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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P13987: A minha máquina fotográfica (1): (i) da velhíssima Kodak do meu pai à minha Canonet; (ii) da Filmarte (Lisboa) à Foto Íris (Bissau); e (iii) das minhas fotos importantes, a preto e branco (Mário Gaspar, ex-fur mil at art minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

Foto 1 – A muito antiga Kodak do meu pai


Foto 2 – A Minha Canon – Canonet, comprada em Ganturé, a um alf mil da CCAÇ 728.

Fotos: © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



1. Texto, com data de 2 do corrente, do Mário Gaspar [ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]



Sondagem: Máquinas (Fotográficas, Fotografia(s), há 50 anos Atrás...

por Mário Vitorino Gaspar


[, foto à esquerda, em Gadamael, no final da comissão]


Camaradas:

Queria adquirir uma Máquina Fotográfica para substituir a velhíssima Kodak do meu pai – que curiosamente fazia milagres, e sem quaisquer filtros – admirando-se o Fotógrafo que revelava os rolos da nitidez das fotos.

Tirei fantásticas imagens da natureza com a velhinha Kodak – ainda a possuo – e muito jovem tive esta paixão e recordo ainda uma a foto do Carnaval do Estoril; outra numa mesa repleta de copos e um maço de tabaco SG. E aquela de uma bateira do rio Tejo, embarcação usada pelos avieiros, os oriundos de Vieira de Leiria? Por último – e entre outras – a da chaminé da Fábrica do Cimento Tejo, com um fumo ténue (que foi bastante elogiada por fotógrafos amadores de Alhandra, devo-a ainda possuir). Hoje a cimenteira é a Cimpor. Devo ter escondido em qualquer canto a saborosa bateira do Tejo.

Mas sempre gostei das fotografias a preto e branco. Continuo a pensar o mesmo nos dias de hoje.

Quando parti para a Guiné, não levei a velhota Kodak, pensando comprar uma em Bissau – de preferência japonesa, trazida de Macau tal como como os relógios Seiko – que tinham muita procura. Não desembarquei em Bissau, indo logo com bagagem para uma LDM e Batelão BM­‑1. Ficámos espantados, visto julgarmos desembarcar na capital. Seria de esperar um desembarque em Bissau. Deram­‑nos uma maçã, um quarto de pão, uma laranja, um ovo e um destino incerto. Depois de encaixotados avançávamos por via fluvial estreita, o mato quase que nos tocava.

A compra da máquina fotográfica fora adiada. Entretanto em Ganturé comprei uma Canon – Canonet a um Alferes Miliciano de rendição individual da CCAÇ 798 que julgo chamar-se Santarém. O negócio foi efectuado como uma brincadeira. Pus uns patacões na minha mão bem fechada, e disse ao Camarada Alferes que lhe dava toda a "guita" escondida, em troca da dita máquina. Riu e aceitou o desafio. Respondi que nada estava resolvido porque tinha de pagar uma rodada para todos: 2 Alferes Milicianos (um era ele) e três Furriéis Milicianos. Ficou-ma a Canonet em 850 patacões [ pesos]. Possuía um erro de paralaxe, mas como verifiquei na prática o mesmo, não era problema.
A máquina fotográfica era mesmo uma dádiva divina – dos Oficiais e Sargentos – não me recordo de um Praça possuir esse luxo. Mas mesmo estes eram poucos os que as possuíam. Isto na CART 1659, penso não ser generalizado, até pela existência de inúmeras fotos espalhadas em todo o país que relatam a Guerra Colonial nas três frentes.

Enviava para a Metrópole, rolos e rolos para os Laboratórios Fotográficos da Filmarte, em Lisboa. Desapareceram-me dois rolos de 36 fotos cada, praticamente todos tirados no "corredor da morte" e julgo ter sido a PIDE, porque eram documentos que denunciavam uma guerra. Recebi dois rolos em branco. Em Outubro de 1995 vim a ver uma dessas fotos numa Exposição sobre a Guerra Colonial na Fundação Calouste Gulbenkian.

Comecei depois a mandar revelar as fotos em Bissau – Foto Íris ou Laboratórios Íris, em Bissau – não tinham a qualidade da Filmarte, em Lisboa. Sei da existência de Laboratórios improvisados por várias zonas da Guiné. Muita beleza existia naquela terra no "cu do mundo".

Para a Família – fotos enganadoras – calção de banho e sempre vestido para família ver que vivia num paraíso – como se dissesse "Cá tudo bem!"

Pelo Natal de 1967 uma foto tirada a abranger Gadamael Porto entre azevinhos e o emblema da CART 1659, surge escrito: – "Boas Festas e Ano Novo e Muito Feliz". O maravilhoso nascer e pôr de sol; os imponentes embondeiros; as bajudas e aquela mata mortífera que no inferno ampliava de multicores o belo.

A cultura; a diversidade de etnias, o enorme e sonoro batuque e a dança ritmada de mulheres e crianças. A música, sua nostalgia e o seu movimento rítmico, nasceu em África. A máquina fotográfica não cria movimento.

Mas a fotografia possui o dom de mostrar a cor, antes da seca da flor na floresta, é perpétua. A flor seca, a floresta se consome, arde e morre, não é perpétua. O que se passa com a pintura do pincel do artista e a escultura do cinzel, eternos

Em suma: Guiné é África, sinónimo da grandeza de Deus. Sem guerra, bem diferente seria. Iniciei um trabalho na fotografia, mas depois de me roubarem 2 rolos de 36 fotos na Filmarte, perdi o interesse, e foi pena…

Tinha muitas fotos, mas emprestei-as, mas nunca tive apetência pelos slides.


FOTOS IMPORTANTES


Foto 3 – Abandono de Sangonhá e Cacoca a 27 de Julho de 1968

Foto: © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Existe o abandono de Sangonhá e Cacoca e portanto da População Civil a 27 de Julho de 1968. O Brigadeiro António Sebastião Ribeiro de Spínola, que desembarcara em Bissau a 20 de Maio de 1968,  dera ordens para o desmantelamento daquela zona, o que vinha prejudicar profundamente as defesas de Gadamael Porto e Ganturé.

Posteriormente em Gadamael Porto – na hora do almoço – fortes explosões vêm de Sangonhá. Após ter sido chamado ao Comando, chefiei um Grupo de Combate, constituído um Pelotão, Praças "U" e Caçadores Nativos para verificar o que se passara realmente. Fizemos uma batida no aquartelamento abandonado, picámos minuciosamente, existindo fortes possibi­lidades de estar tudo armadilhado, pensei até terem montado um campo de minas. Verificámos o estado em que o mesmo se encontrava. Tudo destruído. O PAIGC destruiu completamente Sangonhá. Mas esperava pior.

A CART 1659 estava no fim da comis­são.



Foto 4 – Apoiámos Guileje – e no Cruzamento de Guileje o PAIGC desandou

Fotos: © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


De 08 a 14 de Abril de 1968 a CART 1659 entrou na Operação Bola de Fogo – Implementação de um aquartelamento no "corredor da morte", "corredor de Guileje". A CART 1659 colaborou promovendo as descargas de todos os rea­bastecimentos e material destinados às forças empenhadas na operação e à montagem do novo aquartelamento. Procedeu ao transporte dos mesmos até Guileje e colaborou, com viaturas e respectivos condutores, em todas as colunas que, de Guileje, se efectuaram para o aquartelamento de Gandembel, cuja localização era impensável, visto estar localizado na fronteira. Estavam quase 24 horas debaixo de fogo.

A CART 1659 apoiou Guileje, quando chamada a colaborar, visto estes estarem a ser atacados em força e quando a Companhia chega ao Cruzamento de Guileje, o PAIGC desandou – deixando para trás – porta granadas metálicas de CAN S/R e granadas de Lança Granadas Foguete, armamento que não tiveram oportunidade de levar. Recolhemos todo o material de guerra e continuámos a segurança.

Entretanto sobrevoam três aviões. Mig ? Ainda hoje não sei…

O abandono de Sangonhá e Cacoca em 1968. A montagem do novo Aquartelamento de Gandembel – o Inferno de Gandembel – em pleno "corredor da morte" ou "corredor de Guileje" em 1968. Em 1969 a desactivação de Mejo e Ganturé, e o fim previsível de Gandembel – que deu os sinais claros da política errada de Spínola – deixou Guileje e Gadamael Porto sós.

Há quem esteja desarticulado de todos estes acontecimentos. O nosso Camarada Coutinho e Lima ordenou a retirada e com razão. Os meus agradecimentos pela atitude do Camarada.


Um Abraço

Mário Vitorino Gaspar
[Ex-Furriel Miliciano Atirador de Artilharia,
Especialidade de Minas e Armadilhas
CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]

[Autor de O corredor da morte, edição de autor, Lisboa, 2014. Para adquirir a obra contactar:
mariovitorinogaspar@gmail.com ]


Fotos nºs 3 e 4 – Reservados todos os Direitos de Autor |
Registo no IGAC n.º 807/2014 | Depósito Legal: 368452/13 |
ISBN: 978-989-20-4220-6


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P527: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (9): a Operação Bola de Fogo


Guiné > Guileje > CART 1613 > 1968> Bajudas da tabanca (1): a Maria, a lavadeira do nosso primeiro... Ainda recentemente mandou partir saudades ao seu amigo tuga, através do Pepito
© José Neto (2005)

XIX parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado).


A Operação Bola de Fogo

A abertura da picada estava a dar pelas barbas à nossa tropa.

Era impossível jogar com o elemento surpresa porque tornava-se necessário retirar abatizes, detectar e fazer explodir fornilhos (até uma viatura GMC em tempos abandonada pelas NT foi pelos ares porque se desconfiava que estava armadilhada) e, principalmente, derrubar árvores para substituir os troncos apodrecidos que, no leito dos regatos, serviam de ponte para a passagem de viaturas.

Os turras nem precisavam de atravessar a fronteira para morteirar os lenhadores. E nós não podíamos ripostar por respeito às convenções internacionais.
Guiné > Guileje > CART 1613 > 1968> Bajudas da tabanca (2)...
© José Neto (2005)

Ao fim de duas ou três semanas, com muitos ferimentos ligeiros, mas sem qualquer morto, o itinerário foi dado como praticável e ia seguir-se a segunda fase, que era a marcha da companhia para Gandembel.

Parecia-nos que, das duas, a CCAÇ 2316 era a que ia avançar, já que a CCAÇ 2317 tinha sido inicialmente designada para nos substituir em Guileje, mas afinal veio a ser a esta última, a do 1º Sargento Martins, comandada pelo Capitão Barroso de Moura, a quem coube o petisco.

Ao mesmo tempo, como manobra de pressão, iniciou-se do lado norte a abertura da picada Chamarra – Gandembel.

A valentia e pertinácia dos bravos de Gandembel devem ter impressionado o inimigo que fez deslocar para aquela zona um potencial de fogo considerável.

Pelo itinerário de Chamarra juntou-se à CAÇ 2317 a CART 1689 e, com acções pontuais dos Paraquedistas e dos Comandos e o apoio do fogo de artilharia e bombardeamentos dos Fiat da Força Aérea a posição consolidou-se, mau grado as flagelações contínuas de que era alvo.

Guiné > Guileje > 1968 > Bajudas da tabanca (3)... 
© José Neto (2005)

Mas o cerne da questão continuava. Como o IN precisava de manter o reabastecimento dos seus grupos que actuavam no interior do território, passou a utilizar trilhos um pouco a sul de Gandembel, perto de Paroldade, e esses trilhos cruzavam-se com as nossas colunas que também iam reabastecer o novo aquartelamento.

Nestas condições, cada reabastecimento nosso era uma autêntica operação de três, quatro dias, com fogachadas por todos os lados.

Na última das três operações desta natureza em que a minha companhia e outras unidades estiveram empenhadas, houve três mortos, sendo um nosso (o 1º Cabo José Augusto da Silva Leal), outro do Pel Caç Nat 51 (o Furriel Milº Sebastião Dionísio) e o terceiro do Pel Rec Fox 1165 (o Soldado Manuel Vieira).

Dois soldados nossos foram gravemente feridos e evacuados para Lisboa, o Júlio Rodrigues Calado e o José Alves Pereira e mais doze, de várias patentes, dos quais três do Pel Rec Fox 1165, feridos com menos gravidade e evacuados para Bissau.

O regresso ao quartel foi difícil e dramático.

O Capitão Corvacho teve de pedir fogo dos obuses de 8,8 cm dando as coordenadas dum lugar já bem do outro lado da fronteira, mas que sabia ser o ponto de onde o IN o estava a atacar com armas pesadas. O alferes comandante da força de artilharia hesitou e, ao pedir a rectificação dos elementos de tiro, fez saber que o fogo ia cair na zona da fronteira da Guiné-Conacri. Pelo rádio percebeu-se bem a irritação do Capitão que insistiu e perguntou ao alferes se desconhecia que ele era oficial de Artilharia.

Resta um pormenor que revela a grandeza dos homens quando confrontados com situações extremas. Aquando do regresso desta última operação os tempos calculados para o trajecto modificaram-se devido à forte concentração de fogo do IN, com as consequências que já descrevi, e o Capitão Corvacho tinha a certeza que, se permanecessem na mata depois do sol-posto, poucos sairiam dali com vida. As viaturas rodavam em marcha lenta porque havia que inspeccionar cada metro da picada. A certa altura veio um grito da frente da coluna:
-Mina!

O Capitão acorreu ao local e viu uma granada de morteiro intacta espetada entre dois troncos dum passadiço sobre um regato.

O tempo não chegava para efectuar todos os procedimentos e o mais rápido, destruir o engenho a tiro, estava fora de hipótese porque também se destruía a obra que dava passagem às viaturas. Chamou o Furriel Arclides Mateus, especialista de minas e armadilhas, e mandou afastar o pessoal.

Os dois deitaram-se, olharam em toda a volta do objecto e o Arclides disse ao Capitão:
-Tenho quase a certeza que a espoleta não esta armada. Estou a ver a cavilha. Saia daqui que eu vou puxá-la para cima e seja o que Deus quiser.

O Capitão Corvacho encarou o Arclides, recuou dois passos e disse:
-Vou ficar aqui atrás de si porque tenho de levar a companhia até ao quartel.

Quando o Arclides pousou o objecto no chão, inerte, um apertado abraço uniu aqueles dois corajosos combatentes.

Mais ou menos por esta altura chegou à Guiné o Brigadeiro António de Spínola, logo depois promovido a General, para substituir o General Schultz no Governo e Comando-Chefe da Província.

Notou-se perfeitamente uma alteração na cadeia de comando principalmente porque, como diziam os soldados, enquanto o primeiro nunca tinha saído do asfalto de Bissau, o segundo aparecia em todo lado sem se fazer anunciar.

Uma das suas primeiras visitas foi ao inferno de Gandembel onde quase obrigou à força o tenente piloto do helicóptero a descer. Foi-lhe fácil concluir que a posição era pouco sustentável e ordenou a retirada progressiva de modo a salvar a face das nossas tropas.

Constou, não posso garantir, mas acredito, que naquela aventura, as NT tiveram cinquenta e dois mortos e muitos feridos graves.

© José Neto (2005)