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terça-feira, 24 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20173: In Memoriam (350): António Manuel Carlão (1947-2018): Testemunho de Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Não é impunemente que se viveu meses a fio ombro a ombro com aquele, acabamos de saber, já partiu e nós não sabíamos do passamento. A consternação é sincera, a CCAÇ 12 e o meu pelotão éramos pau para toda a colher, e não havia refilanços, era aguentar e cara alegre. Transformo esta mágoa do seu desaparecimento na recordação de um episódio um tanto brejeiro que vivi com o Carlão e daqui me curvo respeitosamente diante da sua família.

 Um abraço do
Mário


In Memoriam de António Carlão: Eu e a CCAÇ 12

Beja Santos

Foi com profundo constrangimento que recebi a notícia da perda do António Carlão, meu camarada em Bambadinca, por larguíssimos meses. Tanto quanto me recordo, a CCAÇ 12, comandada pelo Capitão Brito, chegou a Bambadinca, vinda de Contuboel, na segunda metade de 1969, ficou adstrita ao BCAÇ 2852. Os seus pelotões andaram em aperfeiçoamento operacional pelas redondezas, recebi em Missirá dois desses pelotões, andarilhámos por Mato de Cão, fomos até ao rio Gambiel e a Salá, eram os confins possíveis para patrulhamentos com caráter instrutivo, correu tudo muito bem, o que me impressionava é que aqueles soldados eram quase crianças, felizmente barulhentas e sadias.

Em novembro, o Comando de Bambadinca manda-nos para a intervenção, outro Pelotão de Caçadores Nativos, o 54, seguiu para o regulado do Cuor. Intervenção no Setor L1 significava um pequeno universo de atividades: levar munições para as milícias e populações em autodefesa, tanto podia ser em Madina Xaquili, no Cossé, como em Moricanhe, uma população sacrificada que ficava no termo de uma picada que partia de Amedalai, passava por Demba Taco e Taibatá; trazer ou levar doentes; pernoitar na ponte do rio Unduduma; passear à volta da pista de aviação, entre o anoitecer e o madrugar, uma atividade escabrosa, por ali se andava debaixo dos focos da pista, melhor posição para o tiro ao alvo não havia na região; e levar ou trazer correio, incluindo o expediente para o Comando do Agrupamento; dar assistência e continuidade nos Nhabijões, a CCAÇ 12 e o meu pelotão alinhavam de acordo com a escala; pernoitar na missão do sono no Bambadincazinho; fazer colunas ao Xitole, era uma digressão impressionante de dezenas de viaturas de civis onde se intercalavam as nossas tropas, com a GMC à frente, tudo bem planificado, picava-se daqui para ali, até Mansambo, os de Mansambo picavam até à ponte cujo nome não me ocorre, daí quem picava era a malta do Xitole, era uma viagem desabrida, nuvens de laterite evolavam-se para os céus em toda a época seca, chegava-se ao Xitole era despejar e recarregar, paragem relâmpago e regressava-se à velocidade máxima que a picada consentia; e havia outros afazeres miudinhos atinentes à escala do quartel; e deixo para o fim do cardápio a participação em operações e, coube-me no final da comissão, todo o mês de julho de 1970, a segurança ao alcatroamento da estrada entre o Xime e Amedalai.

A vida da CCAÇ 12 e do Pel Caç Nat 52 fazia-se em números de trapézio, revezávamos nesta vida de andarilhos, éramos uma CCS em permanente movimento, de armas na mão, um serviço de urgência 24 horas ao dia.

 Alf Mil Beja, CMDT do Pel Caç Nat 52

Cheguei em novembro, e continuo a olhar para esta fotografia sem perceber como um mês antes saíra vivo de uma mina anticarro, vivera meses esgotantes correspondentes a viagens praticamente diárias a Mato de Cão, estava-se na finalização das obras do porto do Xime, ninguém nos informara mas a região Leste recebia cada vez mais tropa com os inerentes reabastecimentos, eram comboios de embarcações civis com uma unidade da Armada a intimidar quem, eventualmente, do lado de Ponta Varela, quisesse bazucar. A fotografia dá-me outra dimensão: o corredor dos quartos dos oficiais, ao fundo, junto daquela barreira de bidões pintados de verde, era a nossa messe. Eu dormia num quarto com dois alferes da CCAÇ 12, camaradas de mão cheia: o Magalhães Moreira e o Abel Rodrigues, havia uma quarta cama para um qualquer oficial em trânsito. A porta que se vê no início do corredor dava frontal ao quarto do tenente da secretaria, seguia-se o quarto do médico e do capelão, que discutiam furiosamente a existência de Deus naquela guerra apoplética, depois os oficiais de transmissões e do parque automóvel, mais gente da CCAÇ 12, no fim os oficiais do Comando.

Com todos estes números de trapézio, de sair com duas secções, de patrulhar com dois pelotões, de fazer operações, era impensável não comunicar com o Carlão, exuberante, caminhando ereto para que não parecesse de estatura quase mediana. Tivemos um pequeno desaguisado, relatei-o no meu diário, e já aqui apareceu no blogue. Numa noite, já em pleno madrugar, vim da malfadada pista de aviação, e de manhã cedo estava escalado para patrulhar Samba Silate, outrora a mais populosa tabanca da Guiné, que se desfez nos finais de 1963, havia sempre fortes indícios da presença de populações que vinham seja do Buruntoni ou cambavam vindos de Madina, sonhava-se em apanhar esses civis com a boca na botija ou descobrir as canoas e rebentá-las, queria mesmo ir dormir e eis que ouvi da messe de oficiais uma voz maviosa que cantava “Bésame, bésame mucho, como si fuera esta noche la ultima vez”. Aturdido com o fenómeno, pensando que estava a sonhar, entrei na messe, e uma rapariga rechonchuda, com as maçãs do rosto avermelhadas, um cabelo loiro corrido, era a cantadeira e o José Luís Vacas de Carvalho dedilhava, com uma pose de Raul Nery. O Carlão, cheio de garbo, veio-me apresentar a mulher, vinha para estadear. Dias mais tarde, Jovelino Sá Moniz Pamplona de Corte-Real, o Comandante, à hora do almoço, avisa-me que temos reunião aí pelas três da tarde, ele nunca recusava a sesta. E deu-me ordens, amanhã comanda a catrafilada de viaturas até ao Xitole, não se preocupe, há muita gente a picar a estrada, vai na mecha e regressa na mecha, as viaturas estão a ser revistas, para evitar pneus rebentados ou avarias estúpidas. Organize o comboio como quiser. Como é óbvio, foi anulado o meu programa da tarde, andei a conversar com meio mundo, tudo pela calada, aquelas colunas deviam ser feitas com a máxima discrição.

Ao amanhecer, com o suporte de muita gente, começou a organizar-se o enfileiramento das viaturas, muitas delas metiam dó, iam ajoujadas, eram carcaças velhas, sobreviviam milagrosamente. E é neste afã que me aparece o Carlão com a Helena, esta de camuflado, e o Carlão anuncia-me que ela vai até ao Xitole e volta comigo. De atónito com tal proposta, a voz empastelou-se-me, era inacreditável, recompus-me e disse perentoriamente que não. Deu sarrafusca, felizmente que o bom senso imperou, a Helena ficou em casa, para sossego de todos.


Foi um prazer enorme revê-lo em Fão, em 1994, foi uma reunião destes trapezistas da guerra, conseguiu-se levar um antigo 2.º Comandante que gravemente se acidentou na rampa de Bambadinca, o então Major Ângelo da Cunha Ribeiro. Passara-se um quarto de século, o Carlão surpreendeu-me com o cabelo pintado, com a franqueza do costume explicou-me que não se pode estar ao balcão com um ar de velhadas, e reconstituí com a Helena, um pouco mais rechonchuda, aquelas peripécias da coluna ao Xitole.

Quando nos desaparece mais um camarada, daqueles com quem se vivera momentos improváveis, dores de outras perdas, dá-me para reconstituir alguns desses momentos de brejeirice que se nos atravessou pelo caminho, saber que ele está na paz do Senhor, assim o constrangimento da perda é minorado e o meu abraço à Helena e aos filhos é tão familiar como as agruras e desavenças que vivemos fraternamente, no périplo de Bambadinca, entre 1969 e 1970.
Repousa em paz, António Carlão.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20169: In Memoriam (349): António Manuel Carlão (1947-2018): testemunhos e comentários (Abel Rodrigues, Fernando Calado, Arsénio Puim, Jorge Cabral, Luís Graça)

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17851: In Memoriam (305): José Martinho da Silva (1944-2013), ex-soldado corneteiro, CCAÇ 818, Xitole e Fá Mandinga, 1965/67... Natural de Ereira, vivia em Caixeira, Montemor-o-Velho, morreu em 25/12/2013... Faria hoje anos: homenagem da sua neta, Tânia Pereira


Foto nº 1 > O José Martinho da Silva, sold cornt, CCAÇ 818 (Xitole, 1965/67),  no Saltinho.. Ao fundo, um trecho da ponte sobre o Rio Corubal.



Foto nº 2 >  Xitole (?)... A hora rancho (c. 1965/67)


Foto nº 3 > Xitole (?)... Sentado, em tronco nu, a fumar (c. 1965/67)


Foto nº 4 >  No navio de transporte de tropas com mais camaradas (c. maio de 1965)


Foto nº 5 > Possivelmente no Xitole (c. 1965/67)




Foto nº 6 > Possivelmente, verso da foto anterior:  distinguem-se bem dois tipos de letra: à direita, possivelmente a de um graduado ("Um bajuda é sempre notícia entre os soldados. Até o 28, o Gerês, tocou harmónica"... À esquerda, a do José Martinho da Silva: "Idália, aqui mais uma vez me encontro com uma bajuda preta. Ofereço esta foto à minha futura noiva como prova de amor"... José Martinho da Silva assentou praça em 1964 (nº mecanográfico 1822/64)... O SPM da CCAÇ 818 era o 2778. 



Foto nº 7 > Possivelmente no Xitole, com as bajudas e a criançada (c.  1965/67) 


Foto nº 8 > Postal de Boas Festas, para a namorada e futura esposa Idália... Saltinho, 17/12/1966




Foto nº 9 > Dedicatória. no verso de uma foto,  à namorada e futura esposa. Maria Idália de Sousa Custódio... Xitole 16/9/1965.



Foto nº 10 > Xitole (?) ... Com uma bajuda, na rua principal da povoação... (c. 1965/67)



Foto nº 11 > Xitole (?) (c. 1965/67)




Foto nº 12 > Xitole (?)... Nicho com a imagem de N. Sra. Fátima, construído e inaugurado pela CCAÇ 510,  em 13 de maio de 1965. A CCAÇ 818 terá ido render a CCAÇ 510, justamente em maio de 1965.


Foto nº 13 > Xitole (?)... (c. 1965/67)


Foto nº 14 >  Louvor do comandante militar do CTIG, briagadeiro Reymão Nogueira, com data de 5 de fevereiro de 1967, dado ao sold nº 1822/64, José M. Silva.


Fotos: © Tânia Pereira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Da nossa leitora Tânia Paredes, recebemos hoje, às 1h19,  a seguinte mensagem:

Exmo. Sr.

Envio este e-mail, com vista a poder homenagear o meu avó, que faria anos hoje, dia 11 de Outubro, através do Vosso Blog 'Luís Graça & Camaradas da Guiné'. Também ele esteve presente na guerra colonial na Guiné, e gostava. por isso, que fossem publicadas algumas das suas fotografias neste dia, se for possível.

Desde já um muito obrigada pela atenção.

O meu avô deixou-nos a 25 de Dezembro de 2013, e tem por nome José Martinho da Silva, nascido na Ereira, vivia na localidade da Caixeira, pertencente ao concelho de Montemor-o-Velho, Coimbra.

Seguem em anexo, algumas das suas fotografias e registos [, em número de 17,], deixando ao seu critério a escolha e colocação das mesmas.


2.  Resposta do nosso editor:

Tânia, teremos muito gosto em realizar o seu desejo, publicando  hoje mesmo este  poste de homenagem ao seu avô... Vamos aproveitar algumas fotos, a maioria está em mau estado, temos que as recuperar... Mas têm interesse documental, além de sentimental...

Não tem a caderneta militar dele? Ele era soldado corneteiro... A companhia anterior era a Companhia de Caçadores 510, a CCAÇ 510 [, foto nº 12], que esteve em Bissau, Xitole, Saltinho e Bissau, comandada pelo capitão de infantaria João Fernandes da Ressurreição. Data da partida: 14/7/1963, regresso a casa: 7/8/1965...

Ora o seu avó estava  em 16/9/1965 no Xitole e no destacamento do Saltinho (que pertencia ao subsetor do Xitole) em 17/12/1966 [, foto nº 8]... Deve ter regressado a casa em fevereiro de 1967 [, foto nº 14]...

Estes são os elementos que conseguimos recuperar das fotos... Confirme também o ano de nascimento do seu avô [, provavelmente 1944; ele fez a recruta em 1964, com 20 anos]...

Segundo o que apurámos mais, ele deve ter pertencido à CCAÇ 818, mobilizado pelo BCAÇ 10 (Chaves). Esta companhia, independente,  partiu para a Guiné em 21/5/1965  [, foto nº 4] e regressou em 8/2/1967. Esteve no Xitole (e Saltinho) e Fá Mandinga, no leste da Guiné, região de Bafatá... Teve 2 comandantes: cap inf José Manuel Pires Ramalho e cap inf Humberto Amaro Vieira Nascimento.

Veja se confirma estes elementos, ainda esta manhã, a subunidade a que pertenceu o seu avô... Em qualquer altura podemos corrigir o poste que publicamos agora mesmo. Vou pedir também aos nossos colaboradores que confirmem estes dados. Tínhamos, até agora, apenas uma referência a esta companhia no nosso blogue e nenhum representante na Tabanca Grande.

Ficamos sensibilizados pelo seu gesto. Onde quem quer o seu avô esteja, sentir-se-á orgulhoso da sua neta. Com esta publicação, o seu avô não ficará seguramente inumado na "vala comum do esquecimento"... Esta é também a missão do nosso blogue: ajudar a salvar as nossas memórias e as memórias das nossas famílias...

Um beijinho dos editores.
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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17727: In Memoriam (304): Faleceu o Comandante Pombo, José Luís Pombo Rodrigues, uma figura lendária dos céus da Guiné. As cerimónias fúnebres terão lugar segunda e terça-feira, no Carregado e Póvoa de Santa Iria (Manuel Resende / Maria João Alves Pombo Rodrigues)

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17808: Memória dos lugares (366): em 1947, Canchungo ainda não se chamava Teixeira Pinto, nem a vila de Gabu era Nova Lamego... Xime e Xitole escreviam-se com "ch" e o Quebo (futura Aldeia Formosa) nem aparecia no mapa....


Viagem ministerial e Obras do V Centenário do Descobrimento da Guiné.
Composição e desenho de A. T. Mota [1947]

Excertos da carta da Guiné,  elaborada por 2º tenente Teixeira da Mota, com o itinerário percorrido (linha a cheio com setas) pelo subsecretário de Estado das Colónias, em fevereiro de 1947, com indicação das obras construídas no âmbito do V Centenário do Descobrimento da Guiné (*)

Fonte: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol II - Número Especial, [Comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné], 1947, 454-455 pp. [O nº completo está disponível "on line" aqui]

Infogravura: Adapt. pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)

1. Como se pode ver, em 1947, Canchungo ainda não se chamava Teixeira Pinto, nem a vila de Gabu era Nova Lamego... Ambas já eram sede de circunscrição administrativa

Xime e Xitole escreviam-se com "ch" e o Quebo (futura Aldeia Formosa) nem aparecia no mapa.... Tudo indica que o aportuguesamento de alguns destes topónimos seja posterior, embora provavelmente ainda sejam no tempo do governador-geral  Sarmento Rodrigues, futuro ministro das colónias (e,depois, do Ultramar).

O jornalista Norberto Lopes, do "Diário de Lisboa", fez este mesmo percurso nesta data, e esteve em Canchungo e em Gabu. Vindo de Bolama, São João, Fulacunda e Buba, a caminho de Bambadinca e Bafatá. passou pelo Chitole... (e, antes de cambar o rio Corubal, passou pela tabanca Portugal, na margem esquerda). (**)

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17795: Memória dos lugares (364): Quem se lembra (ou ouviu falar) da tabanca de Portugal, a seguir aos rápidos de Cusselinta e à Ponte Carmona (em ruínas) (carta do Xitole, 1955)? Seria distinta de "Gã Portugal" que terá existido, também na margem esquerda do Rio Corubal, mas na península de Gampará... (Luís Graça / Cherno Baldé / Alcídio Marinho / Luís Branquinho Crespo / Luís Marcelino / Mário Pinto / António Murta)


Guiné > Mapa geral da Província (1961) > Escala 1/ 500 mil > Localização da tabanca de Portugal, que ficava antes do Xitole, na estrada secundária (com troço de picada, a tracejado) Buba - Nhala - Xitole...

Foi por aqui que passou, de automóvel, o jornalista do "Diário de Lisboa", Norberto Lopes, em janeiro/fevereiro de 1947, vindo de Bolama, pela estrada principal  São João - Fulacunda - Buba, a caminho de Bafatá (via Xitole - Bambadinca). Com a queda da Ponte Carmona, logo em 1937, quem vinha do sul tinha que passar pela tabanca de Portugal para ir cambar o rio Corubal para o "porto do Xitole" (sic) e seguir viagem, de carro,  para o norte ou para o leste (*)...


Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Mapa do Xitole (1955) > Escala 1/25 mil > Posição relativa da tabanca de Portugal, na margem esquerda do Rio Corubal, a sudoeste do Xitole. Era uma tabanca seguramente abandonada no tempo da guerra, mas referida na reportagem de Norberto Lopes, no "Diário de Lisboa", em 25/2/1947.

Não confundir com a tabanca de Lisboa, a escassos 3 km de Buba, visitada e citada pelo nosso camarada José Ferreira, e cujo chefe era um antigo soldado paraquedista, o Sadjo Camará. A tabanca de Portugal, no regulado de Incassol, já existia em 1947... E consta da carta do Xitole, que é de 1955..

Recorde-se que esta e outras cartas da Guiné resultam do levantamento efectuado em 1955 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandante e oficiais do N. H. Mandovi. A fotografia aérea é da aviação naval (Março de 1953). Restituição dos Serviços Cartográficos do Exército. Fotolitografia e impressão: Arnaldo F. Silva. A edição é da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, do antigo Ministério do Ultramar, s/d. Digitalização efectuada pela Rank Xerox (2005). Oferta do nosso camarada Humberto Reis.

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017).


1. Perguntei a três dezenas de camaradas se chegaram a conhecer (ou ouvir falar de) uma tabanca chamada Portugal... Ficava a escassos quilómetros do Xitole, do outro lado do rio Corubal... Quem vinha de Buba para o leste  tinha que passar por lá, contornando a Ponte Carmona, em ruínas (desde 1937, ano em que foi inaugurada) (*)... 

Em 1947 por lá passou, nessa tal tabanca de Portugal, o jornalista do "Diário de Lisboa", Norberto Lopes... Ninguém sabe como aparece este nome... Será que tem alguma relação com a construção da ponte Carmona em meados dos anos 30?

E quem seria este obscuro régulo Bacar Dikel que lá morava e "reinava" (mal)? Dikel será apelido fula ou biafada?

Alguns dirão que andamos há anos a discutir o sexo dos anjos neste blogue... Que importância tem, de facto, para a história, e sobretudo para o futuro, dos nossos dois povos, o raio desta tabanca, que deve ter sido destruída ou abandonada no tempo da guerra colonial?... A verdade é que há 70 anos existia e houve um "tuga" que a referiu, num jornal de Lisboa... Eu estava a nascer, em janeiro de 1947, quando o Norberto Lopes por lá passou... E os cartógrafos também a assinalam: no mapa geral da província, de 1961, era ainda uma terra relativamente importante...


Guiné > Mapa de Fulacunda  (1955) > Escala 1/25 mil > O Rio Corubal, margem esquerda (região de Quínara) e direita (região de Bafatá), antes de desaguar no Rio Geba... Localização de Gã João (ou Ponta João da Silva) e Gã Garnes (ou Ponta do Inglês)... Não conseguimos localizar, neste mapa, a povoação de Gã Portugal, referida por Alcídio Marinho.

Toda o triângulo Bambadinca - Xime - Xitole, e em especial a margem direita do Rio Corubal, foi batida, no início do "consulado" de Spínola, no âmbito da grande Op Lança Afiada (de 8 a 19 de março de 1969  (**)

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017).


2. Eis algumas respostas que recebemos, dos nossos colaboradores (*): 

(i) Cherno Baldé (Bissau):

Não conheço o local [, antiga tabanca de Portugal] nem nunca ouvi falar, mas tal como tenho dito num dos postes das minhas memórias sobre o nome dado à nossa aldeia (Luanda) do início da guerra colonial, era normal e muito comum que régulos, antigos cipaios ou militares que fundavam novas aldeias,  quisessem honrar ou mostrar suas simpatias para com Portugal e aos Portugueses. (***)

O meu tio paterno, patriarca da nossa família, foi colaborador e polícia da administração colonial em Bolama durante muitos anos. Há bem pouco tempo descobri que existia em Bolama um bairro com esse nome [, Luanda,] e pensei que, talvez, houvesse alguma ligação. É assim.

Por outro lado, a  zona de Xitole assim como toda a região de Forreá eram domínio fula, conquistado aos biafadas no séc. XIX. Assim, todos os régulos ou são fulas ou de ascendência fula e o Bacar Dikel não será excepção.

O nome que aparece como Sadiu Camará, chefe em 2005 da tabanca de Lisboa [, a escassos quilómetros a leste de Buba], dever se Sadjo Camará. (*)

(ii) Luís Branquinho  Crespo [que esteve na Op Lança Afiada]

Bem gostaria de ajudar, mas estive na margem direita do Corubal (1968/1970) e fui apenas duas vezes,  que me lembre,  junto da ponte Carmona e desconheço onde fica ou sequer tenha ouvido falar da tabanca Portugal a não ser agora.

(iii) Luis Marcelino

Não conheci a referida tabanca.

Embora tenha estado no sul, mais concretamente em Mampatá, cerca de dois anos, não tive oportunidade de conhecer muito, para além do espaço à responsabilidade da companhia.

(iv) Mário Gualter Rodrigues Pinto

Gostaria muito de poder contribuir para o solicitado, mas apesar de ter estado na parte sul do Corubal, mais propriamente em Mampatá e uma vasta área do zona junto ao Corubal ser ZA [, zona de ação,]  da minha companhia, nunca ouvi nem dei pela existência dessa tabanca.

Creio mesmo que os mapas ou croquis que nos davam para a Zona fizessem alguma referência à Tabanca [de Portugal] 

(v) António Murta:

Sobre essa enigmática tabanca, devo dizer que nunca fui tão longe, mas, se fosse, confesso que tropeçaria nela de surpresa porque ignorava a sua existência. O mais longe que fui, fica-se pela "Ponte interrompida" sobre o Corubal, e apenas estive sobre o tabuleiro uma vez, conforme descrevo num dos postes enviados ao Blogue há tempos. Era um lugar paradisíaco, fora do tempo, mas que causava uma impressão muito intensa. E de Nhala lá eram muitas horas por mata fechada quase sempre. Ora, essa tabanca, pelos vistos, ainda era mais afastada.

(vi) Alcídio Marinho

A tabanca "Portugal" chamava-se "Gã Portugal" ficava na margem esquerda do rio Corubal,
mesmo em frente à tabanca da Ponte do Inglês.

Da Ponte do Inglês fazia-se a cambança para a Gã Portugal. Ficava no caminho do rio Corubal para Fulacunda

Em Maio de 1963, pelos dias, 20 e poucos, fiz uma emboscada nesse local, onde prendemos dois turras que transportavam numa piroga um rodado de metralhadora pesada.

Era na zona de Gã Portugal que os aviões faziam a descarga das bombas sobrantes das operações, pois dizia-se que não podiam regressar a Bissau com os aviões com as bombas.


Guiné-Bissau > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Novembro de 2000 > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955.
Era então Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu em 1894 e morreu 1964. Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás). 

Praticamente só 20 anos depois, em 1956,  é que há uma ponte, moderna e segura, a ligar o sul e o norte da Guiné, no Saltinho, substituindo a famigerada Ponte Marechal Carmona, mais acima, que colapsou logo no ano da sua inauguração (1937).

Foto do "turista" Albano Costa, nosso camarada, que lá passou em novembro de 2000.

Foto: © Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. Comentário de LG:

Obrigado, a todos pelo vosso esforço de memória e sentido de colaboração... e também pelas pistas que deixam.

Ao António Murta quero dizer que, afinal, esteve relativamente perto da tabanca de Portugal, em 1973/74... em linha reta, mas longe, se ele caminhasse ao longo da margem direita do Rio Corubal... Dez quilómetros pelo mato, em floresta galeria, equipada, a nossa tropa  podia levar 5, 6  ou mais horas, tendo a sorte de não encontrar nem bichos nem homens pelo caminho... Mesmo assim, o Murta veio bem de longe, de Nhala, a seguir a Buba, até à Ponte Carmona...

Esta ponte nunca a  conheci nem me recordo de ter ouvido falar dela, no meu tempo (1969/71) e eu fiz operações no subsetor do Xitole... e colunas logísticas de Bambadinca ao Saltinho... Em contrapartida, estive por mais de uma vez na Ponte Craveiro Lopes, no Saltinho (que veio substituir a Ponte Carmona, em 1956), mas nunca passei para o lado de lá. Só o fiz em 2008, quando fui de Bissau a Iemberém, no sul, passando por Bambadinca, Xitole, Mampatá, Quebo, Gandembel, Guileje e indo mesmo até Cacine...

No tempo da CCAÇ 12 (Bambadinca, julho de 1969 / março de 1971), só fiz operações na margem direita do Rio Corubal, nunca na margem esquerda (nessa época, praticamente interdita, nem lá iam os fuzileiros; e, a propósito, temos falado muito pouco aqui dos nossos camaradas fuzileiros).

Quanto ao Alcídio, o mais "veterano" de todos nós, foi com ele que a guerra começou... Receio que não estejamos a falar da mesma tabanca...

Esta tabanca de Portugal vem assinalada no mapa do Xitole, e fica em frente ao Xitole, do outro lado (esquerdo) do rio Corubal, conforme se pode confirmar  aqui no mapa ou a carta  do Xitole (de 1955)... Mas também no mapa geral (1961) (vd. acima).

Devemos estar a falar de tabancas diferentes, em regiões diferentes, se bem que próximas... Diz o Alcídio:

(...) "A tabanca 'Portugal' chamava-se 'Gã Portugal'  ficava na margem esquerda do rio Corubal, mesmo em frente à tabanca da Ponte do Inglês. Da Ponte do Inglês fazia-se a cambança para a Gã Portugal. Ficava no caminho do rio Corubal para Fulacunda". (...)

Essa "Gã Portugal" devia constar do mapa ou carta de Fulacunda, também de 1955, mas eu não a encontro... significa em crioulo família, no sentido alargado do termo, clã: por exemplo, os Gã Martins, de Empada, a que pertencia o avô materno, Victor Vaz Martins, do nosso amigo e historiador guineense Leopoldo Amado... Veio do mandinga para o crioulo e também quer dizer "casa grande", quinta, exploração agrícola, "ponta" (vocábulo crioulo)...

Nas margens (esquerda e direita) do Rio Corubal havia várias povoações que começam por Gã, provavelmente relacionadas com colonos ou famílias lá estabelecidas:

Gã Garnes (ou Ponta do Inglês)

Gã João (ou ponta João da Silva)


Gã Júlio  (na zona de Mina), etc.

devia ser um casa (rural) isolada, com exploração agrícola, mais próxima do português "monte" (no Alentejo) ou "casal" do que de "aldeia" (aglomerado populacional reunindo diversas famílias)... É possível que houvesse no princípio da guerra uma tabanca chamada "Portugal" (mapa do Xitole) e uma povoação mais pequena ("ponta") chamada "Gã Portugal" (mapa de Fulacunda).

Quero, mais uma vez, agradecer a todos  e dizer o seguinte: descobrimos, ao fim de alguns meses de insistência e persistência, o mistério do acrónimo "ASCO" que existia (e existe) na parede de um dos edifícios de Gadamael que as NT ocupavam... Pois haveremos de descobrir, com tempo e pachorra,  e a colaboração de todos, o mistério da tabanca de Portugal... e já, agora, da Gã Portugal.

Tal como noutros territórios (Angola, Moçambique...), as autoridades coloniais criaram novas povoações ou rebatizaram outras: no caso da Guiné, temos, por exemplo, Nova Sintra, Nova Lamego, Teixeira Pinto... Mas também podia nascer novas aldeias, com nomes não gentílicos, de iniciativa local: por exemplo, o caso de Luanda, referido por Cherno Baldé... Resta saber quem está na origem da fundação da tabanca de Portugal (e já agora, da Gã Portugal, a ter existido e ser diferente).
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Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 22 de setembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17787: Memória dos lugares (363): tabanca de Portugal, onde vivia em 1947 o régulo Bacar Dikel, e que ficava a sudoeste do Xitole, na margem esquerda do Rio Corubal. É referida pelo repórter do "Diário de Lisboa", na sua crónica de 25/2/1947.

(**) Vd. poste de  16 de maio de 2013 >  Guiné 63/74 - P11575: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): I Parte: Cerca de 1300 efetivos: 36 oficiais, 71 sargentos, 699 praças, 106 milícias e 379 carregadores


(...) Foi devido a esta situação, no mínimo embaraçosa, e a chacota que dela resultaram, segundo explicou a minha mãe, é que justificou a fundação, entre 1959 a 1960 de uma nova aldeia no lado norte da bolanha, a menos de 2 km de Sare Coba, na confluência de Berekolóm (antigo feudo mandinga do Séc. XIX), que recebeu o nome do chefe da família, Sinchã Samagaia, que literalmente quer dizer a aldeia de Samba Gaia. Para agradar aos seus amigos da administração de Bolama, Sambagaia deu-lhe o nome de Luanda (porquê Luanda e não Lisboa?...). (...)

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17661: Notas de leitura (986): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte II (Luís Graça)

1. Continuação da "nota de leitura" do livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo (Leiria, Textiverso, 2017, 181 pp.; prefácio de António Graça de Abreu). (*)


O prefaciador da obra, o nosso camarada e escritor António Graça de Abreu, é o primeiro a destacar a qualidade da escrita de Luís Branquinho Crespo: “rica, acutilante, descomplexada, mas intensamente trabalhada” (p. 10). E isso é notório logo no cap. 1, o das despedidas e da partida para a Guiné: “agitou as mãos brancas em adeuses de saudades” (p. 14); “guarda ainda daquele dia o cheiro da roupa do pai, (…) padeiro, mantinha e exalava o cheiro macio da farinha à mistura com o sabor da côdea da broa de milho quente, quando acaba de sair do forno do pão” (p. 17); (…) “ficou-lhe colado, naquele instante, o cheiro a maçã molhada que exalava do rosto da mãe” (p. 19).

De resto, os cheiros, as cores, os sabores e as imagens do passado são uma presença constante ao longo do livro: (…) vinha-lhe à lembrança a humidade do clima e a frescura do cheiro de sabonete life-buoy após o banho inundando o ar e provocando sensações de limpeza e asseio numa atmosfera abafada de calor e de humidade” (p. 23); (…) “ocorria-lhe comer uma galinha de chabéu logo que chegasse” (p. 29); (…) “e naquele andar constante passam pelo Carlos de bunda tremida enquanto as mamas tremem como gelatina” (p. 43); (…) “alguém conseguirá descrever o cheiro da bolanha ?” (p. 52); (…) “é pegajoso aos sentidos e à memória, como a lama do tarrafo” (p. 53); (…) “foi escolhido jantar: sopa de peitos de rola. E depois, papaia bem regada com limão” (p. 86); (…) as papaias (…) estão gordas, grandes, redondas (…): são amojos de cabra prenha de leite” (p. 89); (…) “chega-se a Bafatá (…). Agora as casas são desabitações” (p. 91); (…) “a gente tem a alma aberta como ostra comida”(p.101)…

Enfim, são alguns exemplos, soltos, deste “pilão” onde o autor mistura, tortura e liberta memórias e

afetos, tornando apropriado o título do livro, "Guiné, um rio de memórias".

O livro vale também pelas memórias das gentes e dos lugares: Bissau, Saltinho, Guileje, Capé, Bafatá, Bambadinca, Xitole, Cussilinta, Buba, Mampatá, Varela, eQuinhamel,  no regresso a casa o deserto ou a sua borda marítima… “O deserto é fascinante: é um deslumbramento de silêncio” (p.162). Delicioso é o texto sobre a paragem em Marraquexe (cap. 20: Desmedidamente…. pp. 165-170), a cidade vermelha de mil encantos: (…) “o Joaquim [leia-se: António Camilo] era a décima quinta vez que ali estava” (p. 166)… “Dizia o Joaquim: não se percam . Tinha razão” (p. 167). (…) “o Joaquim perdeu-se do Carlos e o Xavier perdeu-se dos outros dois. Só muito tarde se encontraram. Vinham inebriados. Desmedidamente perdidos”… (pp. 168/169).

Quem volta à Guiné, como o Carlos, o Joaquim, o Xavier, o Matias…, e regressa a casa, nunca regressa completamente. O Carlos, tal como o Joaquim, passa a sofrer da síndrome da partida… e “ costuma dizer que tem mais dores aquele nunca regressa completamente” (p. 175).

Chegado ao fim desta “nota de leitura”, aqui ficam entretanto algumas chamadas de atenção para pequenos erros ou gralhas de toponímia, a corrigir em próxima edição.

- Varela e não Ponta Varela (pp. 119 e ss.) (Varela fica na região do Cacheu, ponta Varela fica na região de Bafatá, na margem esquerda do Rio Geba, a jusante, a seguir ao Xime, antes da foz do Rio Corubal):

- Pigiguiti e não Pitjiguiti (pp. 34-35) (quando muito Pidjiguiti ou… Pindjiguiti, como escrevem hoje os guineenses);

- 5ª Rep e não Rep 5 (p. 41) (o famoso café Bento, junto à Amura, em Bissau);

- Mato Cão (e não Matu Cão, quando muito Matu Kon, em crioulo) (p. 52);

- Ponte dos Fulas (em caixa alta) e não ponte dos fulas (p. 30) (destacamento avançado do Xitole, junto ao rio Pulom);

- A estrela do internacionalismo proletário (e não operário) que encima o nosso “antigo monumento à raça”, na antiga praça do Império, em Bissau (p.33);

- Rio Jagarajá e não rio Jagaraje (p. 79)...

E já agora, porquê "irâns" e não irãs, como usamos no blogue ? Julgamos que fica melhor grafado em português.

Por fim, ao sugestão: a criação de um glossário, a inserir no fim do livro, de preferência. As notas de rodapé, embora úteis (e imprescindíveis, sobretudo para o leitor não familiarizado com a cultura guineense), cortam o ritmo da leitura, distraem o leitor…E são mais de 8 dezenas. Algumas são dispensáveis: eu, por exemplo, evitaria todas as referências às “raças da Guiné”… Na realidade, o fula não é uma raça, mas um grupo étnico-linguístico… De resto, não há "raças humanas"...Ou melhor: há só uma...

Em contrapartida, há notas de rodapé que são deliciosas como a do “toca-toca” (p. 36(: “Carrinhas tipo furgão que servem de transporte particular entre as localidades. Na chapa lateral existem janelas muitas vezes feitas a cortes de tesoura de ferro. Servem para transportar pessoas e animais, e bem assim, produtos da terra como mancarra ou coconote. Avisa-se o condutor que vai entrar mais um passageiro, batendo na chapa. Por isso se chama Toca-Toca”. (**)

Em resumo, eis um livro que eu sugiro para leitura, neste verão, na praia ou no campo, a todos aqueles de nós que querem partir mantenhas com os nossos amigos e irmãos da Guiné, exorcizar os fantasmas da guerra, ou simplesmente matar saudades dessa terra verde e rubra, ainda cheia de sortilégios e mistérios, de dores e esperanças... LG

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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 7 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17654: Notas de leitura (984): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte I (Luís Graça)


(**) Último poste da série > 7  de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17655: Notas de leitura (985): “Portugal e o Império Africano - Séculos XIX e XX”, coordenação de Valentim Alexandre, Edições Colibri, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17654: Notas de leitura (984): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte I (Luís Graça)



Capa do livro do Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias". Leiria, Textiverso, 2017, 181 pp. (Prefácio de António Graça de Abreu). [Preço, com envio através do correio: € 15,80 já com portes, podendo esse valor ser transferido para o seguinte IBAN 0010 0000 1888 8110 0015 3.]



1. Esta é a viagem que muitos daqueles de nós, que estivemos na Guiné, entre 1961 e 1974, gostaríamos de ter feito (ou ainda fazer) no tempo útil das nossas vidas… E este é o livro que gostaríamos de ter escrito (ou ainda escrever), no regresso a casa…

”Turismo de saudade ?”… Não, não gosto do termo. Prefiro antes, talvez, expressões como “fazer o ajuste de contas com o passado”, “exorcizar os fantasmas da guerra colonial na Guiné”, “recompor o puzzle esburacado da memória”…

Quarenta anos depois de regressar a casa, são e salvo, mas provavelmente com a morte na alma, como muitos de nós, o advogado leiriense Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 54 (Xitole e Saltinho, 1968/70), voltou aos lugares onde deixou a sua juventude. Foi lá que completou os seus 25 anos, em 22 de dezembro de 1969.

Como muitos outros ex-combatentes que seguiram as mesmas peugadas, voltando à Guiné (uma, duas, três e até, nalguns casos, em missões humanitárias ou não), o autor partiu de avião e voltou por terra, de jipe, com mais dois ex-camaradas, em março de 2010. Atravessou sete países: Guiné-Bissau, Senegal, Mauritânia, Sará Ocidental, Marrocos, Espanha e Portugal. 

Convenhamos que foi uma aventura com alguns riscos calculados… Sete anos depois deu à estampa este livro de 181 páginas, e 21 capítulos. Não é um romance, não é um diário, não é uma crónica de viagem, não é uma biografia, não é um ensaio, não é um documento memorialístico, não é um longo poema, não é um solilóquio… É tudo isto um pouco, é algo mais, é uma mistura de géneros. É também uma ponte lusófona entre dois povos cujos destinos a história aproximou e afastou…

O jurista não matou o poeta da juventude (“Cidade sem fim”, Leiria, 1963). Como também o ex-combatente não impediu o viajante de redescobrir os cheiros e os sabores da “primeira vez“, nem o homem de sentir empatia e compaixão pelos guineenses de ontem e de hoje e de tentar compreender, mais do que explicar, os erros, os bloqueios, os paradoxos e as perplexidades do presente que estão a hipotecar o futuro da Guiné-Bissau.

Não sei qual foi o “making of” deste livro. Mas imagino: o autor deve ter feito o seu “diário de bordo”, além do “registo fotográfico” desta viagem de regresso à Guiné que em grande parte compartilhou com mais dois ex-combatentes, a par de pesquisas no nosso blogue e exploração de outras fontes.

Luís Branquinho Crespo coloca-se decididamente na pele de “viajante” e não de “turista”. Citando Paulo Bowles, uma viagem “é sempre uma experiência íntima” (p. 27). E, como alguém disse, e eu gosto de repetir, um turista é uma espécie de “estúpido em férias”: não vai à descoberta, vai para onde lhe mandam, com tempo e hora marcada...

Para se sentir mais confortável na elaboração da narrativa dessa experiência única (que é voltar à terra onde se viveu e combateu durante quase dois anos, a milhares de quilómetros de casa), ele coloca-se na pele de uma personagem, o Carlos Viegas, hoje contabilista, e que vivia em São Martinho do Porto, Alcobaça, à data da sua mobilização para a Guiné. É, obviamente, o “alter ego” de Luís Branquinho Crespo. De jipe, a que ele chama “toca-toca”, vai percorrer grande parte da Guiné, de Bissau ao Saltinho, com incursões pelo leste (Xime, Bambadinca, Bafatá, Xitole), pelo sul (Contabane, Mampatá, Quebo, Guileje, Cacine) e pelo norte (Varela).

O mesmo “toca-toca” levá-lo-á de regresso a casa, com mais dois companheiros de aventura: o Joaquim (que é o “retrato físico e psicológico” do nosso conhecido António Camilo, comerciante em Lagoa, a quem a revista "Visão" chamou o "o bom gigantye") e o Xavier (de quem se sabe pouco: é enfermeiro em Montemor-O-Novo)… Três almas inquietas, divididas entre o passado e o presente, exorcizando velhos e novos fantasmas..

Esta trilogia, com mais alguns personagens secundários mas fortes (a Fá de Varela, o Braima Bá, o Matias, a Maria, o António Pouca Sorte, o Aníbal do Pelicano, o Dauda, o Tchuto Axon, o Pepito de Iemberém…), podia ser a base da arquitetura de um poderoso romance, se o autor quisesse (e pudesse) enveredar pela ficção… Se o pano de fundo da história fossem os náufragos do império e da luta de libertação…

Mas, não, o autor quis apenas fixar para a posteridade estas suas “memórias da Guiné, alegres e doridas”, como ele deixou expresso na dedicatória autografada no livro que me ofereceu.

Mas, não, o autor quis apenas fixar para a posteridade estas suas “memórias da Guiné, alegres e doridas”, como ele deixou expresso na dedicatória autografada no exemplar do  livro que me ofereceu.(*)

Tinha feito uma primeira leitura em diagonal do livro, quando me chegou à mão, pelo correio, amável oferta do autor. Só há dias o li, na praia, de uma só penada, numa tarde.

2. Na realidade, é uma narrativa que nos toca e nos agarra, àqueles de nós que conheceram a Guiné, a de antes e/ou a depois da independência. O meu destaque vai para dois ou três capítulos fortes: cap 7. António Pouca Sorte; cap 13. ‘A gente tem a alma aberta como ostra comida’; cap 19. Janela do tamanho de porta de partida… É tudo horizonte… E, depois do horizonte, horizonte há…

O António Pouca Sorte, “mais preto que branco”, nascido na serra do Caldeirão em 1965, é uma história de vida pungente, de um homem, fugido à justiça portuguesa, que acabou por se perder pelos matos, bolanhas e rias da Guiné, um tangomau ou lançado dos tempos modernos, sem identidade nem memória (cap. 7).

O dramático relato do Braima Bá é o de um homem que, tendo servido o exército colonial, desde 1964 até ao fim da guerra (, onde acaba integrado no batalhão de comandos africanos), e que vai conhecer “o corredor da morte” do Cumeré, a fuga, o exílio, o opróbio, e que no final da vida ainda tem “a alma abertu suma ostra ora ku i kumedo” (p. 116) (cap. 13).

Por fim, no regresso a casa (cap. 19), Carlos, Joaquim e Xavier visitam a ilha de Goré, em frente a Dacar, capital do Senegal, e obrigatoriamente a casa dos escravos: “por ali passaram 12,5 milhões de homens na direcção das Américas por uma porta estreita que só para o mar” (p. 151)… “Ao Carlos, ao Joauqim e ao Xavier a palavra tornou-se muda e tolda-se-lhes a vista e as pernas tremiam-lhes: quem ali não se lembra de Auschwitz, Birkenau, Bremem, Essen, Treblinka”… (p. 151 “Os negreiros árabes ali os descarregavam” (p. 152)…”Ali está uma parte da miséria da humanidade” (p. 153)…

[A ilha de Gorée está classificada pela UNESCO como património mundial da humanidade´e foi recentemente visitada, incluindo a Casa dos Escravos, pelo nosso Presidente da República em visita oficial ao Senegal].

(Continua) (**)
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2 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17425: Notas de leitura (963): “Guiné, Um rio de memórias”, por Luís Branquinho Crespo, Textiverso, Unipessoal, Lda, 2017 (Mário Beja Santos)

21 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17383: Notas de leitura (959): Prefácio de António Graça Abreu, ao livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, lançado em Leiria no passado dia 6 com a presença do Presidente da Câmara Municipal local, Raul Castro, também ele ex-combatente

18 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17370: Tabanca Grande (437): Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, CART 2413 (Xitole e Saltinho, 1968/70)... Passa a sentar-se à sombra do nosso polião, no lugar nº 744. É advogado em Leiria e autor do livro "Guiné: Um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017)

(**) Último poste da série > 4 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17648: Notas de leitura (983): Um belo conto de Abdulai Sila, “O Reencontro” (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17607: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (45): Instruções para indicação de pontos na carta de 1/50.000 (Nuno Rubim, cor art ref, historiador militar)


Guiné > Carta do Xime (escala 1/50 mil) (1961)... Com os 9 quadrantes numerados, de acordo com o esquema B... Clicar aqui para ver em formato grande.

Esquema  A

Esquema B 





1. Mensagem de Nuno Rubim, com data de hoje, às 3h42, em complemento do pedido no poste anterior (*)

Caro Luis

Talvez isto ajude.
Material recolhido no A.H.M. [Arquivo Histórico Militar]

A minha única dúvida reporta-se a qual dos dois esquema, A ou B, era o utilizado.
Abraço

Nuno Rubim

2. Comentário do editor LG:

Nuno:
Obrigado, fez-se luz!.. As tuas instruções são preciosas... Posso confirmar, pela minha experiência operacional (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), relatórios de operações e leitura das cartas, nomeadamente do setor L1, que o esquema que se aplica é o B: de cima para baixo e da esquerda para a direita: 3/2/1 | 6/5/4 | 9/8/7....
Aqui vão algumas localizações:

Vd. carta do Xime (1 /50 mil)

(i) proximidades da ponte do Rio Jago (estrada Mansambo-Xitole): Xime 8A 5-36;
(ii) acampamento IN em Baio/Buruntoni: Xime 2D-81;
(iii) duas tabancas civis sob controlo IN entre a Foz do Rio Corubal e Ponta do Inglês: Xime 3A 2-46 e Xime 3A 4-11.

Mas também experimentei com outras cartas, em regiões onde fizemos operações: por exemplo, Namboncó, a norte do Rio Geba:

(iv) acampamento IN na região de Belel, oito moranças com colmo e 7 de adobe: MAMBONCO  7I4-97;
(v) fuga do IN na direção de MAMBOCÓ 8G6-32.

Também encontrei a referenciação mais detalhada, acima referida, com graus e minutos, por exemplo, no relatório da Op Lança Afiada, comandada pelo cor inf Hélio Felgas (iniciada em 8 de março de 1969, com a duração de 11 dias, envolvendo mais de 1300 militares e carregadores, que bateram toda a margem direita do Rio Corubal, ao tempo do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)... Por exemplo, algumas localizações de posições IN (ao longo da margem direita do Rio Corubal, que corresponde à carta do XIME):

(vi) Gã Garnes (Ponta do Inglês) (subsetor do Xime): 1500 1150 B5-5; 
(vii) Fiofioli (subsetor do Xime): 1500 1145 E4 ou D5;
(viii) Galo Corubal (subsetor do Xitole): 1455 1145 B5 ou D5.

Salvaguarda-se alguma eventual gralha datilográfica...

Espero ter ajudado. Um alfabravo. Luís

PS - O Nuno Rubim tem uma documentação, em suporte digital e em papel, absolutamente fabulosa sobre o TO da Guiné, onde fez duas comissões, no princípio e no fim da guerra (no QG)... Na primeira comissão comandou duas das unidades que passaram por Guileje: a CCAÇ 726 (out 1964/jul 1966) e a CCAÇ 1424 (jan 1966/dez 1966)...

O Nuno Rubim, hoje cor art ref, é um dos membros mais antigos do nosso blogue. Chegou até nós, no último trimestre de 2005, pela mão do nosso querido coeditor Virgínio Briote. Estiveram ambos nos comandos, na Guiné, em 1966, sendo na altura comandante da CCmds da Guiné o Nuno Rubim.

É um dos nossos camaradas que mais sabe da história militar da guerra colonial na Guiné (1963/74) e é um reputado especialista em história da artilharia portuguesa.  Terá mais de 90 GB de informação sobre o CTIG em geral e a região de Tombali, em particular. É um profundo conhecedor do Arquivo Histórico Militar.

Deus, Alá e os bons irãs te protejam, Nuno!
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domingo, 18 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17482: (De) Caras (77): Fausto Teixeira, deportado político em 1925, empresário em Bafatá, de quem o 2º tenente Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador Sarmento Rodrigues dizia, em 1947, ser um "incansável pioneiro da exploração de madeiras da Guiné"... Mais três contributos para o conhecimento desta figura singular (José Manuel Cancela / Jorge Cabral / Armando Tavares da Silva)


Guiné > Bissau > s/d [.c 1969] > À esquerda, o José Manuel Cancela. O terceiro é o António Teixeira, filho do Fausto Teixeira, que irá depois, em 1971, como furriel miliciano para Angola. "É curioso. O António Teixeira nunca me falou de um sobrinho nascido em Bafatá. Falava-me de um irmão mais velho que vivia em Palmela, tal como ele e o pai, o sr. Fausto".

Foto (e legenda): © José Manuel Cancela (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bafatá > Fá > Serração mecânica de Fausto Teixeira > 7 de fevereiro de 1947 > Visita do Secretário de Estado das Colónias, eng. Rui Sá Carneiro, e comitiva, no regresso a Bissau, vindo de Bafatá.

Segundo a "nossa leitura", do lado esquerdo, teríamos o eng. Rui Sá Carneiro, o prefeito apostólico José Ribeiro de Magalhães e o governador Sarmento Rodrigues; em segundo plano, rodeado dos seus empregados, parece ser o dono da empresa, observando (e possivelmente dando explicações sobre) o corte de um grande toro de madeira (à direita). O administrador da circunscrição de Bafatá, Carlos Costa, também terá integrado a visita, tal como o 2º ten Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador. Não sabemos quem é o autor desta fotos e das restantes que acompanham o extenso e altamente detalhado relatório da "visita ministerial", que é assinado por Teixeira da Mota. Não temos até agora nenhuma foto do empresário Fausto [da Silva] Teixeira,

Fonte: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol II - Número Especial, [Comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné], 1947, p. 370 . [O número completo está disponível "on line" aqui]

[Imagem digitalizada a partir de cópia pessoal pertencente ao prof Armando Tavares da Silva,  historiador, membro da nossa Tabanca Grande]


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Grupo de combate do Alf Mil Torcato Mendonça (que hoje vive no Fundão e é um dos nossos colaboradores permanentes), antes de a CART 2339 ser colocada em Mansambo, cujo aquartelamento iria construir de raíz. O arriar da bandeira ... 

Tirando as patrulhas ao mato Cão, para montar segurança aos barcos civis que atravessavam o Geba Estreito (Xime-Bambadinca-Bafata), Fá Mandinga era uma "verdadeira colónia de férias", beneficiando de "instalações ótimas"... Já aqui se escreveu, erradamente, que tinha sido uma "antiga estação agronómica por onde passara, nos anos 50, o engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA - Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa"... o que parece ser falso. O engº agrónomo Amílcar Cabral trabalhou e viveu, isso, sim, em Pessubé, perto de Bissau, com a sua esposa e colega portuguesa, Maria Helena Rodrigues.  

Segundo o Torcato Mendonça, as "instalações civis" estavam, na altura, à guarda de um civil, mandinga, o Marinho, que deveria ser pago pela administração [circunscrição de Bafatá ?] (Veja-se a deliciosa história do bode que foi roubado ao Marinho, quando o grupo de combate do alf mil Torcato Mendonça recebeu ordem para deixar Fá...].

Foto: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais 3 contributos para o conhecimento desta história singular, a de um deportado político que se torna um importante empresário na época colonial, exportador de madeiras tropicais:


(i) José Manuel Cancela, natural de (e residente em) Penafiel (ex-sold ap metr pesada, CCAÇ 2382, Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1968/70):

Amigo Luís.
Vou tentar responder às tuas perguntas, a partir do que ainda lembro.
O meu conterrâneo, que também se chamava Teixeira, sem ter traços familiares com o patrão [, o madeireiro Fausto Teixeira],  veio embora após o 25 de Abril. Estava muito revoltado por ter perdido o emprego, e culpava o exército por não ter acabado com a guerra. Enfim!!!

Infelizmente não me pode ajudar no que toca a este tema. Faleceu ainda nos anos oitenta, não tinha cinquenta anos.

Recordo-me que, nos princípios de 71, estava ele de férias, perguntei-lhe pelo António. Disse-me que passou por Bissau, com destino a Angola, como furriel miliciano. Junto uma das minhas fotos, onde estamos juntos, em Bissau, eu e o António.


(ii) Jorge Cabral, ex-alf mil art, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71] [o segundo, na segunda fila, na foto à esquerda]

Obrigado Luís!
Fá estava dividido, em duas partes, a de cima e a de baixo. Esta foto parece-me ser na parte de baixo.

Como te disse ao telefone, existia um guarda civil, o Marinho do qual tanto eu como o Torcato Mendonça [ex-alf mil, CART 2239, Fá e Mansambo, 1968/69], já falámos. Terá sido contratado, por via do fim da serração? 

Penso que a tropa só lá se instalou, em Fá,  a partir de 1965. Foi sede de Batalhão e de muitas Companhias. Em Julho de 1969 e pela primeira vez, foi entregue a um Pelotão, o meu. 

Era na parte de cima que se encontravam as melhores instalações. Uma casa óptima com vários quartos e duas vivendas, além de mais dois edifícios. Teria tido água canalizada e com certeza um potente gerador, que ocuparia uma casa própria, que o meu soldado Dairo aproveitou para a sua residência. 

Entre Julho de 1969 e Fevereiro de 1970, data da chegada da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, as mulheres e os filhos dos meus soldados viveram no Quartel. Não ocupámos nem a parte de baixo, nem a "casa grande" e as duas vivendas. 

Quem pagaria o ordenado do Marinho, que até fazia rondas nocturnas, munido apenas de uma lanterna e que uma vez foi alvejado pelo meu soldado Mamadú que, estando de sentinela, ao ver uma luz,  disparou ?... 

Abraço,   J. Cabral.


(iii) Armando Tavares da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.).  

Luís,
O Fausto Teixeira faria parte de um grupo de 26 membros da Legião Vermelha que, a bordo do cruzador Carvalho Araújo,  foram deportados para a Guiné, onde chegaram em Junho de 1925.

A Legião Vermelha era um grupo anarcossindicalista que varreu o país com uma onda de atentados bombistas contra figuras de destaque no campo do comércio, indústria, etc.,  supostamente conservadoras. A 15 de Maio de 1925 atentam contra a vida do comandante da polícia, coronel João Maria Ferreira do Amaral, que fica ferido. É na sequência deste atentado que um grupo destes anarquistas é deportado para a Guiné [entre eles, Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro]. Era presidente do ministério Victorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Foi o mesmo grupo que, em 1937, atenta contra a vida de Salazar.


Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro, com outros deportados para a Guiné, em 1925, alegados membros da misteriosa "Legião Vermelha". Neste grupo, é provável que conste o Fausto Teixeira. O Gabriel Pedro é o terceiro da segunda fila, a contar da direita.

[Fonte do fotograma:  You Tube > A Legião Vermelha - Portugal 1920/1925]




Excerto do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, nº especial, dezembro de 1947, pp. 368-370, a partir de cópia pessoal do nosso amigo Armando Tavares da Silva
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Nota do editor:

Vd. poste de 16 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17477: (De) Caras (83): Ainda o madeireiro Fausto da Silva Teixeira, com residência familiar em Palmela, amigo do "tarrafalista" Edmundo Pedro... Apesar da "amizade" com Amílcar Cabral e Luís Cabral, teve um barco, carregado de madeiras, atacado e incendiado no Geba, a caminho de Bissau...

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17425: Notas de leitura (963): “Guiné, Um rio de memórias”, por Luís Branquinho Crespo, Textiverso, Unipessoal, Lda, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Maio de 2017:

Queridos amigos,
Luís Branquinho Crespo tinha fundadas razões para regressar ao Xitole e ao Saltinho. Não é uma viagem solitária, vem em grupo, concede a este um papel subalterno, a romagem pertence-lhe, encontrar-se-á com gente abandonada, um guineense que combateu do lado português e um português que anda por ali aos tombos, não muito conformado mas resignado à, procura de raízes.
Acima de tudo, o que comove da leitura de um texto despretensioso é a entrega da intimidade, onde os pontos mais altos da chamada literatura dos regressos.

Um abraço do
Mário


Tem mais dores aquele que nunca regressa completamente

Beja Santos

Meu prezado Luís Branquinho Crespo,
Agradeço-lhe do coração o envio que me fez do seu livro que li com natural emoção. Nesse ano de 2010, ambos visitámos a Guiné, o Luís ansiava chegar ao Xitole e ao Saltinho, o meu “chão” era o Cuor e também Xime-Bambadinca, foi neste território que vivi 25 meses a fio; seguramente que nos cruzámos, já que vivemos por ali entre 1968 e 1970, Bambadinca era o nosso posto de abastecimento e quando fui viver para Bambadinca, em Novembro de 1969, pelo menos comandei três colunas ao Xitole, certo e seguro cruzámos as nossas vidas. De tal modo, que em 2010 percorri Bambadinca a Xitole, lendo o que escreveu tudo se reavivou na minha memória. Independentemente do prazer que tive em ler o seu livro, que tomei por um despretensioso bloco de notas de impressões de viagem a um retorno tão desejado, não tenho palavras para lhe agradecer o encontro de memórias que me proporcionou. Vamos agora especificamente ao seu livro “Guiné, Um rio de memórias”, que o nosso blogue tão justamente tem referido(1). Primeiro, fez bem, muito bem mesmo, em arquitetar Braima Bá e António Pouca Sorte, náufragos numa guerra e num país novo, que teve uma alvorada promissora e hoje depende de doadores e de um terrível noticiário que mete drogas e governos que não pode governar. As suas memórias inscrevem-se naquilo que Margarida Calafate Ribeiro crismou de literatura de regressos, e tem razão, o que ali aconteceu foi um dos marcos miliários que fez do menino um homem, e todas aquelas experiências foram decisivas, calejaram antigos combatentes em pessoas preparadas para destrinçar com mais rapidez entre o essencial e o acessório.

Segundo, gosto muito da sua viagem com seres humanos que não ter responsabilidade no seu regresso, fez bem, igualmente, em desenhá-los como turistas ou acompanhantes das alegrias e dores do regresso. E usou da simplicidade recordando a Bissau do seu tempo e a Bissau de 2010. Assim chegamos ao encontro com Braima Bá, ele tem muito para contar, fez muitos anos de guerra, fugiu ao terror das matanças da tropa africana que acreditou em Portugal, a despeito de um ódio velho Braima irá mostrar que está do lado da nação guineense, no conflito político-militar de 1998-1999. O quadro da guerra de guerrilhas e o que se passou depois da independência está resumido, parte-se para o Saltinho, anseia-se pelo Corubal.

Terceiro, tece-se no seu rio de memórias uma ida a Guileje e o encontro com António Pouca Sorte, alguém que tentou triunfar nos negócios em Portugal e na Guiné e que vive agora num rio de esquecimento, é imagem de tanta peregrinação de alguém que já não sabe qual a certeza do lugar em que vive. Quem viaja consigo percorre outros lugares, como Bambadinca, mas é o Xitole e o Saltinho os pontos fulcrais da sua literatura de regressos, aí serão retomadas as dores da guerra, a que chama labaredas lembranças, a invocação dos mortos, como se mobilava a solidão naqueles lugares ermos. A contrastar as emoções, o ver como esse mundo se desmoronou, casas em ruínas, ruínas do quartel do Xitole e ali mesmo a decomposição da autoridade do tempo presente, como anotou: A casa dos sargentos era, agora, o posto de polícia do Xitole, onde vivia um que fazia de polícia e tinha acabado de se levantar.

Fazia de conta que era a autoridade. De manhã e à tarde apresentava os olhos cheios de remela e continuava sem fato apropriado, nem boné, nem relógio que lhe comandasse o início de qualquer serviço. Com a irregularidade de se apresentar ao serviço não tinha nem podia ter alguma autoridade. Vestia calções, tufados, velhos e sujos e calçava sapatilhas desbotas na cor e muito usadas”.

Haverá mais observações sobre estados de ruína. E viaja-se até ao Saltinho, pressente-se que o coração anda alvoratado, são lembranças fortes.

Quarto, finda a romagem, há que fazer conceções ou turismo, viagens a Bafatá e a Buba, mas ainda um regresso ao Saltinho, volta-se a falar de Braima Bá e dos fuzilamentos dos Comandos, das operações que ambos viveram, cabe a Braima Bá o relato do fim da guerra e o desabafo de que não houvera reconciliação entre guineenses, continuam zangados, guardam velhos ajustes de contas, de prepotências e traições. Em dado momento, o bloco de notas faz-se uma enorme reflexão sobre o passado e o presente da Guiné, um belo texto.

Quinto, agora começa a viagem de regresso por terra, ao longo do Senegal, da Mauritânia, atravessasse o território Sarauí, mais à frente Marraquexe, depois de outras paragens chega-se a Portugal, os turistas irradiam para os respetivos poisos. E no termo da viagem o narrador despede-se de si e dos outros escrevendo: “Costuma dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente”. Às vezes questiono quais as grandes categorias de motivações para se fazerem estas viagens: ajuda humanitária para um povo amável, a quem apraz a nossa presença e o nosso cuidado; o regresso aos locais onde se cresceu e onde se deixaram fidelidades; o sentido da visitação para encontrar ambientes que para muitos foi uma autêntica descoberta de um continente, com aqueles cursos infindáveis de água, um tempo radicalmente divido em duas estações, os assombros dos tornados, das trombas de água, dos solos lunares… E junta-se o pretexto para encontrar gente que combateu ao nosso lado. Seja qual for a motivação dominante, racha o coração aproximarem-se de nós a pedir pensões, a pedir empregos em Portugal, para trazermos os filhos, para aqui estudarem ou serem futebolistas, estenderem a mão a pedir uma magra ajuda, porque se passa fome. Se somos fracos, se já nos informaram o que nos espera, negamos o propósito do regresso; se ali combatemos verdadeiramente ao lado de quem em nós confiou de pedra e cal, é inevitável o regresso, há quem confie que é uma honra merecida ali chegarmos com um beijo, um afago, o peso etéreo de um abraço que vale milhões de palavras. Também por isso se honra o passado comum lavrando estas memórias.
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Notas do editor

(1) - Vd. poste de 21 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17383: Notas de leitura (959): Prefácio de António Graça Abreu, ao livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, lançado em Leiria no passado dia 6 com a presena do presidente da Câmara Municipal local, Raul Castro, também ele ex-combatente

Último poste da série de 29 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17406: Notas de leitura (962): “Arcanjos e Bons Demónios, Crónicas da Guerra de África 1961-75”, por Daniel Gouveia, 4.ª edição, DG Edições, 2011 (3) (Mário Beja Santos)