terça-feira, 8 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9870: Meu pai, meu velho, meu camarada (29): Luís Henriques (1920-2012): Você deixou o nosso ranchinho abandonado... (Luís Graça)



Vídeo (49''):  Luís Graça (2011). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Luis Henriques (1920-2012):  Lourinhã, Atalaia, Lar e Centro de Dia de Nossa Senhora da Guia, 8 de outubro de 2011, precisamente seis meses antes de morrer (a 8 de abril de 2012)... Trauteando, aos 91 anos,  uma das suas canções favoritas, ligada à sua memória da tropa e e da sua comissão de serviço militar no ultramar, no Mindelo, Ilha de São Vicente, Cabo Verde (1941-1943).  Mesmo debilitado pela doença (crónica) de que sofria há 5 anos, ele arranjava forças para se mostrar feliz e agradecido pelas visitas que a família (filhos e netos) lhe faziam todas as semanas...

A canção chama-se "Ranchinho Abandonado". É uma canção brasileira, sertaneja, da dupla Raul Torres e João Pacífico, composta em 1939.  Estava na moda em Portugal, quando ele, em plena II Guerra Mundial, partiu como expedicionário para a Ilha de São Vicente, Cabo Verde, indo integrar o RI 23 (*)... Acompanhamento a violino, pelo neto João Graça que tinha o bom hábito de ir anotando, sempre que estava com o avô,  os seus ditos, anedotas e historietas... 


Letra > "Ranchinho Abandonado" (Música e letra: Raul Torres e João Pacífico, 1939).


Você deixou o nosso ranchinho abandonado,
Vive tão triste, o coitado,
Que dá pena até de ver.
Quando anoitece,
Bate a lua no caminho,
E eu lá dentro, tão sozinho,
Fico pensando em você.
Pego a viola p'ra esquecer a minha mágoa 
E os meus olhos, rasos d' água,
Que não cansam de chorar.
Eu vou cantando o soluço e a saudade,
Porque a felicidade,
Hoje, eu não posso cantar. 

E o ranchinho continua aqui tristonho,
Acabou-se o antigo sonho,
Veio a tristeza morar.
Em seu lugar só restou essa viola 
Que a minha dor consola
Quando, às vezes, me vê chorar.

Pego a viola p'ra esquecer a minha mágoa,
E os meus olhos, rasos d' água,
Que não cansam de chorar.
Eu vou cantando o soluço e a saudade,
Porque a felicidade,
Hoje, eu não posso cantar.



1. Meu pai, meu velho, meu camarada... Faz hoje um mês que nos deixaste... Os confrades da tua confraria da Nossa Senhora dos Anjos, na Lourinhã, mandaram-te rezar uma missa. Pela tua alma. Para que descanses em paz. Para que continues a sorrir-nos, com o teu sorriso lindo, lá da outra margem do rio invisível e intransponível que nos separa...

Tenho pena, mas não posso ir à tua missa, hoje, aí na Lourinhã... Estou a trabalhar a essa hora. Mas eu e o João (que está de férias,  na Índia) estaremos lá contigo, em espírito... Tens lá a Joana,e a Alice, as tuas filhas Graciete e Zairinha, e alguns dos teus netos, e demais família... A Béu, a tua caçoila,  também não poderá ir, está no Fundão, mas rezará por ti...

Temos muitas saudades tuas, pai. Este pequeno vídeo é uma forma de mitigar a nossa dor... Lembras-te ? Era uma das tuas canções favoritas. Estava na moda em Lisboa, quando partiste para Cabo Verde, em 1941... Sempre te a ouvi cantar pela vida fora... Você deixou o nosso ranchinho abandonado, /Vive tão triste o coitado / Que dá pena até de ver... Não, não é uma morna, é uma canção sertaneja, lá do Brasil... De João Aparício, o "poeta do sertão" que morreu em 1998, completamente esquecido...

Pois é, agora foi a tua vez de deixar o teu/nosso "ranchinho abandonado"... Sempre nos protegestes ao longo da tua vida, o melhor que sabias e podias... Agora é a nossa vez de experimentar esse estranho sentimento de orfandade que tu conheceste tão cedo, na tua vida, logo aos dois anos... Nunca soubeste, pela vida fora, o que era o doce amor de mãe... ("Quanto é doce quanto é bom / No mundo encontrar alguém / Que nos junte contra o peito / E a quem nós chamemos mãe"... cantava o poeta e músico Zeca Afonso),


  A tua, a minha avó, foi-se cedo desta vida, ceifada pela tuberculose, em 1922,  logo a seguir à epidemia da pneumónica (1918-19), de que me falavas tanto, embora ainda não fosses nascido quando foi o pico da pandemia. (Recordo-me de me dizeres que "quem se safou, era quem bebia aguardente"...).

Sabes, escrevi uma pequena nota biográfica sobre ti para o jornal da nossa terra, o "Alvorada"... Vou-ta reproduzir aqui, para os meus camaradas lerem, no blogue, de que tu eras (e continuarás a ser) membro... Eles estimavam-te e consideravam-te  como um "mais velho"...  Agora resta-nos o Armando Lopes, cabo verdiano, pai do Nelson Herbert, e que chegou a ser craque da bola na Guiné, com a alcunha de Búfalo Bil... Ainda esteve contigo no Mindelo, em 1943... É da tua idade,,, 

Publico também uma foto tua com a Maria da Graça, quando ainda estavas todo janota, aos 70 anos ... Sabes, estive este fim de semana no Lar, e pude dar-me conta de quanto ela sente a tua falta, mesmo que não já possa expressar as suas emoções... Ela sente a tua ausência, e fixou muita atentamente o artigo do jornal onde vem a vossa foto, de abril de 1991. 

Se não te importas,  nunca me despedirei de ti, vou falando contigo, à minha maneira. Assim como hoje... Entretanto, vamo-nos encontrando por aí e aqui, às vezes com uma lágrima furtiva ao canto do olho... LG

Morreu o Luís Sapateiro (1920-2012), uma figura muita popular e querida da nossa terra


Luís Henriques, mais conhecido por Luís Sapateiro, ou simplesmente por Ti Luís:


(i) Nasceu na Lourinhã em 1920. Homem de fé, morreu no passado domingo de Páscoa, dia 8 de abril, na Atalaia, no Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, onde vivia desde 2008 com a esposa, Maria da Graça. Morreu em paz, consigo, com os seus descendentes (4 filhos, 12 netos, 5 bisnetos), com Deus e com o mundo. 

(ii) Tinha raízes, pelo lado do pai, Domingos Henriques, no Montoito, e pelo lado da avó materna, Maria Augusta de Sousa, em Ribamar (clã Maçarico). Sua mãe, Alvarina de Jesus, morreu jovem, em 1922, de tuberculose, fato que o marcou para toda a vida: a mãe nunca lhe pôde dar um beijo!... E nos seus três últimos dias de existência, em que eu tive o privilégio de o acompanhar no seu leito de morte, evocou o nome da mãe Alvarina, por mais de um vez. Tinha uma enorme afeição por ela.

(iii) Viveu nos primeiros anos de infância com a nova família do pai, que casou pela terceira vez. Ao todo teve uma dúzia de irmãos. Fez a instrução primária (na época quatro anos de escolaridade) na velha Escola Conde de Ferreira (demolida pelo camartelo camarário antes do 25 de abril), sob a direção Professor José António, que ainda conheci na minha infância, pai do meu conterrâneo e amigo Jorge Pedro.


(iv) O seu primeiro emprego foi como marçano, ou melhor, como “máquina registadora e de calcular”, na loja do fotógrafo e comerciante Manuel Lourenço da Luz, que veio da Praia da Vieira para a Lourinhã, na primeira ou segunda década do séc. XX, e que foi pai do fotógrafo António José da Luz (Foto Luz). A loja, na Rua Miguel Bombarda, vendia uma miscelânea de artigos fotográficos, vidraria, molduras, papelaria e bijuteria. O meu pai era muito rápido e fiável a fazer contas. [Vd. foto à esquerda, cortesia da bisneta do Manuel da Luz, a Ana Luz Pignatelli].

Terá trabalhado para o seu primeiro patrão, na Lourinhã e na Praia da Areia Branca, a troco apenas da alimentação e de algumas gorjetas, durante cerca de 4 anos. O meu pai tinha recordações muito nítidas da época balnear, na loja da praia. Além da fotografia, o negócio do Manuel da Luz incluía o comércio de equipamento para caça e pesca. À segunda feira, ia com o patrão para a caça de patos, perdizes e coelhos ao longo do rio Grande…

(v) Aos 13 anos, o meu pai terá uma nova família de acolhimento, a do seu tio materno, Francisco de Sousa (Fofa), músico e industrial de sapataria. Aprende o ofício de sapateiro. É criado com os seus primos António Francisco Sousa, Carlos Sousa e Milu (esta felizmente ainda viva; e todos eles com excelentes dotes musicais: o António tocava saxofone e fundou a primeira "banda de jazz" da terra, o conjunto Sol Do Ré Mi; o Carlos era um especialista em prata na banda da Lourinhã; e a Milú uma bela menina de coro).

(vi) Aos 20 anos assenta praça no RI 5, Caldas da Rainha. Em 1941 parte para Cabo Verde, como expedicionário, com o posto de 1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI 5. Tinha memórias muito vivas (incluindo registos fotográficos) dos difíceis tempos que passou no Mindelo, Ilha de São Vicente (26 meses, entre julho de 1941 e setembro de 1943; nos últimos 4 meses esteve hospitalizado, por problemas pulmonares, entre maio e agosto de 1943).

A saudade da terra era mitigada pela presença de diversos lourinhanenses, o António Correia Caxaria, o Boaventura Horta,  o Jaime Filipe, o  Leonardo, e outros - naturais da vila, da Atalaia, da Serra do Calvo... - que pertenciam à mesma unidade (RI 23, constituído na Ilha de São Vicente, 1941/44) (*). 

Numa época de elevado analfabetismo, sacrificava os seus tempos livres escrevendo dezenas de cartas por semana em nome de muitos dos seus camaradas. Aos 91 anos ainda se lembrava dos números de tropa de alguns dos seus camaradas, e até das moradas para onde enviava as cartas. Em nome do Fortunato Borda d'Água, do Cercal, Azambuja, por exemplo, chegava a escrever 22 cartas por semana... O Fortunato  tinha duas namoradas, "uma que chorava ao pé da mãe dele, e outra que se ria, em plena rua"... O meu pai um dia teve que o ajudar a decidir-se:
- Ó Fortunato, afinal de quem é que tu gostas mais ? Com queres casar ? Da que se ri, na rua, ou da que chora no ombro da tua mãe ?...
- Ó Luís, claro que é da que chora...

(vii) A seca e a fome que assolaram Cabo Verde nessa época, e que fizeram dezenas de milhares de mortos, tiveram impacto na sua consciência de bom português e bom cristão. O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e de doença, em meados de 1943. Comove-se ao dizer-me que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (c. de 16$00) - na altura, estava hospitalizado -, para ajudá-la nas despesas do enterro. Lembro-me de ele me dizer que um cabo ganhava na época  qualquer coisa como 130$00 por mês... De volta à metrópole, não terá mais do que 200$00 ou 300$00 no bolso. Para ele o dinheiro nunca foi fêmea...


(viii) Do Mindelo escreve à sua namorada, futura noiva e esposa, e minha mãe, Maria da Graça:

Maria, minha cachopa,
Não me sais do pensamento,
Tão logo eu saia da tropa,
Trataremos do casamento…


De regresso à Lourinhã, em setembro de 1943, vinha cheio de saudades… de comer uvas. "Vinte e seis meses sem comer uvas, sabes o que é ?", interpelava-me ele, nas nossas conversas sobre Cabo Verde, no Bar dos Cinco Paus, na Praia da Areia Branca...


 Faz sociedade com o seu irmão Domingos Severino, dois anos mais novo, meu padrinho de batismo, já falecido. Abrem a sua própria oficina de sapataria, na Rua Miguel Bombarda. Chegam a ter bastantes empregados. Na época ainda não havia produção industrial de calçado. 

Casa, entretanto, em 2 de fevereiro de 1946 com a Maria da Graça, natural do Nadrupe, filha de camponeses, criada de servir de senhores e senhoras de Lisboa, da Praia da Areia Branca e da Lourinhã, desde tenra idade (9/10 anos). Como rapariga que era, naquela época, só tinha a 3ª classe, tirada numa professora particular, mas sabia muito bem ler, escrever e contar. Sei que houve lagosta na festa do casório, a que assistiram amigos e parentes. Na época, a festarola terá ficado por 800$00 (se a memória não me atraiçoa).

 A 29 de janeiro de 1947 nasci eu. Até 1964, a Maria da Graça dará à luz  ainda mais três raparigas: Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel.


(ix) Continua a jogar futebol, como atleta amador, e ao mesmo tempo participa na vida associativa das diversas coletividades da sua terra, desde o Sporting Club Lourinhanense (SCL) até aos bombeiros, a banda de música e a misericórdia. É mordomo de festas (como a da Sra dos Anjos e de São Sebastião). Quando morreu, era de há muito o sócio nº 1 do SCL, coletividade que de resto sempre o acarinhou e o homenageou, tanto em vida como na morte. Foi treinador de gerações de miúdos, das camadas juvenis, sempre ao serviço do SCL. Comprava-lhes as sandes para o pequeno almoço e arranjava-lhes as botas e aos domingos percorria o distrito de Lisboa, nos torneios de futebol...

Era um bom lourinhanense, muito querido e estimado por toda a gente. Espirituoso, bem humorado, com jeito para o improviso poético, definia assim a sua terra:


Lourinhã, uma vila catita, 
bonita, sem vaidade,
tem montras como uma cidade. 
Mas também ninguém nos engana: 
ao fim de semana, 
sem sol, sem bola e sem missa, 
é uma terra de preguiça… 

Ou noutra variante, mais mordaz:

Lourinhã tem três entradas, 
três saídas, três igrejas, três ermidas,
três moinhos de vento 
e... ladrões em todo o tempo!

(x) Trabalhador por conta própria, deu trabalho a muita gente, numa época em que o emprego era escasso e mal remunerado… Viu muita gente (incluindo os seus empregados) partir para os EUA, o Canadá, a França, a Alemanha, nos anos 50 e 60... Tinha inúmeros clientes, quer da vila, quer das aldeias mais a norte do concelho (do Sobral a São Bartolomeu) e até fora do concelho (Bufarda, por exemplo).  Terá percorrido, na sua vida, muitas dezenas de milhares de quilómetros, de bicicleta,  levando e trazendo calçado dos seus “fregueses”, que muito o estimavam. Aos 90 anos ainda tinha um coração de atleta...

O seu negócio teve altos e baixos, e conheceu vários sócios  e vários locais.  A sua última oficina , onde esteve mais de 30 anos,  foi na Praça Cor António Maria Batista, nº 9, na Lourinhã  (junto ao beco que liga à Rua João Silva Marques). 

Daí também o seu desabafo, sob a forma de parlenda popular: 

À segunda, o trabalho abunda; 
à terça, dor de cabeça; 
à quarta, trabalho à farta; 
à quinta, dança a pelintra; 
à sexta,  o patrão é uma besta; 
ao sábado, o patrão arreliado… passa-se para o outro lado!

 (xi) Foi, além disso, um bom pai e um avô carinhoso. Tinha orgulho nos seus  filhos [, na foto, à esquerda, os dois mais velhos, Luís e Graciete, c. 1950], netos e bisnetos, os quais, por sua vez, tiveram a rara felicidade de estarem junto dele na hora, difícil, da sua partida deste mundo. 

Viveu pobre e morreu pobre. Morreu com dignidade, vítima de doença prolongada. Tinha 12 netos e 5 bisnetos.  Escreveu,por sugestão minha,  um diário (cerca de 500 páginas manuscritas) entre 2008 e 2011. 

Viveu os seus últimos quatro anos no  Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, onde encontrou uma segunda família. Em 30/10/2008 escrevia no seu diário: 

“(…) nesta nova família que nos arranjaram, fico triste pelos que se encontram piores do que eu. Não tenho culpa de ter nascido assim. Por tudo isto,  sou feliz, embora pobre, mas alegre, e gosto de conviver com todos. É esta a minha política: esquecer as minhas dores lembrando dos que se encontram  bem piores do que eu (…)”.  

(xii) Os seus familiares e amigos mais próximos lembrá-lo-ão sempre como um homem simples mas único, que irradiava alegria de viver e boa disposição. Não deixa “obra feita”, como sói dizer-se. Mas o seu exemplo de generosidade, bondade e otimismo perdura para além da morte. É o património (imaterial) que nos deixa. Para os seus filhos, netos e bisnetos, foi um privilégio tê-lo como pai e avô. Para eles, foi e será sempre o melhor pai e avô do mundo.


(xiii) Uma palavra muito especial de agradecimento é devida à direção do SCL e ao  Lar e Centro de Dia da Atalaia (na pessoa da sua diretora técnica dra. Ana Caetano, do médico dr. Rui Martins e dos demais profissionais - grandes profissionais, grandes mulheres! - que cuidaram do meu pai, até à sua morte,  com uma inexcedível competência, dedicação e humanidade). Mas também aos seus parentes, amigos, conterrâneos e vizinhos que se interessaram pelo seu estado de saúde e que o acompanharam até à sua última morada na terra. 

Por fim, um xicoração muito especial aos elementos do Coro Municipal da Lourinhã, Rui Mateus, Moura (grande companheiro do meu pai nas jogatanas de damas), Quim Zé e Ana Mateus que no cemitério cantaram para ele e para todos nós a famosa e sublime canção alpina  “Signore delle cime”, composta em 1958 pelo italiano Giuseppe de Marzi: 

Dio del cielo, Signore delle cime,
Un nostro amico hai chiesto alla montagna.
Ma ti preghiamo, ma ti preghiamo:
Su nel Paradiso, sul nel Paradiso
lascialo andare per le tue montagne.

Santa Maria, Signora della neve,
Copri col bianco soffice mantello,
Il nostro amico, nostro fratello,
Su nel paradiso, su nel paradiso
Lascia lo andare per le tue montagne.

Dio del cielo, l’alpino chè caduto,
Ora riposa nel cuor della montagna.
Ma ti preghiamo, ma ti preghiamo.
Una stell’alpina, una stell’alpina
Lascia cadere dalle tue montagne.



Lourinhã > Abril de 1991 > Maria da Graça (n. 1922) e Luís Henriques (1920-2012)




Portugal > Cadaval > Adão Lobo > 18 de junho de 1950 > Equipa de futebol do Sporting Clube Lourinhanense (SCL) no campo de jogos do Adão Lobo. O segundo da primeira fila, da esquerda para a direita, assinalado com um círculo a vermelho, é o meu pai, Luís Henriques, então com 29 anos... Esteve toda a vida ligada ao futebol, quer como jogador quer como dirigente e treinador de futebol das camadas mais jovens...

Esta foto foi tirada no dia em que o Benfica (seu clube do coração) ganhou a Taça Latina, disputada no Estádio Nacional do Jamor, um dos ícones do Estado Novo. Como dizem as crónicas da época, foi o primeiro feito internacional do S.L. Benfica, e pôs o país a vibrar de emoção: primeiro, o Benfica eliminou a Lázio nas meias-finais, por 3-0; depois empatou com o Bordéus, por 3-3,na final, em 11 de junho; e na finalíssima, uma semana depois, venceu os franceses por 2-1.

Esta foto é também uma homenagem à geração do meu pai para quem o futebol foi uma paixão... Aqui ficam os nomes dos jogadores do SCL, identificados um a um no dia em que o meu pai festejou os seus 90 anos (tinha uma memória de elefante!):

"De pé, da esquerda para a direita, o filho do Vitor Pedro, o Miranda (Alfaiate), o Jorge Tarofa (ou Jorge Serralheiro), o José Costa (que haveria de morrer em Angola), o José Miguel, o Américo Russo, o Manuel Swing, o António Serralheiro; na primeira fila, da esquerda para a direita, o Vitor Pedro, o Luís Henriques, o António Zé da Graça [, guarda-redes], o Manuel Dias (Néu), o Artur Borges, e o João Borges". E acrescenta o meu pai: "Perdemos 3 a 2. Nesse dia faltaram três ou quatro dos nossos melhores jogadores: o Gino (ou Higino), o Mário Pepe, o Manuel Ferrador, o António Costa"... 

Quase todos estes lourinhanenses já morreram, com uma exceção ou outra: o Jorge Tarofa, por exemplo, ainda está entre nós; o Jorge Borges, não tenho a certeza. 






Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > "Junho de 1943. Alguns internados do depósito dos convalescentes. Entre eles, estou também eu, sentado, lendo [o livro ] Os Bastidores da Grande Guerra. Luís Henriques , 1º Cabo nº 188/41, 1º Batalhão Expedicionário, R.I. nº 5. S. Vicente. C. Verde" [ O meu pai é o primeiro da 1ª primeira fila, do lado direito, assinalado com um círculo a vermelho; esteve internado cerca de 4 meses, já no final da comissão, por doença de pulmões; a morbimortalidade entre os expedicionárias era elevada; o livro em, questão podia o ser de Adolfo Coelho, Nos bastidores da grande guerra, documentário, editado em 1934, em Lisboa, pela Livaria Clássica Editora].


Texto, fotos e legendas: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados


Uma versão mais curta deste texto foi publicado no jornal Alvorada, [Lourinhã,] nº 1103, 20 de abril de 2012, p. 26. E pode ser lida aqui também, no blogue A Nossa Quinta de Candoz.

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9744: Meu pai, meu velho, meu camarada (28): O RI 23, (re)constituído na Ilha de S. Vicente (agosto de 1941/dezembro de 1944): a unidade a que pertenceram Luís Henriques, Ângelo Ferreira Sousa, Porfírio Dias e Armando Lopes (José Martins)

Guiné 63/74 – P9869: Convívios (430): 17º Encontro/Almoço/Convívio da 38ª CCmds, vai decorrer em 30 de Junho de 2012, em Malveira (Amílcar Mendes)


1. O nosso Camarada Amílcar Mendes, que foi 1º Cabo Comando da 38ª CCmds (Os Leopardos) - Brá, 1972/74 -, enviou-nos para divulgação o programa da festa da sua Companhia.

XVII ENCONTRO
 38ª Companhia de Comandos

30 de Junho de 2012
 Milharado - Venda do Pinheiro (Malveira)
 HOMENAGEM AO NOSSO CAMARADA
Cecílio Manuel Ferreira Franco

Camarada, 

Este ano, vamos reunir-nos em MILHARADO (Venda do Pinheiro) no próximo dia 30/06/2012 e assim cumprir uma tradição que a todos nos orgulha e honra.

Este ano, iremos prestar HOMENAGEM ao nosso camarada CECÍLIO FRANCO que, como vos recordais, faleceu na Guiné a 01/02/1973. 

Recordaremos juntos também, que foi há 40 anos que embarcámos para a Guiné.
“A 38ª Companhia de Comandos tem 3 minutos para formar na parada!” - Isto é, tem o dia 30 de Junho de 2012 para estar toda junta a comemorar. Isto e muito mais numa “PROVA DE FOGO” do 40º Aniversário do começo de uma gloriosa aventura que nos uniu para o resto das nossas vidas! 

Vem, traz a família e os amigos! MAMA SUMÉ

PROGRAMA
10h30 – CONCENTRAÇÃO no Cemitério de Milharado
11h00 – Visita à Campa do nosso Camarada - Cerimónia de Homenagem.
Deposição de Coroa de Flores. Entrega da Boina Comando à Família.
11h30 – Cerimónia Religiosa na Igreja do Milharado.
12h30 – Saída para o Alto de Lousa, para o Restaurante” O BARRIL “( fica a seguir ao Lagar de Azeite ).

Milharado, Venda do Pinheiro (Malveira)
Itinerário: (AE 8 – Saída 4 – Lousa/ Montachique), e seguir depois pela E.N 374-2 – Montachique - Milharado

EMENTA DO ALMOÇO-CONVÍVIO
Entradas: Aperitivos
Pratos: Bacalhau à Barril / Vitela à Lafões
Sobremesa: Frutas / Doce da Casa/ Bolo COMANDO 

Preço P/Pessoa: 30 €
Confirma quanto antes a tua presença junto dos nossos camaradas:

Mendes da Silva: 91 969 24 02
Amílcar Mendes: 93 980 27 74
João Ogando: 96 577 06 44
____________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

8 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9866: Convívios (246): Almoço/Confraternização da CCAÇ 2660/BCAÇ 2905 - Teixeira Pinto, vai decorrer em 02 de Junho de 2012, no Bonsucesso em Aveiro (Virgílio M. Paulino Pereira)


Guiné 63/74 - P9868: O Nosso Livro de Visitas (135): José Ferreira, ex-1.º Cabo (Bafatá e Teixeira Pinto, 1967/68)

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira, ex-1.º Cabo que esteve em Bafatá e Teixeira Pinto, com data de 29 de Março de 2012:

Bom dia amigo Luís Graça 
Sou um ex-combatente na Guiné do Batalhão de Cavalaria1 905 que regressou em fevereiro de 69.
Estivemos em Bafatá e Teixeira Pinto, fizemos escoltas a Bambadinca, Nova Lamego e muitas outras.

Vi o teu blog e pensei em me ajuntar a vós caso me aceiteis.
Sou de Viana do Castelo e chamo-me José Ferreira, mais conhecido por Cabo Viana.

Sem mais, um abraço
José Ferreira


2. No passado dia 3 de Maio foi enviada uma mensagem a José Ferreira nos seguintes moldes:

Caro camarada José Ferreira
A tua mensagem andou uns dias perdida numa caixa de correio do Luís Graça, onde ele vai poucas vezes. Em futuros contactos usa antes esta: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Se quiseres juntar-te a este numeroso grupo de camaradas que fez a guerra colonial na Guiné, manda uma foto do teu tempo de Guiné e outra actual, tipo passe de preferência e faz uma pequena apresentação de ti, a saber:
Nome, Posto e especialidade militares, datas de ida e volta da Guiné, Companhia e Batalhão a que pertenceste, quartéis por onde andaste, etc. para fazermos a tua apresentação formal à tertúlia.
Se quiseres podes contar uma pequena história passada contigo e mandar outras fotos que tenhas em teu poder.

Esperamos a tua resposta.
Até lá recebe um abraço do teu camarada
Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


3. Nota do editor:

Salvo melhor opinião suponho que o camarada José Ferreira está equivocado quanto à identificação do seu Batalhão e à data de regresso. O número de Batalhão de Cavalaria mais parecido com 905 é 1905.

O BCAV 1905 partiu para a Guiné em 01 FEV67 e regressou a 19NOV68.

O BCAV 1905 assumiu a responsabilidade do Sector 01-A com sede em Teixeira Pinto entre FEV e AGO67. Em SET67 rendeu em Bafatá o BCAÇ 1877. Em NOV 68 recolheu a Bissau para aguardar o regresso à Metrópole.

- Elementos recolhidos da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) - 7.º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9820: O Nosso Livro de Visitas (134): Rogé Henriques Guerreiro, que vive em Cascais, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 4743 (Gadamael e Tite, 1972/74)

Guiné 63/74 – P9867: Convívios (429): Almoço de Confraternização da CCS do BCAÇ 4612/72, dia 19 de Maio de 2012, em Évora (Jorge Canhão)




1. O nosso Camarada Jorge Canhão, (ex-Fur Mil At Inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem, com pedido de divulgação do programa da festa da sua Companhia. 


Camaradas, 

Gostava se possível, que dessem a informação do almoço da CCS do BCAÇ 4612/72. 

Eu vou lá estar como habitualmente. 



Abraços Jorge Canhão

Fur Mil At Inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72
____________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

8 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9866: Convívios (246): Almoço/Confraternização da CCAÇ 2660/BCAÇ 2905 - Teixeira Pinto, vai decorrer em 02 de Junho de 2012, no Bonsucesso em Aveiro (Virgílio M. Paulino Pereira) 


Guiné 63/74 – P9866: Convívios (428): Almoço / Confraternização da CCAÇ 2660/BCAÇ 2905 - Teixeira Pinto, vai decorrer em 02 de Junho de 2012, no Bonsucesso em Aveiro (Virgílio M. Paulino Pereira)


1. O nosso Camarada Virgílio M. Paulino Pereira, Ex-Furriel Miliciano da CCAÇ 2660 /BCAÇ 2905, Teixeira Pinto, (1970/72), enviou-nos a seguinte mensagem, com pedido de divulgação do programa da festa da sua Companhia.

 Almoço Confraternização da  CCAÇ 2660 - Teixeira Pinto 

02 de Junho de 2012

Camaradas,

Como não poderia deixar de ser sou visitante diário do nosso (desculpem a apropriação) blogue, mas agora pretendo solicitar a divulgação do 16º almoço/convívio anual da minha CCAÇ. 2660.

Resumidamente tomo a liberdade de referir os elementos julgados importantes:

Almoço/Confraternização
CCAÇ 2660 - Teixeira Pinto
02 de Junho de 2012 (Sábado)

Restaurante “Abílio Marques” – Bonsucesso/Aveiro
Barbosa – 919310457 – 255776571
Virgílio – 966007841 – 243769303
Mário Rui – 969044531
Simões Dias – 968710005

Cumprimentos. Grato.
(Virgílio Paulino Pereira)
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

8 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9865: Convívios (245): XVIII Convívio da CCAV 8350 “Piratas de Guileje”, 2 de Junho de 2012 na Serra do Caramulo (José Casimiro Carvalho) 


Guiné 63/74 – P9865: Convívios (427): XVIII Convívio da CCAV 8350 “Piratas de Guileje”, 2 de Junho de 2012 na Serra do Caramulo (José Casimiro Carvalho)


1. O nosso Camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp / RANGER da CCAV 8350 “Piratas de Guileje”, (1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem, com pedido de divulgação do programa da festa da sua Companhia. 

XVIII Convívio da CCAV 8350
"Piratas de Guileje” 

2 de Junho de 2012 - Serra do Caramulo 


Camaradas, façam um esforço e venham ao nosso convívio, tentem avisar outros que desconheçam a realização e data desta Confraternização. Gostaria de ver mais caras novas no dia 2 de Junho. 


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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

7 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9862: Convívios (346): 28º Convívio da CART 3494, em 9 de Junho de 2012, em Ponte de Sor (Sousa de Castro)

 

Guiné 63/74 - P9864: Notas de leitura (358): "Horas Malditas", por Manuel Martins (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 2 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Foi o Carlos de Matos Gomes que teve a amabilidade de me emprestar estas “Horas Malditas”.
Não tenho rebuço em continuar a pedir-vos o favor de me emprestarem quaisquer literatura sobre a Guiné em vosso poder, bom, mau ou assim-assim, os historiadores é que podem conferir importância a tais testemunhos, por vezes muito mais úteis que a pouca importância que lhes possamos atribuir. Estas “Horas Malditas” têm aspetos curiosos, soam a desabafo dentro da forma desprendida que o autor utiliza.

Um abraço do
Mário


Um romance singular sobre a guerra da Guiné: Horas malditas

Beja Santos

Intitula-se “Horas Malditas”, por Manuel Martins, Mediedições, 1991. É um romance económico, estabelecido na base de síncopes, uma linguagem fragmentária em que o acidental por vezes sobreleva o essencial. O autor explica o título pelas horas de ansiedade à espera de uma flagelação ou a estranha sensação nas horas que se seguiam ao rebentamento de uma mina. E depois generaliza: “Eram-no também todos aqueles dias e semanas de rotina ansiosamente à espera de voltar à metrópole no gozo de férias”.

O “periquito” Orlando Marques chega a Mansoa e sabe-se que depois vai até Cutia. Vai em rendição individual, quando o capitão Maia, lá na sua unidade na metrópole lhe deu notícia, quase que entrou em estado choque, já não previa o chamamento. Ele bem barafusta, tinha sido promovido a furriel há mês e meio, o capitão explica-lhe que a data de mobilização era anterior à sua promoção. Ficamos a saber que o Marques tem laços com a Lousã, que andou no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, que tem uma irmã de um casamento em segundas núpcias do pai e que as relações com este não são lisonjeiras. Aliás, só informa o pai horas antes de partir para a Guiné. As suas lembranças, contudo, viagem para a Lousã, onde fora assessor nas Finanças e onde está a Tina, a sua namorada. E lá vai num DC-6 para Bissau, o pai está comovido quando o leva ao aeroporto. Em Bissau é descarregado no Batalhão de Intendência. Depois dão-lhe a guia de marcha para Cutia, algures entre Mansoa e Mansabá.

Podia ser um excurso sensaborão, Manuel Martins socorre-se do linguajar da tropa macaca: quilhar, canhoada, saiam da daqui, porra, é proibido o caraças!... E o que é brutal descreve-se com sobriedade, naquela flagelação uma velhota, desnutrida, jazia completamente desventrada, contendo o que pareciam ser os intestinos aconchegados no seu regaço do lado direito: “De joelhos sobre a mulher, rasgou-lhe as parcas e andrajosas roupas que a cobriam, e que juntamente com o sangue já coagulado e pedaços de terra à mistura, se confundia com aquele desfilar contínuo de tripas que pareciam continuar a sair pelo ventre”. Chama-se a ambulância, pede-se para se fazer uma massagem cardíaca, mais outra injeção. Mas o médico reconhece que nada há a fazer.

São trapos soltos, o autor não sente necessidade de falar da cronologia dos acontecimentos, sabe-se que estamos em pleno os anos 70. Marques tem uma boa relação com o alferes Pires, estabelecem uma camaradagem perfeita. E dentro deste desligamento dos textos, o leitor é convocado para o rebentamento de uma mina, vai uma GMC à frente com o Legião, um soldado na casa dos 30 anos que combatera na legião estrangeira, tinha acabado uma operação, deslocam-se para o aquartelamento. Explode uma Berliet, vinha a seguir à GMC, fica com a frente completamente desfeita, ferros todos retorcidos e praticamente sem pneus. E somos transportados para um episódio grotesco:
- O furriel pode ler-me este telegrama? É para mim e eu estou tão nervoso! Se calhar é mesmo a miúda a dar-me com os pés! Por isso não me escrevia há quase 15 dias!...

Marques, mesmo antes de ver os seus aerogramas, e como que se o nervosismo de Santos lhe tivesse sido transmitido, rasgou a tirinha de papel que sigilava o telegrama e abrindo pausadamente pousou ao de leve os olhos na pessoa que o escrevera e pôde ler: Maria da Conceição.
- Quem é a Maria da Conceição?
- É a minha miúda! Eu vi logo. Já andava a desconfiar. Anda um tipo aqui a fazer projetos e as gajas lá ao fim de um tempo já não nos respeitam.

Marques lia para si o telegrama. E infelizmente para o Santos o seu conteúdo era bem mais grave: “GRAVES PROBLEMAS STOP TEU PAI FALECEU STOP FUNERAL HOJE STOP DOENÇA DELE NÃO ME DEIXOU ESCREVER STOP CORAGEM TUA MARIA CONCEIÇÃO”
- Oh Santos, tens de ter paciência homem. A vida é assim. Hoje é má para ti amanhã será para mim, quem sabe. Temos é de ter todos coragem!

Santos já não o ouviu. Agora só conseguia ver aldeia abaixo, lado a lado com o pai, à frente da junta de vacas, a caminho da Devesa para irem fazer as sementeiras.

Os dias são monótonos onde quer que o Marques se encontre, bebe muito, joga, tá farto da comida, alguém faz um reparo: “- Vai lá para Infandre, e já comes melhor, meu cabrão! Se estivesses a arroz branco e conservas, já começavas a gostar mais deste petisco”. Pelas 3 horas da manhã Marques parte para um patrulhamento, o cabo Pires esqueceu-se do tubo do morteiro, tal a forte bebedeira e justifica-se:
- Foi o álcaro, meu alferes!

Percebe-se que caminham em direção à saída norte de Mansoa até ao cruzamento da estrada de Bissorã, cambam o rio Brá, avançam com cautelas, vão picando o caminho. E em dado passo está lá uma emboscada, pensava-se, mas não era, afinal andavam uns nativos descontraidamente à caça. É no regresso que está lá uma emboscada, o Zé da Tropa está profundamente ferido e o Marques é atingido por um estilhaço.

No texto seguinte Marques já está de férias em Lisboa, quando se prepara para ir passar uns dias à Lousã recebe uma carta do alferes Pires em que lhe comunica que desertou e foi para França, é uma carta cheia de pormenores, um retábulo barroco que termina com a promessa de se voltarem a encontrar em Lisboa e então comerão uma lagosta. É uma prosa entediante, parece que Orlando Marques perdeu a bússola, aparecem-lhe dois agentes da PIDE lá em casa, pretendem informações sobre o alferes Pires, ele nega saber o seu paradeiro. De novo em Bissau, Marques é um sargento de atos fúnebres, temos aqui outra dimensão grotesca da obra, vai trabalhar na secção de funerais, é um zelador das urnas, anda pelas casas mortuárias, vê o estado dos cadáveres, vestem os mortos, quando estão despedaçados põem cuidadosamente o fardamento por cima, Marques assiste obrigatoriamente ao ato da soldadura e à tiragem dos gases para que as urnas não expludam. Até é participado ao leitor o acidente em que o Braga quando se preparava para tirar gases a cerca de 20 urnas que deveriam de seguir a bordo do Rita Maria, inadvertidamente, após ter feito o furo junto aos pés de uma urna, por onde deviam ter saído todos os gases, resolveu não fechá-la a ferro quente e solda, usou um maçarico e provocou uma explosão, pôs tudo num desalinho. E chega o 25 de Abril, os militares do MFA andavam em delírio pelas ruas de Bissau. E nesse verão, Marques, o cangalheiro, partiu para Lisboa, casou, divorciou-se, fez-se médico. E 10 anos depois, no Rossio, encontra-se com Vitor Pires. Chegou a hora dos grandes desabafos. Pires tinha-se naturalizado francês, trabalhava lá como técnico de controlo de material da aeronáutica numa empresa do Estado. Tinha dois filhos, o Michel e a Nicole, de sete e seis anos, agora estava divorciado, viera a Portugal visitar os pais. Metem-se num táxi e vão jantar à Portugália: “Falámos durante horas a fio. E bebemos muitas imperiais enquanto conversávamos. Mas também comemos a maior lagosta que eles lá tinham”.

É um livro curioso, não se capta bem o que Manuel Martins deixa como mensagem, recupera habilidosamente o jargão da caserna, doseia as horas más e a solidariedade militar na provação com vivências do grotesco e do humor negro. É provável que este reencontro se transforme no símbolo da memória perdurável das horas malditas e das amizades que escapam às agruras do tempo.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9851: Notas de leitura (357): As grandes Operações da Guerra Colonial (2), edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9863: (De)caras (10): Relembrando o Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha, natural de Barcelos, que pertencia à CART 2715 (Xime, 1970/72), e que foi morto de morte matada em 26/11/1970 (José Nascimento, CART 2520, Xime, 1969/70)


Caldas da Rainha > RI 5 > 1968 > O futuro furriel miliciano David Guimarães, de minas e armadilhas [, CARt 2716, Xitole, 1970/72], está a tocar viola, rodeado de camaradas que, como ele, estavam a fazer a recruta no RI 5 das Caldas da Rainha, no CSM - Curso de Sargentos Milicianos. Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Cunha (Assinalado com um círculo a vermelho).... Viria a morrer em combate, na região do Xime, na Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970; pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime, que integrava o BART 2917, chegado há poucos meses ao Setor L1 (Bambadinca)

Foto (e legenda): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados.



1. Comentário do nosso leitor e camarada José Nascimento, com data de hoje, ao poste P1317 (*);:

Sou o furriel Nascimento,  da CArt 2520 [, Xime, 1969/70], a Companhia que foi rendida pela Companhia do Cunha, a CART 2715 [, Xime, 1970/72]. 


Durante o período de sobreposição estabeleci uma relação de amizade com o Cunha. 

Quando soube da sua morte [, emn 26 de novembro de 1970,] senti uma grande mágoa. 

De vez em quando a sua imagem vem à minha memória. Guardo uma foto dele tirada na tabanca de Amedalai, que quero publicar na nossa Tabanca Grande.


2. Comentário de L.G.:


Numa segunda feira, triste, chuvosa, depois das aulas, depois do tardio jantar, às 22.30, abro a caixa do correio e vejo o teu lacónico comentário a um poste já velho de mais de cinco anos e meio... Senti um estranho arrepio de frio que me atravessou o corpo de uma ponta à outra, ao ler a tua evocação do Cunha.

Parece que ainda estou a vê-lo... O Cunha, o Joaquim de Araújo Cunha, o pequeno e valoroso Cunha, ainda com o seu ar de criança tímida, era o único dos seis corpos que não estava desfeito pelos rockets. Tinha apenas um fiozinho de sangue na testa: o primeiro tiro fora, seguramente, para ele que ia à frente da secção, juntamente com o nosso guia e picador Seco Camarà. A imagem que retenho dele, era de alguém que caíra, exausto, em cima do capim... Quando cheguei à sua beira, ainda lhe dei uma bofetada, sacudindo-o energicamente:
- Acorda, meu sacana!

Como garante o Guimarães (da CART 2716, do Xitole), o Cunha que fez a recruta com ele e foi mobilizado para a Guiné no mesmo Batalhão (BART 2917), "deve estar no céu porque era um homem bom". Não acredito no céu, mas,  se ele existe, o Cunha e todos os valorosos combatentes, como ele, que eram bons e que eram jovens e que morreram de morte matada, só poderão estar no céu... Nunca esquecerei também a última cerveja que bebi com ele,  às tantas da madrugada, escassas horas antes daquela fatídica emboscada. Ainda hoje não consigo perceber por que é que fomos obrigados, pelo comando de Bambadinca,  a fazer aquela maldita operação, com um nome de código esotérico... Três dias depois da invasão de Conacri!... E sobretudo a razão por que  cometemos erros fatais no seu planeamento e condução...

O Cunha era natural de Outeiro, freguesia de Carreira, concelho de Barcelos. Está sepultado no cemitério local.

Jorge Nascimento, camarada da CART 2520, com quem devemos (a malta da CCAÇ 12)  ter feito algumas operações em conjunto, no Xime, obrigado pelo teu comentário e, antecipadamente, pela foto que nos vai enviar contigo e o Cunha. A que publico acima, é a única que tenho no blogue... Aproveito para te convidar a ingressar na Tabanca Grande,  a que tu e eu chamamos nossa. (***)

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segunda-feira, 7 de maio de 2012

Guiné 63/74 – P9862: Convívios (426): 28º Convívio da CART 3494, em 9 de Junho de 2012, em Ponte de Sor (Sousa de Castro)


1. O nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), enviou-nos um pedido de publicação da seguinte mensagem.


XXVII Convívio da CART 3494

Ponte de Sor – 9 de Junho de 2012

Xime e Mansambo (22 de Dezembro de 1971 a 03 de Abril de 1974) 


Caro companheiro e amigo. 

É com grande prazer e amizade que te estamos a convidar para mais um convívio.

Contamos com a tua presença.

O local de concentração vai ser na Zona Ribeirinha de Ponte de Sor, entre o Campo de Ténis e as Piscinas Municipais.

O almoço será servido no Restaurante “Gato Preto”, em Ponte de Sor.

Contacta atempadamente para:

Ex. Fur. Art. António Espadinha Carda
TM: 934 323 768

PROGRAMA

11h00 – Inicio da concentração na Zona Ribeirinha, Ponte de Sor
12h30 – Saída até ao Restaurante Gato Preto, Ponte de Sor
13h00 – Início do Almoço

EMENTA
Entradas várias
Creme de Cenoura
Bacalhau à Chefe
Pá de Porco Assado com Migas de Coentros
Buffet de Sobremesas
Mesa de Queijos
Bolo de Aniversário

Preços:
Adulto: 30 morteiradas (€)
Crianças dos 6 aos 10 anos: 12,50€
Crianças até 5 anos: grátis

Como chegar:
Restaurante “Gato Preto””
Barreiras
7400 Ponte de Sor

Coordenadas
Geográficas: 39º15'54'' N, 8º0'45'' W
Decimais (GPS): 39.26493,-8.012499

Telefone: (+351) 242.202.197
Fax: (+351) 935.109.303
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

7 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9860: Convívios (345): 18º Encontro do Pessoal de Bambadinca, 1968/71, em 26 de Maio na cidade do Porto (Manuel Monteiro Valente)


Guiné 63/74 - P9861: Cartas do meu avô (2): Segunda Carta: Em Catió (Parte I) (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)



Guiné > Região de Tombali > Catió > BCAÇ 619 (1964/66) >  Grupo de oficiais à mesa, no famoso bar Tombali, em Catió. Há dois palmeirins, da CCAÇ 728: o alf mil J.L. Mendes Gomes, o 2º a contar da direita, de óciulos escuros; e o alf mil Gonçalves, o 1º a contar da esquerda. Os restantes pertenciam à CCS do BCAÇ 619, então sedeado em Catió, com destaque para o major  Luís [António Moura] Casanova Ferreira [, hoje coronel reformado,] de bivaque na cabeça e camuflado, ao fundo (era o homem grande da logística do batalhão e foi um dos mentores e atores do 25 de Abril).  Da direita para a esquerda, são ainda visíveis o alferes de transmissões do batalhão - o Teixeira; a seguir ao J.L.Mendes Gomes, o alferes, do Pel Art,  de apelido Maia);  e por fim, o alferes Pires Marques, de cavalaria (Pel Rec). Foto do álbum do nosso camarigo J.L. Mendes Gomes.

Foto (e legenda): © J. L. Mendes Gomes (2006). Todos os direitos reservados.


1. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria do  nosso camarigo Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió)  e em Bissau, nos anos de 1964/66, vivendo presentemente em Berlim.


SEGUNDA CARTA – EM CATIÓ (PARTE I)

Lichtenrade, Berlim,  14 de Março de 2012- 16h e 22m 


1- A Despedida do Cachil e a Entrada em Catió

Os nove meses que decorreram no Cachil deram para sedimentar tudo. A ambientação ao clima de guerra estava culminada. Ao cabo de várias substituições de comandante, - porque o primeiro, tão valente se aparentava, desertara escandalosamente, logo no nosso baptismo de fogo - tínhamos dado a volta ao quartel.

Tornámo-lo habitável. Até uma pista de aviação se conseguiu montar umas dezenas de metros ao lado da paliçada leste. Dava para recebermos os abastecimentos mais prementes através da Dornier. Legumes frescos, alfaces….Vindos das hortas de Bissau.

Ninguém que não tenha passado por uma situação destas poderá imaginar o valor que estes vulgares consumíveis assumem numa comunidade como é uma companhia isolada e entregue a si própria. Poder debicar umas escassas folhas de alface ou de couves frescas ponha o quartel em verdadeiro transe…e alvoroço.

Receber o correio trazido directamente pela avioneta estreitava e atenuava infinitamente o sofrimento que se sente quando a vida e o mundo se resumem a um universo de cento e oitenta homens perdidos numa ilhota cercada de rios e bolanhas. 

Renovaram-se casernas, uma para cada pelotão; outra para os oficiais, outra para os sargentos; ergueu-se um bar com tamboretes à volta para os momentos de ócio, idêntico aos de um quartel a sério; a cozinha completamente reformulada, assente num espaço cimentado; aulas de escolaridade, etc.


O tempo decorria serenamente. As noites não. Eram de permanente suspense… e pesadelo. Seriam a pior altura para se sofrer um ataque. Fosse pelo que fosse, isso não chegou a acontecer.

Foram nove meses sossegados os do Cachil. Por isso, foi um momento muito difícil, aquele em que se soube que a companhia iria ser deslocada para Catió. Ficaria a ser a companhia de segurança ao comando do batalhão e de intervenção em todas as operações a desencadear no sul.

Eram muito negras as perspectivas daí para a frente. Como o foi a hora de largar o quartel e entregá-lo à outra que veio render-nos. Pela calada da noite, aproveitando a maré-cheia, fomos levados numa grande LDM, escoltadas ao longe, pelo temível poderio de fogo pesado de uma curveta da Marinha. Talvez a "Orion".

Ao cabo dumas boas horas de escuridão, a navegar aos ziguezagues pelo labirinto hidrográfico do sul da Guiné, ladeados por vastas bolanhas livres ou temíveis florestas densas, a escorrerem sobre as águas, chegámos a Catió.





2- Entrada em Catió

Catió era um pólo administrativo com certo relevo comercial, vinha dos tempos coloniais. Tinha um Administrador de carreira; uma igreja, um mercado, um posto de assistência médica, uns correios e várias casas comerciais. Exploradas por libaneses, sirianos ou emigrantes do continente.

À volta, havia um arco de aldeias populosas de nativos, fulas e mandigas, que nos eram fiéis e favoráveis.  Chefiadas sábiamente, por dois homens grandes cuja palavra ou ordem eram verdadeira lei.

Ordeiramente, foi-se procedendo à instalação das tropas, em sobreposição com as residentes. A receptividade era total. Para a companhia que saía era o luminoso fim da tormenta. Os oficiais ficaram instalados no designado "Sete e meio"- Era a anterior casa do enfermeiro.  Os sargentos nas instalações existentes, junto à parada e à cozinha. Os 
soldados nas casernas da companhia. Tudo era mais confortável e a sério. 


Catió era a importante sede do batalhão que superintendia em todo o sul. Para além da companhia de comando e serviços, tinha três pelotões autónomos: o de transmissões, os de artilharia e cavalaria. Tinha um médico, com os respectivos enfermeiros, a enfermaria e um capelão militar.

A vida decorria à boa maneira dum qualquer quartel no continente. A toque de corneta. Os oficiais dispunham duma boa cozinha e excelente messe, onde pontificavam o comandante-mor – um tenente- coronel- e os oficiais de planeamento de operações.

A hora das refeições era, por artes do comandante, um intencional momento de convívio solene, sempre sob o seu olhar atento e, por vezes, inquisidor. A distribuição na grande mesa comprida, era feita por ordem decrescente de patentes. No topo estava ele.


O primeiro comandante tinha trato afável e era próximo de todos. O tenente coronel Matias. (**) O segundo, que o viria a substituir, era o seu oposto. Um mau carácter, autoritário e desconfiado. A bonomia do capelão e do médico, mais a inesgotável verborreia do oficial de justiça, o M. Fernandes, todos muito bem sediados no batalhão, davam para minorar o ambiente pesado que, sem eles, haveria.

Anedotas, discussões filosóficas, gracejos picantes virados, sobretudo, para o padre, havia de tudo, eram o pano de fundo. No fundo, gerava-se um ambiente agradável. Depois, havia torneios de damas, de poker e xadrês. E até, torneios de voleibol. Enfim, Tudo condimentos que serviam para amenizar as nossas agruras.


Nas horas mortas, dava para, livremente, fazer sala pelos bares públicos da vila. Em descontraída cavaqueira. Aí, era a boa cerveja e o marisco, um açafate de ostras, apanhadas horas antes - o five o’clock -ostra - o amendoim, tudo muito barato. E ainda, de vez em quando e à socapa, uns passeios de jeep pelas aldeias à conversa com os artesãos ou à procura das nossas rutilantes lavadeiras. Sempre com a velha pistola Walter à cintura. Por precaução. Servia para nos dar aquela sensação de longínqua liberdade que não tem preço.

3- Foi só o começo

Não demorou muito, depois da chegada, para sermos chamados para uma magna reunião com os altos comandos. Na sala de operações numa dependência contígua à residência do comandante. Com toda a pompa e circunstância.

Várias filas de cadeiras frente a uma mesa comprida e larga, sobre um estrado bem sobre-elevado. O tenente coronel ao meio do sub-comandante e do oficial de planeamento. Na esquina da sala, à sua direita, desde o tecto até ao chão, pendia uma enorme cortina verde.

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Dadas as solenes boas-vindas à nova companhia, à ordem do comandante, o tal oficial de planeamento procedeu ao correr das cortinas puxando-as por cordões longos de cor dourada. A sala estava medianamente iluminada. Excepto a zona frontal à nossa esquerda. Para onde se dirigia um foco de luz.

Eis que um vasto mapa, de fundo predominantemente verde surgiu aos nossos olhos.  Com rigoroso pormenor, ali estavam as estradas, caminhos, veredas, linhas de água e povoações, cobrindo todo o sul da Guiné, como se fosse um retrato aéreo, que ainda não havia.

Em evidência, muito bem assinalados em traços de tinta, de várias cores, ali estava todo o plano secreto da operação que começaria, na madrugada dessa noite. Garbosamente, em pé, de ponteiro em punho, o oficial começou a expor minuciosamente, e a indicar no mapa, como tudo se deveria desenrolar no terreno.

A facilidade e rapidez com que o ponteiro percorria os longos meandros verdes das bolanhas e florestas e, como, serenamente, nos levava até à zona do Inimigo... parecia querer embalar a nossa fantasia. Tudo fora muito bem delineado, em longas horas de sacrificada concentração, ao mais alto nível, desde a última operação.

Pela entoação vibrante do orador, a lição estava muito bem estudada. Se não houvesse fuga de informações, aquilo ia mesmo ser um grande êxito. Tinha de sê-lo.


- Se não houver mais dúvidas..., desejo-vos boa sorte, uma boa noite... Esta reunião está encerrada. – proclamou sorridente o tenente coronel.

Era este o cenário a que iríamos ter de assistir nos nossos próximos meses. Repetidamente, aí de quinze em quinze dias. Cabisbaixos, um a um, recolhíamos às nossas instalações na companhia. A seguir, seria o acerto entre os oficiais, sargentos e soldados da companhia.

À hora fixada, todos os três pelotões, estariam na forma para a vistoria final e a partida, porta de armas fora. Jamais esqueceremos os olhares compungidos do comandante, do capelão e do pessoal médico a despedir-se à porta de armas, enquanto não se deixasse de ver, por entre o nevoeiro da noite, o derradeiro soldado da companhia em fila indiana.

Tal como de alegres os mesmos olhos haveriam de brilhar, quando, à mesma porta de armas, quando nos viam a regressar.


- Então, como correu?...quantos mataram? Houve baixas? - perguntava, feliz, como que a abraçar-nos, o nosso ingénuo capelão.

Lembrar-me-ei até ao fim dos meus dias da resposta pronta e espontânea do furriel Cunha das transmissões:
- Até rezei, caralho,…senhor padre!
- Ó homem! Não diga carvalho!... Onde é que eles estão? Diga palmeira!


J. L. Mendes Gomes (***)

(Continua)


Fotos (em formato pequeno, de Catió): ©  Victor Condeço (1943/2010) / © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste anterior da série > 3 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9848: Cartas do meu avô (1): Primeira: No Cachil (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Como, Cachil e Catió, 1964/66)

 (**) Ten cor inf Narsélio  Fernandes Matias, comandante do BCAÇ 619: mobilizada pelo RI 1, esta unidade partiu para o TO da  Guiné em 8/1/1964 e regressou a 9/2/1966. Esteve sempre em Catió. Subunidades: CCAÇ 616  (Bissau e Empada); CCAÇ 617 (Bissau, Catió e Cachil); e CCAÇ 618 (S. Domingos e Binar). O ten cor Matias era ilhavense, segundo informação do nosso  camarada e amigo Jorge Picado.



Por sua vez, a independente CCAÇ 728, os Palmeirins de Catió, foi mobilizada pelo RI 16, partiu em 8/10/1964 e regressou a 7/8/1966.  Teve 3 comandantes: cap inf António Proença Varão,  cap cav Ramiro José Marcelino Mourato, e cap inf Amândio Oliveira da Silva.