sábado, 13 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10523: Memória dos lugares (192): Cufar (Mário Fitas, 1965/67; Eduardo Campos, 1972)

1. Mensagem do Mário Fitas [, ex-fur mil op esp Mário Fitas pertenceu à CCAÇ 763, Cufar, 1965/67,]  comentando,  a pedido dos nossos editores, as fotos do álbum do Armindo Batata sobre Cufar  (*):

Caro Luís,

É claro que as fotos do Armindo Batata sobre Cufar me fazem reviver aqueles tempos de 1965/66. Há quanto tempo!

Vamos então ao que consigo identificar e lembrar da reconstrução da quinta de Cufar Novo, à altura propriedade do sr. Camacho e que foi transformada numa das melhores bases de antiguerrilha no sul da Guiné.

Foto 62 [, à esquerda]:

À esquerda identifica-se a pista de Cufar em terra batida, inaugurada em 1957 pelo então presidente da Republica Craveiro Lopes na sua visita à Guiné.

Esta pista tinha na altura mil e novecentos metros de comprimento.

No começo da pista ficava a entrada principal do aquartelamento.

Ao fundo vê-se a mata de Cufar Novo, de onde foram extraídas as palmeiras para construção dos abrigos do novo aquartelamento.

Do lado direito, vislumbra-se a mata de Cufar Nalu onde existia uma importante base do PAIGC e que foi tomada em 15 de Maio de 1965 na operação "Razia".

É bastante visível no sentido descendente a estrada para o cais do rio Manterunga.



Foto 56 

É a parada com o pau de bandeira, que não consigo identificar, se é o cibe que nós lá colocamos.

Ao lado direito a Capela construída pelos "Lassas" e que posteriormente por outra companhia foi transformada em armazém.


Foto 64

Parada, vendo-se ao fundo a antiga fábrica de descasque de arroz do sr. Camacho, e que em seu redor em abrigos cavados no chão era o aquartelamento que existia.

De março a maio de 1965 foi um trabalho de loucos, para não sermos apanhados pelas chuvas nos buracos.

Foto 65 [, à esquerda]:

Esta foto foi tirada do varandim da habitação da antiga quinta e transformada em habitação e funcionamento do comando.

Foto 66 [, a seguir em baixo]:


Julgo tratar-se da fachada norte do comando onde existia a tabanca dos milícias do João Bacar Jaló.

Foto 60 [, a seguir em baixo]:

Varandim do comando, vendo-se ao fundo a casa do gerador. Na altura da CCaç 763, de permeio, existia o canil.

Um grande abraço para toda a Tabanca Grande e em especial para todos os "cufarenses".

Mário Fitas



 Foto nº 60


Foto nº 66


2. Comentário do Eduardo Campos [, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74]:

Caro Luis.

Para responder ao teu pedido, terei de fazer um exercício de memória de 40 anos, e também pelo facto de ter estado em Cufar apenas 4 meses em diligência, ao serviço do COP 4 e adido à CCAC 4740, não será fácil:

Mas vamos às fotos:

Foto 62, é Cufar, mas quando lá cheguei em 72 o "aglomerado residencial" era muito maior.

Do lado esquerdo da foto, parecer ser a pista em terra (quando lá cheguei já era em alcatrão) e saída para Catió e Matofarroba. Lado direito, o que parece ser uma estrada seria a picada que ia para o porto no rio Combija.

As Fotos 56, 64 e 65 recordo, aqui sem dúvidas, que são de Cufar. As restantes fotos não me recordo.


Quanto a boas recordações de Cufar, direi que sim foram mesmo muitos boas: Manga de ataques com foguetões (tem outro nome mas era assim que era conhecido entre nós),dois ataques de armas ligeiras ao arame, dormir numa tenda de campanha em que o colchão foi feitas de folhas de árvores e ainda alguma fominha á mistura.

Quarenta  anos depois, e podendo até ser irónico, tudo isso para mim hoje, são mesmo boas recordações.As restante fotos não consigo identificar, por isso não ajudei em quase nada, mas por breves momentos voltei a Cufar, o que por si foi bom.Um abraço, Eduardo Campos.

PS - O que a foto 57 [, foto à direita,] nos mostra tenho a certeza que já não existia, pois pela sua originalidade eu jamais poderia  esquecer o engenho e obra de arte que a mesma transmite. (**)


Fotos: © Armindo Batata (2007). / AD - Acção para o Desenvolvimento Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]


__________________

Notas do editor:

(*) 11 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10515: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (8): Cufar, 1970 (Parte II

(**) Último poste da série > 31 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10310: Memória dos lugares (191): O quartel de Guileje, visto dos céus, ao tempo da CCAÇ 2617, "Magriços de Guileje" (Março de 1970 / fevereiro de 1971) (José Crisóstomo Lucas)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10522: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (1): 1º e 2º episódios: tempos de Mafra, EPI, CSM


Mafra > EPI > CSM [ Curso de Sargentos Milicianos] > BI do soldado instruendo Veríssimo Ferreira, emitido em 25 de abril de 1964




Guiné > Bissau > CCS/GG > BI do fur mil Veríssimo Ferreira, emitido em 14 de julho de 1966.

Fotos: © Veríssimo Ferreira (2012). Todos os direitos reservados.



1. Comentário do Veríssimo Ferreira, ex.fur mil,  CCAÇ 1422 (Farim, Mansabá, K3, 1965/67), à  sua apresentação na Tabanca  Grande (*):

Caro Amigo Luís Graça:

Obrigado pela deferência e até o meu ego está enorme. Aqui o tabanqueiro 581 está felicíssimo por poder estar convosco. A dificuldade maior vai ser o "tu" mas lá chegarei.

Sobre a historieta, real mas com algumas graçolas pelo meio, que não ofenderão, espero, vai já no 7º episódio. (Outras realidades, dolorosas e muito existem, mas não sei se consigo falar nisso.) O Luís Graça, quer que as remeta para o facebook? è que ainda não consigo metê-las no email, ou vai lá buscar-mas ao meu mural?

O meu email é (...).


 
2. Resposta do editor, em 8 do corrente:

Camarada: Somos da mesma geração, idade, dorminos nos mesmos buracos, bebemos a mesma água da bolanha, corremos os mesmos riscos... o que é preciso mais para nos tratarmos por tu ?... O Carlos Vinhal vai completar a tua ficha, o teu email é só para uso interno... Deves usar este endereço de correio eletrónico para comunicar connosco... Para já podes continuar a usar o Facebook, eu depois vou lá buscar o material. Mas tens que aprender o usar o mail e "anexar ficheiros" (seja texto ou fotografia)... Um abração. LG



3. Novo mail do Veríssimo, datado de 10 do corrente:

Assunto: CONSEGUI [mandar um mail] e dizem que burro velho não aprende línguas.~


 
4. Os melhores 40 meses da minha vida > 1º e 2º episódios (Mafra, EPI, Curso de sargentos Milicianos)


por Veríssimo Ferreira 


1º Episódio

E vai daí... Por edital, soube que me deveria apresentar em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, a fim de frequentar o Curso de Sargentos Milicianos. 

Saí de Ponte de Sôr, pela matina e no comboio. Chegado a Lisboa, pedi informações para ir para o Martim Moniz, local donde sairia a camioneta para Mafra.  A confusão, nesta louca cabecinha, era mais que muita (1ª vez na grande cidade) e habituado que estava a ver muita gente junta, aquando das feiras, pensei:
- Há por aqui uma como a nossa de Outubro!!!

Bom, mas lá fui ter e parti para o destino...e cheguei enquanto no entretanto comi as duas sandes que a minha querida mãe preparara para a viagem.
Mafra, surpreendeu-me, quando logo ali mirei, o Mosteiro.
-Um quartel ? -  pensei.

Na entrada, havia um enorme grupo de juventude de cabelinhos cortados à inglesa curta e que esperava e a eles me juntei. Lá chegou a minha hora e preenchidos que foram uns papéis, mandaram-me para o alfaiate que tirava medidas olhando-nos de alto abaixo, o que significou que recebi umas roupitas bem bonitas por acaso... um bivaque onde cabiam duas cabeçorras, duas camisas cinzentas nº 54 e eu até aí, usava 42, dois pares de calças que me chegavam dos pés à cabeça, duas botas 47 e eu calçava 41....e por aí fora.

Na caserna, assim chamavam ao quarto luxuoso, um 5º andar e 183 degraus para subir, onde me colocaram, para me não sentir só deixaram-me acompanhado por mais 151 recrutas que se tornaram meus amigos.

2º episódio

...No dia seguinte, reuniram-nos num espaço rectangular, que ainda hoje existe, lá atrás do convento e a que chamaram e chamam "A parada".

Éramos, talvez, aí uns três mil recrutas, entre os que iam frequentar os cursos de Oficiais e Sargentos, Milicianos, palavra esta que poderemos traduzir desta forma: jovens que após regresso da guerra, serão dispensados do serviço militar obrigatório e passam à disponibilidade, ou seja, ainda poderão ser chamados para a tropa, se houverem alterações à ordem pública. (seja lá o que isso for)

Juntaram-nos depois, sentados no chão e rodeando o Oficial Instrutor, cá fora, ali ao lado esquerdo de quem entra, e esclareceram-nos sobre as normas nem vigor, para contactos eventuais, com os residentes civis e também como distinguir os postos militares.

Ficámos a saber que a coisa começava desta forma: O início e por aí fora:  Recrutas,  1º cabo, Furriel, Sargento, Aspirante, Alferes, Tenente, Capitão, etc. etc. General, Marechal; finalmente...  1º Cabo Miliciano!

Contentíssimo fiquei.... Então não é que o filho do meu pai, Eu, iria alcançar o mais alto posto, lá para Agosto e já especialista de infantaria e 1ª classe em metralhadora Dreyse 7,9 ? e 3ª classe em espingarda 7,9? e 1ª classe em comportamento? e atirador, terminada a instrução complementar?

Aparvalhado ainda, com o facto de ontem ter visto, Lisboa, aviões dos grandes e barcos a atravessar um rio a que ouvi chamarem Tejo e ter ainda a possibilidade de, e também, pela 1ª vez, poder ir ver o mar...as praias da Ericeira e mais agora esta notícia, plena de responsabilidades...

Olhem,f iquei de tal maneira entontecido... que julgo não ter voltado a ser o humano normal de antes.

Continências e divisas, foram-nos sabiamente mostradas, bem como o manejo duma espingarda, o seu desmanchar em bocados.e a consequente limpeza sem precisar, com o escovilhão.

No 3º dia e após o pequeno almoço, começou a preparação para que pudéssemos vir a ser militares disciplinados, bravos, heróicos e que acima de tudo voltássemos inteiros.

Corridinhas na tapada, rastejar no meio da trampa, percursos de combate, saltos para o galho, jogos de brutóbol, tiro na carreira do dito, actividades desportivas com vários empecilhos no meio, audição dos gritos estridentes e ameaçadores dos monitores do pelotão... enfim, toda uma panóplia útil que só mais tarde entendemos ter sido preciosa para que aqui e agora estejamos ainda semi-vivos e, ah, sempre acompanhados pela fiel Mauser e de capacete enfiado... no local próprio de enfiar capacetes.

Regressávamos depois e quase na hora do repasto almoçaral. Íamos, à suite, tomar um banhito rápido, mudar de fato, e proceder, se caso disso, a qualquer necessidade fisiológica ( eu, na época, dava-lhes outros nomes mas depois aprendi esta, da fisio... qualquercoisa e pronto...tornei-me fino...)

As retretes eram mais que modernas: três ao todo, para 152 à rasca. Tinham um buraco no chão, redondo, sem assentos, mas ladrilhadas e asseadas, tá claro. A mim, lembravam-me sempre, lá a margem direita do rio Sôr, onde durante anos dei "à calça" e,  não havendo papel, utilizava as ervas viçosas nascidas por ali, sem eira nem beira.

Só que, certa vez, pasmem!, uma urtiga veio anexa. A tremenda e incomodativa irritação borbulhenta provocada fez -me "arrepiar caminho" e comecei a usar pedras não bicudas, no local a limpar...

Toca a corneta e ala que são horas de almoço. Boas refeições,  sim senhor, e até vinho havia e da cor que entendêssemos, embora eu achasse que aquilo era mais água...e cânfora, substância que, e ao que diziam, transformava em eunucos, embora provisoriamente, quem bebia a zurrapa.

Aconteceu-me...mas quem me mandou ser sequioso e guloso? Voltei ao normal, podem crer, tomando como base que não tenho, nem nunca tive reclamações.

 (Continua)
_______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de  3 de outubro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10473: Tabanca Grande (363): Veríssimo Ferreira, natural de Ponte de Sôr, ex-fur mil, CCAÇ 1422 (Farim, Mansabá, K3, 1965/67)

Guiné 63/74 - P10521: Agenda cultural (221): Debate: "Que surpresas nos reservará a literatura da Guerra Colonial?", na Bertrand Dolce Vita Monumental (Lisboa), dia 16 de Outubro de 2012, pelas 18h00

"QUE SURPRESAS NOS RESERVARÁ A LITERATURA DA GUERRA COLONIAL?"
DEBATE NA BERTRAND DOLCE VITA MONUMENTAL
DIA 16 DE OUTUBRO DE 2012, PELAS 18H00


COM A PRESENÇA DE MÁRIO BEJA SANTOS E CARLOS VALE FERRAZ (CARLOS MATOS GOMES)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10493: Agenda cultural (220): Apresentação do livro "Alpoim Calvão Honra e Dever", dia 11 de Outubro, pelas 18h30, na Sociedade de Geografia em Lisboa

Guiné 63/74 - P10520: Palavras fora da boca... (1): "Nem mais um soldado para as colónias"! (José Corceiro / Manuel Joaquim / Manuel Botelho)



Lisboa > Dia 28 de Abril de 1974, ao fim da tarde, na Rua Fontes Pereira de Melo, antes de chegar às Picoas. Começou espontaneamente o pessoal a aglomerar-se, já depois da Rotunda, e enquanto o diabo esfregou o olho, estruturou-se uma manifestação, com muitos militares da Força Aérea, como se pode ver nas linhas da frente com farda azul e boina verde. As palavras de ordem: 'Nem mais um soldado para o ultramar'… 

Foto (e legenda): © José Corceiro (2010). Todos os direitos reservados.



1. O meu velho, Luís Henriques (1920-2012), gostava muito de falar em verso, de fazer rimas, quadras, versos de pé quebrado, citar provérbios populares, contar anedotas, evocar os seus tempos de expedicionário em Cabo Verde ou relembrar os tempos de jogador de futebol, e de treinador de camadas juvenis... Muitas vezes fazia-nos rir, sorrir, pensar... Tenho pena que muita da sua sabedoria popular tenha ido para a cova com ele... Algumas coisas fomos, eu e os seus netos,  registando, filmando, tomando boa nota... 

Mas ele era um repentista, um espontâneo, um improvisador, incapaz de repetir, com a mesma precisão e graça, o que acabava de lhe sair da boca... Tudo dependia do contexto, das situações, dos interlocutores, e da disposição e da inspiração de momento... E, claro, fiava-se na sua memória de elefante... Tinha um reportório para dar e vender... Nunca o vi escrever um dito, uma história, um verso... 

Tudo isto vem a propósito de uma quadra que ele gostava muito de citar,   apropriada para prevenir situações de conflito...

Palavras fora da boca,
São pedras fora da mão,
Tu mede bem as palavras,
Tira-as do teu coração.

As palavras às vezes magoam como se fossem pedras. Muito mais do que isso, às vezes chegam a ferir e/ou matar. Matam mesmo!... Ou podem matar!...  Quantas dessas palavras não foram lançadas ao vento como autênticos bumerangues que, não atingindo muitas vezes o alvo, se voltavam, no regresso,  contra o próprio lançador ?... 


"Palavras fora da boca" foram/são, muitas vezes, as nossas "palavras de ordem", de ontem e de hoje, slogans, grafitos, títulos de caixa alta nos jornais e, em menor grau, os nossos comentários, as nossas "bocas" bloguísticas... 

Há palavras incendiárias, há palavras que incendeiam o capim... independentemente da intentação ou da vontade de quem as profere... Veja-se há dias a infelicidade do prof Miguel Oliveira e Silva, presidente do Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida,  tropeçando no trocadilho racionamento/racionalização dos medicamentos... Temos que saber lidar com elas, as palavras... tal como sabíamos com lidar as minas e armadilhas, as nossas e as do IN no TO da Guiné.  

Palavras fora da boca... é o título de uma nova série, que tem um propósito, se quisermos, didático, pedagógico, preventivo... Não é para alimentar polémicas, desgastantes, fraturantes, inúteis, mas para preveni-las.  Não é para a gente  fazer ajustes de contas com o passado, por opções político-ideológicas do passado, ou por tomadas de posição como cidadãos, nos nossos ainda verdes anos... 

É para apenas a gente refletir serenamente, sorrir se for caso disso,  e aprender eventualmente com os nossos erros, individuais, grupais e coletivos... 

E a primeira dessas "palavras fora da boca" aqui vai: "Nem mais um soldado para as colónias"... (Se calhar alguns de nós, a seguir ao 25 de abril, também gritámos palavras de ordem como estas ou parecidas, esquecendo-nos que continuava haver, nos TO da Guiné, de Angola e de Moçambique, camaradas nossos, combatentes, que ainda faziam a guerra, ou que preparavam a paz, ou que cumpriam o plano de retração das NT, ou que muito simplesmente aguardavam o regresso a casa,  em qualquer dos casos continuando  a arriscar o pelo)... 

São pedaços de prosa que repesquei do nosso blogue:


2. Comentário de Manuel Joaquim, em 5 de junho de 2010, ao poste P6526:

Caro Graça de Abreu

Concordo, totalmente, com o que dizes sobre o chamado "socialismo real", expressão usada para camuflar o termo "comunismo". Criaram-se regimes de terror, as provas são evidentes. Só as não vê quem não quer.


Parece-me, no entanto, que estes comentários não andam por aí mas sim pela "nossa" descolonização.O que me irrita e enoja é o espectáculo dos/das velhas virgens que andam por aí, de hímen reconstruído, a injuriar e a diabolizar a descolonização, a amesquinhar o comportamento militar em combate, a invectivar a "entrega da nossa Pátria aos comunas", a arrotarem "verdades" sobre personagens e situações que, de verdade, só têm as sílabas das palavras ditas.

Não são as vítimas da descolonização que me irritam com as suas queixas furibundas, às vezes injustas, nem sequer aqueles que defendem as asneiras que, politicamente, fizeram quando tiveram de decidir.

Quem me enoja são aqueles que eu vi, logo a partir de Maio/74 (*), com faixas e aos gritos "Nem mais um soldado para as colónias!".

Estas palavras de ordem propagaram-se como fogo em palha seca. Imaginei logo o que iria acontecer: a destruição de todas as hipóteses possíveis de entendimento com o IN, de qualquer energia ainda existente nos nossos combatentes, de qualquer hipótese válida de se formarem contingentes para render tropas no terreno.

Bem recordo alguns, hoje altos expoentes ideológicos de direita, altos cargos políticos, de Lisboa a Bruxelas, altos cargos na comunicação social, a liderarem tais manifestações, quer na rua quer na rádio, na TV, nos jornais.

Hoje vejo-os por aí causticando o modelo descolonizador e, paradoxo, incensados pelas vítimas da descolonização!

Seria muito interessante consultar a imprensa de 1974/75, falada e escrita, e ver como se expressavam sobre este assunto certas "aves raras" que hoje se pavoneiam por aí, "arrotando postas de pescada".
Um abraço 

Manuel Joaquim


3. Excerto de depoimento de Manuel Botelho, artista plástico (Poste P6789)

(...) “Nos últimos anos vi crescer o meu desejo de identificação com os homens da minha geração que há muito tempo embarcaram para Angola, Guiné e Moçambique, escondidos atrás de um camuflado e uma G3. 


"Sei que não fui um deles. Tive a fortuna de estar no último ano do curso de arquitectura quando o 25 de Abril pôs termo ao pesadelo que me ensombrou a adolescência, e já não experimentei a guerra ao vivo e em directo. Mas vivi-a intensamente, numa antecipação obsessiva que durou toda juventude.

"Desde então muito tempo passou, e a minha perspectiva da vida mudou também. A guerra na África portuguesa deixou de me interessar enquanto fenómeno político e passei a prestar uma outra atenção aos que a fizeram. Muitos (a esmagadora maioria), ainda estão vivos; têm sensivelmente a minha idade; estão carecas e cansados como eu. Alguns serão um pouco mais velhos, mas pertencemos todos a um mesmo tempo, a uma mesma condição. 


"E eis-me a viver um estranho paradoxo: eu, que andei pelas ruas a berrar “nem mais um soldado para as colónias”, comecei a ter sentimentos de culpa por não ter partilhado esse tempo de abnegação e sacrifício. E a minha pintura começou a falar das memórias dessa guerra, como em “Escombros de Wiryiamu”, o massacre no norte de Moçambique que escandalizou o mundo e que evoquei através de um soldado (eu, já velho), sob a ameaça de insectos gigantescos e segurando desoladamente uma G3. Foi essa G3 que quis fotografar de seguida. (...)
______________

Nota do editor:

(*) "4 de Maio de 1974 > Militantes do MRPP impedem, pela primeira vez, um embarque de tropas para as colónias. Palavra de ordem: Nem mais um soldado para as colónias!" (Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril / Universidade de Coimbra > Cronologia Pulsar da Revolução)

Guiné 63/74 - P10519: Notas de leitura (416): Kaabunké Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance", por Carlos Lopes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Agosto de 2012:

Queridos amigos,
Qualquer relance sobre a história da Guiné deve procurar averiguar alguns antecedentes pré-coloniais.
A partir da presença portuguesa contamos com trabalhos incontornáveis de Teixeira da Mota, René Pélissier, António Duarte Silva e coronel Fernando Policarpo no tocante ao período da luta da independência. Mas era indispensável fazer-se aqui uma referência à tese de doutoramento de Carlos Lopes, uma investigação que permite desvelar o Kaabú, os Mandingas do Oeste, os verdadeiros herdeiros do Império do Mali e que tiveram uma poderosa influência cultural no Sudão ocidental.
Como escreve Carlos Lopes, “Para o conhecimento das relações de poder existentes no passado longínquo da Guiné-Bissau, mas também da Gâmbia, de Casamance, do Senegal oriental e do Futa-Jalo guineense, é necessário interpretar as características dos Kaabunké, o alcance da sua civilização”.

Um abraço do
Mário


Kaabunké
(Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance)

Beja Santos

Kaabunké foi o título da tese de doutoramento de Carlos Lopes, um dos mais conceituados intelectuais guineenses, hoje funcionário das Nações Unidas. O trabalho foi editado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, em 1999. Constitui essencialmente uma investigação sobre a história do Kaabú, uma estrutura política Mandinga (malinké) da Alta Costa da Guiné que sobreviveu a todas as tempestades da África medieval e unificou os povos dos “Rios da Guiné” durante seis séculos (portanto entre os séculos XIII e XIX). Para o roteiro que estou a preparar sobre a Guiné portuguesa e a Guiné-Bissau, faz todo o sentido abordar o Kaabú, na justa medida em que ele interfere com a colonização portuguesa e é o documento mais sólido sobre a Guiné pré-colonial.

Que versa o Kaabú? Estes Mandingas do oeste eram os verdadeiros herdeiros do Império do Mali e da época gloriosa de Sunjata Keita. O Kaabú foi um Estado unificador de todas as etnias da região e as suas diversas áreas de influência expandiram-se e abarcaram a cultura de todo o Sudão ocidental, conhecer o Kaabú é abrir uma porta no passado longínquo da Guiné-Bissau, da Gâmbia, do Casamansa, do Senegal oriental e do Futa-Jalo guineense e conhecer uma civilização singular que se desmoronou também por efeitos das ocupações ditadas pelas potências coloniais depois do Congresso de Berlim.

Carlos Lopes começa por nos apresentar os diversos agrupamentos humanos com que o colonialismo se confrontou. Salienta que a maior parte dos etnónimos é de origem portuguesa, nesta região, com uma influência notória do crioulo falado nos centros comerciais sobretudo no Casamansa e na Guiné portuguesa; alguns etnónimos nasceram da mistura de culturas que ocorreu na região e foram consideradas pelos portugueses como novas etnias anteriormente desconhecidas. Havia aqui 12 grupos linguísticos de que interessa reter 3: o Senegalo-guineense, o Mandé e o Peul. Num texto meramente divulgativo não tem sentido esmiuçar os subgrupos e subdivisões. A zona de expansão de kaabunké por excelência situou-se entre os rios Senegal e Pongo. E Carlos Lopes enuncia a localização dos povos envolvidos, ali aparecem os Diola, Flup, Baiote, Pajadinka, Bainuk, Kasanga, Kobiana, Brâme, Papel, Manjak, Mankañe, Balanta, Mansoanka, Beafare, Bijago, Nalú, Peul, Fula, Mandinka, entre outros. O espaço geográfico onde se desenvolveu o Kaabú é um conjunto ecológico integrado, estão ali os rios Gâmbia,Casamance, Cacheu, Geba, Corubal, Nunez e Pongo. A grande facilidade de penetração no continente surpreendeu os navegadores europeus. A vegetação é de savana com ilhotas de floresta subtropical, como as que se encontram no Futa-Jalo. Região de rizicultura próspera e onde o ouro do Bambuk teve um papel de grande importância. Os rápidos existentes em alguns dos grandes rios, o Gâmbia e o Corubal, garantiam uma fronteira artificial que protegia as rotas kaabunké. O isolamento relativo desta região (bloqueada para lá do Futa-Jalo) em relação ao Mali pode explicar a necessidade sentida no interior deste espaço de uma maior relação entre as diferentes estruturas económicas e políticas. O Kaabú era uma aristocracia repartida por diversas províncias, que governava pelas riquezas provenientes dos tributos e do comércio.

Recorde-se que três impérios marcaram a Idade Média do Sudão ocidental: Ghana, Mali e Gao. O Mali está associado a Sunjata Keita, unificador dos Malinké. Este pequeno reino periférico vai utilizar o Islão para justificação ideológica de hegemonia. Quando, no século XVII, o Mali desaparece de cena, o Kaabú está no apogeu graças à sua riqueza comercial. Carlos Lopes carateriza o Kaabú nos séculos XIV e XV, época em que Farim Cabo é ainda uma província do Mali. Kansala era o centro do poder do Kaabú e aparece ligado à batalha que derrota o Kaabú em 1867, e esquematiza a estrutura social kaabunké com a sua divisão social correspondente a 4 grandes grupos (a aristocracia, os homens livres, os indivíduos de casta correspondentes as profissões liberais e as corporações e, por fim, os escravos e agrupamentos étnicos dominados. O sistema de produção Kaabunké tinha uma grande dimensão esclavagista e foi o comércio com os europeus que levou à alteração nos princípios e normas de relações com os escravos. Estamos em presença, escreve o autor, de um poder que governa com o apoio ou cumplicidade de categorias de escravos e homens livres e onde um sistema de consulta é alargado a várias categorias sociais.

Seguidamente, o autor disserta sobre os espaços sociais no Kaabú dos séculos XVI e XVII. Os Kaabunké puderam reforçar as suas estruturas devido à decadência do Mali cujo declínio começa logo no século XV. Transformara-se este Kaabú num espaço também guerreiro. Seja como for era a prosperidade comercial que o tornava respeitado e pode agora conferir-se a relação próxima com a Guiné portuguesa, como escreve Carlos Lopes: “Com a descoberta da região pelos europeus, sobretudo portugueses, o comércio transatlântico implicará uma redefinição dos circuitos comerciais. Até ao século XVII, esta zona vai ser reserva de caça dos portugueses. Existe uma espécie de monopólio nas relações comerciais com a Costa da Guiné. Em 1858, instala-se a feitoria de Cacheu – primeira prova de uma presença real. Toda esta região Kaabunké tem apenas os portugueses como interlocutores. Instalam-se nas ilhas de Cabo Verde e, particularmente, na vila de Ribeira Grande, por eles próprios fundada. É a partir desta placa giratória que processa o comércio dos Rios do Sul. Aos produtos que já eram objeto de comércio entre os próprios africanos, os portugueses descobriram que era possível acrescentar o comércio de escravos”. Mas a amplitude dos mercados definidos pelos Kaabunké envolve outras trocas, como o autor detalha.

Mudando de registo, Carlos Lopes observa o espaço cultural e linguístico, sente-se o peso da influência da malinkização em diferentes povos, como atesta a toponímia e a antroponímia, recorda-nos a tradição musical malinké e como esta música é hoje considerada como tendo estado na origem de toda a música da África ocidental. E escreve, a propósito a herança linguística: “A base vocabular africana do crioulo parece provir do malinké. Baltazar Lopes da Silva, considerado o grande especialista do crioulo de Cabo Verde afirma que a influência das línguas do grupo malinké foi predominante. Luigi Scantamburlo, especialista no crioulo da Guiné, afirma que o malinké está na origem da base estrutural do crioulo guineense. Aliás, Marcelino Marques de Barros, um estudioso de renome dos séculos XIX e XX, referiu que os povos mandingas e beafadas, entre outros, estiveram entre os primeiros que conheceram e crioulizaram a língua dos brancos numa época em que ninguém aprendia as línguas mas apenas o vocabulário".

Depois de discretear sobre o espaço religioso e a administração Kaabunké, Carlos Lopes refere o seu declínio e a arremetida dos Peul, que se saldou com o domínio Fula sobre os Mandinga na Guiné portuguesa. Carlos Lopes dá por demonstrado que o Kaabú deve ser visto como um elemento de referência para qualquer categorização histórica desta região “O Kaabú deixou uma pesada herança aos Estados da Guiné-Bissau, Gâmbia e Senegal. São os herdeiros da estrutura política instituída no fim do século XIX pelos portugueses e, do outro lado das fronteiras de 1886, pelos franceses e ingleses”.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10498: Notas de leitura (415): Uma viagem à Lapónia que ficou por Bissau (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10518: Parabéns a você (482): Jovem amiga Cátia Félix

____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10514: Parabéns a você (481): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10517: História da CCAÇ 2679 (53): "Ataque" muito certeiro (Jose Manuel M. Dinis)

Vista aérea de Bajocunda
Foto: © Amílcar Ventura, com a devida vénia

 
1. Em mensagem do dia 9 de Outubro de 2012 o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos mais um pouco da história da sua Unidade, desta vez um perigoso ataque à Messe de Bajocunda.


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (53)

"ATAQUE" MUITO CERTEIRO AO EDIFÍCIO DA MESSE EM BAJOCUNDA

O edificio da messe em Bajocunda, era uma antiga casa colonial, que ainda abrigava a enfermaria e os quartos da furrielada. Ficava a uns cem metros, a partir das traseiras (norte), da vedação de arame. Algumas árvores frondosas o alguns arbustos, escondiam o edificio do exterior do aquartelamento. A frontaria (sul) dava para a parada, e era contigua à entrada principal para a zona aquartelada, delimitada por uma precária protecção de arame. Sob o alpendre do limite oeste da área militarizada, funcionava a messe, conquanto as refeições fossem preparadas longe, na cozinha. Do lado oposto à messe, funcionava a enfermaria, e junto a ela a oficina mecânica e o abrigo dos auto-rodas. Depois deste, situava-se o morteiro 60, protegido por um muro-abrigo. Depois, num alinhamento a 90 graus, surgia a capela, um espaço aberto, com um pequeno altar e uma cruz. Seguiam-se os edificios da cantina e transmissões, e a secretaria. Do lado sul da parada, de forma afunilada, situavam-se os quartos dos oficiais, e o edificio onde funcionava a secção de armamento. Uma vedação de arame, acompanhava a rua principal até à entrada principal, já assinalada. No meio ficava o pau de bandeira e o submarino, designação de um paiol pela semelhança com um submersível.

Depois desta descrição parcial sobre a urbanização bajocundense, vamos à estória.

Em Africa o sol põe-se cedo e quase regularmente pelas dezoito horas. Era a hora do jantar, apesar de não ter sido prática o horário inglês. Às vezes atrasava-se a manja, quando o pessoal operacional se atrasava um pouco no regresso ao aquartelamento. Sem luz durante a maior parte das noites, mas com candeeiros de pitrol, o pessoal recolhia cedo, na medida em que pelas seis da manhã já fervilhava o dia.

Uma noite, pelo menos eu e o Pedro, ficámos à conversa despreocupadamente e sem cuidar das horas. Tenho a dúvida sobre a eventual participação de um terceiro. Da conversa, nem a mínima recordação. Nos quartos, os furriéis ali presentes já dormiam. Até que surgiu uma extraordinária ideia, a de desencadearmos um ataque à messe, e pregarmos um cagaço aos dorminhocoss. Se bem pensado, e logo decidido, foi melhor executado. No essencial, consistiria no arremesso de garrafas para o telhado de zinco, que reproduziria metalicamente os ruídos dos impactos, enquanto um de nós atravessaria os quartos gritando que era um ataque. Pensávamos nós que a barulheira e os gritos, induziriam o pessoal na busca de protecção.

Fomos então recolher algumas garrafas vazias que, em ambiente de grande respeito pela naturaza, estavam espalhadas por toda a parte. Reunimos um municiamento adequado, mas, entretanto tinha-me ocorrido uma paródia suplementar, um cagaço de prémio aos mais queridos camaradas, que eram aqueles que estavam mais a jeito, em sono profundo e descontraído. Consistiu a iniciativa em atar os pés aos pés das camas. Não era obviamente com a ideia de os estropiar, antes para aumentar a ansiedade de cada um, e ampliar a confusão. Tudo pronto, faltava a ordem de ataque. Quando eu começasse a lançar as garrafas, o Pedro daria o alarmante alerta. Andavam ali mãozinhas de turras. Fiéis à sua combinada ideologia de um por todos , todos por um, os atacantes não se pouparam a esforços, deram tanta intensidade ao ataque quanto possível, e... os resultados revelaram-se diferentes: uns levantaram-se indignados com a brincadeira e mandavam-nos passear, para Espanha, para a Côte d'Azur, e para outros sítios normalmente muito agradáveis. Eram os de sono leve, que distinguiam bem a saída de uma granada, da explosão de uma garrafa. Outros levantavam-se em cuecas, e apresentavam-se de armas em punho, prontos a fazer frente a qualquer afronta. Eram os mais perigosos, daqueles que poderiam abater o inimigo, qualquer que fosse, dentro das instalações do quartel. Finalmente, havia uns gajos, pró mal educado, que berravam no bréu dos quartos, compelidos pelo instinto de defesa, mas, também, sem a necessária consideração pelos camaradas que lhes facultavam a título gracioso um treino tão necessário quanto oportuno. Depois, feitos mariquinhas, ainda se mostravam zangados por, às escuras, verem uns vergões à volta dos tornozelos, em resultado da teimosia de quererem sair sem se libertarem previamente das guitas. Não lhes posso perdoar. Esse registo, por ser absolutamente impróprio a narrativas neste espaço, recuso-me a relatá-lo.

Do evento não resultaram baixas, nem para as NT, nem para o humaníssimo IN. Felizmente, não houve ocasiões posteriores para comprovar a oportunidade do exercício de treino, como a apreensão da melhor forma de reagir naquelas circunstâncias. E voltaram a dormir, os calinas!

Houve mais tarde um episódio quase familiar com este, mas teve origem em delírios paranóico-etílicos. Acho que o relatarei um dia.

Bajocunda > Tabancas ardidas durante flagelação

Bajocunda > Roquetadas entre portas

Bajocunda > Roquetada no telhado mesmo edifício
Fotos de  Pedro Nunes
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10339: História da CCAÇ 2679 (52): Vietnam (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P10516: In memoriam (130): Francisco Parreira (1948-2012), ex-1º cabo mec elect auto, Grupo de Artilharia nº 7, Bissau, 1970/72:o "pai Chico", um "herói anónimo" (Filomena Parreira)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 9


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8

Guiné > Bissau > GA 7 [Grupo de Artilharia nº 7] > o 1º cabo mec elect auto Francisco Parreira, em Bissau e arredores, entre 1970 e 1972... Asd fotos não trazem legenda... Mas não é dífícil reconhecer os sítios: a Amura (foto nº 1),  a praça do Impe´rio (foto nº 2), o porto de Bissau (foto nº 4), etc.

Fotos: © Filomena Maria de Sousa Parreira (2012). Todos os direitos reservados.



1. O nosso camarada Francisco Manuel de Almeida Parreira,  nº mec 190543769, 1º cabo mec elect auto, de rendição individual, integrou o Grupo de Artilharia nº 7, Bissau. 

Partiu para o CTIG em 18 de setembro de 1970 e regressou em 8 novembro de 1972.

A sua filha, Filomena Parreira, forneceu-nos mais os seguintes elementos sobre o "pai Chico":

"Caro amigo Luís: conforme combinado junto envio as fotos do meu pai, que esteve em Guiné em 1970/72.


"Ele nasceu em Alhos Vedros, em 10/08/48, e faleceu a 27/09/12, tinha 63 anos...Ele quando tinha 20 anos,  morava nos Olivais Sul, mas viveu sempre junto a Cabo Ruivo, no Bairro dos Olivais Sul, junto a Moscavide, em Lisboa. 

"Alerto para a questão da 1º foto, a que eu julguei tratar-se do meu pai, nao foi essa que referiu...era outra que estava no blogue (*). Obrigado mais uma vez pela atenção".


2. Comentários de dois camradas nossos ao poste P10510 (*):

(i) António Ribeiro, 10/10/2012:


Talvez o Ten-Cor [José Francisco] Borrego o tenha conhecido.
À época era Fur e fazia parte dos quadros do GA 7 (ex-BAC 1), sedeado em Bissau mas com cerca de 25 pelotões no mato.

 

(ii) Vasco Pires, 10/10/2012:

É isso mesmo, nós do GAC 7 (GA 7, BAC 1...), éramos de rendição individual,~por vezes logo após um curto período, íamos para os Pelotões, é provável que esse camarada tenha ficado em Bissau, pois era aí que ficavam os especialistas (macânicos, eletricistas, etc...).

3. Comentário de L.G.:

A melhor homenagem que podemos fazer ao "pai Chico" e ao "herói anónimo" - aliás, tão anónimo como todos nós! - é fixar justamente a sua memória no nosso blogue, publicando o apelo dorido da sua filha  (*) e agora estas fotos singelas, sem legenda,  do seu álbum fotográfico. O Francisco é mais um camarada da Guiné que nos deixa, precocemente aos 63 anos, e que muito provavelmenet morreu sem nunca mais ter encontrado a malta do seu tempo, os seus camaradas do GA 7, de 1970/72.

Passará a ser lembrado aqui na nossa Tabanca Grande. Entra diretamente para o talhão dos "que da lei da morte se foram libertando" (e com ele, são já 21)... Como grã-tabanqueiro, ficará com o nº 583.  É também uma pequena homenagem aos nobres sentimentos da Filomena Maria de Sousa Parreira, um belo exemplo de amor filial. 

Convidamos a nossa amiga a conhecer alguns dos sítios por onde poderá ter andado o "pai Chico", o mais provável é que ele nunca tenha saído de Bissau, onde se situava o BA 7, ou o BAC 1,  ou o GAC 7 (as designações variaram ao longo dos anos da guerra). E talvez o ten cor art ref José Borrego lhe possa, de facto, dar mais algum esclarecimento adicional ou alguma pista para que a Filomena encontre camaradas desse tempo.

Guiné 63/74 - P10515: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (8): Cufar, 1970 (Parte II)


Foto nº 62





Foto nº 56



Foto nº 64



Foto nº 65



Foto nº 66


Foto nº 57


Foto nº 60


Foto nº 63


Guiné > Região de Tombali > Cufar > Pel Caç Nat 51 > 1970 > Álbum fotográfico do Armindo Batata, ex-alf mil, que esteve em Guileje de janeiro de 1969 a janeiro de 1970, e depois em Cufar... De cima para baixo: fotos nºs 52, 56,  57, 60, 63, 64, 65, 66. 


1. Segunda parte da publicação das fotos de Cufar. Estas fotos, tal como as restantes que foram cedidas pelo Armindo Batata ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje, não têm legendas. O Armindo já nos prometeu que, com tempo e vagar, vai legendá-las e enviar outras, do seu álbum. O nosso camarada,  de rendição individual, esteve em Cufar, depois de Guileje, a comandar o Pel Caç Nat 51, possivelmente ainda durante uns bons 9 meses, até acabar a sua comissão...

Nas fotos nº 56 e 64 vê-se o pau da bandeira e, na sua base, um pequeno monumento de homenagem à CART 1687 (1967/69). 

Os camaradas que passaram por Cufar (desde os mais antigos como o Mário Fitas aos mais novos, como António Graça de Abreu) e que ainda sabem reconhecer e descrever  os sítios, podem ajudar-nos a completar a legendagem. Os editores (e os leitores) agradecem.

Fotos: © Armindo Batata (2007). / AD - Acção para o Desenvolvimento Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]





Guiné > Região de Tombali > Cufar > CART 2477 (1969/71) > O Jorge Simão junto ao edifício da secretaria (?)... Várias companhias por aqui passaram, além da CART 2477: CCAÇ 763, CCAÇ 1621, CART 1687... Temos alguns camaradas pertencentes a duas destas unidades de quadrícula: Hugo Ferreira Moura (CCAÇ 1621) e Mário Fitas (CCAÇ 763)... O Jorge Simão, residente em São João da Madeira,  foi 1º Cabo Escriturário, CART 2477, Cufar, 1969/71. 

Foto: © Jorge Simão (2010). Todos os direitos reservados
__________

Nota do editor:


Último poste da série > 7 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10494: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (7): Cufar, 1970 (Parte I)

Guiné 63/74 - P10514: Parabéns a você (481): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Guiné, 1972/74)

____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10509: Parabéns a você (480): Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884 (Guiné, 1969/71)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10513: (Ex)citações (199): Nunca me considerei, não fui, não sou nem pretendo ser um “valentão” (Belmiro Tavares)

1. Mensagem do nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 10 de Outubro de 2012, com um esclarecimento dirigido a José Manuel Silva Estanqueiro que comentou o Poste 10476:

Caro Senhor José Manuel
Acabo de receber o seu comentário* ao meu texto sobre factos concretos e verídicos que eu vivi intensamente na famigerada guerra da Guiné.

1º - Antes de mais, pretendo informar que não tinha conhecimento que os não combatentes e/ou ex-combatentes doutros TO “ eram mal aceites” neste blog. Acontece que este é um blog de ex-combatentes da Guiné (apenas) e tem as suas regras como tudo na vida. Na verdade, cada um vê as coisas um pouco de acordo com a sua vivência dos acontecimentos e o seu interesse. Pretendo dizer que sendo a guerra da Guiné diferente – pior – das outras duas, nós vivemos os temas e reproduzimo-los de modo dissemelhante. De qualquer modo, uma coisa será ser “mal aceite” (a sua opinião), outra será ser proibido de entrar.

2º - Gostaria que o Sr. José Manuel me informasse:
a) Se é ex-combatente;
b) Se afirmativo, em qual TO participou
c) Qual o posto
d) Em que arma esteve inserido.

3º - Não compreendo que, em termos práticos, não distinga entre um oficial do QP e um do SG. Permito-me não explicar

4º - Se tem dúvidas que um castigo em OS prejudicava tremendamente o ex-militar (de novo na vida civil), apenas direi que um furriel miliciano da minha companhia – a gloriosa CCaç 675 – era funcionário das Finanças em Ponte de Lima; foi punido na Guiné e, quando chegou ao seu antigo posto de trabalho, foi informado que já não era funcionário público. Basta!

5 – Meu caro Sr: nunca me considerei , não fui, não sou nem pretendo ser um “valentão”; tenho, porém, duas pernas e dois braços (estes com uma mão no extremo de cada um) que, na defesa de superiores interesses dos meus subordinados (ou mesmo que sejam já ex-combatentes), seria capaz de usar, sujeitando-me à resposta do visado. Cumpre-me esclarecer que o alferes a quem transmiti o “tal” aviso era mais antigo do que eu. Ciente que esta situação era gravemente penalizadora para mim, eu não fugi à questão – a defesa intransigente dos meus Homens; em primeiro lugar os do meu pelotão… mas dos outros também. E valeu a pena! Que eu saiba nunca mais fez o mesmo.

6º - Não consigo, Sr. Estanqueiro, entender a expressão: “se fosse de Infantaria também mencionava?” não posso deixar de informar que a minha CCaç 675 – a gloriosa – era uma unidade independente; inicialmente adimos a um batalhão de Cavalaria – o célebre batalhão de Como; na parte final dependíamos de um batalhão de Artilharia. Tivemos um bom relacionamento com o Ten. Coronel de Cavalaria e também (quase o mesmo) com o Ten. Coronel de Artilharia. Com os capitães dos dois batalhões não nos demos bem nem mal, antes pelo contrário; com os subalternos tudo correu sempre sobre esferas. Pior foi a minha convivência – e a CCaç 675 também, com um ten./Cap./major que até me ameaçou com prisão… porque eu me recusei a caminhar… para o suicídio, o meu e o do meu pessoal. Ele, porém, não teve a coragem de pôr em prática as suas ameaças!

7º - Quanto aos seus considerandos sobre comandantes e chefes, meu caro Sr. José Manuel, apenas direi que um graduado tem de dar e transmitir ordens (não é o mesmo) e acima de tudo cumpri-las e fazê-las cumprir. Quanto às consequências apenas e especialmente me interessa o que os meus soldados pensaram de mim, na Guiné, e os seus juízos de valor durante os 46 anos que se seguiram ao nosso regresso, para já. Desde o nosso regresso, organizei “apenas” 46 confraternizações anuais e um sem número de “minis” que ocorreram em Lisboa e de norte a sul do País. A maior das minis ocorreu em Fermentelos (Águeda) com a participação de mais de 50 ex-combatentes – já não era propriamente uma mini!

8º - “Por isso ocorriam desastres”. Penso, Sr. Estanqueiro que entendi onde pretende chegar, mas afirmo categoricamente que nunca receei que tal acontecesse comigo; nunca pensei nisso; eu confiava plenamente nos militares à minha guarda e sempre senti que o contrário também era verdadeiro. Aliás nunca tive conhecimento efetivo – nem lá nem cá – de casos desses mas… diz-se muita coisa. O meu comportamento não mudava com a hora, e a temperatura ou o local onde nos encontrávamos; em Évora, em Bissau, em Binta ou no meio das matas mais cerradas ou mais abertas, nas viaturas ou em num barco, armados ou não, eu agi sempre do mesmo modo – eu era sempre o mesmo quer em combate quer a beber uns copos. De qualquer modo, Sr. Estanqueiro, só pode tentar beliscar-me quem teve a mesma vivência que eu e acima de tudo quem eu entender que tem capacidade moral, para agir como tal – até rima mas é verdade! A melhor resposta a tudo isto é dada pelos meus soldados – aqui incluo todos os da Companhia- não só os do meu pelotão. Permita-me Sr. José Manuel, parafrasear o estafado lema mas em sentido diferente do usual: “o povo é quem mais ordena”!

9º - Quanto ao agredir os empregados, Sr. Estanqueiro, aconselho-o (aceite se quiser) a não misturar alhos com bugalhos; não são compatíveis.

Para terminar:
Meu caro Sr. José Estanqueiro, alvitro que leia os meus textos no blog em que falo da gloriosa CCaç 675 – a família e seus componentes – e já são vários – e creia, caro senhor, que são puras verdades; não necessito inventar o que quer que seja (nem romancear) sobre o tema.

Última nota:
Aceito, perfeitamente, que trate por “senhor” quem não conhece. Como poderá o senhor, Estanqueiro, em sã consciência, tentar emitir juízos de valor sobre quem não conhece… minimamente?!

Por aqui me fico, aguardando os esclarecimentos solicitados, bem como qualquer réplica que o tema possa merecer.

Mui respeitosamente
Belmiro Tavares
10.10.2012
____________

Notas de CV:

(*) Comentário de José Estanqueiro ao poste > Guiné 63/74 - P10476: (Ex)citações (197): Carta aberta a Tony Borié (Belmiro Tavares) de 3 de Outubro de 2012:

Sr Belmiro 
Sei que neste blog são mal aceites todos os que não combateram na Guiné, mesmo sendo combatentes noutros TO. Pelo menos é a conclusão daquilo que vou lendo de cada vez que aqui venho. Mesmo assim não resisto em expor a minha opinião. 
Não concordo minimamente coma as suas teorias sobre disciplina. Não é preciso agredir ninguém para fazer cumprir as normas e regulamentos. E não me venha com a teoria que que os castigos à ordem prejudicava a vida civil.
O sr agredia soldados e ameaçava camaradas de igual posto por ser oficial e se achar um valentão. E teve a sorte de apanhar oficiais que não o puseram em sentido. 
Não percebi a referencia () ser do serviço geral. Se fosse de infantaria também mencionava? Também agride os e empregados do hotel?. 
Francamente, um chefe, líder não usa métodos desses. A diferença entre comandante e chefe está exactamente na capacidade de se levar os outros a fazerem o que nós queremos sem recurso a violência.
Os (co)mandantes esses recorrem a ela. Infelizmente à época havia muitos Belmiros. Por isso por ocorriam "desastres". 
Como não pertenço ao clã e sou penetra, trato-o por sr, pois foi assim que aprendi a tratar quem não conheço. 
Atenciosamente 
José Manuel Silva Estanqueiro

Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10508: (Ex)citações (198): O termo “batalha” pela ocupação da mata de Cufar Nalu poderá ser uma “figura de estilo”, à luz dos conceitos da ciência militar (Manuel Lomba)

Guiné 63/74 - P10512: As Nossas Tropas - Quem foi Quem (11): Tenente de 2ª linha Mamadu Bonco Sanhá, régulo de Badora, comandante da companhia de milícia do Cuor (Cherno Sanhá)



Guiné > Zona leste > Sem data nem local > Mamadu Bonco Sanhá. Segundo informação do filho Cherno Sanhá, esta foto deve ser de finais de 1960 ou de 1970, quando o tenenente Mamadu foi condecorado com a cruz de guerra. Deveria ter uns 40 e poucos anos.

Foto: © Cherno Sanhá (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados,


1.  No passado dia 5 de setembro, recebi a seguinte mensagem do nosso leitor, Cherno Sanhá, que presumo viva (ou tenha vivido em Espannha), a avaliar pelo endereço de correio eletrónico: cherno2009@yahoo.es

 Bom dia!

É com grande satisfação que pude hoje ler o vosso blog,é muito importante e enriquecedor.
Sou filho do Mamadu Bonco Sanhá,vou tentar contribuir com mais informações sobre o meu pai e enviar algumas fotografias dele.

Um grande abraço.

Cherno Sanhá


2. Comentário de L.G.:

Na altura eu não associei o nome, Mamadu Bonco Sanhá, ao todo poderoso cabo de guerra e régulo de Badora, homem grande de Bambadinca,  fula, que eu conhecera no meu tempo (1969/71). Hoje, 10 de outubro, recebo um outro mail com uma das prometidas fotografias do pai do Cherno Sanhá (Pelo indicatiivo  do telemóvel, 00 245, vejo que ele afinal vive na Guiné-Bissau):

Caros Luis Graça,

Junto envio uma foto do meu pai Mamadú Bonco Sanhá.
Cumprimentos
Cherno Sanhá
Telemóvel: (+245) 727 6999



3. Comentário de L.G.:

Meu caro Cherno:  De repente, ao olhar esta foto amarelecida pelo tempo, fez-se-me luz no "meu computador central", reconheci de imediato aquela cara: era ele, o tenente de 2ª linha Mamadu, ou simplesmente o tenente Mamadu, como os 'tugas' o tratavam, com deferência e respeito,   comandante da companhia de mílícia do Cuor...

Era ele, fardado, com os respetivos galões, e os óculos escuros que sempre lhe conheci. A farda, branca, devia ser a da administração colonial, a das cerimónias oficiais, a de régulo. Régulo de Badora.

Vestido de farda, branca, como na foto, não me lembro de o ter visto.  Rebobinando os filmes das minhas memórias de Bambadinca, estou a vê-lo, sim, ora de camuflado, ora com as vestes tradicionais dos homens grandes, a chabadora, e quase sempre, se não sempre, montado na sua motorizada de 50 cm3, de marca japonesa (talvez uma Kawasaki), oferta pessoal - segundo se dizia -  do Governador Geral da Província e e Com-Chefe, António Spínola (, facto que nunca pude confirmar).

Habituei-me a vê-lo,com alguma frequência, na parada do quartel de Bambadinca, junto ao comando do batalhão ali estacionado no meu tempo (primeiro, o BCAÇ 2852, e depois o BART 2917), ou seja, no período que medeia entre agosto de 1969 e março de 1971.

Nunca fiz, que me lembre, nenhuma operação com ele. De resto, não era habitual os pelotões de milícias participarem nas nossas operações, apenas os Pel Caç Nat (52, 54, 63)...

Também era voz corrente que tinha uma cruz de guerra, por feitos valorosos em combate, não sei onde nem quando. O que também nunca soube era onde vivia, se em Bambadinca ou nalguma tabanca dos arredores.

Dele também se dizia - seguramente com os exageros próprios das 'bocas'  da caserna  - que o todo poderoso e temido régulo de Badora tinha 50 mulheres, uma em cada aldeia do seu regulado, e que só em cabeças de gado deveria ter umas centenas. Mulheres e cabeças de gado  faziam parte do 'status' de um homem grande.

Dizia-se também que tinha alguns filhos na CCAÇ 12, como seria o caso do nosso infortunado  e saudoso Umaru Baldé, o 'puto' [,foto acima, à esquerda; crédito fotográfico: Benjamim Durães]...

Nunca lhe perguntei, ao Umaru,  nem nunca lhe perguntaria...Lidei, privei com os fulas, fiquei nas suas tabancas, mas também respeitei a sua privacidade, a sua cultura, o seu modo de ser e de estar... Com os balantas, infelizmente, não consegui criar qualquer empatia... A barreira da língua e da farda, além da pertença a uma companhia fula (, a CCAÇ 12,), eram obstáculos intransponíveis...

Havia tensão entre os fulas e os balantas de Badora... Julgo que desgraçadamente "ajustaram contas" entre eles depois da nossa saída... Os malditos demónios étnicos ficaram na "caixinha de Pandora" que entregámos ao PAIGC... (E os guerrilheiros tinham uma caixinha destas, com outros ingredientes)...

Eu, que sempre lidei com fulas, e fiz amigos entre eles, também tive que gerir sentimentos contraditórios, em relação a este povo e aos seus filhos... Sempre fiz uma distinção entre os seus "chefes" tradicionais, de um modo geral aliados das NT, e os seus pobres "súbditos", a grande maioria dos quais eram também  meus/nossos soldados.

Desgraçadamente o aliado dos 'tugas', o nosso Tenente Mamadu,  foi fuzilado em Bambadinca depois da independência, já em 1975: o seu "crime" terá sido apenas o de ter apostado no "cavalo errado" do jogo de xadrez geopolítico que se travava na Guiné... Não sei em que circunstâncias foi julgado, condenado e executado. Talvez o Cherno Sanhá nos possa (e queira) esclarecer melhor este último e trágico episódio da vida do seu pai e nosso camarada de armas.

Quanto às autoridades militares de Bambadinca do meu tempo,  faziam dele quase um mito... Veja-se por exemplo o que se pode ler na história do BART 2917 (1970-72):

(...) "No Sector L1 podemos considerar duas raças (sic) distintas: para Leste da estrada Bambadinca-Xitole onde predomina a raça Fula, e para Oeste da mesma estrada onde predominam as raças Balanta e Beafada.

"A população Fula de um modo geral é nos favorável, sendo de destacar o regulado de Badora, que tem como Chefe / Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido do meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população, fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (...).

Enumera-se depois o seu currículo, apresentado em termos grandiloquentes e laudatórios:

(i) Régulo do Badora; 

(ii) Vogal do conselho logístico da Província; [, ao lado, por exemplo, de outro grande aliado dos portugueses, o régulo manjaco Joaquim Baticã Ferreira]

(iii) Comandante da Companhia de Milícias do Cuor; 

(iv) "Intitulando-se Fula, é considerado pelos Mandingas e Beafadas como Beafada, em virtude da ascendência materna"; [, segundo Beja Santos, devia ser parente dos Soncó do Cuor, "os mais ardorosos guerreiros da Guiné";  em carta ao comandante Avelino Teixeira da Mota, ele escreveu o seguinte: (...) "Quando tiver tempo e paciência, gostava muito que me indicasse literatura sobre este dinamismo da islamização, que foi animada pela presença europeia, pela submissão dos infiéis beafadas e dos fula-pretos animistas. Também no estudo do Carreira descobri que Boncó Sanhá (seguramente familiar do actual tenente Mamadu Sanhá, régulo de Badora) era sobrinho de Infali Soncó. (...)]



(v) "Pelos seus actos de valentia é condecorado com a Cruz de Guerra"; 

(vi) "Régulo justo e especialmente preocupado com a segurança das suas populações"; 

(vii) O seu prestígio parece ir muito "para além dos limites do regulado de Badora"; 

(viii) "É um excelente colaborador das NT, parece representar o movimento dos Fulas Nativos" (...).

Fica aqui o nosso gesto de apreço pela memória de um homem  que foi um importante aliado das NT, na zona leste, e que pagou com a vida essa aliança.  Um abraço para o Cherno Sanhá que ao fim destes anos todos nos vem surpreender com uma foto do seu pai, seguramente rara e indiscutivelmente valiosa para todos aqueles de nós que, em Bambadinca, conheceram o "tenente Mamadu".  LG

4. Nota posterior de L.G.:

Em conversa com o Cherno Baldé (que teve a gentileza de me telefonou de Bissau e aceitou o meu convite para integrar o nosso blogue), soube mais o seguinte acerca de Mamadu Bonco Sanhá: (i) a residência oficial do tenente Mamadu era em Madina Bonco; (ii) muitos dos papéis dele perderam-se, ficaram nas  mãos das mulheres, mas a foto deve ser de 1970 ou por aí; (iii) o Cherno deve ter uns 20 irmãos; (iv) o tenente Mamadu nunca teve "50 mulheres", embora tivesse bastantes como régulo que era, mas algumas delas eram dos irmãos que faleceram antes dele; (v) o Umarau Baldé não era filho do Mamadu Bonco Sanhá: (vi) o Cherno Sanhá, que tem 56 anos, fez a 4ª classe em Bambadinca, foi aluno da profª Dona Violeta, residia em Bambadinca nessa altura, mas tinha nascido em Madina Bonco; (vii) fez o liceu em Bissau;  (viii) formou-se em Cuba, em 1983, em engenharia de telecomunicações; (x) trabalhou na rádio nacional durante uns 3 anos; (xi) andou por Espanha na sequência da guerra civil em 1998/99; (xii) vive hoje em Bissau, e trabalha numa empresa de telecomunicações: (xii) conhece alguns dos nossos grã-tabanqueiros de Bissau: o Pepito, o Patrício Ribeiro, o Cherno Baldé... Aguardo que ele me mande uma foto sua, atual. Aprecio a coragem dele por dar a cara e vir aqui recuperar a memória e a honra do seu pai.
_____________

Guiné 63/74 - P10511: Contraponto (Alberto Branquinho) (46): Banho... de cobra

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 8 de Outubro de 2012:

Caro Carlos Vinhal
Depois das anunciadas "dentadas" no nosso orçamento destinadas ao outro Orçamento, junto um história onde se fala de uma dentada, que ninguém provou ter, de facto, existido.
Esta história será incluída no livro "CAMBANÇA II".

Com um abraço do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (46) 

 BANHO… DE COBRA

Ao fim da tarde, o furriel Melo, responsável pelas Transmissões, passou à frente da construção feita, essencialmente, com madeira de caixotes que era designada por “messe de sargentos”. Ao vê-lo passar, com o seu ar levemente efeminado, somente com a toalha presa à cintura e a caixa de plástico com o sabonete dentro, o furriel Adão, sentado num dos pipos cortados a meio, que serviam de cadeira e com uma “basuca” já meia bebida, encarou-o e atirou-lhe:
- Ó caramelo! Vê lá se não gastas a água toda!

O Melo seguiu e não deu resposta. Ia para o duche – um conjunto de dois bidões, assentes em cima de tábuas, a mais ou menos a dois metros do chão, dos quais pendiam cordas – uma para abrir a água, pintada de verde (já debotado) e outra de vermelho, também debotado, para fechar. Por baixo dos bidões havia um cubículo feito de quatro tábuas, sem porta, para dar uma certa intimidade aos banhos.

Àquela hora, em sol poente, havia uma certa obscuridade no interior do cubículo. O pessoal tomava duche com os chinelos calçados para não pisar, descalço, o interior enlameado, devido à dificuldade de escoamento da água.

O Melo aproximou-se da entrada, abriu a pequena caixa plástica que continha o sabonete, encaixou a tampa na parte inferior e segurou-a com a mão esquerda. Retirou a toalha da cintura e, já nu, pendurou-a no prego grande que havia na tábua do lado direito. Mal deu o primeiro passo para o interior e poisou o pé, deu um grande grito de medo e horror e fugiu. Parou a uns metros a olhar, de olhos esbugalhados, a cobra que fugia do espaço dos banhos. Ao dar-se conta de que estava nu num espaço aberto, tapou, com ambas mãos, o pénis e os testículos.

Acorreram alguns soldados, assim como os furriéis que estavam na “messe” próxima. Ainda puderam ver uma cobra grande, com a espessura de um pulso, amarela-esverdeada, que fugia. Foi refugiar-se nos arbustos próximos, espessos, bem regados com as águas de escoamento dos banhos.

O furriel Melo, passados os instantes de espanto, correu para o seu abrigo junto ao Centro de Transmissões, sempre com as mãos protegendo o sexo.

Os soldados correram procurando paus para, cuidadosamente, esquadrinharem os arbustos, tentando localizá-la.

- Mas a cobra era grande?
- Era grande com’ó caraças! Nunca mais acabava de sair de lá de dentro.
- E que é que foi aquele grito?
- Acho que a gaja deu uma dentada na picha ao furriel cripto.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9983: Contraponto (Alberto Branquinho) (45): Fogo de rajada com... morteiro