Mostrar mensagens com a etiqueta evangelização. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta evangelização. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18688: Notas de leitura (1070): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
A história da evangelização/missionação dos Rios de Guiné do Cabo Verde não é o que se possa chamar uma história feliz ou com desfecho cor-de-rosa. Era a extensão da costa, entre o rio Senegal e a Serra Leoa, as zonas de resgate tinha forte concorrência estrangeira; era o clima mortífero e a natural incapacidade dos missionários se afoitarem pelas florestas adentro.
O bispo de Cabo Verde e da Guiné também não dispunha de recursos; a figura do Visitador era pouco menos do que inútil em termos de ação missionária. Por ali calcorrearam várias ordens religiosas, entramos agora, depois da Restauração numa nova leva missionária com os Franciscanos à cabeça.
É desse tempo que temos um relato espantoso, o de frei André de Faro, um quase romance de aventuras.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (2)

Beja Santos

Escreveu-se no número anterior que foram magros os frutos da evangelização colhidos na Guiné durante o primeiro século da sua descoberta, quando Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador em 1434, até 1533, ano da criação da diocese de Cabo Verde e Guiné.

Vejamos agora o que Henrique Pinto Rema escreve sobre as primeiras missões da Costa da Guiné no período correspondente entre 1533 e 1640.

O território para cima do rio Senegal pertencia à arquidiocese do Funchal, fixado por Bula Papal, em Agosto de 1536, pelo que não se fará nenhuma menção a este espaço. A presença de um homem branco na Costa da Guiné, insista-se, foi sempre diminuta. A Costa da Guiné era escolhida como lugar de castigo para grandes delinquentes. A partir de certa altura, o Cabido da Diocese de Cabo Verde enviava durante a Quaresma um sacerdote às feitorias dos europeus radicados na costa. Este sacerdote era conhecido pela designação de “Visitador”.

Pouco menos do que inútil foi a ação missionária destes visitadores. No entanto, temos que ter em conta as missões que ocorreram, de um modo geral com saltos de fracasso. Consideram-se os Jesuítas os primeiros missionários da Guiné, não pelo trabalho realizado, mas pela orgânica impressa à sua ação. Na verdade, de acordo com a documentação existente, esforçaram-se por planear a fixação de missões, estudando a sua logística e o seu acompanhamento. Tiveram discrepâncias com o Bispo de Cabo Verde até que abandonaram definitivamente a missão da Guiné em 1617; desta forma, do interregno político dos Filipes sobrepôs-se o interregno religioso. Em 1657, virão os franciscanos portugueses que ainda encontraram na região restos de frades capuchos espanhóis.

Para não cansar o leitor, vejamos em primeiro lugar uma panorâmica das missões religiosas na segunda metade do século XVI. Sabe-se pelo Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde, do Capitão André Álvares de Almada, que era flagrante o desamparo espiritual dos portugueses europeus. Escreve textualmente: “E à míngua de não haver quem pregue a palavra de Deus se não se salvem muitos gentios destes, e estão muitos dos nossos lançados vivendo em pecado mortal sem se apartarem dele, morrendo nele por falta de médicos da alma”.

A instituição do Visitador, faça-se notar, continuará até ao século XIX. Os Visitadores acumulavam muitas vezes as suas funções com as de vigários das praças, sobretudo da de Cacheu. Na segunda metade do século XVI, o mais notável empório comercial português na terra firme da Guiné situava-se no rio Grande de Buba. A maior povoação era no Porto da Cruz, em Guinala. Por aqui andaram em 1584 uns frades carmelitas descalços, mas foi uma falhada tentativa de fixar uma missão carmelita na Guiné. Frei Cipriano, carmelita, escreveu de Cacheu ao Bispo de Cabo Verde acerca da visita de um rei de Caió, D. Bernardo, juntamente com 300 súbitos, a pedir o batismo e uma igreja no seu reino. André Álvares de Almada, refere no seu Tratado a pessoa de João Pinto, padre preto, natural da Guiné, evangelizando em região hoje pertencente ao Senegal. Almada fala dos negros Jalofos “que começam no rio Senegal”: “Esta nação dos Jalofos é mais dificultosa em receber a fé de Jesus Cristo Nosso Senhor que todas as outras nações dos negros da Guiné, porque quase todos seguem a seita de Mafoma. E no ano de 1589 foi um clérigo preto por nome João Pinto àquele reino para os fazer cristãos e não fez fruto algum neles, e por isso se foi para outras nações”.

Numa relação acerca da vida comercial, social e religiosa do arquipélago de Cabo Verde e da Costa da Guiné, com data de Janeiro de 1582 e assinado pelo Sargento-Mor Francisco de Andrade ficamos a saber que havia dez resgates incluindo Cabo Verde, rio da Gâmbia, rio de S. Domingos, rio Grande, ilhas dos Bijagós, rio Nuno e Serra Leoa. Mas os franceses já possuíam uma porção preponderante em vários resgates.

Vejamos agora as missões dos Jesuítas nos anos 1600 a 1609. Há uma narrativa do padre Barreira que é um documento de grande importância intitulada considerações sobre a terra firme da Guiné e Serra Leoa e alguns ritos e costumes da gente dela. Para ele, a Guiné começava no rio Senegal e acabava na Serra Leoa. Nessas viagens o padre Barreira era acompanhado por outra figura de relevo a quem devemos um relato importante, o padre Manuel Álvares. Referiu-se atrás as grandes questiúnculas entre o Bispo de Cabo Verde e o Provincial dos Jesuítas, estes consideraram não haver condições mínimas para o seu trabalho evangélico.

Em finais de 1652, o padre António Vieira passa pelo arquipélago de Cabo Verde a caminho do Brasil. Nas suas cartas procura mover influências, pois sente grande dor das “infinitas almas remidas com o sangue de Cristo que não há quem as alumie com a luz da fé”. E regista numa carta a André Fernandes, bispo eleito do Japão: “Há aqui clérigos e cónegos tão negros como azeviche, mas tão compostos, tão autorizados, tão doutos, tão grandes músicos, tão discretos e morigerados, que podem fazer inveja aos que lá vemos nas nossas catedrais”.

Com a saída dos Jesuítas de uma vez para sempre da Guiné, irão tomar-lhes o lugar os Franciscanos. Vejamos agora a primeira missão Franciscana na Guiné, entre os séculos XVII e XVIII.

No final do domínio Filipino, dá-se pela presença de frades capuchinhos que foram encarados como ingerência francesa na região, viram-se muito hostilizados e retiraram-se em meados de 1638, alegando o clima mortífero.

Com a Restauração chegou a missão dos capuchinhos espanhóis que vingará durante cerca de 40 anos, terminado porém de forma pouco inglória. É um período de enormes tensões, com muitas queixas contra os religiosos estrangeiros, logo a seguir à restauração falava-se me espionagem dos missionários espanhóis a viver na região. Veio a comprovar-se serem boatos totalmente infundados.

A história da nova leva missionária franciscana portuguesa é contada com todo o pormenor (e que sedutor pormenor!) por frei André de Faro em Peregrinação de André de Faro à Terra dos Gentios, saboreia-se o prazer de um romance de aventuras. É uma época turbulenta, são anos cheios de tensão aqueles em que André de Faro parte de Lisboa e se oferece aos perigos da Guiné. Recorde-se que D. João de Áustria invade o Alentejo, parecia que os Bragança estavam perdidos, o Conde de Castelo Melhor, graças a um golpe de Estado, passou a governar o país, resolveram-se os combates de Ameixial e Castelo Rodrigo, no Oriente os holandeses apoderam-se de Ceilão, Cananor, Cochim, entre outras possessões.

Vejamos então a épica contada por André de Faro.

(Continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 21 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18659: Notas de leitura (1068): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18676: Notas de leitura (1069): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (36) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18659: Notas de leitura (1068): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
O trabalho deste franciscano é o mais importante sobre a história da missionação na Guiné. Não é uma história risonha, iremos detetando obstáculos logo entre o século XV e XVI, os missionários encontravam muçulmanos indefetíveis, vinham impreparados para resistir àquele clima mortífero, a presença do colonizador era diminuta e o traficante de escravos de modo algum se podia relacionar bem com esses missionários que pretendiam batizar os nativos.
Teremos que ir forçosamente por partes, a trama é naturalmente complexa e enorme, estou seguro que quem se interessa pelo tema encontrará neste relato um investigador dotado de uma enorme capacidade de surpreender.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (1)

Beja Santos

Em 1982, a Editorial Franciscana, Braga, dava à estampa aquele que é mais importante documento histórico sobre a missionação católica na Guiné, do século XV ao século XX. O padre franciscano Henrique Pinto Rema conheceu perfeitamente a Guiné e começou a publicar o produto da sua investigação no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, ainda na década de 1960, continuou as suas investigações nos anos seguintes e a obra publicada em Braga é seguramente o documento mais abalizado para o conhecimento da missionação católica.

O livro abre com a evangelização da Guiné entre 1434 e 1533. Explica pormenorizadamente o projeto henriquino e como este deu um passo decisivo com a ultrapassagem do Cabo Bojador em 1434. O Infante D. Henrique fez acautelar o seu projeto através da chancela de Roma. Assim, pela Bula Romanus Pontifex (8 de Janeiro de 1454), Nicolau V confiou ao Infante a conquista, ocupação e apropriação de todas as terras, portos, ilhas, mares, desde os cabos Bojador e Não até à Guiné, com poder de legislar e impor tributos e penas, invadir, conquistar e ocupar terras de mouros e pagãos, edificar mosteiros e igrejas com privilégio de padroado. A Bula Inter Cetera, de Calisto III, datada de 13 de Março de 1456, insiste na entrega à Ordem de Cristo da “espiritualidade nas ilhas, vilas, portos, terras e lugares desde os cabos de Bojador e Não até por toda a Guiné”. A Bula Dum Fidei Constantium, de Leão X (7 de Junho de 1514) em que se reserva ao rei de Portugal e dos Algarves todas as igrejas e benefícios eclesiásticos, desde os cabos Bojador e Não até aos índios, ficando sujeitos à jurisdição canónica do Vigário e Santa Maria de Tomar.

Analisando o problema da escravatura, Pinto Rema recorda que o Batismo era a primeira porta que se abria para obter o estatuto de negro forro. São muitas as referências nas Crónicas onde encontramos menções aos pretos forros. Está perfeitamente documentado que os missionários, designadamente a partir do século XVIII estiveram na vanguarda da batalha contra a escravatura. Todo este processo está perfeitamente documentado, e assim chegamos ao Marquês de Sá da Bandeira que em Dezembro de 1836 por decreto pôs termo ao tráfico de negros em todas as possessões portuguesas. Em 3 de Novembro de 1856 foi abolido completamente o trabalho forçado dos escravos; em 1876, a abolição da escravatura era um facto assente.

Entremos agora propriamente na missionação da Guiné. Religiosamente, a Guiné estava muçulmanizada ao Norte, pelo contacto com os mercadores do rei de Túnis, e era cada vez mais idólatra à medida que se avança para o Sul. Esta idolatria aparece ricamente documentada nos depoimentos, entre outros, de Valentim Fernandes, Jerónimo Münzer, Luís de Cadamosto.

Havia falta de religiosos por causa da extensão do território bem como pela extrema pobreza dos habitantes, é assim que observa Pio II em Outubro de 1462. Em Dezembro desse ano, o franciscano Frei Afonso de Bolando foi nomeado prefeito da missão da Guiné, com direito de “escolher quaisquer religiosos e pessoas para tal necessárias”. Mas só chegou à costa Ocidental africana muito depois, na década de 1470. O autor comenta que a escolha não terá sido a mais correta numa altura em que havia já um profundo diferendo entre as coroas portuguesa e castelhana quanto à natureza da missionação. Nesta época, já os portugueses tinham atingido o fundo da Serra Leoa e encontrado as ilhas do arquipélago de Cabo Verde. Os territórios desde os cabos Bojador e Não até ao Sul da Serra Leoa formavam a “província da Guiné”.

O autor resume a missão à Guiné com a chegada dos franciscanos e que se revelou ineficaz por diferentes razões: clima mortífero, o isolamento em que viviam os missionários, as dificuldades sentidas como inultrapassáveis criadas pelos prosélitos do islamismo, a dificuldade de penetrar em terras selvagens e inóspitas. Por motivos idênticos se tornaram ineficazes as expedições dos missionários dominicanos a Benim e ao Senegal em 1487 e 1488 respetivamente.

Uma carta de D. João III a Clemente VII, datada de 20 de Maio de 1532, pedia-se a elevação da diocese do Funchal a sede metropolitana. Ficar-lhe-iam sufragâneas as dioceses dos Açores, Cabo Verde e Guiné, S. Tomé (Costa da Mina e Congo) e Goa. Esta petição real foi deferida. A criação do bispado em Santiago que iniciou uma nova era na missionação do arquipélago de Cabo Verde e Guiné.

O primeiro testemunho da criação de uma igreja em território onde de facto havia presença portuguesa foi a igreja de ilha de Goreia, hoje Senegal. Cerca de 1456, Diogo Gomes consegue chegar à fala com o poderoso rei Nominans, chefe do país de Barbara, ao Norte da embocadura do rio Gâmbia. Este escreveu ao Infante D. Henrique para pedir um sacerdote e que se batizasse toda a gente. Desconhece-se o êxito evangelizador junto deste rei.

O rei Bemoim, da região de Jaloph, entre os rios Senegal e Gâmbia, manifestou interesse em ser batizado, veio até Lisboa onde foi batizado com pompa e circunstância tendo como padrinhos a família real, regressou ao seu reino numa armada comandada por Pêro Vaz da Cunha, pretendia-se construir uma fortaleza na foz do rio Senegal. Por razões não explicadas, tudo acabou por terminar mal, Pêro Vaz da Cunha matou D. João Bemoim à punhalada, a explicação que deu a D. João II foi de que havia suspeita de traição, o rei reprovou-o, a fortaleza não se construiu.

Desde a primeira hora que se conhece a expressão “grumetes” da Guiné, eram os naturais que a partir do momento em que eram batizados se consideravam brancos. Este conceito terá um grande peso na figura do grumete e na história da precária missionação que aconteceu na Senegâmbia e depois na Guiné Portuguesa.

Em jeito, de conclusão foram magros os frutos de evangelização colhidos na Guiné durante o primeiro século, depois de 1434, quando Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador, até 1533, ano da criação da diocese de Cabo Verde e Guiné. Por razões facilmente explicáveis, a evangelização em Cabo Verde foi um sucesso total. E dentro dos limites do atual território da Guiné-Bissau nada de especial se construiu. Henrique Pinto Rema vai analisar seguidamente as primeiras missões da costa da Guiné, entre 1533 e 1640.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18649: Notas de leitura (1067): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (35) (Mário Beja Santos)