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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7645: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (15): Uma ida aos Nhabijões, com o coração cheio de lembranças da CCaç 12

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,


Prestes a findar a Operação Tangomau, abraço os camaradas da CCaç 12 com quem tive o privilégio de conviver.


Fui aos Nhabijões, informo quem lá habitou ou calcorreou aqueles lugares e viu nascer o reordenamento que há grandes mudanças, felizmente sente-se ali um viver com mais qualidade que no Bambadincazinho, por exemplo.


Peço desculpa pelo material dos Nhabijões não ser o mais elucidativo, já eram 5 horas, lutava contra o tempo e queria assistir ao pôr-do-sol no Bairro Joli. Mas às vezes a intenção é tudo.


Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (15)

Beja Santos

Destes Nhabijões de sangue, suor e lágrimas

1. As instruções que o Tangomau dá a Lânsana Sori são muito simples: lá em baixo no Bambadincazinho viramos à esquerda como se fôssemos para Amedalai, muito antes inflectimos para os Nhabijões, vamos só visitar o Nhabijão Mandinga. Irei recordar gente que sofreu, inopinadamente. A motocicleta lança-se no chão alcatroado, alguns quilómetros à frente avistam-se os ciclistas da região com quem se esteve a confraternizar, concretamente Sadjo Seidi, Califo Djau e Zé Finete. Novos abraços, responde-se às perguntas sobre esta presença inusitada, para eles é insólito que o Tangomau visite os Nhabijões, mesmo sendo certo e sabido que toda este território foi calcorreado até às bolanhas de Samba Silate. Como abreviadamente se conta.

Desde Missirá que se sabia que os guerrilheiros de Madina e Belel também utilizavam a cambança do Geba nestes pontos, não era só a região de Mero, em frente a Finete. Por duas vezes se tinham destruído canoas na orla do Cuor, uma vez na orla dos Nhabijões. Aqui também chegavam civis e militares afectos ao PAIGC, vindos do Buruntoni e locais afins. Os povos guineenses estavam divididos mas não se denunciavam, sobretudo quando vinham desarmados e disfarçados percorriam o quartel de Bambadinca, iam às compras e obtinham informações.

Depois veio o reordenamento dos Nhabijões, por ali o Tangomau andou com o pelotão ou deixava secções para a chamada protecção das populações, a partir de Novembro de 1969. Foi um reordenamento de vulto, dos maiores que se fizeram na Guiné: seis grandes tabancas foram construídas de raiz, com saneamento básico, escola, mesquita. À margem desse reordenamento, impunha-se policiar Samba Silate, era provavelmente a grande tabanca antes da guerra, depois deu-se a diáspora, uma parte importante foi para a guerrilha, outra derramou-se por territórios beafadas, Bambadinca e Bambadincazinho, Badora e Cossé.

Policiava-se a partir dos Nhabijões à procura de canoas e subia-se até a Amedalai. Esta era a lembrança que o Tangomau retivera, depois de regressado, em 1970. Refizera a vida e adestrara as emoções para ficar longe desse passado recente. Mas em [13 de Janeiro de] 1971 alguém lhe trouxe uma notícia infausta: houve uma mina nos Nhabijões, matou o soldado condutor Soares e feriu alguns mais, até com gravidade. Ora o soldado Soares, por força das actividades de recoveiro exercidas pelo Tangomau e sua tropa, levava-o e trazia-o por itinerários como Madina Bonco, Galomaro, Bafatá, Ponte de Udunduma, Madina Xaquili, coisas assim. Dava para conversar, cedo se apurou que o Soares era temperado, curioso e de trato irrepreensível.

Quando foi derrubado pela notícia da sua morte, o Tangomau fixou-se para todo o sempre nas leituras do condutor Soares, eram obras simples como A Peregrinação contada às crianças, romances de Júlio Dinis, sínteses da Eneida e da Odisseia. Sobre este formidável sinistro está tudo dito e redito no blogue, não se levam flores, leva-se a memória até esse caminho que mudou a vida de pessoas.



2. No passado, saia-se de Bambadinca e por caminhos sinuosos, qualquer coisa como 3 quilómetros entrava no Nhabijão Mandinga, daí passava-se para o Nhabijão Mancanha, inflectia-se à esquerda para Nhibajão Bulobate, daqui para o Imbume, depois o Bedinca e finalmente o Cau, curiosamente quem olha para o mapa, serpenteiam a rica bolanha de Samba Silate até à orla do Geba estreito.

Agora a viagem é diferente, ampliou-se o velho trilho antes de Amedalai, perto do rio Udunduma, é uma linha recta flanqueada por cajus e cabaceiras. Não é bonito nem feio, o que importa é a hora do dia, o sombreado cor de ouro, as pessoas que vão e vêm, sempre a acenar e sorridentes. E súbito, o Tangomau volta 40 anos atrás, ali está uma casa do seu tempo, muito provavelmente são as chapas ali colocadas no tempo em que o governador assistiu à inauguração. Percorrem-se vielas e travessas, sim, confirma-se que há metamorfoses mas há muitos sinais do passado. É nisto que se juntam populares, o Tangomau dá explicações, um ajuntamento ruidoso persegue-o entre o mundo de ontem e o que se construiu depois.



3. Em 1969, vimos plantar este arvoredo, estas são as casas desse tempo e quando não são guardam a lógica do reordenamento. O fundamental é que os guias perceberam que a visita incide sobre a memória do lugar, primeiro, e já se questionou onde fica a velha estrada, é importante ir ao local exacto onde se deu a deflagração e onde gente companheira experimentou um grande sofrimento.

Vão-se fazendo perguntas, há ali construções novas, cooperativas, unidades de saúde, infra-estruturas suportadas por ONG e até por missões. É o caso desta imagem, ali há muita actividade, ensina-se empreendedorismo, desenvolvimento rural,  ensina-se artesanato e algo mais. Que bom apontar-se para o futuro, para o trabalho e para o desenvolvimento humano. Tira fotografia!



4. Deste local, junto à estrada, vamos a pé, em comitiva, vamos mudar de rumo, à procura da velha estrada, onde tudo aconteceu. Sim, há boas diferenças, Lânsana Sori no regresso percorrerá esta estrada até chegarmos, por portas e travessas, ao antigo quartel.

Os Nhabijões cresceram, são o subúrbio do Bambadincazinho, mas aqui há agricultura florescente e já foi dito que a pesca traz bons alimentos. E dois quilómetros à frente, alguém exclama em voz alta: “Aqui foi mina, rebentou aqui e rebentou quando veio atrás!”. Alguém se acocora e aponta, o Tangomau, como é uso e costume, brada: “Não te mexas, o pessoal da CCaç 12 vai recordar esses momentos de aflição”. Terá sido este o local onde deixou de viver um jovem que sonhava com a família e que lia adaptações de João de Barros e António Sérgio. E o Tangomau curvou-se respeitosamente perante essa memória.




5. Aqui, segundo a descrição de quem guia o Tangomau, o Unimog terá recuado, alguém mostra a pedra chamuscada, fez-se clareira com a nova explosão, não interessa exactamente o que aconteceu, está tudo registado e é até muito provável que não tenha sido exactamente assim. O que comove o Tangomau é o afã dos seus acompanhantes, a sua expressão, imitam sons das explosões, é genuína aquela procura de reproduzir os pontos exactos onde o drama aconteceu. Alguém aponta para esse local onde a viatura voltou a explodir.

Nova imagem, se não foi exactamente assim o Luís Graça que reponha a verdade, pode ser que se esteja a descrever tudo ao contrário, não sei veio aqui com intuitos de cronista, é tudo lembrança, o Tangomau até ultimamente se tem encontrado com o Marques, que tanto penou com este acidente. Coisa estranha, o Tangomau lembra os camaradas de quarto, um tal Francisco Magalhães Moreira, que vive em Santo Tirso, um tal Abel Rodrigues, que vive em Miranda do Douro, lembra operações, colunas, fainas um pouco mais banais, perigos em comum. E capta imagem, lembrando todos, como se dessa explosão tivesse resultado mais estima.




6. Olha, diz um dos guias, aqui ficou tudo chamuscado, um meu pai contou-me que havia uma grande cratera, tapou-se, agora o mato esconde tudo. Alguém mais repara que aqui já o Unimog era um destroço, corpos à deriva, gritos de espanto e de pavor.

É nisto que o Tangomau se lembrou de um poema de Sebastião da Gama intitulado Cristo, e de forma avulsa, ajuntou alguns versos para recordar o soldado condutor Soares: “Ó meu Jesus heróico, / meu Capitão, afasta / com Tua mão direita, / afasta a Morte, afasta-a, / que ainda não a mereço (…) Era de tarde. O Vento / dava nas ervas, punha-as / de rastros, humilhadas. / Jesus passou. / -: Ergui-me.”.

Desculpa lá, ó Soares, desculpe lá ó Marques, foi o que me veio à cabeça, talvez não tenha jeito nenhum, mas é o que eu queria dar em preito à malta da CCaç 12. [Sobre uma segunda mina, duas horas depois da que matou o Soares, leia-se o poema de L.G. > Blogpoesia > À uma e meia da tarde, na estrada de Nhabijões-Bambadinca]



7.  A visita está concluída, depois desta homenagem singela. Caminha-se para o lusco-fusco, Lânsana promete um passeio de regresso com algumas surpresas. Tira-se a última fotografia dentro do Nhabijão Mandinga, pena foi não ter havido oportunidade para andar dentro da bolanha e fazer de Samba Silate o árduo caminho até Amedalai.

Felizmente que as viagens se recomeçam, para tanto basta que a curiosidade coexista com a vontade de regressar a esta terra bem-amada. Aí o José Saramago tem toda a razão: o que se vê de dia, com chuva, não é o que se vê noutro dia, ensolarado; e o que se vê em Março não é o que se vê em Setembro, e por aí adiante. Acresce que o Tangomau teve o privilégio de conhecer esta natureza em todos os segundos do dia, com chuva torrencial, com o pó a esquentar os pulmões, com o céu de chumbo dos tornados, as noites esbraseadas no auge da época seca. E à saída do Nhabijão, ele diz para si, sem que ninguém oiça: até breve, prometo voltar.



8. Sabe-se lá quando voltará o Tangomau ao Bairro Joli. A motocicleta vai à desfilada e é nisto que se apanha a última luz do dia. É que grande dia este 28 de Novembro de 2010! Primeiro a confraternização, aquela beleza, aquela ternura do Tangomau poder abraçar os seus bravos. E depois os Nhabijões.

Durante décadas, ninguém quis, nas artes plásticas, registar as nossas condições de guerra. Foi nesse contexto de indiferença que um dia um grande pintor, Manuel Botelho, se atirou à captação das guerras. Recorreu e recorre frequentemente às coisas do blogue. Hoje é o último dia em Bambadinca. Saudemos em primeiro lugar o pôr-do-sol, aquele momento derradeiro que o Tangomau nunca esqueceu. E depois mostre-se a imagem que o Manuel Botelho gravou da grande tragédia dos Nhabijões.

Entretanto, hoje é jantar de despedida, a visita bem importunou esta família do Bairro Joli, amanhã, está prometido, Fodé e Calilo Dahaba aparecerão pelas 8 da manhã. Iremos no carro de combate para a última jornada do Tangomau, em Bissau.



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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7640: Notas de leitura (191): Intervenção Rural Integrada, a experiência do norte da Guiné-Bissau, de Mamadu Jao (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 15 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7618: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (14): Aquele domingo de festa no Bambadincazinho

domingo, 8 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3997: Agenda cultural (3): O pintor Manuel Botelho no semanário "Sol". V. Briote
























Manuel Botelho na oficina.


A Arte da Guerra

por Manuel Botelho



Manuel Botelho, no semanário Sol. Revista “Tabu”, 28 de Fevereiro de 2009
Em Setembro de 2006, dirigiu-se ao Museu Militar. Recebido “calorosamente” pelo director, o Coronel Ribeiro de Faria, expôs o que o lá levava: fotografar tudo o que pudesse sobre o tema da Guerra.
Teve acesso às armas (“às tantas, o chão estava coberto delas”), e foi-lhe disponibilizada uma sala para trabalhar.
O seu local de trabalho foi ali, no Museu, até Novembro de 2007.
Fotografou G-3 e Kalashs, FNs e Mausers. Vestiu-se de soldado, encenou situações de guerra, num cenário de terra e plantas secas. Para compor o cenário, percorreu a feira da Ladra, à procura de camuflados, facas de mato, cantis..
Depois de expor o seu trabalho em três locais, Manuel Botelho continuou a aprofundar a temática da Guerra na sua casa, em S. Pedro do Estoril.
 
"A terra, ao contrário da nossa, é vermelha viva, cor de tijolo, a erva de um vermelho profundo..."

"Estou farto da cor verde: fardas verdes, viaturas verdes, paisagem verde, aviões verdes, camuflados verdes, tudo verde. A água dos autoclismos é verde limosa. A urina e o ranho são esverdeados, até o vinho é verde. As casernas são verdes também. E as portas e janelas. E o lado de dentro das paredes..."

Despedida ou reencontro?

Manuel Botelho inaugurou a 1ª exposição, a que deu o nome “Aerogramas”, no passado dia 7, no Porto, na Galeria Fernando Santos.

“São desenhos para olhar, mas também para ler – incluem excertos de depoimentos e correspondência de onde sobressai a presença ou o discurso feminino, visto tratar-se de mensagens trocadas entre os militares e suas mães, namoradas, mulheres ou madrinhas de guerra.”

“Madrinha de Guerra” é o título da 2ª exposição de fotografia a inaugurar no dia 14, no Centro Cultural de Lagos.
__________

Notas de vb:

1. Texto e fotos extraídos da Revista, semanário "Sol", de 28 de Fevereiro de 2009. Coma vénia devida aos autores.

2. Artigo referido em
6 Março 2009 > Guiné 63/74 - P3989: Agenda cultural (2): O pintor Manuel Botelho expõe no Porto e homenageia o malogrado Sold Cond Soares, da CCAÇ 12 (Beja Santos)
.

Texto de Vladimiro Nunes e fotografias de António Pedro Santos.

“Manuel Botelho ganhou renome a desenhar e a pintar, mas para fazer arte com a guerra colonial, precisou do realismo da fotografia.”

“Nasci em 1950 e a guerra começou quando eu tinha 11 anos. Aos 12 ainda não tinha acabado, aos 13 também não, nem aos 14, aos 15, aos 16…O tempo ia passando, a guerra nunca mais acabava e eu vivia no terror do que ia acontecer quando fosse mobilizado. Só não fui porque estava a acabar o curso de arquitectura e tive a sorte monumental de, entretanto, ter vindo o 25 de Abril. Mas, quase até aos 24 anos, vivi num terror pavoroso de i para a guerra. Foi o pesadelo da minha adolescência”.

Manuel Botelho quis levar mais longe o tema da Guerra, que começara a tratar numa série de desenhos e pinturas que expôs em 2006, na Galeria Lisboa 20.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3989: Agenda cultural (3): O pintor Manuel Botelho expõe no Porto e homenageia o malogrado Sold Cond Soares, da CCAÇ 12 (Beja Santos)

Aguarela do pintor Manuel Botelho > 2008 > Título: "A viatura Unimog era conduzida pelo soldado Soares". Cortesia do autor. Agradecimentos ao Beja Santos que nos fez chegar a imagem.



Galeria Fernando Santos> Espaço 531 > Aerograma (***)

Rua Miguel Bombarda, 5264050 – 379 Porto / Portugal
Tel + 351 22 606 10 90 / Fax + 351 22 606 10 99

Email: geral@galeriafernandosantos.com

Página na Net: http://www.galeriafernandosantos.com/

1. Duas mensagens do nosso camarada Beja Santos, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70):

(i) 5 de Março de 2009:

Luis, o Manuel Botelho tem frequentado assiduamente o nosso blogue, como sabes, aqui se inspira para as suas obras-primas. Adora as fotografias do Humberto Reis, muito justamente. Não tens tido paciência para os meus escritos, mas desta vez peço-te encarecidamente que divulgues esta iniciativa do único grande nome das artes plásticas que vai beber à nossa fonte .Ele é o autor da aguarela onde vemos o Unimog 411 em que morreu o soldado-condutor Soares.

Recebe um abraço do Mário

Comentário de L.G.:

Mário: Já te tinho dito que precisava de tempo para dar um pouco mais de atenção ao teu encarecido pedido... A nossa equipa de editores tem estado um pouco desfalcada, por razões da vida pessoal de uns ou da saúde de outros... Estando a meio gás, não é possível dar imediata resposta a todos os pedidos dos camaradas e amigos da Guiné. E depois há que definir prioridades em termos editoriais.

Como te prometi, não te esqueci nem te podia esquecer, a ti, ao Botelho e ao Soares. Dá um grande abraço ao teu amigo pintor. Diz-lhe que ficamos sensibilizados e agradecidos por ele, como artista plástico, saber e poder encontrar motivos de inspiração no nosso blogue e na fotogaleria do Humberto Reis. A malta de Bambadinca do nosso tempo, e em especial os camaradas da CCAÇ 12, sentem-se honrados por esta justa homenagem à memória do Manuel Soares, morto quase na recta final, a 20 meses de comissão... à saída do reordenamento de
Nhabijões (entre Bambadinca e o Xime).

Não sei se sabes (já estavas em Lisboa nessa altura), nesse dia o meu relógio parou às 13h3O no mesmo local onde o pobre do Soares encontrara a morte duas horas antes. Havia uma segunda mina anticarro à espera do pelotão de intervenção em que eu estava integrado. Voei literalmente numa velha GMC. Nunca mais consegui esquecer esse e outros dias negros... Foi um dia trágico, esse 13 de Janeiro de 1970 (*).

Boa sorte para a exposição no Porto. Vamos convidar a nossa malta (e em especial a da Tabanca de Matosinhos) a dar lá um salto à Galeria Fernando Santos. O Soares era nortenho, de Oliveira de Azeméis.


Um Alfa Bravo. Luís

(ii) 27 de Janeiro de 2009:

Luís, esta obra de arte [vd. imagem acima] envolve um acontecimento doloroso, a mina nos Nhabijões que vitimou mortalmente o nosso querido Soares e feriu vários camaradas teus (*).

O pintor Manuel Botelho, de quem sou profundo amigo, realizou uma exposição de fotografia no Museu da Electricidade, em 2008, que teve a singularidade de versar ambientes ficcionados da Guerra Colonial (**). Aqui há uns meses convidou-me a ir ao seu estúdio ver os trabalhos que irá expor nas suas próximas exposições. Uma tem a ver novamente com fotografia, outra prende-se com aguarelas baseadas em temas da guerra.

Comoveu-me profundamente esta obra de arte derivada de uma fotografia que vem no Tigre Vadio e cujo autor é o nosso extremoso Humberto Reis. Pedi licença ao Manuel Botelho para publicarmos em primeira-mão esta imagem de um Unimog 411 destroçado. Estou comovido por sermos dignos da atenção de um grande pintor português, o querido Soares passa assim à posteridade nas artes plásticas.

Mas estou também comovido por que ele é um dos mortos da CCaç 12, camaradas de tantas andanças.

Recebe um grande abraço do Mário


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Notas de L.G.:

(*) Mário: froam duas minas, com um intervalo de duas horas... Manuel da Costa Soares, "morto na sequência de ferimentos em combate por rebentamento de uma mina em Nhabijões" [ou melhor, teve morte instantânea], no dia 13 de Janeiro de 1971, às 11h25, aos 20 meses de comissão... Era natural de Oliveira de Azeméis, concelho que perdeu doze filhos só no TO da Guiné. Era Sold Cond Auto da CCAÇ 2590, mais tarde CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971).

Vd. os seguintes postes:

13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3451: O Nosso Livro de Visitas (43): A. Almeida da Liga dos Combatentes de Oliveira de Azeméis

19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2454: PAIGC - Instrução, táctica e logística (8): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VIII Parte): Minas III (A. Marques Lopes)

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)

(...) "O dia 13 seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos:

"(i) Às 5.45h o 1º Gr Comb detectou, durante a batida à região de Ponta Coli, vestígios dum grupo IN de 20 elementos, vindos em acção de reconhecimento aos trabalhos da TECNIL na estrada Bambadinca-Xime e locais de instalação das NT.

"(ii) Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C. O condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf Mil Moreira], 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917).

"(iii) Imediatamente alertadas as NT em Bambadinca, o Gr Comb de intervenção (4º, CCAÇ 12) recebeu a missão de seguir para o local a fim de fazer o reconhecimento da zona, enquanto outras forças acorriam a socorrer os sinistrados.

"Ao chegar junto da viatura minada, o Cmdt do 4° Gr Comb [Alf Mil Rodrigues] deixou duas praças a fazer a pesquisa, na estrada e imediações, de outros possíveis engenhos explosivos, no que foram apoiados por alguns elementos do destacamento, seguindo depois uma pista de peugadas recentes, detectadas nas proximidades, e que se dirigiam para a orla da mata.

"Aqui, a 50 metros da estrada, atrás duma árvore incrustada num baga-baga, encontraram-se vestígios muito recentes. Seguindo os rastos através da mata, foi dar-se à antiga tabanca de Imbumbe [um dos cinco núcleos populacionais de Nhabijões, agora transferidos para o reordenamento], mas nas proximidades do reordenamento (Bolubate) aqueles passaram a confundir-se com os do pessoal que trabalha na bolanha.

"(iv) Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur Mil Marques e Henriques] , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.

"Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf Mil Rodrigues, o Sold Trms Pereira e os Sold Cherno e Samba" (...).

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

(...) "E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca" (...).

(**) 23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2875: Agenda Cultural (1): A Guerra Colonial na Pintura, Cinema e Literatura.

(***) Vd. Recortes de imprensa (Público > Guia do lazer > Exposições)

Aerograma

Depois de três grandes séries fotográficas dedicadas à Guerra Colonial, Manuel Botelho regressa ao desenho, sobre o mesmo tema. Até 14 de Abril na Galeria Fernando Santos, no Porto.

"Aerogramas" eram mensagens, cartas trocadas entre militares em serviço em Angola, Guiné e Moçambique e as respectivas mães, namoradas, esposas e madrinhas de guerra. Os desenhos desta nova série de Manuel Botelho (n.1950, Lisboa) conjugam texto e imagem - lemos excertos de "aerogramas" originais, como por exemplo, "casei-me pelo civil com uma fotografia que estava em cima da mesa".

Em 2008, Botelho apresentou em três locais distintos, na Lisboa 20 Arte Contemporânea, no Museu de Arte Contemporânea de Elvas e na Fundação EDP, uma extensa série de fotografias sobre a Guerra Colonial.