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quinta-feira, 26 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2001: Todos ouviram falar do Morés, o mítico Morés, o Morés de todos nós (António Rodrigues / Luís Nabais/ Virgínio Briote)



Guiné > Regiãodo Oio > Picada Mansoa-Bissá > O famigerado 'Granadero'...

Foto de António Rodrigues (2007) (cortesia de Luís Nabais)


1. Mensagem do Luís Nabais, ex-Alf Mil, CCS/BCAÇ 2885, 1969/71(1):

Reenvio de uma mensagem de um camarada que era do meu Batalhão:

Será que conheces a história desta viatura? Chamaram-lhe o 'Granadero'. Está numa mata, que não me recordo ao certo, foram tantas. Também passei pelo Morés e não foi uma vez. Esta viatura pertencia a uma companhia, parece-me que de açorianos [, madeirenses, CCAÇ 1439,], que estiveram no Enxalé, Porto Gole e Bissá, de vez em quando iam jogar uns conta os outros. Então, na estrada de Mansoa para Bissá, sofreram uma emboscada, segundo parece com bastantes mortes, a aviação foi lá e com uma bomba queimou tudo.

Numa das operações que fiz qundo estive em Bissá, fomos dar com o 'Granadero', que parece que, depois do desastre, nunca mais ninguém se tinha aproximado dela, mesmo nós já tinhamos sido corrido várias vezes daquela zona.

Quando foi comunicado ao Spínola que tínhamos estado no 'Granadero', ele chamou-nos mentirosos, porque nunca ninguém se tinha aproximado do local. Voltámos lá e então arrancamos o tripé de uma metralhadora, salvo erro uma Breda ou MG3 [, uma Breda], assim como parte do limpa-vidros da viatura, que ainda estava cromado. Foi a única maneira do Spínola acreditar. Se quiseres perguntar no blogue se alguém conhece esta história, estás à vontade.

Um abraço,
Rodrigues

2. Comentário do co-editor vb:

A primeira referência que tenho de Morés, talvez em Abril ou Maio de 65, ouvi-a do Ten Coronel F. Cavaleiro, Comandante do BCAV  490, então com base em Farim. Ouvi-o dizer, numa manhã, que tinha havido um grande ronco, uma Companhia  do BART 733 (salvo erro, comandado pelo TenCor. Glória Alves), tinha dado com uma arrecadação de material na zona de Morés. E baixas nossas, alguém perguntou. Apenas uma, um alferes apanhou uns estilhaços de uma bailarina, nada de muito grave, parece.

Mais tarde, um ou dois meses depois, encontrei em Bissau, na 5ª rep (o Bento), o tal alferes. Tratava-se do Fernandes, não me consigo lembrar de mais nenhum nome. Contou-me o que se tinha passado e, displicente, ainda tirava, em plena esplanada, pequeninos bocados dos braços e das pernas. Só não tirava dos intestinos (tiraram-lhe um pedaço) e do pénis, que ele, púdico, não mostrava em público.

Depois, Morés passou a fazer parte do vocabulário. E Tambato, Cambajo, Namedão (na estrada Mansoa-Bissorã), Inchula, Iarom, Talicó. E, como tantos outros, pisei aqueles trilhos, uma duas, três vezes, sei lá quantas. Sem grande sorte, em termos de roncos operacionais, com grande felicidade, porque nunca tivemos azares. A mesma sorte não tiveram camaradas de outros grupos de Cmds.

O Soldado Florêncio Terêncio (na foto, à direita, com o 1º Cabo Tudela, em Set. 65 a receberem o crachá das mãos do Com. Militar), algarvio, do gr. Vampiros deixou lá uma perna e a vida. Antes de morrer ainda disse ao alf. Vilaça, comandante do grupo, que não se preocupasse, que uma semana depois voltava a estar operacional.

Mas quem conheceu bem Morés, naqueles anos, foi o Cor Rui Alexandrino Ferreira, o nosso Rui do "Rumo a Fulacunda", e desta obra vamos voltar a falar, mais lá para diante.

Morés, Morés, quem não ouviu falar, mesmo aqueles que por lá nunca passaram? Todas as companhias que estiveram no Oio, tiveram um ou mais pelotões que por lá entraram ou tentaram entrar.


Tal como um Vietname, muitos Vietnames, um Morés, muitos Morés. Do Vietname, a frase é do Che. Da Guiné, nunca ouvi, mas alguém o deve ter dito. E se ninguém disse esta frase, que interessa, foi no que a Guiné se foi transformando ao longo dos anos 63/74
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Nota de v.b.:

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1920: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (3): O mítico Morés

Guiné > PAIGC > 1970 > O repouso dos guerreiros, algures numa zona libertada (que até poderia ser o Morés) . A foto original (entretanto editada por nós) é do repórter fotográfico húngaro Bara István (n. 1942), que acompanhou a guerrilha do PAIGC em 1969 e 1970, em Conacri e nas matas da Guiné (em circunstâncias que, em todo o caso, não conhecemos). Já o tentámos contactar por e-mail, mas até agora em vão, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria que funciona como uma espécie de montra do seu actual estabelecimento de fotografia e artigos fotográficos, sito em Budapeste.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)





Guiné > PAIGC > Morés. In: O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 34-35. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966

Fotos: © A. Marques Lopes / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

1. Comentário de L.G.: Não sei quem é o autor dos textos deste manual escolar. Mas vê-se que há aqui o dedo do próprio Amílcar Cabral que amava a sua terra e as suas grandes florestas, como engenherio agrónomo que era, formado em Portugal, no prestigiado ISA - Instituto Superior de Agronomia, da Universidade Técnica de Lisboa, entre 1945 e 1950.

Nesta lição fala-se do mítico Morés, na região do Oio, um dos santuários do PAIGC, e um das regiões que mais resistiu à estratégia de pacificação das autoridades portuguesas, nomeadamente no tempo da I República, entre 193 e 1915, sob o comando do famigerado Capitão Diabo (2).

Há alguns textos, no nosso blogue, que falam do Morés, das gentes e da organização do PAIGC e da contra-ofensiva das NT na região. Era um nome que impunha respeito às NT. Em todo o caso, deve dizer-se que, no interior da Guiné, não se podia falar, tecnicamente, em santuários impenetráveis às NT. Todavia, só com grandes efectivos e tropa especial (páras, comandos, fuzos) é que se ia, uma vez por ano, no tempo seco, a determinadas regiões que o PAIGC considerava como libertadas... Eram regiões de difícil acesso por terra, devido à existência de floresta-galeria, rodeada de cursos de água, bolanhas e lalas... Todo o resto do ano, essas regiões eram, quando muito, bombardeadas pela artilharia e pela aviação (no caso do Morés, com napalm, inclusive, documentada na fotogaleria do Bara István) (3).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post anteriores:

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1899: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação

1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)

(2) Vd. post de 20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira Pinto)

(3) Vd. posts de:

31 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74: CCLIX: Estórias do outro lado: Ana, a enfermeira do Morès (Virgínio Briote)

31 Outubro 2005 > Guiné 63/74 - CCLX: Ana/Siga ou as mulheres do PAIGC de que nunca se fala (Virgínio Briote)

6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1154: O baptismo de fogo de um paraquedista e a morte de uma enfermeira no corredor do Morés (Victor Tavares, CCP 121)

17 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1533: De regresso a Bissorã: Uma viagem fantástica (Carlos Fortunato)

(...) "Mito e realidade do Morés:

«Penso que a função deste aquartelamento, em Braia, era fundamentalmente defensiva, pois assegurava que a ponte não era destruída, e também dava proteccção à zona entre a ponte e Mansoa, pois o rio Braia dificultava a fuga aos guerrilheiro que actuassem nessa zona. Este sistema defensivo permitia que, entre Braia/Infandre e Bissorã, o PAIGC podia facilmente movimentar-se, pois não existia (naquela altura) mais nenhum quartel entre Braia/Infandre e Bissorã, e colocava Braia/Infandre na linha da frente. Infandre gozava do apoio das armas pesadas de Mansoa, e mais tarde também de Bissorã, e poderia ser socorrida por Mansoa, que ficava a pouca distância.

"Na estrada que seguia para Bissorã, depois de Infandre, tínhamos do lado direito da estrada, a uns 10 Kms, o Morés, onde estava o QG do PAIGC para a zona norte, era um dos seus santuários, e era considerado zona libertada; do lado esquerdo da estrada, tínhamos o Queré, nele existia um bigrupo, reforçado com uma unidade de artilharia (60 a 80 guerrilheiros).

"Na altura o que se pensava do Morés, era que existiam ali estacionados 900 guerrilheiros do PAIGC, nos quais se incluiam cubanos, possuindo armas pesadas (morteiros 82). A CCAÇ 13 foi lá uma vez, com 70 homens, e não ficou com saudades de lá voltar (Operação Jaguar descrita no site da CCAÇ 13 - Os Leões Negros). O que acontecia aos aquartelamentes estacionados naquela zona eram ataques pontuais do PAIGC, e confrontos durante as patrulhas ou operações que fazíamos" (...).

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1611: Evocando Barbosa Henriques em Guileje (Armindo Batata) bem como nos comandos e na PSP (Mário Relvas)

4 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1644: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, Pel Caç Nat 58 (4): Recordando o mítico Morés (Afonso M.F. Sousa / Carlos Fortunato)

30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1711: Tertúlia: Apresenta-se o Fur Mil Rui Silva, CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67)

quinta-feira, 8 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1574: Uma estória dos Gringos de Guileje (CCAÇ 3477): Estás f..., pá! (Amaro Samúdio)

Lourinhã > Aspecto parcial do Monumento aos Mortos do Ultramar. 2005. Arquitecto: Augusto Silva. Escultora: Andreia Couto (1). O meu primo, José António Canoa Nogueira, foi o primeiro soldado da Lourinhã a morrer, em terras da Guiné, em 1965, em Ganjolá, Catió (2)... Lembro-me do seu impressionane funeral e quanto a palavra Guiné me marcou... Tinha eu 18 anos, já feitos... Quando cheguei à Guiné, em finais de Maio de 1969, Guileje e Gandembel eram para nós, periquitos, nomes míticos, para além de Madina do Boé... Inspiravam respeito e temor, e pronunciavam-se baixinho... (LG)

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) > Foto aérea de 1972 do aquartelamento e tabanca de Guileje, tirada no sentido oeste-leste. Ao fundo, a pista de aviação e o heliporto.

Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.


Texto do Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 3477 (1971/73) - Os Gringos de Guileje:

Por engano, fui passar férias aos Açores, Arrifes, BII 18, no Paquete Funchal. A Companhia já tinha ido para a Guiné. Ainda bem. Regressei a Lisboa no mesmo Paquete e numa altura em que os banhos na sua piscina permitiram umas tardes de enorme gozo.

Não voltaram a enganar-se e, no Uíge, cheguei à Guiné em 29 de Novembro de 1971.

Apresentei-me, de noite lembro-me bem, naquelas mesas em Brá, onde entreguei a caderneta.
- Estás fodido, pá! - diz-me um Sargento, certamente por, a vermelho, estar escrito na caderneta CCAÇ 3477.

Como já andava na tropa desde Janeiro de 1968, perguntei-lhe com a natural irreverência de quem nada temia:
- Estou fodido, porquê?
- Vais para Guileje - responde-me ele.
- Guileje? - diz um cabo que estava próximo dele, saltando para baixo e vindo ter comigo.
- Vais para Guileje? - pergunta-me.
- Acho que sim, sei lá.
- Não te preocupes - acalma-me ele. - O problema é quando temos que ir para a mata. Dentro do quartel enfiamo-nos dentro dos abrigos e elas podem cair. Não há problema nenhum.
- Obrigado.

Fiquei naturalmente mais descansado, não resistindo, no entanto, a perguntar-lhe porque estava ali.
- Vim com um Madeirense. Na primeira saída para a mata sofremos uma emboscada. Um velhinho Madeirense foi ferido. Eu sou enfermeiro e vim com ele para o hospital de Bissau.
- Obrigado. Já estou mais descansado.

No dia seguinte lá embarcámos, na LDG até Gadamael Porto, seguindo posteriormente na coluna que nos levou ao quadrado de arame farpado, na altura suportado por paus , chamado Guileje.

Houve, entre nós, os naturais problemas daquela má fase da nossa vida, mas...
- É o meu Amigo Monteiro!...

Foi o primeiro Gringo que conheci.

A. Samúdio

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005) (Luís Graça)

(2) Vd. posts de:


22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

8 de Setembro 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá (Luís Graça / José António Canoa Nogueira)