Guiné > Região de Quínara > CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70) > 1968 > Postal de boas festas natalícias... Foto do álbum do Zé Teixeira.
Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba ou Empada (?= > 2005 > "E,m abril de 2005... tal como em 1968" (JT)
1. Três comentártios ao poste P11338:
(i) Luís Graça, editor [, foto à direita, Candoz, páscoa, 2004]
Zé: Escreveste no teu diário: “Empada, 5/7/1969: (…) A situação moral é caótica. O sexo avança em toda a linha. Quase todas as jovens lavadeiras se prostituem por dinheiro.”
Era a tua perceção, na época. Seguramente que te baseaste na “evidência empírica”, em factos conhecidos, da tua experiência… Mas mesmo assim há sempre o risco da “generalização abusiva”… Fazemos isso todos os dias a partir das nossa experiência pessoal… É o que eu chamo “sociologia espontânea”, podendo no entanto levar-nos a tirar conclusões erradas…
De um modo geral, pode dizer-se que há um pouco de cientista social em cada um de nós. De certa forma, todos nós fazemos sociologia espontânea, psicologia espontânea, epidemiologia espontânea, investigação espontânea. Por exemplo: Quem é que, não sendo médico, não fez já automedicação para lidar com um problema de saúde ? Quem é que não tem uma teoria qualquer para explicar os trágicos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001? Quem é que não aplica, na educação dos seus filhos, certas teorias explicativas do comportamento infantil? Quem é que não gosta de especular sobre a eficácia do comportamento do líder nos grupos e nas organizações? Quem é que não se sente capaz de comentar, numa roda de amigos, os resultados de uma eleição para a Assembleia Nacional ou a vitória de um candidato populista, à revelia das máquinas partidárias ou o peso do partido da abstenção ? Quem é que não tem uma teoria espontânea para ‘explicar’ as alterações climáticas ?
Enfim, os exemplos seriam infindáveis… Tu também tens o mesmo direito de afirmar, a partir do conhecimento da situação local, em Empada, em 1969: “O sexo avança em toda a linha. Quase todas as jovens lavadeiras se prostituem por dinheiro.” E comentar: “A situação moral é caótica”…
Mas o que eu gostava de saber era o seguinte.
Era a tua perceção, na época. Seguramente que te baseaste na “evidência empírica”, em factos conhecidos, da tua experiência… Mas mesmo assim há sempre o risco da “generalização abusiva”… Fazemos isso todos os dias a partir das nossa experiência pessoal… É o que eu chamo “sociologia espontânea”, podendo no entanto levar-nos a tirar conclusões erradas…
De um modo geral, pode dizer-se que há um pouco de cientista social em cada um de nós. De certa forma, todos nós fazemos sociologia espontânea, psicologia espontânea, epidemiologia espontânea, investigação espontânea. Por exemplo: Quem é que, não sendo médico, não fez já automedicação para lidar com um problema de saúde ? Quem é que não tem uma teoria qualquer para explicar os trágicos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001? Quem é que não aplica, na educação dos seus filhos, certas teorias explicativas do comportamento infantil? Quem é que não gosta de especular sobre a eficácia do comportamento do líder nos grupos e nas organizações? Quem é que não se sente capaz de comentar, numa roda de amigos, os resultados de uma eleição para a Assembleia Nacional ou a vitória de um candidato populista, à revelia das máquinas partidárias ou o peso do partido da abstenção ? Quem é que não tem uma teoria espontânea para ‘explicar’ as alterações climáticas ?
Enfim, os exemplos seriam infindáveis… Tu também tens o mesmo direito de afirmar, a partir do conhecimento da situação local, em Empada, em 1969: “O sexo avança em toda a linha. Quase todas as jovens lavadeiras se prostituem por dinheiro.” E comentar: “A situação moral é caótica”…
Mas o que eu gostava de saber era o seguinte.
(i) Manterias, ainda hoje, esta afirmação, com o conhecimento que tens da Guiné de ontem e de hoje ?;
(ii) A situação era igual noutras povoações por onde passaste, como Buba, Mampatá ou Aldeia Formosa ?;
(iii) Havia diferenças entre as lavadeiras cristãs, animistas ou islamizadas (fulas, mandingas, beafadas) ?
Num território em guerra, num terra como Empada, onde havia algumas centenas de militares, deslocados, homens, jovens, brancos e negros, era natural que se criasse um “mercado do sexo”. Acontece em todas as guerras… Mas dizer que “quase todas as lavadeiras” faziam “favores sexuais” pode ser abusivo… ou exagerado. Ou provavelmente, não.
Tiras essa conclusão a partir de um número necessariamente limitado de casos… Não tinhas, nem nós tínhamos, nem ontem nem hoje, estatísticas sobre este problema (ou outros, afins, respeitantes à relação da tropa com a população).
De qualquer modo, temos aqui um problema interessante para discutir no blogue, com bom senso, ponderação e cautela. Só podemos invocar a nossa experiência, limitada. Se queres o meu depoimento, digo-te que tive em Bambadinca uma lavadeira mandinga, e nunca lhe pedi “favores sexuais” nem ela mos ofereceu. Pagava-lhe o que era justo pelo seu trabalho de lavadeira. E não mais do que isso. Quanto ao resto, ia às “meninas de Bafatá” de tempos a tempos… Por outro lado, a maior parte de nós não tinha “quartos privativos", com exceção talvez dos nossos comandantes… E era mais fácil “partir catota” na tabanca do que no quartel…
Zé: eu sei que eras (e és) um católico (,presumivelmente praticante), tinhas e tens a tua ética e fé cristãs, e que nessa época chocava-te a “miséria moral” a que se tinha chegado em Empada…
Como sabes, sempre apreciei a tua autenticidade e franqueza, valores que não são de hoje. Recebe este comentário com (bom) humor... Um xicoração fraterno. Luis Graça
Quinta-feira, Abril 04, 2013 9:16:00 PM
Num território em guerra, num terra como Empada, onde havia algumas centenas de militares, deslocados, homens, jovens, brancos e negros, era natural que se criasse um “mercado do sexo”. Acontece em todas as guerras… Mas dizer que “quase todas as lavadeiras” faziam “favores sexuais” pode ser abusivo… ou exagerado. Ou provavelmente, não.
Tiras essa conclusão a partir de um número necessariamente limitado de casos… Não tinhas, nem nós tínhamos, nem ontem nem hoje, estatísticas sobre este problema (ou outros, afins, respeitantes à relação da tropa com a população).
De qualquer modo, temos aqui um problema interessante para discutir no blogue, com bom senso, ponderação e cautela. Só podemos invocar a nossa experiência, limitada. Se queres o meu depoimento, digo-te que tive em Bambadinca uma lavadeira mandinga, e nunca lhe pedi “favores sexuais” nem ela mos ofereceu. Pagava-lhe o que era justo pelo seu trabalho de lavadeira. E não mais do que isso. Quanto ao resto, ia às “meninas de Bafatá” de tempos a tempos… Por outro lado, a maior parte de nós não tinha “quartos privativos", com exceção talvez dos nossos comandantes… E era mais fácil “partir catota” na tabanca do que no quartel…
Zé: eu sei que eras (e és) um católico (,presumivelmente praticante), tinhas e tens a tua ética e fé cristãs, e que nessa época chocava-te a “miséria moral” a que se tinha chegado em Empada…
Como sabes, sempre apreciei a tua autenticidade e franqueza, valores que não são de hoje. Recebe este comentário com (bom) humor... Um xicoração fraterno. Luis Graça
Quinta-feira, Abril 04, 2013 9:16:00 PM
(ii) Arménio Estorninho [ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70)
Caro Irmão Maioral Zé Teixeira: da leitura feita concordo quase no seu todo no descrito e relevando o acidente do Sold Cond Auto Albino Carneiro de Oliveira, o "Cantiflas", não ridicularizando no seu todo [a tua frase:] "em Empada, em 1969, o sexo avança em toda a linha."
Quanto ao "Cantiflas" que, depois de um duche e ainda molhado, fora apanhado desprevenido ao tocar nas pontas descarnadas de um cabo eléctrico e que tinha sido retirado de um candeeiro... Tal acidente deveu-se porque a lâmpada de um candeeiro não acendia, para verificar o motivo fora chamado o eletricista e, tendo concluído que não era avaria do candeeiro mas do cabo de ligação, por isso iria substitui-lo (eu estava presente). No entanto ele esquecera-se de executar o serviço.
Conquanto à noite fora posto em movimento o gerador elétrico, em que o fio condutor ficou com corrente e como o neutro estava partido por isso não fechava o circuito. Assim, por negligência, deu-se a morte de um camarada e bom amigo.
Recapitulando sobre o "sexo em Empada, em 1969," não concordo no excesso e na generalização. Pois, tirando aquela meia dúzia de bajudas que eram do conhecimento geral, que se acomodaram a outros tantos "felizardos" e não se indicam os seus nomes... Quanto ao resto eram situações isoladas em que quem tinha quarto ou abrigo semiprivado, tinha a possibilidade de receber visitas e com a canção do bandido em "troca de" era ofertado algo compensatório.
Com um Abraço de Maioral
Arménio Estorninho
Sábado, Abril 06, 2013 2:35:00 PM
Caro Irmão Maioral Zé Teixeira: da leitura feita concordo quase no seu todo no descrito e relevando o acidente do Sold Cond Auto Albino Carneiro de Oliveira, o "Cantiflas", não ridicularizando no seu todo [a tua frase:] "em Empada, em 1969, o sexo avança em toda a linha."
Quanto ao "Cantiflas" que, depois de um duche e ainda molhado, fora apanhado desprevenido ao tocar nas pontas descarnadas de um cabo eléctrico e que tinha sido retirado de um candeeiro... Tal acidente deveu-se porque a lâmpada de um candeeiro não acendia, para verificar o motivo fora chamado o eletricista e, tendo concluído que não era avaria do candeeiro mas do cabo de ligação, por isso iria substitui-lo (eu estava presente). No entanto ele esquecera-se de executar o serviço.
Conquanto à noite fora posto em movimento o gerador elétrico, em que o fio condutor ficou com corrente e como o neutro estava partido por isso não fechava o circuito. Assim, por negligência, deu-se a morte de um camarada e bom amigo.
Recapitulando sobre o "sexo em Empada, em 1969," não concordo no excesso e na generalização. Pois, tirando aquela meia dúzia de bajudas que eram do conhecimento geral, que se acomodaram a outros tantos "felizardos" e não se indicam os seus nomes... Quanto ao resto eram situações isoladas em que quem tinha quarto ou abrigo semiprivado, tinha a possibilidade de receber visitas e com a canção do bandido em "troca de" era ofertado algo compensatório.
Com um Abraço de Maioral
Arménio Estorninho
Sábado, Abril 06, 2013 2:35:00 PM
(iii) Zé Teixeira [, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70]
[Foto à esquerda: O Zé, na Tabanca Lisboa, em 2005]
Caríssimos amigos: Ao reler a frase que escrevi no meu diário de guerra " o sexo avança em toda a linha"...apetece-me rir às gargalhadas. Na verdade, eram outros os tempos e outra a visão da realidade, sobretudo na área dos afetos.
[Foto à esquerda: O Zé, na Tabanca Lisboa, em 2005]
Caríssimos amigos: Ao reler a frase que escrevi no meu diário de guerra " o sexo avança em toda a linha"...apetece-me rir às gargalhadas. Na verdade, eram outros os tempos e outra a visão da realidade, sobretudo na área dos afetos.
Eu era um jovem escuteiro católico com ideal de vida projetado para a paz, o respeito pelo outro e a disponibilidade para SERVIR, a viver forçado e contrariado uma guerra. Vivia, assim, num ambiente de guerra, onde o respeito pelo outro era imposto pela força da G3. Intimamente revoltado, remetia-me a algum isolamento, a um silêncio que me asfixiava.
Este escrito foi, visto à distância do tempo que curou as feridas, uma generalização abusiva, como diz o Luís Graça, que resultou do conhecimento de alguns acontecimentos reais que me chocaram como homem, como cristão e como escuteiro.
Nos primeiros tempos de Guiné, em Ingoré, quase nunca saí do perímetro do quartel à enfermaria.
Em Mampatá vivíamos em comunidade com a população, pois não havia quartel, mas o respeito pela pessoa quer pela atitude do José Belo, o alferes comandante do Gr Cpmb que logo à partida chamou à atenção para duas realidades concretas: Todos somos homens e todos queremos regressar a casa, para tal temos de conviver com a população de forma a não criar o mínimo atrito. A tabanca era pequena, todos se conheciam e se respeitavam e faziam respeitar. É natural que tenha havido um caso ou outro de intimidade, sem deixar marcas.
Em Buba a azáfama era tanta que não havia tempo para se pensar nestas coisas.
Ao regressar à Guiné, retemperado após um mês de merecidas férias em Portugal, fresquinho de ideias e ideais, chego a Empada onde a companhia se tinha instalado e encaro com as estórias de A, B, C,...O casado com um filho que anda com fulana, o alferes que julgava que era o único e quando deu pela situação, à noite formava-se uma carreirinha à espera de vez....etc. A casa das meninas (duas irmãs), o prometido noivo que era virgem e foi pedir ao camarada para ir falar à catraia para o atender bem e claro o tal camarada foi à frente e quem pagou foi o "noviço"...Tudo isto foi um choque para mim, aliado ao casp da velhinha que se prostituía por um cigarro que até o fumava com o lume dentro da boca, etc.
Tudo isto provocou em mim um choque, a juntar a tudo o resto e o desabafo saiu no diário. Bem ou mal está lá, porque reflete um estado de espírito. Exagerado, porque não reflete a verdade. Eram apenas algumas lavadeiras e alguns camaradas e sobretudo era o efeito da realidade humana - seres sexuados. Senti que havia alguma falta de respeito pela pessoa humana, pela maneira como as jovens eram motivadas a fazerem "favores sexuais" pelo valor do dinheiro. Tinha conhecimento de uma jovem na Chamarra que o marido, ao saber que ela estava grávida de um branco, a repudiara e a pôs fora de casa. Enfim! (*)
Zé Teixeira
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 26 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11319: (Ex)citações (216): É lamentável que se perfilhe a teoria propagandista do IN/PAIGC, segundo a qual este cercou Guiledje em Maio de 1973 (Carlos Silva)