 

Devo dizer que debaixo do bombardeamento que sofremos nessa tarde não sofremos o mais pequeno ferimento em ninguém, por isso tenho que acreditar que tínhamos Deus do nosso lado, até porque quando estávamos debaixo de fogo quase todos nós rezávamos uma oração, principalmente o terço a Nossa Senhora, eu sentia bem essa protecção a cada momento. São situações tão aflitivas e angustiantes, em que esperamos a morte a cada segundo que passa que, mesmo os não crentes se juntavam a quem rezava. 

Enquanto nessa noite de 7 de Janeiro de 1974, eu esperava pelo resto dos acontecimentos, o que fiz foi rezar mais uma oração a Deus Nosso Senhor, que nos protegesse a todos do que poderia ainda acontecer naquela noite, ainda por cima éramos tão poucos, com a deserção dos Africanos durante aquela tarde estavamos reduzidos a 29 no total. 

Novo ataque às 23h50 junto ao arame farpado,  com apoio de viatura blindadas e artilharia... Mas Copá resistiu!

E as viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá e cerca das 23 horas e 50 minutos tudo parou e o ruído deixou de se ouvir, (a falta de iluminação facilitou-lhes as manobras e a instalação à vontade de todo o seu dispositivo) e ficamos na expectativa à espera de mais um momento terrível daquela noite e o meu pressentimento veio a concretizar-se, era exactamente meia noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo. 

Aí teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar, aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado 3 secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava já preparada para disparar e assim sucessivamente, mas para além destas secções de homens armados de metralhadoras tinham um auto-blindado (tipo ZIG Russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde, esta encontrava-se a cerca de 1 Km também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo. 

Mas agora a coisa mudava de figura, ainda estavamos todos vivos e de saúde e por isso, como estavamos frente ao inimigo, apesar das armas de que dispunhamos continuarem a ser de capacidade inferior às deles e um número reduzido de munições, iríamos aplicar o melhor das nossas forças para lhe darmos resposta adequada e tentar defender a nossa posição e principalmente a nossa integridade física.





Esquisso de Copá, comas posições das NT e do PAIGC. Autor: António Rodrigues

Uma das primeiras coisas que fizemos a mando de um Furriel, foi lançar uma granada de bazuca do tipo iluminante, que na realidade por uns momentos ilumina tudo por onde passa, o que nos permitiu ver claramente a posição do inimigo e nos ajudou a cumprir a nossa missão com a maior objectividade possível.

Começamos então a disparar na direcção adequada dilagramas, granadas de bazuca, de morteiro 81 e 60, além das metralhadoras Breda, HK-21 e G3, a luta era quase corpo a corpo e muito renhida e a secção que estava do lado norte, apoiada pelo blindado, este estava já a abrir uma entrada para penetrar no nosso aquartelamento, onde progrediu cerca de dez metros para dentro do arame e é aqui que o meu camarada Antunes, acompanhado do 1.º Cabo João Ribeiro, se enchem de coragem, pegam em meia dúzia de granadas de morteiro 60, saltam para fora da vala debaixo de fogo e atiram-nas todas, sobre-o blindado que tentava entrar e que o terá feito recuar, não sei se por acção dessas granadas que não teriam grande efeito sobre tal arma, mas o certo é que quem o comandava resolveu iniciar a retirada naquele momento, mas a confusão era enorme e não sabíamos bem o que se passava com o restante do nosso pessoal, a dado momento aproximou-se do nosso abrigo o Demba, (um soldado Africano do nosso exército que ia em fuga para o Senegal, era o ultimo deles a abandonar-nos) que nos disse que o Alferes Brás já estava preso e nós ficamos ainda mais baralhados e confusos e dissemos até uns para os outros, se calhar esta noite vamos ser feitos prisioneiros do PAIGC, mas felizmente o Alferes Brás ainda não estava preso (e nunca chegou a estar) confirmamos isso quando pouco depois ele gritou em voz alta como costumava fazer, perguntando lá do seu posto, “EI PESSOAL ESTÁ TUDO VIVO ?”

Era verdade, estavamos todos vivos e ninguém com a ajuda de Deus estava ferido, aguentamos o resto daquela hora infernal de tiros e granadas sobre as nossas cabeças, continuamos a defender-nos principalmente através de dilagramas e morteiro 81, este último teve papel importante nessa noite, cujo artilheiro o tirou do tripé (e cujo prato se partiu ao fim dos primeiros disparos) para o poder manobrar da melhor maneira (o próprio Alferes Manuel Brás ajudou a segurar no tubo já quente do morteiro com ajuda de uns panos para não queimar as mãos) e foi esse morteiro 81 que veio a causar os maiores problemas ao inimigo, que ao fim de 1 hora e 5 minutos, teve que retirar, possivelmente com alguns mortos. [3]

Em Copá ficavam enormes incêndios com tudo a arder em grandes chamas e nós os militares e população tinhamos vivido horas amargas e terríveis nesse dia e noite de 7 de Janeiro de 1974 que jamais eu poderei esquecer. 

O PAIGC, esse, não conseguiu os objectivos a que se tinha proposto, ao cortar-nos de manhã o abastecimento a Copá e ao atacar-nos à tarde em massa, o seu plano em parte tinha falhado. 

Era 1 hora e 15 minutos do dia 8 de Janeiro de 1974 quando o tiroteio acabou e pudemos então descansar um pouco. No dia seguinte de manhã, fomos passar reconhecimento fora do arame farpado e verificamos melhor o que na realidade tínhamos provocado ao inimigo, vimos a entrada que realmente o blindado abriu no arame farpado e numa das secções, junto ao poço de água da pista de aviação, teriam tombado pelo menos dois homens, visto que aí haviam duas postas de sangue separadas por um metro de distância e tinham colados alguns dos muitos invólucros das muitas munições que já tinham disparado (tinham o aspecto de uma Pisa).

A meio da distância entre os dois e cerca de um metro atrás, rebentou uma granada do nosso morteiro 81, o que com certeza terá ferido os homens daquela secção e eles tombaram sobre os invólucros que tinham à sua volta, mas encontramos ainda um carregador e caixas de munições da KALASHNIKOV, maços de tabaco e bonés, mas haviam mais sinais, o blindado que apoiava a artilharia lá mais atrás, tinha vindo socorrer os feridos de que atrás falei, mas como nós insistimos a fazer fogo com as nossas armas, mesmo sabendo que eles estavam em retirada, esse blindado não conseguiu chegar perto dos feridos, pelo que estes foram levados de rastos até ao carro, mas vendo-se atrapalhados não conseguiram meter os feridos logo no carro, pelo que este começou a retirar de marcha atrás sobre o mesmo rodado, enquanto o carreiro que os corpos de rastos marcavam continuava a par do rodado, até que conseguiram carregá-los. 

Entretanto durante todo esse fogo nenhum dos nossos homens ficou ferido,  graças a Deus. 

A todos os possíveis leitores do relato deste episódio da Guerra na Guiné, abraço com amizade e peço desculpa pela pobreza da minha escrita porque, de facto este não é o meu mister mas penso que me faço entender. 
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[1] O Soldado Rui Silveira Patrício era natural de Stª. Margarida – Conceição do Concelho da Covilhã (encontra-se sepultado no Cemitério Concelhio no talhão dos Combatentes) … O 1º. Cabo António Aguiar Ribeiro era natural de Orca, Concelho do Fundão (encontra-se sepultado no Cemitério de Martianas na freguesia natal) 

[2] Granadas de mão lançadas pela Espingarda Automática G3 com munição própria.

[3] Em 2009 soube por um jornalista que se deslocou em 2007 a Copá na Guiné e falou com ex-guerrilheiros, que lhes disseram que, nessa noite entre outros, lhes matamos o comandante da operação.

Foto 1 - Junto ao poço de Copá 

Foto 2 - Junto ao poço de Copá 

Foto 3 - Junto ao poço de Copá

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto da 1ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74)

Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 

[Subtítulos da responsabilidade do editor]
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8989: Álbum fotográfico de Arlindo T. Roda (2): As "gloriosas máquinas voadoras" da FAP










Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > O Fur Mil Arlindo T.Roda [, aqui junto aos T6, na pista de aviação de Bafatá], natural de Pousos, Leiria, e hoje professor reformado em Setúbal, teve a gentileza de me mandar em tempos uma selecção dos seus slides, digitalizados,  através do ex-Fur Mil Pel Rec Inf, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), Benjamim Durães, seu vizinho (vive em Palmela)... 


Já aqui publicámos dezenas deles, magníficas imagens de Bambadinca, do Xime, de Mansambo, do Xitole, do Saltinho, enfim, da zona leste, da CCAÇ 12 (a que ele e eu pertencíamos), etc. 


Hoje, em dia de anos de uma camarada da FAP, o António Martins de Matos, selecionámos mais umas tantas tendo por tema as "gloriosas máquinas voadores" da Força Aérea... com que os infantes sonhavam quanto mais não fosse para: (i) ver a Guiné do ar (ou de pernas para o ar);  (ii) dar um saltinho a Bissau; (iii) apanhar uma boleia até Bissalanca, para apanhar o avião da TAP no gozo das tão desejadas férias na Metrópole (para quem se podia dar a esse luxo...).  


Claro que estas máquinas (Dakota, T6, DO 27, heli Al III, etc.) tinham outras funções mais importantes, a nível de defesa e de ataque, de transporte de tropas, de material de guerra,  de víveres, de apoio operacional,  de evacuações, etc.

Algumas imagens são de Bambadinca (heli, DO 27), outras de Bafatá (Dakota, T6)... Não sei se há alguma de Bissalanca, sítio onde nunca  pus o meu joanete. Fica aqui a nossa homenagem aos camaradas da Tabanca Grande que pertenceram à FAP (dos pilotos aos mecânicos), e em especial ao nosso aniversariante, o António Martins de Matos. Pena é que não tenha nenhuma imagem do Fiat G-91 em que ele era um ás (ele e o nosso Miguel Pessoa)... e deu á volta aos Strelas (de que no meu tempo e do Arlindo Roda, 1969/71, ainda não se ouviam sequer falar). (LG)


Fotos: © Arlindo T. Roda (2010). Direitos reservados

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Nota do editor: