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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3884: Poemário do José Manuel (26): O regresso a Mampatá, 35 anos depois...

Guiné > Região de Quínara > Buba > A LDG carregada com o material da companhia, a CART 6250 (Mampatá, 1972/74), a sair de Buba, a caminho de Bissau, depois de terminada a comissão.

Guiné > Bissau > 1974 > Cinco Furriéis da Companhia dos Unidos de Mampatá num bar em Bissau, a matar o tempo esperando um avião que demorou dois meses a chegar (29 Agosto de 1974)...

Da esquerda para a direita (segundo o Josema): (i) o José Manuel Lopes (Josema), (ii) o Martins, o alentejano vagomestre ("que só nos dava arroz com arroz") , (iii) o José Manuel Vieira, madeirense (que jogou futebol no Porto, Sporting e Benfica dos 15 aos 19 anoso), (iv) o Camilo, de Portalegre, (v) e o dono da ferrugem, o mecânico auto-rodas, o Nina, da Covilhã ("que namorou a mais linda Mampatense do nosso tempo" e que agora vai regresssar à Guiné, juntamente com o José Manuel e o António Carvalho, quer era o furriel enfermeiro, e que não aparece aqui neste grupo).


Fotos: © José Manuel (2008). Direitos reservados

1. Mensagem do José Manuel Lopes (*), com data de 6/2/09:

Boa noite, Luís:

Finalmente uma promessa com quase trinta e cinco anos vai ser cumprida. Dia 20 parto para a Guiné.

Em Agosto de 1974, 26 meses depois de ter chegado, era tempo de regressar.

Cerca de dois meses antes, em Buba, onde embarquei numa LDG a caminho de Bissau, Amadu a todo o custo queria vir connosco, os seus gritos no Cais de embarque só deixaram de se ouvir, quando a LDG se afastou rio abaixo. Sem qualquer hipótese de valer ao desejo do miúdo que durante dois anos viveu ao nosso lado, foi nosso criado, protegido, amigo e aprendeu a ler na Escola de Mampatá, onde o Furriel Simões e eu às vezes ensinávamos o AEIOU.

Quando o cais de Buba se perdeu de vista, tirei o bloco do bolso lateral das calças camufladas e escrevi (**):


É tempo de regressar
às minhas parras coloridas
e ver a água a gelar.
Esquecer mágoas e feridas
e a todos abraçar.
Olho por cima dos ombros,
vejo a mata, lembro Amadu.
E nem tudo são escombros,
há Susana, há Varela,
as ilhas de Bijagós
e a vida pode ser bela
se nunca estivermos sós.
Houve prazer e amor
em terras de Mampatá,
senti a raiva e a dor,
saudades do lado de lá,
a distância e tanto mar.
Mas não há ódio ou rancor
e um dia...vou voltar...



Graças à Tertúlia de Matosinhos, aos Veteranos de Coimbra e à sua Associação Humanitária Memórias e Gentes, vou realizar um sonho antigo. Os relatos do Velhinho Teixeira que nos precedeu em Mampatá e lá regressou o ano passado, me deixaram ansioso. Como ele foi recebido tanto tempo depois!!! As verdadeiras amizades nunca acabam e um pouco de nós ainda lá está.

Comigo vão o Carvalho e o Nina, furriéis da minha companhia e que sempre tiveram uma empatia muito grande com a população de Mampatá, o Carvalho era o estimado Dotô daquela gente, a quem sempre assistiu com muito carinho (***).

Assim dia 20, aí vamos nós. Na próxima semana irei a Lisboa levar uma encomenda de vinho e azeite para 3 Restaurante e dois amigos (clientes), se tiveres alguma lembrança para lá , com muita honra serei teu portador.

Um abraço
José Manuel

2. Comentário de L.G.:

Querido amigo: Encontramo-nos na próxima segunda-feira, conforme combinado. Tens o meu nº de telemóvel: 931 415 277. Não te esqueças do azeite e do vinho que te encomendei.

Bj e abraços para o teu clã. Luís

_____________

Notas de L.G.:

(*) Sobre o nosso camarada José Manuel Lopes, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

O José Manuel Lopes foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, na CART 6250 (Mampatá, 1972/74). Natural da Régua, é um conceituado vitivinicultor, explorando a Quinta da Senhora da Graça, com sede em Senhora da Graça, 5030-429 Lobrigos (S. J. Baptista), concelho de Santa Marta de Penaguião, distrito de Vila Real, Telef. 254 811 609.

Tem vinhos premiados e partilha o seus néctares com os amigos e os clientes. Tem uma equipa de cinco estrelas: a esposa, Maria Luísa, e uma filha, ainda estudante, e um filho, o Vasco Valente Lopes, promissor énologo, com prémios já ganhos e estágio na Austrália. O nosso camarada faz também turismo rural. É membro da nossa Tabanca Grande desde finais de Fevereiro de 2008 e frequenta, religiosamente, às 4ªs feiras, a Tabanca de Matosinhos.

Vd. ainda o poste de 3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3165: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (6): Com o José Manuel, in su situ, um pé no Douro e uma mão no Marão (Luís Graça)


(**) Vd. último poste da série > 24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3787: Poemário do José Manuel (25): A Morte

Vd. também o postes de;:

21 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2868: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (7): Homenagem a um camarada, poeta e viticultor, o José Manuel

17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

(**) Vd. alguns dos recentes comentários do António Carvalho, no nosso blogue, mostrando grande entusiasmo em relação à sua viagem de regresso à Guiné e à "sua Mampatá":


8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3853: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (3): Lágrimas no desarmamento dos milícias de Cumbijã, em Agosto de 1974

Caro Manuel Reis:

Estive em Mampatá, Cart 6250, entre 72 e 74. Inaugurámos Colibuía por volta de Maio de 73 e lembro-me de estar lá e ouvir os ataques a Guileje. Colibuía, Cumbidjã e Nhacobá são topónimos da Guiné que nunca esquecerei. Espero rever esses e outros lugares daquela região do Tombali, muito brevemente pois partirei para lá no dia 20 de Fevereiro. Muito gostaria que viesses almoçar com rapaziada da Guiné (ex-combatentes)no próximo dia 11 ou 18 ao restaurante Milho Rei a Matosinhos.

António Carvalho
TLM:919401036
8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3854: Tabanca Grande (112): Alberto Sousa e Silva, ex-Soldado de Transmissões da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70

Caro camarada Alberto Silva:

Muito grato fico àqueles que, como tu, escrevem sobre os locais da Guiné que também foram e são meus. Estive em Mampatá desde 29 de Julho de 1972 até 23 de Julho de 1974. Se Deus quiser, voltarei a esses locais onde passarei a primeira semana do próximo mês de Março.Se quiseres que leve um abraço para alguém fá-lo-ei por ti. Gostaria muito que viesses almoçar com os tabanqueiros da Guiné, a Matosinhos, numa quarta-feira qualquer. Um abraço. (...)

5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3842: Tabanca Grande (111): José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Guiné 1966/68

Caro Amigo José Brás:

Não te conhecia nem como ex-combatente 'tabanqueiro' nem como escritor de muito mérito. Bastou-me saber que também te castigaram aqueles calores e te sangrou a alma, por aquelas matas e capins de Aldeia Formosa, para ganhar um amigo. Bastou-me ler a análise que fazes daquele conflito, com a razão de quem pensa e a sabedoria de quem repensa, para perceber que estou perante alguém com quem me identifico. Eu ainda não li aquele livro do Coutinho Lima, sendo certo que,desde que comecei a aprender a aceder ao nosso blog, tenho lido tanta coisa sobre a guerra da Guiné que não sei se precisarei de ler o livro. ´

Depois, lembro-me muito bem de estar em Colibua e ouvir aqueles desgraçados a embrulhar uma semana seguida.É certo que se fala das nossas vitórias em Gadamael e Guidage mas, se foram vitórias, foram de Pirro. De facto puseste o dedo no ponto e, por outras palavras eu diria:a guerra não é nenhum projecto de engenharia e tem a ver com pessoas e com povos. Aguentar, sofrer, morrer...até ver quem ganha e quem perde! (...).

sábado, 24 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3787: Poemário do José Manuel (25): A Morte

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) >

Foto e poema: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem de 28 de Fevereiro de 2008, que o José Manuel Lopes me enviou na véspera de eu partir para Bissau, para participar no Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008)


Um abraço, camarada, uma óptima viagem até Guileje (Guiledje!). Leva um pouco
da minha saudade e nostalgia. Mas ainda hei-de um dia voltar aquela estrada.


2. Poemário do José Manuel (25) (*)

A Morte
Senti-la passar ao lado,
em forma de assobio
cruel,
com ela levando
aqueles
que nunca voltam,
sentir
o sabor amargo
de enxofre na garganta,
a angústia de despedidas
sem um acenar de mão
daquelas vidas perdidas...
e há coisas
que não se contam
e morrem no coração.

Guiné 1973
josema
_________

Nota de L.G.

(*) Vd. último poste da série > 17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3468: Poemário do José Manuel (24): Sabes o que é morrer... ?

terça-feira, 1 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3010: Poemário do José Manuel (19): Aqueles assobios por cima das nossas cabeças...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "O Furriel Gomes do Pelotão de Caçadores Nativos, o Amadú, um guia e amigo do mesmo pelotão, e eu, carregado de cadernos e livros apreendidos no corredor da morte [ou corredor de Guileje]. De salientar a quantidade de livros escolares em português que o PAIGC tentava fazer chegar às zonas por eles controladas".


Foto, poema e legendas: © José Manuel (2008). Direitos reservados (1)


Aqueles assobiossobrevoando cabeças
os rostos no chão
beijando a terra vermelha
os dentes rangendo
mordendo em vão
os ouvidos prenhes
de sons brutais
os olhos abertos
que nada vêem
os gritos loucos
saídos do inferno
o silêncio surdo
que cai bruscamente
os olhares vazios
procurando rostos.


Nhacobá 1973
josema (2)

______

Notas de L.G.:


(1) Vd. último poste da série > 22 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2973: Poemário do José Manuel (18): Não se morre só uma vez...

(2) Poema e foto enviados em 16 de Abril de 2008. Sobre o autor, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

domingo, 15 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2946: Poemário do José Manuel (17): A Companhia dos Unidos

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) >

"Foi uma Companhia Unida, esta dos Unidos... Os tempos eram preenchidos, além do futebol, com as mais diversas iniciativas. O Capitão, o Alferes Farinha, o Alferes Esteves e outros ocupavam-se a realizar as mais diferentes acções para preencherem o vazio e ocuparem a mente.

"Foto acima: Um grande jogo, a foto não é minha pois estava a jogar. Sei que esmágamos uma das Companhias do batalhão que estava em Aldeia Formosa, uma goleada das antigas apesar do árbitro ter sido um nativo do Quebo" (JML)



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "O Teatro era outra das ocupações, e digam lá se o Furriel Martins, o vagomestre, não era uma brasa? Que por momentos deslumbrou o Pinheiro, soldado de transmissões do 1º. grupo de combate" (JML).

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Exposição de trabalhos em fósforos , feitos pelos soldados" (JML).


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Cartas... todo o tipo de jogos, sueca, etc. em que eu quase sempre perdia, torneios de King, nos quais me saía melhor, mas raramente era o rei. Os furriéis José Manuel, Jose Manuel Miranda Lopes de frente, o escondido é o Polónia e de costas o alferes Farinha, comandante do 1º Grupo de combate e quem comandava a Companhia na ausência do Capitão Luis Marcelino" (JML).

Fotos, poema e legendas: ©
José Manuel (2008). Direitos reservados.




Tudo é tão diferentenão se ouvem os sinos
nas manhãs de domingo
nem nessas tardes
há futebol para ver
me ensinaram que
a Pátria era a mesma
não parece...
a história a religião
os costumes os heróis
que lhes diz Aljubarrota?
a batalha de S. Mamede?
D. Nuno ou D. Afonso?
estes são os meus heróis
os deles andam na mata
a lutar pela liberdade.

Mampatá 1974
josema


__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. último poste da série > 2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2911: Poemário do José Manuel (16): Saudades do Douro e do Marão...

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2911: Poemário do José Manuel (16): Saudades do Douro e do Marão...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "O Fur Mil Simões a refrescar-se no Corubal (1); de costas, o Alf Mil Farinha lia o jornal e alguém se preparava para mergulhar do tronco; ao alto umas pernas de alguém sentado num ramo, roubando o trono ao macaco rei do local".


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Eu e o Carvalho, Fur MIl Enfermeiro, depois de atingirmos o cume de uma das únicas montanhas que vi na Guiné, os BAGA-BAGA. À falta de melhor, dava para matar saudades do Marão" (1).

Fotos e legendas: ©
José Manuel (2008). Direitos reservados.


2. Mais um dos poemas do dia, escritos pelo José Manuel Lopes, de uma colecção de meia centena que resistiram à fúria do tempo e ao severo exame de auto-crítica do poeta (2).

Recorde-se que ele foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, com o curso de Op Esp e a especialidade de Minas e Armadilhas, esteve na CART 6250, em Mampatá, entre 1972 e 1974. Foi mobilizado já com 18 meses de tropa, em rendição individual. Teve conhecimento do nosso blogue, através do programa Câmara Clara, da RTP Dois, da Paula Moura Pinheiro, edição de 24 de Fevereiro de 2004, que foi dedicado à literatura sobre a guerra colonial.

Depois de um longo silêncio, de muitos anos, hoje fala da Guiné com a mesma paixão com que fala do seu Douro e do seu Marão, das suas vinhas e do seu vinho, da sua família e da sua quinta, da sua Régua natal (donde nunca mais saiu, desde que regressou, em Agosto de 1974, com quase quatro anos de tropa) (3)...

Conmheci-o no nosso III Encontro Nacional. Por outro lado, tem aparecido nos almoços de 4ª feira da tertúlia de Matosinhos, na Casa Teresa, e é pessoa de uma grande sensibilidade, generosidade e hospitalidade. Na véspera do feriado do 25 de Abril último, escreveu-me:

"Se vieres neste fim de semana [, cá acima], na Sexta às 8 horas estou a iniciar uma caminhada da Régua ao Marão, com mais 130 caminheiros que acaba num almoço lá na serra, hoje mesmo vou fazer o reconhecimento do percurso, que é duma beleza e paz impressionantes. O resto do fim de semana estou em casa, o meu contacto é 916651640. Um abraço, José Manuel".

Ele autoriza-me que divulgue o seu número de telemóvel, para os camaradas e amigos que passem pela Régua o poderem contactar, conhecerem a sua quinta e provarem os seus vinhos... (LG)


Seria bom esquecer
a nós mesmos perdoar
pelas balas disparadas
pelas minas plantadas
hoje
vejo o mundo pelo avesso
tudo me parece cinzento
oh
que saudades eu tenho
daquele miúdo travesso
pelas vinhas a correr
com os cabelos ao vento
nos carros de bois pendurado
a sair do nosso rio
com o cabelo molhado.

Mampatá 1974
josema

__________

Notas de L.G.:

(1) O Rio Douro e a Serra do Marão eram duas referências constantes do poeta e do combatente, perdido em Mampatá, no sul da Guiné, nas proximidades da margem esquerda do Rio Corubal...

Vd. postes de:

21 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2868: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (7): Homenagem a um camarada, poeta e viticultor, o José Manuel

28 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...(...)

(2) Vd. os últimos seis postes desta série >

25 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

17 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

15 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2844: Poemário do José Manuel (13): A matança do porco, o Douro, os amigos de infância, os jogos da bola no largo da igreja...

9 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2824: Poemário do José Manuel (12): Ao Zé Teixeira: De sangue e morte é a picada...

2 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

24 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

(3) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

domingo, 25 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Um guerrilheiro do PAIGC e o Fur Mil Op Esp José Manuel Lopes, dando o abraço da paz e da reconciliação "Antes um inimigo, que só podia ser visto pela mira da nossa arma, depois um abraço, um sorriso e porque não um amigo".

Foto e legenda: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mais um poema do dia, do Josema, escrito já em Bissau no final da comissão... Era o tempo de todos os sonhos e esperanças... De parte a parte.


Ao povo da Guiné e em particular ao de Mampatá

Dois anos e alguns meses
setecentos e oitenta e oito dias
houve heróis, vilões e malteses
tristezas e alegrias
dois anos e alguns meses
tempo que vivi?
tempo que perdi?
nem sei como avaliar
mas não foi a vida toda
a sofrer e a penar
e tu Amilcar? e tu Seidi?
que na guerra nasceram
e nela sempre viveram
que viram o que eu nunca vi
o que é que eu vos diria?
como é que eu me sentiria
se carregasse tal cruz ?
ninguém merece uma guerra
seja qual for a razão
e sempre na vossa terra
um abraço
e até um dia ...irmão.

Bissau 1974

josema

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série > 17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2824: Poemário do José Manuel (12): Ao Zé Teixeira: De sangue e morte é a picada...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Os alunos da escola de Mampatá onde eu era auxiliar do Furriel Simões (Coimbra) a ensinar todas aquelas crianças. Grande trabalho fez o Simões, professor dedicado e que levava muito a sério a sua missão. Eu gostava mais de jogar à bola com eles.

Foto e poema: © José Manuel (2008). Direitos reservados (1).


1. Poema do dia, sem título, enviado em 24 de Abril:

Ao Zé Teixeira (*)

De sangue e morte é a picada
a escuridão encobre a verde mata
há um silêncio que magoa
um barulho que atordoa
um ruido que embriaga
e adormece os sentimentos
que endurece o coração
é o perder do sorriso
que se volta a encontrar
no sonho, na visão, na ilusão
ás vezes na recordação
da nossa moira encantada
hoje a minha moira é negra
de seios duros e firmes
de palavras e sons estranhos
que aprendo a entender
que sinto que posso amar
pois a vida é para viver
e não apenas para sonhar
renasce o pulsar da vida
em trepidante erupção
sinto regressar a mim
o que perdi na picada.

Mampatá 1974
josema

(*) Nota do JML:

Ontem conheci o José Teixeira e parte do seu grupo de Matosinhos. Relembrámos locais onde vivemos embora em datas diferentes. Havia referências comuns e o mesmo sentir por uma população entre a qual vivemos. Gostei do carinho com que ele falou daquela gente, como o receberam tantos anos depois quando lá voltou, por isso o poema de hoje é dedicado a ele.


2. Comentário, muito sentido e sincero, do nosso Zé Teixeira, com data de 27 de Abril de 2008:

Há momentos na vida em que o escorrer das lágrimas pela face abaixo sem que as possamos conter, reflectem a alegria que vai no coração. Este foi um deles, num fim de tarde de Domingo. Obrigado, Luís, por te lembrares de mim em primeira mão. Obrigado, Zé Manel, pela bela lição de esperança, escrita com raiva e dôr pelo sangue e morte que viste na picada, a picada que eu, antes de ti , trilhei e amargurei, e, só depois de voltar a vê-la, descansei.

Fraternal abraço do
J.Teixeira_______________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste da série: 2 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Vista aérea da tabanca e do aquartelamento de Mampatá.

Foto e poema: © José Manuel (2008). Direitos reservados (1).

Ao Albuquerque (*)

O teu sangue não manchou
só a terra onde caiste
apagou o futuro e
os filhos que não terás
causou dor
nos que te perderam
despertou loucuras
em noites perdidas
a recordar-te
o teu sangue vertido
marcará para sempre
bem fundo, dentro de nós
prometo não mais chorar
quero rir por ti
quero viver por ti
quero gritar ao mundo
como foi inutil o teu sacrificio
assim nunca serás esquecido.

Mampatá 1973
josema
__________

Nota do autor:

(*) Albuquerque era um soldado do 3º grupo de combate. A segunda baixa da nossa companhia em Abril de 1973. Vítima de uma mina antipessoal quando o seu grupo procedia à picagem na frente de trabalhos da estrada [Quebo-Salancaur] que a Engenharia estava a abrir. Todos os dias se fazia a picagem até à frente de trabalhos, foram detectadas dezenas de minas antipessoal e anticarro. Era um trabalho que aqueles homens faziam com muito rigor e segurança, e que correu bem até aquele dia. Albuquerque era um jovem alegre, quase sem barba, ainda hoje o vejo na vespera de Natal de 1972 a tourear uma cabra entre os arames farpados de Mampatá. O Furriel Vieira um dos Furriéis do 3º. grupo assistiu também à cena pois já o ouvi num dos nossos encontros referir-se a ela.

Luís: Se vieres neste fim de semana [, cá acima], na Sexta às 8 horas estou a iniciar uma caminhada da Régua ao Marão, com mais 130 caminheiros que acaba num almoço lá na serra, hoje mesmo vou fazer o reconhecimento do percurso, que é duma beleza e paz impressionantes. O resto do fim de semana estou em casa, o meu contacto é 916651640. Um abraço, jose manuel.
__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 19 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2776: Poemário do José Manuel (9): Nós e os outros, as duas faces da guerra

sábado, 19 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2776: Poemário do José Manuel (9): Nós e os outros, as duas faces da guerra



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Maio de 1974 > "Um bigrupo do PAIGC, a chegar para um encontro connosco em Mampatá e depois de partida".
Fotos e poema: © José Manuel (2008). Direitos reservados.



As duas faces da verdade (1)

a outra face da verdade
é só
o outro lado da história
é apenas
outra maneira de sentir
é só
o reverso da medalha
o outro ângulo
outra maneira de ver
e põe em causa
a minha razão
mas terei nunca
vergonha
desta farda que me cobre
quero sim é entender
a outra face da verdade.

Mampatá 1974

josema

________
Nota de L.G.:

sábado, 5 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2723: Poemário do José Manuel (6): Napalm, que pões branca a negra pele, quem te inventou ?


Uma das célebres fotos de Bara István, o fotógrafo húngaro que esteve embebed com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70. Nesta imagem, da sua fotogaleria, mostram-se os efeitos do napalm... Presume-se que seja uma vítima dos nossos bombardeamentos. Não se diz exactamente onde foi tirada. A legenda (em húngaro) é a seguinte: Bara István: Napalm áldozata.Guinea-Bissau, 1969. Julgamos tratar-se de uma imagem copyleft... De qualquer modo, reproduzimo-la com a devida vénia e agradecimento ao autor e citando a sua página (comercial).

Foto: Foto Bara (com a devida vénia...)


Napalm
que pões branca
a negra pele
quem te inventou?
que queimas árvores centenárias
que fazes em sal
a terra arável
quem te soltou?
tu...
de quem nasce
a luz que cega
e o som que ensurdece
e causas dor
sem saber a quem
se ao homem que guerreia
se à criança que brinca
ou à mulher que semeia
quem te apaga a luz?
e não te deixe voar
quem te vai silenciar?


Salancaur 1974

josema (2)
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...

(2) José Manuel Lopes, o José Manuel, muito simplesmente... Foi Fur Mil, Op Esp, CART 6250 (Mampatá, 1972/74), e sobretudo é um grande poeta, além de produtor de excelentes néctares... na sua Quinta da Graça, no Douro.

Este poema que ele acaba de me mandar, há quatro horas atrás, vem justamente a propósito do último poste do Nuno Rubim, e por isso o publico de imediato, preterindo os anteriores, que serão oportunamente divulgados (recordam-se que ele prometeu, e tem cumprido, mandar-me todos os dias um poema da Guiné, escrito na Guiné).

Vd. poste do Nuno Rubim: 5 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2722: Fórum Guileje (12): Bombas de napalm e outras curiosidades da nossa visita ao Cantanhez (Nuno Rubim)

sexta-feira, 28 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cananime > Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Um grupo de participantes do Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) atravessam, de canoa motorizada, o Rio Cacine, entre Cananime e Cacine... De cima para baixo: o barqueiro, ao entardecer; o José Carlos Marques, jornalista do Correio da Manhã, em primeiro plano, do lado esquerdo; a discretíssima Catarina Santos, da Fundação Mário Soares, com a sua inseparável máquina fotográfica...

Fotos: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.



1. Mais poemas do dia, do José Manuel Lopes, da Quinta da Graça, no Douro, o José Manuel, muito simplesmente (como era conhecido em Mampatá)... Poemas de um imenso poemário, recebidos, dia a dia, ao longo de uma quinzena, de 16 a 28 de Março de 2008. Foram escritos na Guiné, um por dia.

Por detrás da máscara do José Manuel (que eu não conheço pessoalmente, nem por fotografia, só por voz e por mail), que foi Fur Mil, Op Esp, CART 6250 (Mampatá, 1972/74), há uma voz muito original, pessoal, uma surpreendente revelação da escrita poética sobre a guerra colonial na Guiné... Até agora guardada o baú do sótão...

Muitos dos poemas (assinados por josema) que temos recebido, por e-mail, todos os dias, não têm título. E alguns não estão datados. Vão-se publicando (1), ao sabor da espuma dos dias, e das remessas do poeta, e dos humores do(s) editor(es)... Que já conquistou leitores fiéis aqui, na nossa Tabanca Grande... Eu, o Torcato Mendonça e, seguramente, muitos outros camaradas... Pode morder, que esta poesia é para morder, para comer, para trincar.... (LG).


Calor, cansaço, suor
saudades de tudo
e de um rio...
mas podia ser pior
pois há ali o Corubal
com sombras e água boa
nem tudo é mau afinal
não é o Douro, eu sei
nem o Tejo de Lisboa
são outros os horizontes
falta o xisto e o granito
as encostas e os montes
mas diga-se na verdade
há o Carvalho, há o Rosa
há um hino à amizade
há o Gomes e o Vieira
a sonhar com a Madeira
há o Farinha e o Polónia
gestos e solidariedade
há o Esteves e o Pinheiro
amigos e sinceridade
há o Nina e até amor
também sofrimento e dor
há o desejo de voltar
e um apelo à liberdade.

Josema
Mampatá 1974


Ouve-se um violão
numa noite de luar
tocado pelo Gastão
p'ra algo comemorar
cantigas de Zeca Afonso
de raíz popular
põem magia no ar
mas eis
outro som a chegar
mais grave e persistente
é Guiledje a embrulhar
é a guerra noutra frente
até que o ataque acabe
a festa é interrompida
e recomeça num brinde
à vida da nossa gente.

s/d


As brincadeiras loucas
acabam por ter sentido
se as alegrias são poucas
neste cantinho perdido

já vi tourear uma cabra
entre os arames farpados
e outros ao beber água
ir pelos ares aos bocados

desde o carreiro de Uane
à estrada para Nhacubá
todo o cuidado é pouco
ninguém quer ficar por cá

chegam do patrulhamento
cobertos de pó a suar
anseiam pelo momento
de se refrescar no bar.

Mampatá 1973
josema


Guernica!
pintura
visão, mensagem, recado?
para quem e porquê?
Pearl Harbour, Hiroshima
Londres, Leninegrado
e tantas mais
Vietnam, napalm
e o mundo não reage
se espera que acalme?
se esquece Nabuangongo
Guidage, Guiledje
e as minas de Mueda
dão graças à sua sorte
os regressados
dos corredores da morte
e agora
eis a bomba inteligente
mais importante
que gente
e o mundo estúpido
consente!

s/d


Quantas batalhas e guerras
geradas pela ambição?
quantos pior que feras
mataram o seu irmão?
sem nunca se aperceberem
das causas e da razão
mortes em troca de quê?
a que preço e porquê?
a resposta está no ganho
no lucro que é tamanho.

s/d


Ao menino do papá
"É mais fácil entrar um camelo no cu duma agulha, que
um rico no reino dos céus"


Metam-lhe a agulha no cu
para ver
se ele acorda
não vá morrer de repente
e venha culpar a gente
do encontro
com belzebu.

s/d


O calor húmido nos envolve
abraça-nos a escuridão
e a noite se faz dia
c’o ribombar do trovão
cai a água em catadupa
numa suave carícia
fecho os olhos
que delícia
até sinto um arrepio
sinto-me bem afinal
até chego a sentir frio
e penso que é Natal...

Guiné 1972
Josema


Neste imenso sofrer
pensar Nele ajuda
mas Ele parece não ouvir
então solta-se a raiva
incham as veias do pescoço
outro homem nasce
e cai-se dentro do fosso.

josema
Guiné 1972


Um ruido vem do céu
e há cabeças no ar
hoje é dia de correio
há novas para chegar
faz-se a distribuição
com chamada frente ao bar
para o Santos nada veio
será que vai desmaiar?
p'ró Zé Manel veio a Bola
com as novas do Benfica
p’ró Pinheiro uma encomenda
e alguém lhe manda uma dica
fazendo-se para a merenda
sim de correio foi o dia
não pode haver melhor prenda
é altura de alegria
retiram-se os felizardos
relêem a mesma carta
até afogar a saudade.

Mampatá 1972
josema


Quero irmas não sei onde
tudo
me parece um delírio
sem sentido nem razão
neste mundo desumano
quero fugir
mas não posso
prende-me
o sentir-me solidário
à união dos Unidos (*)
prende-me
o cheiro a mosto
prende-me
o calor de Agosto
prende-me
um regresso ao Douro
prende-me
uma família que espera
por tudo isso
não posso partir.

Bolama 1972
Josema

(*) Cart 6250, Os Unidos
________

Nota de L.G.


(1) Vd. postes anteriores:

27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?

quarta-feira, 19 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?






Guiné > Região de Tombali > Simpósio Internacional de Guiledje > Visita ao sul > 3 de Março de 2008 > Imagens, eternas, do Rio Corubal: rápidos do Saltinho (a primeira, de cima); rápidos de Cusselinta, as restantes.

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mais poemas do dia, do José Manuel, recebidos, dia a dia, ao longo de uma semana, de 8 a 15 de Março de 2008. Foram escritos na Guiné. Estavam guardados no baú do sótão. O José Manuel foi Fur Mil, Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74. Obrigado, camarada, por quereres partilhar connosco a tua escrita poética.

Já nada é igual
num mundo que cai
onde havia esperança
espreita o mal
é uma vida que se vai.

Salancaur 1973

josema
__________

A escuridão
pode não ser o fim
se após a noite
vier o dia
na escuridão
podemos encontrar estrelas
se depois de nós
houver sempre crianças.
josema
___________________

Pensar que amar é dor
é não amar
amar
é dominar
a violência
que há em nós
é um não á guerra
é não haver polícias
nem milícias
é procurar carícias
num prazer por acabar
josema
Guiné 1973
________

-Sabes? Sonhei
que as coisas boas
não acabaram
pois
não têm fim
acreditei
que vale a pena esperar
vale a pena
saber
que o nosso inferno
um dia
vai acaba
o maldita
ou a má sina
como lhe queiras chamar
havemos de enganar
juro-te
sinto dentro de mim
confiança
uma força renovada
-dos tolos! dizes tu
-seja, porra,
mas vale a pena
pois 'tou
farto de escutar
aquela voz
que tanto quero calar
‘tou farto de lamentar
este destino traçado
foda-se!
quero um futuro
marcado
com traço
por mim riscado.

Kolibuia (2) 1973
Josema
___________________

Seria bom pronunciarnuma doce ilusão
um até sempre
a dor atenuar
com um tímido
acenar de mão
não deixar
que a crueza da razão
se sobreponha à paixão
é bom sonhar
é bom esquecer
ou então nunca saber
que só nos pode ficar
um adeus como opção.

Guiné 1973
___________

Quero sonhar
e não consigo
viver um mundo
que não tenho
nem encontro
desejo amar
e não morrer
quero esquecer
a luta ódio
e não sentir
a amargura do suor
encontrar a paz
enterrar a dor
sim irmão
além no horizonte
bem longe
para lá daquele monte
mas o mundo ri
é louco
não vê
nem um pouco
e caminha para o fim.

Guiné 1973
_________________

Gostava de vos falar
dos esquecidos
dos heróis que a história
não narra
que as viúvas choraram
mas já não recordam
daqueles
que nem tempo tiveram
de ter filhos
que os amassem
descendentes
que os lembrassem
daqueles
que nunca tiveram
o dia do pai
vítimas de guerras
que não inventaram
em tempo que já lá vai
falar deles é prevenir
se bem que de nada lhes valha
de guerras que possam vir
geradas pela ambição
dos que nunca morrerão
num campo de batalha.
__________________

Olhos semi cerradosquerendo ver
para além das árvores
passo controlado
procurando caminho
já calcado e pisado
orelhas a pino
a querer ouvir
além da neblina
todos os sentidos
são poucos
escaparão com vida?
não ficarão loucos?

Carreiro de Uane 1972
josema
____________

Notas de L. G.:

(1) Vd. postes anteriores:





(2) Colibuía: povoação junto ao Rio Corubal, perto de Aldeia Formosa ou Quebo, que não consigo identificar na Carta do Xitole. Vd. poste de 26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVIII: Os rios (e os lugares) da nossa memória (2): Corubal (Saltinho e Contabane) (José Neto)

quinta-feira, 13 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 2 de Março de 2008 > O Zé Teixeira, no tchon nalu, em pleno Cantanhez, no meio de duas mulheres da população local. Belíssimas, gentis e vistosas mulheres nalus, de porte altivo e de grande dignidade. Na carta de Cacine, a toponomia é Jemberem, a norte de Madina de Cantanhez... Hoje todo o mundo diz e escreve Iemberém. De resto, um dos afluentes do Rio Cacine é o Rio Iemberem... Será que terá havido um erro dos nossos cartógrafos ou uma gralha tipográfica ?


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 1 de Março de 2008 > Onde quer que chegue, o Zé Teixeira conhece sempre alguém, antigo militar de unidades africanas, antigo milícia, antigo combatente do PAIGC, etc. E tem uma enorme facilidade de relacionamento humano. Ei-lo aqui em Iemberém, local onde a comitiva do Simpósio Internacional de Guileje pernoitou dois dias... Fica em plemo coração do Parque Nacional do Cantanhez. E é um orgulho para os seus habitantes e para a equipa da AD - Acção para o Desenvolvimento que lá tem projectos... Uma surpresa que contrasta com a tristeza que se sente em Bissau...

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 2381 (1968/70) > Mampatá Foreá > 3 de Novembro de 1968 > Alguns militares portugueses, entre eles o Zé Teixeira (em segundo plano, de óculos esfumados), em operação de rescaldo de um ataque do PAIGC, ao destacamento e à tabanca, à hora do almoço.

Imagem do José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro, CCAÇ 2381( Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,1968/70). Ele esteve em Ingoré (no norte, em treino operacional) e foi depois colocada no sul (Bula, Aldeia Forbosa, Mampatá, Empada) (Maio de 1968 / Maio de 197o). O Zé voltou à Guiné em Março de 2005, e partir daí já lá foi mais duas vezes, a última das quais por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje. Deve estar de volta a casa, nos próximos dias, fazendo o percurso de jipe, de Bissau até ao Matosinhos. Daqui vai um grande abraço para ele e para os demais camaradas da tertúlia do Norte... Que os bons ventos do deserto vos tragam a casa, sãos e salvos... Passámos, juntos, momentos de grande emoção na semana de 29/2 a 7/3/2008 (LG).

Foto: © José Teixeira (2005). Direitos reservados.


1. Mais três poemas do José Manuel, recebidos em 4, 5 e 6 de corrente. Foram escritos na Guiné (1). O José Manuel foi Fur Mil, Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74 (2). Ainda não temos nenhuma foto dele nem do tempo dele. Aproveito para o convidar a ler alguns dos excertos do diário do Zé Teixeira que passou também por Mampatá, uns anos anos (3). Aproveito também para lhe agradecer as suas gentilezas: José Manuel veio à festa do Beja Santos e trouxe alguns dos vinhos da sua Quinta da Graça para a malta provar... Sei que deixou para mim, ao cuidado do Virgínio Briote, uma garrafa de vinho fino... Obrigado, José Manuel! Como dizia um outro poeta, maldito, Luíz Pacheco (morto há pouco tempo), ainda melhor que a poesia, são as mulheres, e ainda melhor que as mulheres é o vinho, que nos faz esquecer as mulheres... Os teus poemas transportam-nos ao encanto, ao sortilégio, ao perigo das matas e das picadas de Tombali, mas também à solidão e à miséria da nossa condição de homens, combatentes, sem razão nem para matar nem para morrer... (LG).


Estradas amarelas
corpos cobertos de pó
pica na mão à procura delas
o polegar ferrado no pau
tac, tac, tac, tac, tac, tac
tacteando por sons diferente
o Fernandes com cara de mau
espeta no solo o ferrão da pica
tac, tac, tac, tac, tac, TOC
o calafrio
depois o grito
anunciando o perigo
o grupo é mandado parar
chega o Vilas à frente
e todos manda afastar
de joelhos no chão
numa simulada carícia
afaga a terra com a mão
com gestos simples e perícia
vai cavando devagar
hei-la... está aqui
lisa preta a brilhar
parece inofensiva a maldita
deita-lhe a mão e grita
és minha, já te tenho
volta-a
tira-lhe o detonador
e entre dentes, diz
esta não
esta não causará dor.


Tenho saudades
do amor que não se compra
daquele que se sente
o tal
que vem de dentro
e
que não acaba
com um orgasmo
não quero mais
ser
aquele que se vai
assim que se vem
não quero mais
ficar vazio
não quero mais
ficar sem eco
não quero mais
perder o elo
que me liga
a ela
seja ela quem for
não quero mais
fazer amor
sem ter de oferecer uma flor.

Josema
Bissau 1974


Saborear a vida

é sentir os outros
é sentir o vento
é sentir a água
é tocar...
num corpo de mulher


guiné 1972
josema
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores:
9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

(2) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

(3) Alguns dos excertos de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):

6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968

(...) Mampatá, 7 de Setembro de 1968: Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ? Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não (...).

(...) Mampatá, 17 de Setembro de 1968: Dia de correio. Ainda cedo sentiu-se a avioneta de Sector em direcção a Aldeia Formosa. Aguardamos com ansiedade a viatura que partiu para lá....O Vitor escreveu-me. Por Bissorã nem tudo corre bem. Segundo ele, num pequeno incidente ficaram dois soldados inutilizados para toda a vida, ambos com uma perna amputada e um outro com a cara cheia de estilhaços. Além destes, uma nativa morta e outra sem uma perna. Tudo por rebentamento de minas A/P, montadas pelo IN.Numa saída em patrulha a malta vingou-se fazendo sete mortos e dois prisioneiros. O último a morrer foi o tipo que montou as minas e, pelo que ele conta, teve morte honrosa. Todos os africanos verificaram a eficiência das suas facas no seu corpo (...).

(...) Mampatá, 25 de Setembro de 1968: Como é belo sentir nas próprias mãos o pulsar de um coração novo que acaba de vir ao mundo. Um corpo pequenino, branco como a neve, puro como os anjos e no entanto, este corpo vai crescer, a pouco e pouco a natureza encarregar-se-á de o tornar negro como os seus progenitores, negro como os seus irmãos que hoje não cabiam em si de contentes. É puro como os anjos, a sua alma está imaculada, mas virá o tempo em que conhecerá o pecado, terá de escolher entre o bem e o mal (...).

(...) Mampatá, 29 de Outubro de 1968: (...) A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos (...).

(...) Mampatá, 5 de Janeiro de 1969: (...) Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada).A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (...).

(...) Chamarra, 23 de Janeiro de 1969: (...) Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer (...).

domingo, 9 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Restos de munições (1 granada de RPG 7, do PAIGC; 2 invólucros das munições da metralhadora pesada Browning, usada pelas NT, para defesa dos aquartelamentos; 8 invólucros das munições 7,62, para a espingarda automática G-3... Visita, por volta 11h30, ao antigo aquartelamento da CCAÇ 2317 (1968/69), que foi abandonado pelas NT em finais de Janeiro de 1969, e posteriormente dinamitado pelo PAIGC.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > 1 de Março de 2008 > O famoso poilão, num entroncamento da estrada que vem de Quebo, Mampatá, Chamarra, Gandembel e segue para Guileje (desvio à direita) e depois Gadamael... Esta árvore centenária, a que foi dado o nome de um guerrilheiro, sinaliza o coração do antigo corredor da morte (para as NT) ou corredor do povo (para o PAIGC)... Paragem da coluna que, no âmbito do Simpósio Internacional, seguia para Guileje... No tempo da guerrilha. não havia aqui nenhuma tabanca... Muita gente do PAIGC perdeu a vida nesta região por ocasião de colunas logísticas que seguiam para o sul, leste e até norte do país...

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Mais três poemas para o poemário do nosso amigo da Quinta da Graça, o ex-Fur Mil José Manuel (Lopes), enviados em 3, 2 e 1 de Março de 2008, respectivamente. O último enviado não tem título (1):


Uma vida quanto vale?
na mira da minha arma
só há vultos
sem sentido
corpos sem alma
consciências amordaçadas
na outra mira
estou eu?
o Fernando, o António?
vá-se lá entender
porque foi ele e não eu
sob a terra que pisamos
a mina está escondida
mão de traição
a há posto
em guerra suja
de inimigo sem rosto
que passos te guiaram
Albuquerque?
que anjo me protegeu?
e o teu?
adormeceu?
são perguntas
sem respostas
e nunca ninguém
o porquê
de um corpo em postas.


O medo
ele está presente
ele intimida
proibe o desejo
até de amar
e não me deixa sonhar

josema
Guiné 1972


O nascer de um bruto

Já não sei rezar
já não acredito
já não sei amar
só sei que grito
berro alucinante
dentro do corpo
grito mudo
aflito
de eco profundo
violento
na cabeça latejando
que
só a áspera bebida
abafa
o tal grito
a vontade
a razão
o sentimento

1973 Guiné
josema (2)

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série: 3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

(2) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

segunda-feira, 3 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

1. Nova série onde serão publicados, com regularidade, os poemas do José Manuel (ou José Manuel Lopes), ex-Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74 (1). Poema sem título, enviado em 29 de Fevereiro de 2008.

Pior
que o inimigo
é a rotina
quando os olhos já não vêem
quando o corpo já não sente
quando já se não recorda
o nosso último abraço
e a arma se tornou
um apêndice do braço
pior
é quando nos esquecemos
dos afagos e carícias
que uma mão pode fazer
da mensagem e melodia
que uma canção pode conter
pior
que as chagas nas virilhas
ou o aço a entrar no corpo
são os delírios sem sentido
e o procurar esquecer
as pessoas mais queridas
pior
é o despertar
do mal que há em nós
e é preciso pensar
e é preciso parar
e é preciso sentir
que ainda estamos a tempo

josema
Salancaur
Março 1973
______________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)