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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20103: Dossiê Guileje / Gadamael (33): "Basófia muita, ciência pouca e assistência benévola ou ignorante" (diz o cor art ref Morais da Silva, antigo professor de tiro de artilharia da EPA e da Academia Militar), a propósito da comunicação de Osvaldo Lopes da Silva, apresentada em Coimbra, em 23/5/2013

1. Comentário do cor art ref António Carlos Morais da Silva, membro da nossa Tabanca Grande [, foto atual à esquerda], instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972, professor de tiro de artilharia na Escola Prática de Artilharia e da Academia Militar  (*)


A narrativa artilheira deste senhor [Osvaldo Lopes da Silva] é uma salgalhada sem ponta por onde pegar.

"Calcula" coordenadas geográficas de que locais? Das posições? Para quê,  se não as tem do objectivo pois procurou obter orientação azimutal via clarões das bocas de fogo de Guilege?! 

Ligou as posições com uma poligonal?! Como assim? Como define azimutes sem linha de vista? Como calcula distâncias? A passo, a corta-mato?! E como orienta a caminhada? 

Ou também calculou latitudes e longitudes? Apurou a posição relativa das bocas de fogo de Guilege! Para quê? Fazer de cada uma um objectivo?!

Enfim, basófia muita, ciência pouca e assistência benévola ou ignorante. 

O que certamente aconteceu foi ajustar fogos com observação avançada consentida pelo "recolhimento" das NT.  Assim aconteceu em Fevereiro de 71, em Gadamael, mas felizmente os intervenientes na observação e no cálculo eram analfabetos na direcção do tiro. Tomadas medidas de interdição,  nunca mais o conseguiram fazer,  passando a executar fogos escalonados em alcance (tiro rolante). 

Na Guiné, as artilharias das NT e do IN eram baratas tontas que actuavam por "intuição" a partir do som e do conhecimento do terreno (quem o conhecia a palmo). 

Muitas vezes pedi ao meu Cmdt-Chefe que me arranjasse um radar contra-morteiro e o problema da artilharia IN era assunto arrumado. Infelizmente nunca recebi o "presente".

Morais da Silva
Coronel de Artilharia
Professor de tiro de Artilharia na EPA [Escola Prática de Artilharia] e na Academia Militar

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 27 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20100: Dossiê Guileje / Gadamael (32): O texto, inédito, de Osvaldo Lopes da Silva, um dos principais cérebros da Op Amílcar Cabral; mesa-redonda em Coimbra, 23/5/2013: " O ataque a Gadamael, na sequência da queda de Guileje, não foi a melhor opção. Melhor seria um ataque a Quebo (Aldeia Formosa) com forte pressão sobre Tombali. Com a queda de Guileje, Gadamael tornara-se uma inutilidade que não incomodava a ninguém. A sua guarnição devia ser deixada entregue aos mosquitos e ao tédio."

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20100: Dossiê Guileje / Gadamael (32): O texto, inédito, de Osvaldo Lopes da Silva, um dos principais cérebros da Op Amílcar Cabral; mesa-redonda em Coimbra, 23/5/2013: " O ataque a Gadamael, na sequência da queda de Guileje, não foi a melhor opção. Melhor seria um ataque a Quebo (Aldeia Formosa) com forte pressão sobre Tombali. Com a queda de Guileje, Gadamael tornara-se uma inutilidade que não incomodava a ninguém. A sua guarnição devia ser deixada entregue aos mosquitos e ao tédio."




Cartaz da mesa-redonda,Guiledje, Guiledje,Gadamael: 40 anos dos 3 G's da Guerra da Guiné, Coimbra, 23 de maio de 2013, 14h00



1. Mensagem de  Alexandre Coutinho e Lima,  cor art  reff (ex-cap art,  cmdt CART 494, Gadamael, 1963/65; adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970; e ex-maj art, cmdt COP 5, Guileje, 1972/73), membro da nossa Tabanca Grande, com cerca de 90 referêcias no nosso blogue (*)


Data: segunda, 12/08(2019, 18:42

Assunto: Mesa Redonda em Coimbra (2013) - Intervenção de Osvaldo Lopes da Silva


Caro Amigo Luís

Há muito tempo que não contactamos. Estou na minha casa de Vila Fria, Concelho de Viana do Castelo; espero regressar a Lisboa no fim do mês.Nessa altura temos que nos encontrar, por exemplo no Restaurante Os Cunhados, para almoçar.

Entretanto junto envio em anexo, a intervenção do Comandante do PAIGC, Osvaldo Lopes da Silva (OLS), que penso que merece ser divulgado no nosso blogue. OLS foi encarregado por Amílcar Cabral, para preparar um ataque em força sobre Guileje.

O texto agora enviado, vai ser incluído no novo livro que estou a escrever.É minha opinião que se trata e um documento inédito, por ser da autoria de um conceituado Comandante do PAIGC.

Um Abraço Amigo

Coutinho e Lima


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TEXTO QUE REPRODUZ A INTERVENÇÃO DO COMANDANTE OSVALDO LOPES DA SILVA NA MESA REDONDA REALIZADA, EM COIMBRA, NO DIA 23.05.2013. (**)



Osvaldo Lopes da Silva.
 Cortesia da RTC.CV  (2018)
Esta Mesa Redonda, realizada sob o prestigioso patrocínio do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra, vem na sequência do Simpósio Internacional de Guileje, que teve lugar na Guiné, em 2008. 

Ambos os eventos foram orientados no sentido de um debate desinibido entre representantes das Forças Armadas de Portugal e do PAIGC que se confrontaram em Maio de 1973 e que tiveram uma participação directa nas operações de Guidage, Guileje ou Gadamael.

Se, por razões de ordem pessoal, não me fora possível responder positivamente ao convite para participar do Simpósio de 2008, desta vez seria deselegante declinar o convite que me foi feito pelo Dr. Julião Sousa para dar, nesta Mesa Redonda, o meu testemunho, na medida do meu envolvimento nas operações de Guileje e de Gadamael.

Ao Dr. Julião Sousa quero manifestar quanto me sinto honrado pelo convite, aproveitando a ocasião para o felicitar pela boa organização da Mesa Redonda e pelo ambiente de amizade e de respeito mútuo que foi possível criar entre homens que estiveram, em dado momento das suas vidas, em lados opostos da barricada.

Seja-me permitido dirigir uma saudação muito particular ao Sr. Coronel Coutinho e Lima que, numa situação dramática, teve a coragem de tomar a decisão de abandonar o quartel de Guileje, ultrapassando ponderações sobre o futuro da sua carreira militar. No momento, o que importava era salvar vidas - dos soldados sob o seu comando, mas também das populações que se encontravam sob sua protecção - face à esmagadora desproporção de forças então em presença.

Amantes da paz, estamos aqui reunidos para falar da guerra, essa eterna companheira da humanidade, que Clausewitz definiu como a continuação da política por outros meios, ou ainda, como um conjunto de acções violentas entre dois beligerantes ou grupos de beligerantes, cada um deles visando impor ao outro a sua vontade política.

Maio de 1973, com o desfecho das grandes operações de Guidage, Guileje e Gadamael, marcou o ponto de ruptura do equilíbrio de forças em presença no teatro de operações da Guiné. Num quadro geral de grande supremacia das Forças Armadas Portuguesas no que se refere ao somatório dos efectivos e do armamento, o facto é que o desenrolar dessas operações evidenciou que as forças do PAIGC, dispondo de iniciativa, de grande mobilidade, de armamento moderno e de enquadramento qualificado, estavam aptas a concentrar contra qualquer quartel da Guiné uma supremacia esmagadora. 

Isto face a um inimigo cujas reservas se encontravam exauridas, e que se encontrava diminuído na sua mobilidade em consequência da eficácia dos mísseis antiaéreos "Strela" utilizados pelas forças nacionalistas. Chegara o momento a partir do qual, nas palavras de Clausewitz, a continuação da guerra deixa de fazer sentido e deve intervir uma solução política: quando fica demonstrado que a continuação da guerra só pode conduzir ao esmagamento de uma das partes pela outra.

A luta dirigida por Cabral combinava acções em distintas frentes, sendo a militar apenas uma delas, e não a mais importante. Essa acção multiforme devia conduzir ao enfraquecimento do inimigo (no aspecto militar, moral da retaguarda, isolamento diplomático, agravamento das despesas com a guerra), a ponto de o levar à situação de ter de acatar a solução política que só podia ser a independência da Guiné e de Cabo Verde. 


Estava longe dos propósitos de Cabral uma vitória militar, não apenas por considera-la incoerente com a doutrina da guerra, mas ainda pelo receio do protagonismo excessivo que tal desfecho conferiria à classe castrense guineense. Por alguma razão, Cabral sempre optou por falar de militantes armados do PAIGC e não de militares.

Na sequência dos graves reveses sofridos em Maio de 1973, o general Spínola encontrou-se em Lisboa com o Presidente do Conselho Marcelo Caetano. Sem rodeios, o general pôs a nu a gravidade da situação operacional na Guiné e apresentou duas alternativas como forma de conjurar a ameaça iminente de colapso militar: ou a atribuição de reforços substanciais ou a procura de uma solução política. 


Caetano negou ao general Spínola uma coisa e a outra. Quanto a reforços, os poucos disponíveis estavam destinados a garantir a segurança das obras da gigantesca barragem de Cabora Bassa e à implantação, no norte de Moçambique, de um milhão de colonos. Perante essa realidade, a Guiné, que nunca fora colónia de implantação branca, nem apresentava os atractivos económicos de Moçambique, ficava a perder, no jogo delicado de atribuição das minguadas reservas disponíveis, que tinha que obedecer às prioridades económico-financeiras do momento. 

A alternativa de solução política, vista por Caetano como sendo equivalente a negociar com terroristas, foi liminarmente rejeitada. Caetano declarou ao general Spínola que preferia uma derrota militar a negociar, pensando assim defender o sagrado princípio da intangibilidade das fronteiras imperiais, de Minho a Timor. 

Os territórios de Goa, Damão e Diu, que, desde 1961, se encontravam sob jurisdição da União Indiana, continuavam a ser considerados, na propaganda salazarista, como constituindo uma província ultramarina sob ocupação estrangeira. Na lógica de Caetano, uma derrota militar na Guiné podia ser transfigurada em ocupação de uma província ultramarina por forças do comunismo internacional. Deixando intangível o princípio de não cedência de qualquer parcela do Ultramar, a classe dirigente portuguesa pensava poder continuar a usufruir das riquezas de Angola e de Moçambique, onde o equilíbrio das forças em presença parecia pender a seu favor.

Perguntar-se-á como foi possível que, no conjunto das três frentes de guerra de libertação nacional contra o exército colonial português, o primeiro sinal de ruptura do equilíbrio operacional tenha ocorrido na Guiné, a menor e menos populosa das três colónias em guerra (Guiné, Angola e Moçambique)?

Comparemos os dois casos extremos de Angola e da Guiné. Em Angola, o início da guerra foi determinado pela sucessão de acontecimentos desencadeados pelo desvio do "Santa Maria" por Henrique Galvão, e que, de erro de apreciação em erro de apreciação, conduziu ao assalto às cadeias de Luanda, no dia 4 de Fevereiro de 1961, e a tudo o que se lhe seguiu. 


Os "média" que se tinham concentrado em Luanda para darem cobertura condigna à anunciada proclamação por Henrique Galvão de um governo de oposição a Salazar são surpreendidos por acontecimentos que marcaram o início da luta armada em Angola. Isso de forma atabalhoada, numa altura em que nem a UPA, e muito menos o MPLA, estava em condições de assumir a liderança de uma acção coerente contra o exército colonial. Na verdade, o MPLA, quase desmantelado na sequência das numerosas detenções efectuadas pela PIDE em 1959 e 1960, encontrava-se, na altura, decapitado, com Agostinho Neto deportado em Cabo Verde e os demais membros da Direcção (Mário Pinto de Andrade, Lúcio Lara, Viriato da Cruz, Dr. Eduardo Macedo dos Santos) precariamente instalados em Conakry e sem contactos com Angola.

Quanto a Holden Roberto, por insistência de Franz Fanon, renunciara ao objectivo inicial de restauração do reino do Congo, compreendendo o norte de Angola e partes dos dois Congos e até do Gabão, estampado na sigla UPNA (União dos Povos do Norte de Angola). A passagem a UPA (União dos Povo de Angola) nada alterou do carácter tribal da organização, e Holden nada mais tinha a apresentar senão o terrorismo racista, não transpondo a sua acção os limites da sua tribo bacongo.

No caso da Guiné, a acção armada só teve início em 1963, quando o PAIGC já dispunha de um enquadramento assegurado por um primeiro grupo de jovens formados na China e das primeiras armas fornecidas pelo rei Hassan II de Marrocos. 


Embora os primeiros chefes da guerrilha do PAIGC tenham sido formados na China, Cabral soube rejeitar rigorosamente todo o envolvimento no conflito ideológico sino-soviético. O facto de a União Soviética privilegiar a análise fria das capacidades das organizações nacionalistas, com abstracção das declarações desnecessariamente marxisantes das suas direcções políticas, criou condições para um bom entendimento e a um reforço qualitativo da ajuda soviética, à medida que, no terreno, os combatentes demonstravam capacidade para dar boa utilização às armas fornecidas. 

As primeiras ajudas soviéticas só foram concedidas quando o PAIGC mostrou que estava no terreno, embora mal equipado. As primeiras armas soviéticas, saídas dos paióis da II Guerra Mundial, foram PPCh, morteiros 60 e 82, canhões B10, pistolas “Macarov”.

Isto bastou para que a guerrilha pudesse mostrar presença em toda a extensão do território, embora fugindo ao contacto com as forças inimigas, ainda mais fortes. Estava-se na fase primária de dispersão das forças inimigas, que correspondeu, do nosso lado, à interrupção das vias de comunicação, das redes de electricidade e de telefones, à mobilização da população para recusar o pagamento do imposto indígena, ao que o inimigo respondeu com a criação de uma densa rede de quartéis, ainda no consulado do general Schulz. Para nós, tornava-se evidente que quanto mais densa fosse a rede de quartéis, mais fraco ficava o inimigo em cada quartel, considerado isoladamente. Chegado a esse ponto, o inimigo podia ser atacado, em emboscadas, para o isolar nos quartéis.

Quando, em 1968, o general Spínola é nomeado governador da Guiné e comandante-chefe, vastas áreas do território e as populações que as habitavam tinham passado para o controlo directo do PAIGC, onde iam sendo lançadas as bases de um estado funcionando autonomamente em relação ao poder colonial. De tal modo que Cabral já podia anunciar, junto das chancelarias e das instâncias internacionais, que a Guiné se apresentava como um país dotado de uma administração autónoma, capaz de suprir as necessidades básicas da população, e onde eram exercidos os poderes de um estado soberano, com uma parte do seu território ainda ocupado por forças coloniais.

A nova política de “Guiné Melhor” do general Spínola, embora tenha causado alguma perturbação momentânea, não tinha fôlego para travar o ritmo acelerado da luta, tanto mais que o general Spínola não podia dispor dos muito avultados recursos que a sua política requeria.

Chega-se aos princípios de 1969 com um equilíbrio de forças que, na mesma medida, se tinham reforçado de um lado e do outro. Por essa altura, vem reforçar as hostes do PAIGC o grupo de cabo-verdianos, de nível académico elevado, que estivera em formação militar em Cuba e prosseguira a formação na União Soviética, em particular no ramo da artilharia. Foi significativo o salto qualitativo que a luta conheceu quando esse grupo assumiu o comando da artilharia. 


Além do mais, a presença desse grupo no terreno convenceu as autoridades soviéticas a elevar o nível qualitativo da ajuda que vinha concedendo ao PAIGC. É quando fornecem o “GRAD”, morteiro reactivo de 122 mm, com um alcance de um pouco mais de 10 km. Trata-se da adaptação da “CATIUCHA” da II Guerra Mundial às condições de guerrilha, ou seja, um lança mísseis de um só tubo, montado num tripé facilmente desmontável e transportável por um só homem. O próprio míssil divide-se em duas partes, a propulsora e a explosiva, cada uma delas facilmente transportável por um homem. 

A vasta campanha contra os quartéis da frente sul, ao longo do segundo semestre de 1969, evidenciando uma significativa evolução das forças do PAIGC em qualidade de armamento e de utilização da artilharia, perturbou seriamente os planos do general Spínola de reconquistar todo o sul.

Em finais de 1969, a artilharia, que estivera concentrada na frente sul, é repartida pelas três frentes. Coube-me então o comando da artilharia da frente leste, com a missão de atacar todos os quartéis dessa vasta área: Buruntuma, Piche, Canquelifa, Pirada, Badjacunda, Gabu, Cabuca. 


Tratando-se de uma área pouco habitada, com fraco valor estratégico do ponto de vista da política do general Spínola, e onde durante longo tempo as nossas forças tinham estado inactivas, havia a suspeita da intenção do inimigo de se retirar de alguns desses quartéis para encurtar o seu dispositivo e reforçar outras áreas mais ameaçadas. Para obstar tal intenção, não havia como mostrar que a ameaça estava no terreno. A exiguidade dos nossos efectivos de infantaria foi suprida pela acção da artilharia de longo alcance. 

Não dispondo de mapas, socorria-me do ardil de provocar o inimigo com alguns disparos inócuos de morteiro 82, em noites de lua nova, quando o clarão da artilharia inimiga se podia distinguir a maior distância. Podíamos assim determinar não apenas a direcção, mas ainda a diferença de tempo entre o clarão e o som do disparo. Multiplicando esses segundos pela velocidade de propagação do som (360 m/s) tinha-se um valor muito aproximado da distância ao quartel.

Depois de uma ausência de quase dois anos, ocupados numa formação de marinha na União Soviética, cheguei, em Agosto de 1972, a Conakry, onde encontrei uma situação de grande tensão, criada pelos conspiradores que vieram a estar envolvidos no assassinato de Cabral, a 20 de Janeiro de 1973. Foi neste clima tenso que Cabral me lançou o desafio de preparar o ataque a Guileje, considerado o mais bem fortificado quartel da Guiné. 


Ao desafio de Cabral respondi, sem hesitação, que podia destruir qualquer quartel da Guiné que ele determinasse, desde que dispusesse de meios e de tempo suficiente para a preparação de dados para a artilharia. Poucos dias depois, partia com destino a Kandiafara, onde me esperavam os 24 combatentes, cabo-verdianos e guineenses, que iam constituir o meu grupo de reconhecimento. Levava comigo fardas, mochilas, cantis, marmitas, abastecimento reforçado e tudo o mais necessário a equipar o meu grupo. 

Para as necessidades da artilharia, levava várias bússolas artilheiras, bússolas de bolso, cronómetros, e até um sextante, as efemérides náuticas, bem como um frasco com mercúrio que me serviria para criar horizonte artificial para a determinação da altura do sol. O recurso à astronomia permitiu-me a determinação, com muita precisão, da declinação magnética e da longitude do lugar, por observação do sol no ponto de culminação. Menos precisa era a determinação da latitude, o que me levou a recorrer a métodos menos complicados para a preparação de dados para a artilharia.

A transposição para Guileje da experiência da frente leste não deu os resultados que eu esperava. O regime de fogo do inimigo (mais que uma peça a disparar em simultâneo) não permitia ligar o estampido ao clarão do disparo. Tive que me contentar com a determinação da direcção do fogo inimigo a partir de distâncias de 4 a 12 km, de acordo com o alcance das armas de que podia dispor: morteiros 120, GRAD e canhões 130. 

Empreendi em seguida a operação delicada de ligar os pontos que me garantiam a direcção de fogo por levantamento topográfico. Com os dados das observações e do levantamento topográfico, e trabalhando sempre com referência ao norte magnético, só restava resolver um problema simples de geometria plana para ter dados precisos não apenas de direcção, mas a distância. Encontrava-me em posição de me oferecer o requinte de, com recurso a mais uma poligonal, situar a posição de fogo no meio da mata densa, fugindo das “lalas” que tinham servido para a observação do fogo inimigo.

A parte mais perigosa do reconhecimento consistiu na observação do quartel a partir do arame farpado, para termos a localização das suas instalações e as distâncias relativas às peças de artilharia. Neste trabalho, foi notável a contribuição de especialistas de reconhecimento cubanos. Foi nessas movimentações próximas do quartel que a Operação Amílcar Cabral registou as suas únicas baixas, vítimas de minas: dois mortos e um ferido, todos da infantaria que garantia a escola do grupo de reconhecimento.

Em finais de 1972, já dispunha de dados de artilharia suficientes para desencadear a operação contra Guileje, mas estavam por resolver os complicados problemas logísticos de movimentação dos efectivos que deviam vir das outras frentes, com o cuidado para que estas não ficassem demasiado desguarnecidas, transporte de armas, munições, alimentação, e até água, que foi transportada em camiões a partir de Kandiafara. Num grande raio à volta do quartel toda a água é salobra.

Depois de ter elaborado um croqui onde situava as posições de fogo, as “lalas” que podiam ser utilizadas pelos mísseis terra-ar STRELA, e para ocupar o tempo disponível, fiz o mesmo trabalho em Quebo (Aldeia Formosa).

Em Março de 1973, fez-se um teste ao comportamento dos nossos combatentes numa operação com ocupação do terreno em pleno dia, sob a protecção dos mísseis antiaéreos STRELA, que pela primeira vez entravam em cena. Foram disparados contra Guileje vários mísseis GRAD, o que deu lugar à vinda de aviões, dos quais um foi abatido e dois, atingidos, conseguiram regressar à base.

Sendo satisfatórios os resultados do teste, acelerou-se a preparação da Operação Amílcar Cabral, que teve início na manhã do dia 18 de Maio, quando o inimigo caiu num campo de minas na estrada Guileje-Gadamael. 


À tarde, de uma posição a cerca de 4 km foram disparados 180 granadas de morteiro 120 (6 morteiros com 30 granadas cada), com vista a destruir os abrigos. Mais tarde, entrou em acção um canhão de 130 mm, a 12 km de distância, com um disparo de meia em meia hora, de modo a tornar impossível a vida no quartel. 

Tínhamos mobilizado meios para uma operação prevista para durar um mês, mas, ao fim de dois dias, o grau de destruição causada pela artilharia era impressionante. De tal modo que a tropa e a população tiveram que passar a compartilhar em permanência a exiguidade dos abrigos, privadas de comida, água, e até de comunicações, depois que as antenas também foram destruídas. 

Continuar no quartel, nessas condições, sem a menor capacidade de resposta, tornara-se inútil do ponto de vista militar. Uma nova salva de morteiros 120 por certo causaria um massacre. Por felicidade, o Sr. Coronel Coutinho e Lima, que conhecia muito bem o terreno, conseguiu encontrar uma vereda que escapara ao controlo da nossa infantaria para fazer passar, com destino a Gadamael, a tropa sob o seu comando e a população. 

Por minha parte, à notícia da queda de Guileje, retirei-me, isolei-me, para descansar e reflectir. Nunca mais me aproximei de Guileje.

Passado um ou dois dias, fui informado de que devia seguir para Gadamael para a mesma missão de preparação de dados para a artilharia. Com o meu grupo de reconhecimento, fomos ver o que podíamos fazer no pouco tempo que nos era dado. Ainda conseguimos pôr em acção uma posição e GRAD, a 6 km de distância, e determinámos os dados para canhão 130, a uns 10 km. Mas não tive a oportunidade de observar de perto o quartel e a distribuição das suas instalações. 


Entretanto, fui convocado a Conakry, para uma missão à Líbia. Pouco depois, a operação contra Gadamael foi interrompida. É que o Congresso do PAIGC, que devia analisar toda a situação que envolveu a morte de Cabral e designar o seu sucessor, estava a ser preparado dentro do maior secretismo. As forças empenhadas em Gadamael tinham que ser retiradas pois iam constituir o dispositivo de segurança do Congresso.

Na minha opinião, o ataque a Gadamael, na sequência da queda de Guileje, não foi a melhor opção. Melhor seria um ataque a Quebo (Aldeia Formosa) com forte pressão sobre Tombali. Com a queda de Guileje, Gadamael tornara-se uma inutilidade que não incomodava a ninguém. A sua guarnição devia ser deixada entregue aos mosquitos e ao tédio.
 

Praia, 13 de Junho de 2013
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 25 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18675: Dossiê Guileje / Gadamael (31): A Retirada de Guileje foi há 45 anos (22MAI73). Poderia não ter acontecido? (Coutinho e Lima, ex-CMDT do COP 5)

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11758: (Ex)citações (222): Recado para uma mesa redonda de Coimbra e para a História... Guileje e as suas lições (Manuel Lomba)

1. Mensagem, de 20 de junho do corrente, do Manuel Luís Lomba,  (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) e autor de "Guerra da Guiné: A batalha de Cufar Nalu" (Terras de Faria Lda: Faria, Barcelos, 2012, 341 pp.):


Prezado amigo Carlos Vinhal. Submeto-te este texto para o blogue, na expectativa de merecer interesse. Um abraço, M.L.Lomba


A crise dos 3 G, na Guiné, conotada como o princípio do fim do Ultramar português, fez 40 anos em 25 de Maio p.p. e a informação sobre a mesa redonda de Coimbra, veiculada pelo blogue (*), impeliu-me a tecer um comentário. (**)

Se as crónicas e os cronistas baterem certo, Amílcar Cabral riscou com o seu punho a Operação Maimuna, de montar "cerco a Guileje", em Janeiro de 1968, porque, segundo escreveu o seu irmão Luís, a bandeira portuguesa içada em Ponte Balana irritava-o especialmente, mas meteu-a na gaveta, porque a guarnição portuguesa estava dotada de obuses, o PAIGC ainda aguardava as remessas dos "órgãos de Estaline" e dos morteiros 120, o comando português só abandonará a posição de Ponte Balana, em Janeiro de 1969 e só lhe oferecerá a "área libertada" de Madina de Boé e Beli, abandonadas em Fevereiro de 1969.

Amílcar Cabral interpretou a reunião do general Spínola com o PR do Senegal Leopold Shengor e o seu contexto como um forte indício do enfraquecimento das resistências dos portugueses e, em Julho de 1972, confidenciou a Pedro Pires, seu braço direito do Planeamento, a proximidade do fornecimento pela Rússia dos mísseis Strela, enquanto o então estudante de Economia em Moscovo, Osvaldo Lopes da Silva, tirava o tirocínio do seu lançamento, mas que o líder só envolverá na preparação das acções sobre Guileje, em Setembro desse ano.

Salvo erro ou omissão, nessa altura, o dr. Osvaldo Lopes da Silva dependia de dois superiores orgânicos - Nino Vieira e Pedro Pires. Em recente intervenção no Forum Amílcar Cabral, na cidade da Praia, este afirmou que os guineenses o haviam segregado em Conacri e impedido de velar o cadáver de Cabral, que após o funeral regressou ao Sul e só então começou a preparar com Nino Vieira as acções sobre Guileje.

O dr. Osvaldo Lopes da Silva e os que partilharem a sua narrativa, não poderão escamotear a verdade dos factos acontecimentais e as "mesas redondas" como a de Coimbra não conseguirão encobrir a sua conjuntura.

O planeamento das acções do PAIGC sobre Guileje foi supervisionado pelo capitão cubano Raul Diaz. O Sul da Guiné não se assemelhava à Sierra Maestra e a sua eficiência ficou comprovada pelo facto de os seus 200 militares defensores e os 400 civis a terem abandonado e percorrido calmamente cerca de 20 km de picada na mata, sem serem molestados, e as suas forças de assalto só terem penetrado no objectivo 3 dias após o seu abandono, com Nino Vieira metido num blindado!

O PAIGC não trabalhara a hipótese da retirada dos defensores, contara com o "general época das chuvas" para isolar Guileje de qualquer amparo de Bissau - e falhou, porque o elevado teor de humidade, atingido pelo ar, limitava a eficácia dos mísseis terra-ar Strela. O PAIGC correspondeu à temeridade do comandante do COP 5, da transumância de Guileje para Gadamael com a temeridade da transferência do seu esforço de combate, avançando-o no terreno, daquele para este. 

Mas a maior falha terá pertencido, por omissão, ao comando português.A partir da altura em que o Batalhão de Paraquedistas 12, comandado pelo tenente-coronel Araújo e Sá, obrigava o PAIGC a desamparar a loja de Gadamael e os pilav Lemos Ferreira, António Martins Matos e outros lhe desancavam as bases da retaguarda na República da Guiné com os seus Fiat, não explorou o sucesso propiciado pelo "general época das chuvas", permitido que o PAIGC retirasse o armamento pesado e as suas pesadas munições ao lombo dos seus combatentes a chafurdar, heroicamente, por aquele pantanal.
Será ou não verdade que o PAIGC mandou fuzilar o seu comandante da zona de Guileje, responsabilizando-o pelo insucesso?

Ao tomar a decisão de abandonar Guileje, o major Coutinho e Lima sabia que comprava a sua tormenta; mas também sabia que teria um julgamento judicial, do qual jamais sairia condenado à morte.
E, para concluir, não foi a panóplia do armamento sofisticado da Rússia, etc, os efectivos de internacionalistas cubanos e cabo-verdianos, a entrada sem resistência em Guileje, os bombardeamentos massivos sobre os 3 G que trouxeram a coesão e conduziram o PAIGC ao sucesso, cansado da guerra, desgastado pelas contradições internas e pela acção "Por uma Guiné Melhor"; foram aqueles que, ao longo de anos lhe infernizaram a vida e moveram uma guerra sem quartel, aos seus militares, aderentes e simpatizantes - os capitães portugueses e o seu Movimento das Forças Armadas, quando este se perfilhou como seu filho ideológico sob a sigla MFA, nascido na Guiné e extensivo aos outros teatros da guerra ultramarina à Metrópole.

O dr. Osvaldo Lopes da Silva, sem embargo a sua qualidade de herói da guerra da Guiné e da independência de Cabo Verde, bem como a generalidade dos participantes dessa, de outras mesas redondas e conferências, estarão para nós, os que fomos também povo em armas pelo Ultramar, como os "velhos do Restelo", mas com 500 anos de atraso. Sob o ponto de vista racional, Portugal, porque país pequeno, com tão poucos e tão pobres portugueses, começou a perder a guerra da sua expansão no início da mesma, logo a partir de 1415. Sob o ponto de vista romântico, os portugueses tão poucos, tão bisonhos e tão pobres, ousaram e fizeram obra pelos quatro cantos do mundo. Venha o diabo que escolha...

Quando Amílcar Cabral fundou o seu exército libertador, os portugueses já andavam há 500 anos pela Guiné, Angola, Moçambique, etc, de armas na mão, desfraldando uma bandeira e envergando uma farda e jamais a História nos poderá considerar espantalhos...

Manuel Luís Lomba

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11735: Recortes de imprensa (66): Osvaldo Lopes da Silva, então comandante do PAIGC, e um dos principais responsáveis pela Op Amílcar Cabral, sustenta, na mesa-redonda, em Coimbra, no passado dia 23/5/2013, a versão do cerco total ao quartel de Guileje e afirma que as forças sitiantes dispunham de um dispositivo (do qual teria sido utilizado menos de 10%), com condições para actuar durante um mês (AngopPress)

(**) Último poste da série > 24 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11622: (Ex)citações (221): O comandante do Comando de Agrupamento nº 2957, cor inf Hélio Felgas, o cérebro da Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969) (Fernando Gouveia)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11735: Recortes de imprensa (66): Osvaldo Lopes da Silva, então comandante do PAIGC, e um dos principais responsáveis pela Op Amílcar Cabral, sustenta, na mesa-redonda, em Coimbra, no passado dia 23/5/2013, a versão do cerco total ao quartel de Guileje e afirma que as forças sitiantes dispunham de um dispositivo (do qual teria sido utilizado menos de 10%), com condições para actuar durante um mês (AngopPress)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/74) > 22 de maio de 1973: por decisão do comandante do COP 5, maj art Coutinho e Lima, as NT e a população civil abandonam o aquartelamento e a tabanca de Guileje, num total de cerca de 600 almas, dirigindo-se, de madrugada, a Gadamael, através de um carreiro que só a população local conhecia, e iludindo a pretenso cerco das forças do PAIGC. Entre os sitiantes, estava o Nino 'Vieira' e outros comandantes do PAIGC como o aqui citado Osvaldo Lopes da Silva...

Esta foto é, em princípio,  de autor desconhecido. Creio que a vi originalmente reproduzida na revista Pública, do jornal Público,  numa reportagem sobre a retirada de Guileje (provavelmente o artigo do Eduardo Dâmaso, "Coronel Coutinho e Lima: Salvou 600 vidas mas foi castigado por Spínola", Público, Domingo, 16 de Maio de 2004). Mas a cópia, dessa imagem, que temos,  faz parte do espólio "Guiledje Visual" e foi-nos gentilmente cedida pelos nossos amigos (e parceiros) da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, em 2005.

Espero que um dia o autor apareça e dê a cara... Era muito provavelmente alguém da CCAV 8350 ou subunidades adidas... Foi editada por nós, para ilustrar este poste... Entretanto, apareceu o J. Casimiro Carvalho, fur mil op esp, da CCAV 8350, a dizer que muito provavelmente a foto, tal como outras do pessoal (militar e civil) na retirada, é do seu camarada Carlos Santos. A foto de qualquer modo é notável, estando longe de sugerir debandada, pânico, desorganização... Pelo contrário, parece haver alguma dignidade e disciplina na retirada do pessoal (dois terços, civis...).  (LG).


1. Conforme poste P11552, de 10 de maio último, realizou-se em Coimbra, no dia 23 do mesmo mês, a    Mesa Redonda "Guidage, Guiledje, Gadamael 40 anos dos 3 G's da Guerra na Guiné".

O historiador guinense, doutor Julião Soares Sousa, investigador  do  Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra,  conseguiu juntar à volta da mesma mesa alguns dos protagonistas dos acontecimentos de há 40 anos (Op Amílcar Cabral, na designação do PAIGC),  homens esses que então se confrontaram de um lado (Coutinho e Lima, Ferreira da Silva, Raul Folques, José Calheiros, Pedro Lauret) e do outro (Osvaldo Lopes da Silva, Fandji Fati) da barricada.

A moderação da mesa redonda coube ao historiador, prof doutor Luís Reis Torgal. Não assistimos ao evento. Nem vimos que a nossa imprensa, escrita e falada, tenha feito grande cobertura da iniciativa.  Um dos "recortes de imprensa" que nos chegou, foi este, da Angop - Agência AngolaPress.  Vamos aqui reproduzi-la, com a devida cortesia, e com uma chamada de atenção: não podemos garantir o rigor dos excertos das declarações dos participantes. Algumas merecem-nos reservas, como a do caboverdiano Osvaldo  Lopes da Silva, "então comandante do PAIGC"  e um dos principais responsáveis militares pela 'Operação Amílcar Cabral'  que - passo a citar - "salientou que o quartel português em Giledge estava 'completamente cercado' e que as suas forças dispunham de 'um dispositivo (do qual não foi utilizado 10%) para actuar durante um mês'."

A teoria do cerco (total) a Guileje, por parte do PAIGC, só pode ser uma "figura de estilo", na medida em que é incongruente com a retirada, sem baixas, das NT, na madrugada de 22 de maio de 1973, tendo as forças sitiantes ocupado o aquartelamento, vazio, 3 dias depois, a 25 de maio.

Osvaldo Lopes da Silva (n. 1936) publicou recentemente o livro autobiográfico "Nos tempos da minha infância" (Cabo Verde, 2011).

Feita esta ressalva, aqui fica mais esta peça para os nossos dossiês sobre os 3 Guês (Guidaje, Guileje, Gadamael). Negritos (bold) e realce a amarelo, do editor L.G.

2. Recortes de imprensa > Angop > 24-05-2013 12:23 Guiné-Bissau:  Portugueses e guineenses debatem operação militar em 1973


Coimbra - Oficiais das tropas portuguesas e dirigentes das forças guineenses em 1973, evocaram e debateram, hoje (sexta-feira), em Coimbra, a "Operação Amílcar Cabral", uma das mais "marcantes ofensivas militares" da guerra colonial na Guiné.

Visando os aquartelamentos militares de Guidage, no norte da Guiné, e de Guiledje e de Gadamael, no sul do país, em Maio de 1973, a "Operação Amílcar Cabral" tinha como objetivo final, "a liquidação do colonialismo, através do aproveitamento dos seus resultados do ponto de vista da política doméstica e internacional", recordou o historiador guineense Julião Sousa.

Promovida pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra, a mesa-redonda visou evocar os 40 anos de "acontecimentos incontornáveis no desenrolar do conflito".

Além de evocar os 40 anos daquela guerra, o [evento...]  também "servirá de introdução e mote" para o primeiro colóquio internacional "Colonialismo, Anti-colonialismo e Identidades Nacionais", a realizar em Coimbra, no final de 2013, adiantou, à agência Lusa, à margem do encontro, Julião Sousa.

Nas operações militares dos "3 G da Guerra da Guiné" (Guidage, Guiledje e Gadamael) "foram empregues elevadas quantidades de meios humanos e materiais", salientou Julião Sousa, que também é investigador do CEIS20, sublinhando que é, igualmente, preocupação dos promotores da iniciativa, perpetuar a memória de uma das mais" marcantes ofensivas militares" da guerra na Guiné.

A retirada, na madrugada de 22 de Maio de 1973, das tropas portuguesas do aquartelamento de Guiledge, então comandadas por Alexandre Coutinho e Lima, actualmente coronel na reserva, foi um dos momentos recordados pelo próprio e um dos temas que ocupou boa parte do encontro, em que participaram pelo menos uma centena de pessoas e se prolongou por cerca de seis horas, durante a tarde de hoje.

Na sequência da sua decisão de retirar as tropas, Coutinho e Lima foi preso pela hierarquia militar portuguesa, situação que se manteve até 14 de Maio de 1974.

"Tive a oportunidade, mas também a grande responsabilidade de ter nas mãos o destino de centenas de pessoas civis e militares", recordou o coronel Coutinho e Lima, considerando que pagou "bem caro" a sua "ousadia, que, seguramente, teria consequências mais graves, não fora o 25 de Abril de 1974".

Sublinhando o "acto de coragem política, mas também física" de Coutinho e Lima, Osvaldo Lopes da Silva, então comandante do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e um dos principais responsáveis militares pela "Operação Amílcar Cabral" (***), salientou que o quartel português em Giledge estava "completamente cercado" e que as suas forças dispunham de "um dispositivo (do qual não foi utilizado 10%) para actuar durante um mês".

A retirada de Giledge foi "a decisão mais acertada", conclui a generalidade dos intervenientes na sessão, que também consideram, "sem margem para dúvidas", que "a Guiné era uma causa perdida" para Portugal, no plano militar.

Em termos de armamento "havia um desequilíbrio" muito acentuado, em favor das forças guineenses, destacou o coronel José de Moura Calheiros (que se deteve sobre a situação de Guidage em maio de 1973), sublinhando que "os guerrilheiros do PAIGC estavam muito bem preparados, bem organizados e muito bem comandados".


2. A par desta notícia, da Angop, que reproduzimos acima, emos também, no Diário Digital, de 24/5/2013, a seguinte: 

"Colóquio em Coimbra vai debater colonialismo e anticolonialismo"

O Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra vai promover, em novembro, naquela cidade, um colóquio internacional para debater, «sem tabus», colonialismo, anticolonialismo e identidades nacionais.

«É necessário discutir estes temas sem tabus» e «já há condições» para que isso possa acontecer, acredita o historiador guineense e investigador do CEIS20 Julião Sousa, sublinhando que «nota-se, claramente, que há uma tendência para as pessoas fazerem a catarse - que também faz parte da história»

Ainda há «alguns tabus», reconhece o historiador, considerando que para os ultrapassar é necessário estudar e discutir as questões e isso já é possível com algum distanciamento, pois já passaram 40 anos (sobre o fim da guerra colonial portuguesa) e já há muita documentação sobre aquele tempo, designadamente memórias e biografias de muitos dos seus protagonistas.

Diário Digital / Lusa


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de maio de2013 > Guiné 63/74 - P11552: Agenda cultural (269): Convite para a Mesa Redonda "Guidage, Guiledje, Gadamael 40 anos dos 3 G's da Guerra na Guiné", dia 23 de Maio de 2013, pelas 14H00, na Casa Municipal da Cultura de Coimbra (Julião Soares Sousa)


(**) Último poste da série 26 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11474: Recortes de imprensa (65): O filme lusoguineense "A batalha de Tabatô", de João Viana, veio pôr Tabató e a cultura da Guiné-Bissau no mapa das rotas do cinema internacional (Luís Graça)

(***) Publicou, no jornal Público, em 26 de julho de 2004, um depoimento, como protagonista dos acontecimentos, sob o título, "Amílcar Cabral: 'Se o quartel de Guiledje cair, cai tudo à volta' ". Reproduzido, na íntegram, pelo cor art ref Alexandre Coutinho e Lima, no seu livro "A retirada de Guileje_ 22 maio 1973: a verdade dos factos, 1ª ed." (Linda a Velha, Oeiras: DG Edições, 2008, p. 358--361). O arttigo de Osvaldo Lopes da Silva vem na sequência da reportagem do jornalista Eduardo Dâmaso, acima referida, publicada no Público, 16 de maio de 2004. O artigo do Osvaldo Lopes da Silva nunca chegou a ser reproduzido no nosso blogue.


terça-feira, 10 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4009: Blogoterapia (96): Não chorarei a morte do Nino (Zeca Macedo, ex - 2º Ten DFE 21, Cacine, 1973/74)

1. Mensagem do nosso camarada José Macedo (ou Zeca Macedo), um cabo verdiano da diáspora, que foi FZE [Fuzileiro Especial] no DFE 21 na Guiné em 1973/74, e que hoje é advodado nos EUA, para onde imigrou em 1977 (*). 

Caro Luis: 
Como sabes, servi no DFE 21-Fuzileiros Africanos- na Guiné e muitos dos "meus" fuzileiros foram assassinados por ordem do Nino Vieira. 

Como deves calcular, não chorarei pelo Nino. Mando-te um link de um artigo publicado no diário on line caboverdeano, A Semana, com entrevistas a dois históricos da luta de libertação nacional [, Osvaldo Lopes da Silva e Júlio Carvalho ou Julinho]. (**) 

Um abraço amigo, 
José J. Macedo 
(Ex) Segundo Tenente FZE DFE 21

- Jose J. Macedo, Esquire 
Law Offices of Jose J. Macedo 
392 Cambridge Street 
Cambridge, MA 02141 
Tel. (617) 354-1115 
Fax (617) 354-9955 
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Nota de L.G.: 




O falecido presidente da Guiné-Bissau, João Bernardo Vieira, que hoje vai a enterrar, não deixa muitas saudades entre os seus antigos companheiros de armas de Cabo Verde. “Era uma figura sinistra, embora um grande combatente”, diz dele o comandante Osvaldo (...). 


Silvino da Luz, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde e mais recentemente ex-embaixador da Cidade da Praia em Luanda, é uma das raras personalidades cabo-verdianas e estrangeiras a fazer-se representar no funeral de João Bernardo Vieira que hoje tem (...)