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quinta-feira, 12 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2931: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (2): Da solidão de pides, padres, administradores, mascotes...


Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Um pobre babuíno, acorrentado, mais conhecido como macaco-cão (sanjiu, segundo o Alberto Branquinho - e não sancu -, termo crioulo para macaco, provavelmente do francês singe) (1).

Em muitos dos nossos aquartelamentos e destacamentos, havia um Zeca Babuíno, mascote das NT, como este que aqui se evoca, numa estória em que se fala das nossas misérias e grandezas em tempo de guerra, da solidão dos pides e das suas esposas oficiais, dos missionários italianos e dos capelães franciscanos e das suas bajudas de mama firme, dos administradores caboverdianos e seus cipaios, sem esquecer as NT e as suas mascotes... (LG).

Foto: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados

1. Texto enviado, em 9 de Junho, pelo Alberto Branquinho, que foi alferes miliciano na CART 1689 (1967/69), tendo passado por Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá:


Luis Graça:

Obrigado pela atenção dispensada. Aí vai o nº 2 do... UMBIGO (1).

Quanto à MINHA fotografia [para a fotogaleria do nosso blogue], ainda não escolhi. Já pensei enviar uma do MEU casamento, mas o MEU casamento não teve o charme de um casamento à distância, na MINHA ausência representado pelo MEU procurador, desempenhando as MINHAS funções in situ.

Um abraço

Alberto Branquinho

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NÃO VENHO FALAR DE MIM... NEM DO MEU UMBIGO (2) > NOTAS SOBRE UM LUGAR E ALGUMAS FIGURAS


No lugar da guerra havia lugares e lugares. Com muito em comum, mas, também, diversos.

Este lugar de que venho falar era maior que o habitual. Tinha uma povoação (atenção, não era “população”) com casas de pedra (ou de tijolo) quase encostada ao arame farpado. Antes da guerra era um entreposto para recolha e saída dos produtos da terra.

Todos os lugares tinham as suas figuras e figurantes, fixados ou de passagem, com mais ou menos capacidade de intervenção, que iam desempenhando o seu papel no palco da vida (e da morte).

Havia um PIDE, mais propriamente, um agente da Polícia Internacional e de Defesa do Estado.

O PIDE estava instalado numa casa junto ao arame farpado do quartel e tinha uma mulher. Ter uma mulher era vulgar. Muitos tinham, também, mulher. Se não oficialmente, pelo menos oficiosamente. No caso do PIDE era a mulher oficial e estava ali naquela casa. Isso era proibido aos militares. Naquele lugar um tanto ou quanto perigoso.

Além disso, o PIDE tinha muitos informadores. Pagava-lhes para trazerem novas sobre as movimentações e intenções da insurreição política. Para ele tratava-se de insurreição política. Para os militares, se havia insurreição, era armada.

Além disso, o PIDE tinha antenas altas. Não era dessas. Eram mesmo antenas de comunicações. Telecomunicações, como agora se diz. Tinha, também, antenas horizontais, que ligavam as tais antenas altas à torre da igreja (das Missões). E, assim, falava com Bissau, ou com Lisboa, passando uma tangente sobre Bissau.

Quando, durante um ataque ao quartel, rebentou uma granada de canhão contra o muro da casa que ocupava, concluiu que a guerra também era com ele. A mulher quase abortou. Saiu em helicóptero e, creio, nunca mais voltou. O PIDE, sòzinho, passou a andar mais fora de portas, procurando o convívio com os militares. ( Os polícias também sofrem de solidão !).

Havia, também, um Oficial de Informações do Batalhão, que andava irritado por duas razões:

(i) porque o PIDE tinha mais informadores e, portanto, mais informações;

ii) porque o PIDE tinha mais antenas que ele e mais altas.

Quando o PIDE lhe aparecia com salameleques e fingindo trazer-lhe informações importantes (que eram os restos das que tinha já transmitido pelas antenas), o Oficial de Informações tratava-o “por cima da burra” (apesar de nesse tempo não haver burros na Guiné) e não o convidava para um whiskey no bar. Aí o PIDE procurava atracação nos oficiais menores (milicianos), mas estes assobiavam para o lado.
- Então e o chefe de posto ? – pergunta do fundo do subconsciente uma voz em off, interpelando o escriba.
- Ah, pois. O chefe de posto....Qual chefe de posto ?

Era Administrador Colonial, depois caiu o “Colonial” e passou a ser só Administrador. (Se era também Executivo não sei, mas não seria). Ocupava uma casa grande, solene, com gradeamento metálico de um verde debotado, estilo colonial, ao cimo de um grande largo com muitas árvores e que, nos tempos em que estaria tratado e limpo, teria sido agradável. Era caboverdiano, como era habitual. Tomava um porte solene e respeitável. Tinha ao seu serviço cipaios, vestidos de camisa e calção caqui, armados de Mausers, tendo no topo um chapéu colonial, igual ao que é usado nos safaris, porque safari sem aquele chapéu não é safari.

De vez em quando visitava o Comandante do Batalhão, que o recebia e que, enfadado, o acompanhava à porta.

Depois, havia um padre (italiano?), que falava assim para o esquisito. Mas só aparecia depois das “monções” [mnpo da chuva] e por pouco tempo. Dizia-se que estranhou as antenas do PIDE na torre da igreja, mas acabou por se contemporizar, como acontece sempre nas relações entre a Igreja e o Estado. Constava que também recolhia informações, mas em sentido contrário, pois dizia-se que andava em “contramão”.

O outro padre era franciscano, capelão voluntário. Liberto do hábito sentia-se livre como um passarinho. Só duas coisas o incomodavam: a boina e os soldados com as mãos nas mamas das “bajudas”, apertando assim como se apertavam as buzinas de borracha das bicicletas do antigamente. Em vez do barulho roufenho das buzinas, ouvia-se:
- Mama firme, mama firmada !

Triste foi vê-lo constatar que havia realidades bem mais cruas e que passaram a incomodá-lo muito mais. Fez-lhe bem e... fez-lhe mal. Mudou, mudou muito e no final... mudou-se para outra associação.

Havia mais, havia mais, muito mais. Havia, por exemplo, um alferes que sabia fazer contas e que tinha adoptado um macaco-cão, cuja principal divertimento era passear pela mesa de jantar já em mise-en-place, mijando sobre a fileira de pratos (sem derrubar os copos). Não entendiam que aquele acto tão simples significava grande apreciação pela organização do tampo da mesa e que, desse modo, demarcava o seu próprio território. Quando o alferes estava ocupado a fazer contas, o Zeca Babuíno era zurzido de pancada. Fugia choroso e a gritar de desespero para os ramos do mangueiro próximo. Se o alferes estava presente (embora “ausente”, como era seu costume), o Zeca chorava abraçado ao seu pescoço e depois entrava-lhe para dentro da camisa, chorando e aninhando-se-lhe no peito.

A concluir: É óbvio que, com tanta gente a querer mandar ou (como mais recentemente se diz) pretendendo ter “poderes executivos”, parecerá que seria difícil determinar quem era “aquel qui na manda” naquele espaço territorial. Não, não era.

Tomando como exemplo a acção do Zeca Babuíno, que tentava demarcar o seu território mijando ao longo das fronteiras que desejava e que, vendo bem, até eram aceitáveis (quanto à sua dimensão...), não conseguia conservar o território demarcado. Quem manda é quem tem armas e tropas. O Zeca, para além de não ter garras nem chifres, só tinha como aliado um alferes armado de canetas e lápis. Portanto...

Alberto Branquinho

Ex-Alf. Mil Op Esp
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Nota de LG:

(1) Vd. poste de 30 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2903: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (1): Palavras e expressões do crioulo

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2903: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (1): Palavras e expressões do crioulo


1. Mensagem do Alberto Branquinho, que foi alferes miliciano na CART 1689 (1967/69), tendo passado por Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá (1).

Com este gesto e esta colaboração, que há que saudar, o nosso camarada Alberto Branquinho, jurista de formação, irmão de um outro Branquinho, o António (que foi Fur Mil, no Pel Caç Nat 63, ao tempo do Jorge Cabral, 1969/71) (2),fica automaticamente ligado à nossa Tabanca Grande. Camarada: não querendo falares de ti (nem do teu umbigo), ficas com a liberdade de nos mandar umas fotos tuas para o nosso álbum...E esperaremos conhecer-te pessoalmente num próximo encontro. Até lá, obrigado, pelas tuas eruditas e interessantes reflexões sobre algumas palavras e expressões do crioulo guineense que nós utilizávamos/utilizamos, nem sempre com a devida propriedade e rigor... Espero que alguns dos nossos camaradas e amigos (o Mário Dias, o Pepito, o Leopoldo Amado...), que conhecem e falam bem o crioulo da Guiné-Bissau (mas também os que o arranham, como o Zé Teixeira...), também possam dar o seu contributo... (LG).

Caro Luis Graça:

Proponho-me escrever (sob o título que vai no anexo a este mail) àcerca de assuntos e acontecimentos relacionados com a minha experiência na Guiné, mas nunca sendo eu o centro ou o tema.

Para o primeiro tinha coligido um conjunto de palavras do crioulo guineense. Depois vi que constavam já do léxico que está no blogue, à esquerda. De qualquer modo, é esse o tema que vai junto.

Um abraço
Alberto Branquinho


1. Nova série: Não quero falar de mim... nem do meu umbigo (1) > Palavras e expressões do crioulo da Guiné

por Alberto Branquinho


Decidi respigar da minha memória palavras e expressões do crioulo da Guiné, procurando encontrar a origem ou explicação para elas. Se quanto a algumas a sua origem é óbvia, por ser fácil detectar a palavra de onde provêm, quanto a outras é um mistério, o que as torna interessantes.

O crioulo cabo-verdeano, embora semelhante, é substancialmente diferente e, além disso, difere, também, entre os grupos de ilhas.

Ao confrontar essa lista de palavras e expressões com as do léxico da coluna da esquerda no blogue, verifiquei que, afinal, estavam lá todas. Tenho, no entanto, comentários quanto a algumas delas.

Haverá obra(s) de linguística sobre o crioulo guineense ? Se alguém souber ou desejar, comente e acrescente p.f., porque a mim cá sibe ( como disse Diana Andringa, em jeito de despedida, nas vésperas do último 25 de Abril, depois da projecção de As duas faces da guerra no Malaposta, ao Senhor Roubado).
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ASSIM:


a) Abo – você, tu

Tal como quando o próprio se refere a si mesmo diz A mim (eu), também, quando se dirige ao seu interloctor deveria escrever-se A bô, isto é, não só separando o “a” de “bô” como acentuando, com acento circunflexo, o “bô”, visto que o som do “o” é fechado.

E, já agora, uma questão: a palavra não será a adaptação crioula do francês “vous” ?


b) Bianda – comida, arroz...

Qual será a origem desta palavra ?

Temos, do francês, “viande” – carne, mas ao balaio de arroz cozido não era habitual juntar carne, mas sim peixe, peixe seco. As refeições eram tomadas no grupo familiar, sentados nas esteiras, em círculo, fazendo uma mistura em bolinhas, tendo como base o arroz, comidas à mão.

Tenho para mim que, observando a maneira de comer e de apresentar os alimentos, observação acompanhada de um sentimento pejorativo (ia dizer racista ). Os primeiros portugueses terão desighado “tudo aquilo” por vianda – comida para porcos. Ao verem que o “branco” assim a nomeava, terão concluido que “comida” seria designada por “vianda”.


c) Cibe– palmeira...

Sempre ouvi chamar-lhe "cibo” e não “cibe”.

Atenda-se a que o tronco das palmeiras era partido em pedaços e assim utilizados. Em Trás-os-Montes existe a palavra cibo, que vem da palavra latina “cibus,i “, que significa pedaço. Exemplos: “Um cibo de pão”, “um cibo de presunto”.

Será esta a origem ?


d) - não

Exemplos; “ Galinha cá tem”, “ A mim cá sibe”.

Avento uma hipótese – aqui entre nós, em Portugal, quando alguém quer afastar alguém que o importuna com perguntas e mais perguntas, enfadado responde; “ Eu sei cá !“

Quero aproveitar, ao falar da palavra crioula “cá”, falar de outra palavra – “na”- que os periquitos entendiam como ”não”. Pode traduzir-se por “mesmo”. Ex., “A mim na bai”, que, em contraposição “A mim bai”, enfatiza a decisão de “ir”, mesmo contra todas as dificuldades.

Assim, tomou a decisão de ir: “A mim bai.”

Tomou a decisão de ir, mesmo apesar das dificuldades: “A mim na bai”.


e) Djubi – olha !

É minha opinião que a palavra “djubi”, como vocativo, poderá ser traduzida por "Olha!", mas só quando dirigida a um rapaz, pois sempre entendi que é a palavra do crioulo correspondente a "jovem".

f) Goss-goss - depressa

Tenho pensado muitas vezes sobre a origem desta expressão. Será a assimilação pelo crioulo do som que se faz, entre dentes, ao atiçar os cães, incentivando-os a correr – guesse, guesse, guesse... ?

Um exemplo engraçado que ouvi da utilização da expressão: “ Alfero, a mim bai na goss-goss, corpo todo stá mojado, bala num entra “.


g) Macaréu – vaga impetuosa...

Não é, propriamente, uma palavra crioula. Em Portugal não há macaréu com aquela força. Na Guiné tem aquela impetuosidade devido, também, à ausência de relevo e é a
causa da salinidade dos rios até ao interior do País.

Havia, nos princípios do século XX, um fenómeno inverso no Rio Douro, quando não tinha barragens (movimentos brutais de água de montante para juzante em épocas de chuva e degelo) – a rebofa. Seria um movimento de águas fundamental para provocar o final de um outro macar...éu que nunca mais acaba.

No Brasil chamam-lhe pororoca.

h) Manga de ronco – sucesso militar

Traduzir Misti – querer ou manga di ronco por sucesso militar é muito redutivo. Ronco é todo o acontecimento, atitude, postura, efeito, que, pela sua grandeza e excepcionalidade, se torna grandemente apreciado e aplaudido. Exemplos: as mulheres vestem os seus trajes mais coloridos e garridos, uma festa de estrondo, a chegada ou a passagem de um conjunto de peças de artilharia, a marcha de uma grande quantidade de tropas acompanhadas de fanfarra, etc..

A propósito – Qual será a razão da expressão "manga de" , transmitindo a ideia de grande quantidade de qualquer coisa ou seja muito/a ? Exemplos: ”manga di patacão”, “manga di pessoal”, “manga di porada”. Será que a ideia de muito, traduzida em “manga de”, vem da associação ao número de colheitas que os mangueiros (- mangas) têm em cada por ano ? Assim, “manga de” seria tal como... a quantidade de mangas que nós temos.

i) Misti - querer...

“Misti” ou “misst” ? Parece-me, pelo som que recordo, que a segunda grafia será mais correcta.

Gostaria saber qual a proveniência desta simpática palavra.


j) Partir – dar

A sabedoria é grande. Habitualmente quem dá não dá tudo, dá parte e, muitas vezes, o acto de dar é precedido do acto de partir, arrancar áquilo que temos o pedaço que vamos dar.


l) Sancu – macaco

Peço desculpa por corrigir. Da minha experiência, a grafia da palavra deve ser “sanjiu”, em que o “j” é pronunciado como em “bajuda” (em crioulo). E não tenho dúvidas, neste caso, porque a associei imediatamente a “singe”, macaco em francês.

m) Suma – como, igual

“Suma” – semelhante.

Ser a corruptela/contracção de semelhante é difícl de imaginar e muito menos de aceitar. Suma em Português nada tem a ver com a ideia que a palavra transmite em crioulo guineense.

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Termino como já atrás escrevi – comentem e acrescentem p.f., porque esta é uma matéria muito interessante.

Alberto Branquinho

ex-Alf Mil Op Esp
(sem fita e, como então, sem pena da dita).

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Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2692: Construtores de Gandembel / Balana (3): Nunca falei em protagonismo pessoal, mas sim da CART 1689 (Alberto Branquinho)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2688: Construtores de Gandembel/Balana (1): Op Bola de Bogo, em que participou a CART 1689, a engenharia e outros (Alberto Branquinho)

19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1535: Subsídios para a história da CART 1689, a que pertencia o Belmiro dos Santos João (Vitor Condeço)



(2) Vd. poste de 6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2033: In Memoriam (2): O saudoso Amaral da horta e dos presuntos de Missirá (Jorge Cabral / António Branquinho)