segunda-feira, 19 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17486: Meu pai, meu velho, meu camarada (57): um roteiro da cidade do Mindelo: parte II [álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 1943]


Foto nº 1 > Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > Agosto de 1941 > "Dias depois da nossa chegada. O regresso do banho da linda praia da Matiota". [Luís Henrique está assinaldo na foto, é o primeiro do lado esquerdo, da 3ª fila]



Foto nº 2 > Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > Praia da Matiota > Maio de 1943 > "Matiota e a sua baía que é a melhor de S. Vicente, aonde se passa um bocado divertido".

Foto nº 3 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Lazareto  > 1 de dezembro de 1941 > "Parada do Batalhão expedicionário do R. I. nº 5. Ao fundo a linda baía com o seu belo porto de mar". [Na época, o Lazareto ficava fora da malha urbana do Mindelo, embora dentro da baía do Mindelo, tal como a praia da Matiota]


Foto nº 4 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 19942 > "Outro funeral da 2ª Companhia do [Batalhão Expedicionário do] RI 5, saindo há pouco da igreja de S. Vicente [, igreja deN. Sra. da Luz]"


Foto nº 5 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Maio de 1943 > "O pôr do sol em S. Vicente. O célebre Monte da Cara,,, e o lindo porto de mar que parece adormecido"


Foto nº 56> Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  Matiota [? ]  > Julho de 1942> "Todas as manhãs depois do trabalho é o banho a nossa alegria [, apesar dos tubarões...]. Nesta altura pouco sabia nadar." [Luís Henriques, ao centro,  é o terceiro, à frente, a contar da esquerda]


Foto nº 6 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Cemitério de Mindelo > 1943 > "Justa homenagem àqueles que dormem o sono eterno na terra fria. Companheiros de expedição os quais Deus chamou ao Juízo Final. Pessoal da A[nti] Aérea depois das cerimónias desfila fazendo continência às sepulturas dos companheiros. Oferecido pelo meu amigo Boaventura [Horta, conterrâneo, da Lourinhã,] no dia 17-8-1943, dia em que fiquei livre da junta (hospitalar)."


Fotos (e legendas): © Luís Henriques (1920-2012) / Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



1. Fotos do álbum de Luís Henriques (1920-2012), ex-1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha]. Esteve 26 meses em Cabo Verde, no Lazareto, na Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 43, em missão de soberania; este e outros batalhões (do RI 7, RI 15 e RI 2) , num total de mais de 3300 homens, foram entretanto integrados mais tarde no RI 23]. (*)

[Foto à direita, Luís Henriques > 19 de agosto de 1942 > "No dia em que fiz 22 anos, em S. Vicente, C. Verde. 19/8/1942. Luís Henriques ".]

Estas e outras fotos do álbum de Cabo Verde, de Luís Henriques, foram disponibilizadas ao João B. Serra que está escrever a biografia [e a montar, em Leiria, uma exposição comemorativa do 1º centenário do escritor Manuel Ferreira  (1917-1998)] (**), que também foi expedicionário, em São Vicente na mesma altura, ou seja durante a II Guerra Mundial, com o posto de furriel miliciano, embora pertencesse a outra unidade mobilizadora, o RI 7 (Leiria) (o respetivo batalhão estava aquartelado em Chão de Alecrim).

Outros camaradas nossos, cujos pais estiveram em Cabo Verde (casos  do Hélder Sousa e Augusto Silva Santos, por exemplo),  também já disponibilizaram as fotos dos seus álbuns, para esta nobre missão que é, para além da comemoração da vida e obra de Manuel Ferreira, homenagear os valorosos portugueses e cabo-verdianos desta época. [O blogue Praia de Bote, craiado e editado pelo prof Joaquim Saial, também está a colaborar com o João B. Serra nesta louvável iniciativa].

O nosso blogue faz um "dramático apelo", a filhos, netos, e bisnetos (!), para que os álbuns desta geração, a  dos "nossos pais, nossos velhos e nossos camaradas", não desapareçam pura e simplesmente na voragem do tempo!...

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Guiné 61/74 - P17485: Parabéns a você (1273): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Professor Leopoldo Amado, Amigo Grã-Tabanqueiro natural da Guiné-Bissau


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17479: Parabéns a você (1272): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas do BART 3872 (Guiné, 1971/73)

domingo, 18 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17484: Tabanca Grande (439): João Cerina, ex-Fur Mil da CCAV 1615/BCAV 1897, passou à disponibilidade em 1972 como Segundo-Sargento Miliciano, vive na Guiné-Bissau e é o 746.º Grã-Tabanqueiro da nossa tertúlia

1. Mensagem do nosso camarada João Correia Cerina, ex-Fur Mil da CCAV 1615/BCAV 1897, Olossato, 1967/68, com data de 4 de Fevereiro de 2017:

Sou João Correia Cerina, ex-furriel miliciano da CCAV 1615 - BCAV 1897 (Olossato) chegado à Guiné em 25.07.1967 (rendição individual).
Após regresso do batalhão a Portugal fiquei em Bissau na Chefia de Intendência.

Por razões de ordem sentimental (falecimento da minha mãe em Janeiro de 1969) continuei no serviço militar até Dezembro de 1972, data em que passei à disponibilidade com o posto de segundo-sargento.

Até á presente data encontro-me na Guiné-Bissau.

Envio algumas fotografias que consegui guardar pois a minha companheira, aquando do 25 de Abril, queimou tudo que eu tinha, fardas militares, fotos etc., com receio de represálias por parte do PAIGC.
João Cerina

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2. Mensagem do co-editor CV enviada ao camarada Cerina em 19 de Fevereiro

Caro camarada e amigo João

Desculpa só agora estar a responder.

Julgo ser tua intenção aderires à tertúlia do nosso Blogue. Para seres apresentado devidamente, precisava que me enviasses uma foto actual. Pode ser?

As tuas fotos estão uma lástima. Vou tentar recuperar minimamente algumas delas, mas outras nem as publicarei. Queria que na 30004, onde estais à mesa com a farda número 2, me dissesses qual deles és tu.

Aquela viatura (foto 239) quase destruída, em que situação ficou assim e em que estrada?

Se puderes acrescentar algo mais ao facto de teres ficado em Bissau, seria bom para satisfazeres a nossa curiosidade. Que fazes (ou fizeste aí) e se tencionas voltar a Portugal.

Ficamos a aguardar ansiosamente as tuas notícias mais pormenorizadas.

Abraço em nome dos editores e da tertúlia do nosso Blogue.

O amigo e camarada
Carlos Vinhal

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3. Mensagem  de João Cerina com data de 5 de Junho de 2017:

- Foto 30004 - eu sou o primeiro à esquerda.

- Foto 239 - a viatura sofreu o impacto do rebentamento (fornilho) à frente do lado directo. O pessoal que seguia em cima do carregamento (géneros) foi projectado havendo a registar um soldado morto por esmagamento (roda da frente do lado esquerdo). Eu seguia na primeira viatura Unimog com a minha secção. A viatura atingida foi a segunda.

A coluna seguia de Bissau para o Olossato, e o rebentamento deu-se a seguir ao aquartelamento de Nhacra, a caminho de Mansoa.

Após falecimento da minha mãe, decidi ficar em Bissau, só passei à disponibilidade em Dezembro de 1972. Em 1973 arranjei colocação na sucursal das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento, em Bissau, onde trabalhei até Abril 1974 (fui pago até Outubro), data em que procurei novo emprego, tendo começado a trabalhar no Grande Hotel em Bissau, no dia 01 de Novembro de 1974, até 31 de Maio de 1979.

No dia 01 de Junho de 1979 comecei a trabalhar na TAP (Aeroporto) até Maio de 2006 (data em que fui despedido com a invocação de justa causa, acusado dum crime que não cometi, tendo posteriormente ganho a questão em tribunal local e recebido indemnização, que não cobriu os danos morais a que fui sujeito.)

Em principio, não tenciono voltar em Portugal pois nada tenho (nem família próxima, nem bens de qualquer espécie).´

Tinha uma hipótese remota de partilhas em Vila Real de Santo António, de onde sou natural, mas por falta de acordo duma cunhada, tudo foi por água abaixo! Azares da vida!

Abraco para a tertúlia
João Cerina.

P.S.- Não sei se será possível obter contacto do General na Reserva Carlos Azeredo - ex. CMDT da CCAV 1616?!

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4. Comentário do editor

Caríssimo João

Muito obrigado por te juntares a nós, és o primeiro camarada da CCAV 1615 a apresentar-se à tertúlia.

Vê se gostas das fotos, tive que rejeitar duas delas que estavam mesmo em mau estado, o que não admira pela idade delas e por estarem sujeitas a esse clima húmido.

Pelo que nos dizes, és um dos resistentes que ficaram na Guiné-Bissau e apostam em ajudar o país que já é vosso. As tuas raízes aqui serão já ténues, aí terás a tua vida familiar e profissional organizadas pelo que não é de estranhar a tua opção. Com certeza conhecerás imensos portugueses que fizeram da Guiné-Bissau a sua primeira pátria.

Poderás, se quiseres, falar-nos das tuas memórias enquanto militar e da tua actividade enquanto civil, experiências únicas, tanto mais que até prolongaste a tua vida militar até Dezembro de 1972. Acabei por ser teu contemporâneo, já que estive na Guiné entre Abril de 1970 e Março de 1972, 23 meses portanto, dos quais 22 passados em Mansabá, que conhecerás muito bem.

Foste tu e muitos camaradas do teu tempo que fizeram segurança aos trabalhos de asfaltagem do troço final da estrada Mansoa-Mansabá, que mesmo assim não evitou que se continuasse a morrer por ali, principalmente na zona de Mamboncó.

Quanto ao contacto do senhor General Carlos Azeredo, não acho que o devas contactar porque ele está com muita idade e já bastante debilitado. Costumava aparecer aos convívios dos Combatentes do Concelho de Matosinhos, mas há muito declinou os nossos convites. [Tem meia dúzia de referências no nosso blogue; nascido em Marco de Canaveses, vai fazer,  em outubro,  87 anos; não temos o seu contacto].

João, fico ao teu dispor para qualquer esclarecimento. Vai dando notícias e envia-nos material escrito ou outras fotos para publicação. Por falar em fotos, se quiseres acrescentar legendas às agora publicadas manda que eu acrescento. Podes identificar os camaradas, os locais, datas, etc.

Por agora deixo-te o abraço de boas-vindas em meu nome pessoal, dos restantes editores e da tertúlia.
CV
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17432: Tabanca Grande (438): Ernesto Marques, leiriense de Ancião, vive no Cartaxo, foi Soldado TRMS Inf, CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833 (Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)... Novo grã-tabanqueiro n.º 745

Guiné 61/74 - P17483: Blogpoesia (515): "Coro dos pardais"; "Mergulho no passado" e "Não são precisas asas...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Coro dos pardais

Manhã serena e fresca.
Vou pelo bosque dentro
Como quem atravessa uma numerosa orquestra.

Vibrantes trinados,
De verde coloridos,
Ressoam entre os ramos.
É a festa da alegria e liberdade.

Arrulham as pombas em longas ladainhas.
Gorgolejam os pássaros
Em apressadas correrias.

Enquanto os corvos matreiros,
Devassam o chão
Com bicadas insistentes
E devoram as minhocas,
Uma à uma.

Pela tona do lago,
Deslizam felizes
Os patos esverdeados,
Que grasnam
Chamando suas ninhadas.

No silêncio dos caminhos,
Presos à sua trela,
Passeiam os cães e os donos,
Em ternurenta cumplicidade.

É a hora da paz e da harmonia…
Berlim, 12 de Junho de 2017
7h28m
Jlmg

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Mergulho no passado

Mergulho no passado
Como quem regressa duma viagem
Pela galáxia.

Busco os pós que deixei de mim
Por esses caminhos todos
Onde passei, desde menino.

Talvez reencontre o pó perfumado
Dos meus avós
Que tanto me amaram
E ajudaram a crescer.

O dos meus pais,
Aqueles seres sublimes,
Joaquim e Leonor,
De quem me veio o ser,
Nos anos quarenta.
Quando a guerra dizimava a Europa.

Daqueles serões tão quentes,
Pelas noites frias de Inverno,
Na sua oficina de alfaiate.
Aquele cheiro a giz.
Aqueles riscos certos na fazenda
Que, horas depois, davam um lindo fato feito.

Aqueles pães quentinhos
Que vinham na canastra de minha Mãe,
Desde a padaria longínqua de Margaride,
No dealbar agreste das madrugadas.

Tanta coisa linda que fez o meu passado
Eu queria reencontrar nesta viagem…

Berlim, 13 de Junho de 2017
19h44m
Jlmg

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Nem são precisas asas…

Como um passarinho livre
Passeio cada manhã.
Vou tão leve e tão feliz,
Sorvendo a frescura do ar.
Olhando as folhas lá ao cimo.

Só às vezes vejo um esquilo
Correndo de árvore em árvore,
Sem poisar os pés no chão.

Já conheço, só de ver,
Os companheiros da mesma hora.
Até as pombas, até os melros.
Cada qual no seu afã.
A todos falo de mim para mim.
Mas há um cão branco
Ainda jovem,
Um são bernardo,
Sei lá porquê,
Desata aos pulos quando me vê…

Berlim, 15 de Junho de 2017
8h30m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17455: Blogpoesia (514): "Ponte do silêncio"; "Sarilhado de fios" e "Leitura das almas", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17482: (De) Caras (77): Fausto Teixeira, deportado político em 1925, empresário em Bafatá, de quem o 2º tenente Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador Sarmento Rodrigues dizia, em 1947, ser um "incansável pioneiro da exploração de madeiras da Guiné"... Mais três contributos para o conhecimento desta figura singular (José Manuel Cancela / Jorge Cabral / Armando Tavares da Silva)


Guiné > Bissau > s/d [.c 1969] > À esquerda, o José Manuel Cancela. O terceiro é o António Teixeira, filho do Fausto Teixeira, que irá depois, em 1971, como furriel miliciano para Angola. "É curioso. O António Teixeira nunca me falou de um sobrinho nascido em Bafatá. Falava-me de um irmão mais velho que vivia em Palmela, tal como ele e o pai, o sr. Fausto".

Foto (e legenda): © José Manuel Cancela (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bafatá > Fá > Serração mecânica de Fausto Teixeira > 7 de fevereiro de 1947 > Visita do Secretário de Estado das Colónias, eng. Rui Sá Carneiro, e comitiva, no regresso a Bissau, vindo de Bafatá.

Segundo a "nossa leitura", do lado esquerdo, teríamos o eng. Rui Sá Carneiro, o prefeito apostólico José Ribeiro de Magalhães e o governador Sarmento Rodrigues; em segundo plano, rodeado dos seus empregados, parece ser o dono da empresa, observando (e possivelmente dando explicações sobre) o corte de um grande toro de madeira (à direita). O administrador da circunscrição de Bafatá, Carlos Costa, também terá integrado a visita, tal como o 2º ten Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador. Não sabemos quem é o autor desta fotos e das restantes que acompanham o extenso e altamente detalhado relatório da "visita ministerial", que é assinado por Teixeira da Mota. Não temos até agora nenhuma foto do empresário Fausto [da Silva] Teixeira,

Fonte: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol II - Número Especial, [Comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné], 1947, p. 370 . [O número completo está disponível "on line" aqui]

[Imagem digitalizada a partir de cópia pessoal pertencente ao prof Armando Tavares da Silva,  historiador, membro da nossa Tabanca Grande]


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Grupo de combate do Alf Mil Torcato Mendonça (que hoje vive no Fundão e é um dos nossos colaboradores permanentes), antes de a CART 2339 ser colocada em Mansambo, cujo aquartelamento iria construir de raíz. O arriar da bandeira ... 

Tirando as patrulhas ao mato Cão, para montar segurança aos barcos civis que atravessavam o Geba Estreito (Xime-Bambadinca-Bafata), Fá Mandinga era uma "verdadeira colónia de férias", beneficiando de "instalações ótimas"... Já aqui se escreveu, erradamente, que tinha sido uma "antiga estação agronómica por onde passara, nos anos 50, o engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA - Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa"... o que parece ser falso. O engº agrónomo Amílcar Cabral trabalhou e viveu, isso, sim, em Pessubé, perto de Bissau, com a sua esposa e colega portuguesa, Maria Helena Rodrigues.  

Segundo o Torcato Mendonça, as "instalações civis" estavam, na altura, à guarda de um civil, mandinga, o Marinho, que deveria ser pago pela administração [circunscrição de Bafatá ?] (Veja-se a deliciosa história do bode que foi roubado ao Marinho, quando o grupo de combate do alf mil Torcato Mendonça recebeu ordem para deixar Fá...].

Foto: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais 3 contributos para o conhecimento desta história singular, a de um deportado político que se torna um importante empresário na época colonial, exportador de madeiras tropicais:


(i) José Manuel Cancela, natural de (e residente em) Penafiel (ex-sold ap metr pesada, CCAÇ 2382, Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1968/70):

Amigo Luís.
Vou tentar responder às tuas perguntas, a partir do que ainda lembro.
O meu conterrâneo, que também se chamava Teixeira, sem ter traços familiares com o patrão [, o madeireiro Fausto Teixeira],  veio embora após o 25 de Abril. Estava muito revoltado por ter perdido o emprego, e culpava o exército por não ter acabado com a guerra. Enfim!!!

Infelizmente não me pode ajudar no que toca a este tema. Faleceu ainda nos anos oitenta, não tinha cinquenta anos.

Recordo-me que, nos princípios de 71, estava ele de férias, perguntei-lhe pelo António. Disse-me que passou por Bissau, com destino a Angola, como furriel miliciano. Junto uma das minhas fotos, onde estamos juntos, em Bissau, eu e o António.


(ii) Jorge Cabral, ex-alf mil art, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71] [o segundo, na segunda fila, na foto à esquerda]

Obrigado Luís!
Fá estava dividido, em duas partes, a de cima e a de baixo. Esta foto parece-me ser na parte de baixo.

Como te disse ao telefone, existia um guarda civil, o Marinho do qual tanto eu como o Torcato Mendonça [ex-alf mil, CART 2239, Fá e Mansambo, 1968/69], já falámos. Terá sido contratado, por via do fim da serração? 

Penso que a tropa só lá se instalou, em Fá,  a partir de 1965. Foi sede de Batalhão e de muitas Companhias. Em Julho de 1969 e pela primeira vez, foi entregue a um Pelotão, o meu. 

Era na parte de cima que se encontravam as melhores instalações. Uma casa óptima com vários quartos e duas vivendas, além de mais dois edifícios. Teria tido água canalizada e com certeza um potente gerador, que ocuparia uma casa própria, que o meu soldado Dairo aproveitou para a sua residência. 

Entre Julho de 1969 e Fevereiro de 1970, data da chegada da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, as mulheres e os filhos dos meus soldados viveram no Quartel. Não ocupámos nem a parte de baixo, nem a "casa grande" e as duas vivendas. 

Quem pagaria o ordenado do Marinho, que até fazia rondas nocturnas, munido apenas de uma lanterna e que uma vez foi alvejado pelo meu soldado Mamadú que, estando de sentinela, ao ver uma luz,  disparou ?... 

Abraço,   J. Cabral.


(iii) Armando Tavares da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.).  

Luís,
O Fausto Teixeira faria parte de um grupo de 26 membros da Legião Vermelha que, a bordo do cruzador Carvalho Araújo,  foram deportados para a Guiné, onde chegaram em Junho de 1925.

A Legião Vermelha era um grupo anarcossindicalista que varreu o país com uma onda de atentados bombistas contra figuras de destaque no campo do comércio, indústria, etc.,  supostamente conservadoras. A 15 de Maio de 1925 atentam contra a vida do comandante da polícia, coronel João Maria Ferreira do Amaral, que fica ferido. É na sequência deste atentado que um grupo destes anarquistas é deportado para a Guiné [entre eles, Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro]. Era presidente do ministério Victorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Foi o mesmo grupo que, em 1937, atenta contra a vida de Salazar.


Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro, com outros deportados para a Guiné, em 1925, alegados membros da misteriosa "Legião Vermelha". Neste grupo, é provável que conste o Fausto Teixeira. O Gabriel Pedro é o terceiro da segunda fila, a contar da direita.

[Fonte do fotograma:  You Tube > A Legião Vermelha - Portugal 1920/1925]




Excerto do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, nº especial, dezembro de 1947, pp. 368-370, a partir de cópia pessoal do nosso amigo Armando Tavares da Silva
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Nota do editor:

Vd. poste de 16 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17477: (De) Caras (83): Ainda o madeireiro Fausto da Silva Teixeira, com residência familiar em Palmela, amigo do "tarrafalista" Edmundo Pedro... Apesar da "amizade" com Amílcar Cabral e Luís Cabral, teve um barco, carregado de madeiras, atacado e incendiado no Geba, a caminho de Bissau...

sábado, 17 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17481: Estórias do Juvenal Amado (56): Em memória dos filmes que comecei a ver a meio

Cine-Teatro de Alcobaça

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 16 de Junho de 2017:


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO

56 - Em memória dos filmes que comecei a ver a meio

Gostei muito de cinema desde sempre e o Cine Teatro de Alcobaça, foi ponto de encontro de gerações de Alcobacenses.

Em miúdo com a minha tia ia ver os filmes do Joselito e Marisol mais tarde também me levou a ver filmes históricos em especial sobre as guerras napoleónicas, género que deixou de ser tema de interesse para as produtoras cinematográficas, pois há muito tempo, tirando uma versão do "Guerra e Paz", deixei de ver em cartaz esse género. Quando há tempos pela escrita do José Marques Vidal e Arturo Pérez-Reverte, voltei a lembrar-me do tema, revi mentalmente a batalha de Austerlitz, onde Napoleão derrota os exércitos russos, austríacos e ingleses, bem como outras venturas e desventuras do corso, que resolveu criar um Mundo à sua vontade até se afogar no seu próprio orgulho e melomania.

Mas também era comum juntar-me aos Mendes, ao Cafézinho, ao BiBi e outros miúdos, que numa das portas laterais, esperávamos que o porteiro, senhor Sílvio, nos desse uma borla e assim nos deixasse assistir aos filmes.
- ”Não façam barulho e espalhem-se, não os quero todos juntos” - dizia ele.

Depois do primeiro intervalo, lá íamos nós sem fazer barulho até ao 3.º balcão, razão essa, que tenho na memória os filmes que nunca vi o principio como o "Ben-Hur", o "Rei dos Reis",  o "Barrabás", "Spartacus", etc, etc. Esses ficaram para sempre amputados dos seus inícios pelas razões que acabei de apresentar.


Entretanto comecei a trabalhar, e com direito a semanada, pude assim comprar o bilhete e começar finalmente a ver todos os filmes desde inicio. Estava na época dos filmes "cobóis" "esparguete" com o Clint Eastwood, (quem diria que ele se faria num dos maiores realizadores do nosso tempo?) o Bud Spencer e Terence Hill etc, que gastavam mais balas na apresentação do que em todas as guerras do México. As pistolas de seis tiros disparavam sem cessar, nunca ficavam sem balas.

Também os filmes de karatê do Bruce Lee levavam legiões de admiradores, e era vê-los à saída do cinema, a gingarem-se e a imitar os tiques do actor. Simplesmente hilariante, quando ele era atacado por mais de vinte bandidos, que despachava num ápice. Ficava sempre para o fim um e esse, é que era sempre um rolha dura de roer. Entre gritos, chapadas e pontapés de toda a forma e feitio, o nosso herói tinha mais trabalho com esse do que com os outros vinte.

Por causa desses filmes logo apareceram escolas de karatê nas diversas modalidades, o que deu azo a episódios caricatos como o do meu amigo “Bife”, que acabado de ter a sua primeira aula de Tae Kon Don, se envolveu logo à pancada com outro junto ao campo de ténis.

Filmes completamente irracionais e sem ponta por onde se lhes pegar, mas a malta não sabendo mais o que fazer, ia ver as "coboiadas" de feios porcos e maus e ouvir o Pelé lá do 3.º Balcão, que em plenos pulmões tentava avisar o herói que os índios estavam emboscados ou que um bandido vinha à falsa fé para lhe fazer a folha.
As gargalhadas sucediam-se a cada nova exclamação do nosso bem conhecido angariador de peles de coelho e ferro velho. O velho Pelé também servia para as mães meterem medo aos filhos, que praticavam qualquer maldade, ou não queriam comer a sopa. A sua imagem andrajosa com um saco às costas, era assim aproveitada para o imaginário da garotada.

Também a Escola Técnica de Alcobaça, sob a batuta do professor Miranda, levava à cena as peças no Cine Teatro, que ensaiava para serem apresentadas nas suas festas anuais. Nunca me esqueci da peça "A Gaivota", de Anton Tchecov, e também quando o teatro de revista deixava o Parque Mayer e fazia digressões pela província.


Naquele tempo o Cine-Teatro abarrotava de espectadores e, na maioria dos casos, só ficavam livres as cadeiras obrigatoriamente guardadas para os descendentes do fundador António de Oliva Monteiro.

Depois fui para a tropa e para a Guiné, durante 3 anos não me deliciei com os filmes nem com a vivência ao redor dos mesmos.
Na Guiné, em Galomaro, fomos uma vez visitados pelos serviços de foto-cine do exército, se não estou em erro com o filme "Chaimite", na verdade um tema bem a propósito como é bom de ver. Foram exibidas duas sessões para dar oportunidade a quem estivesse de serviço, ver no dia a seguir. Numas das sessões, calhou-me fazer reforço na porta de armas e tive o maior assédio de lavadeiras que há memória, pois queriam que eu as deixasse entrar para ver o filme. Está claro que não podia deixá-las entrar sob pena de o Coronel me dar uma porrada de todo tamanho, mas devo ter ficado com fama de ser um bom filho p…… durante muito tempo.

Sei que havia salas de cinema em Bafatá e em Bissau, mas nunca lá fui ver nada. Se calhar porque só pernoitei uma vez em Bafatá, no seguimento da trágica morte do nosso camarada Teixeira, e em Bissau estive só de passagem e com pouco ou nenhum dinheiro.

Quando regressámos, deu-se a explosão com o fim da censura, as sessões sucediam-se para vermos os filmes até ali eram proibidos, ou revermos os que tinham sido amputados das cenas que a comissão da censura tinha resolvido cortar. Seguiram-se as sessões de pornografia, que eram exibidas depois da meia-noite.
Depois o declínio foi-se agravando, e não foi só em Alcobaça. As salas começaram ficar vazias por causa dos centros comerciais e das suas sessões continuas, da televisão, dos clubes de vídeo, que por sua vez foram à falência por casa da TV por cabo, onde podemos ver filmes a toda a hora sem se sair de casa, com a qualidade HD nos LED's de tamanho considerável com sistemas de som circundante.

O que virá a seguir não sei, talvez com máquinas de realidade virtual em que sejamos expectadores e actores ao mesmo tempo, com influência no guião do filme.
Ontem liguei a televisão, e estavam a exibir o filme "Cartas de Guerra". Já ia adiantado, mas mercê das novas tecnologias, voltei atrás para ver de principio. Gostei, apesar de algumas incongruências, digo eu, uma vez que a guerra que travámos na Guiné foi forçosamente diferente da de Angola pelo tipo, pelo espaço físico e também pelo antagonismo existente entre os três movimentos independentistas. O filme faz-me lembrar uma banda desenhada com grandes planos e muitas imagens falsamente paradas, em que o autor tenta transmitir ao espectador a dor, o isolamento, o desamor e a violência daqueles dias, usando um ambiente surreal. (A ver os "Vampiros" com textos de João Melo e desenhos de Juan Cavia, uma história de ficção passada na Guiné em 1972 ).
Fez-me reviver os nossos mortos, e as imagens a preto e branco, mais os gritos na escuridão, conferiram um efeito trágico e sufocante sobre as minhas próprias memórias.
Desejável seria que este filme fosse ponto de partida para mais registos devidamente aconselhados, por homens que sabem com conta peso e medida aplicar com rigor as recordações daquele tempo.

Hoje o Cine Teatro de Alcobaça continua lindo. Cinema pouco, mas chegam-me notícias de teatro, teatro de marionetes, bailado e também musica de vários géneros.
Os filmes é que parecem rarear naquele espaço mas isso é fruto dos tempos.

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17029: Estórias do Juvenal Amado (55): O Dia da Defesa Nacional

Guiné 61/74 - P17480: (D)o outro lado combate (8): Regime de Sékou Touré e PAIGC: propostas de reforço da cooperação militar, elaboradas por Amílcar Cabral, 4 meses antes de ser assassinado (Jorge Araújo)














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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17279: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (7): a última carta de Amílcar Cabral, enviada em 19/1/1973, a Pedro Pires, com diretivas para o reforço da luta na região de Quitafine

Guiné 61/74 - P17479: Parabéns a você (1272): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas do BART 3872 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17466: Parabéns a você (1271): Francisco Silva, ex-Alf Mil Art da CART 3492 e CMDT do Pel Caç Nat 51 (Guiné, 1971/74)

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17478: Notas de leitura (969): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
O professor João Freire recebeu pelo seu trabalho a menção honrosa Almirante Sarmento Rodrigues, da Academia da Marinha. Trata-se de uma investigação com arco temporal de 80 anos onde interagem a Marinha com factos político-militares, económicos e sociais. Era inevitável a participação da Armada num território com as caraterísticas da Guiné. O autor discreteia sobre a lógica monárquica-constitucional e republicana, ao longo do referido arco temporal e demora-se detalhadamente sobre a Marinha na ocupação efetiva e na consolidação colonial.
É um novo olhar da investigação que enriquece a historiografia guineense do período colonial.

Um abraço do
Mário


A colonização portuguesa da Guiné, 1880-1960, por João Freire (1)

Beja Santos

“A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha(*), foi uma das edições preeminentes do ano transato, no que tange à investigação guineense no período colonial. João Freire manipula expeditamente a heurística e a hermenêutica, por cada capítulo abordado tece conclusões, assume responsabilidades interpretativas, nunca deixa o leitor à deriva ou no território das especulações. É uma viagem cronológica onde os assuntos da Marinha colonial têm peso preponderante.

Pegando no saboroso livro de Ernesto Vasconcelos, "Guiné Portuguesa, Estudo Elementar de Geografia Física, Económica e Política", de 1917, recorda que o estado da nossa ocupação da Guiné era deveras lamentável em 1841, resumindo-se aos seguintes pontos: Bissau, sede do governo e praça de guerra; Nova Peniche, no ilhéu do Rei; Geba, a 60 léguas de Bissau; Fá, no rio Geba; Bolama, posto militar; Cacheu, defendido por uma paliçada e por três velhos redutos; Bolor, posto militar na embocadura do rio Cacheu; Ziguinchor, posto militar na margem esquerda do Casamansa; e Gonzo, posto comercial de Honório Barreto, também no Casamansa. Esta descrição pode ser lida em paralelo com a vibrante memória que Honório Pereira Barreto escreveu por essa época, este não escondeu pelo desassombro da linguagem a contar a verdade sobre a administração portuguesa: “Os governadores, sendo militares, como são, não estudam ordenações, nem reformas judiciárias; portanto tudo se julga militarmente […]”. E completa a descrição escrevendo que “em todos os estabelecimentos há uma autoridade que, sob o título de Juiz do Povo, governa o povo. Estes juízes, excetuando em Ziguinchor, que é um notável, diferenciam-se dos outros por serem mais bêbedos”. Inevitavelmente, fala-se de revoltas, acordos denunciados, assaltos a comerciantes, uma vida em perigo permanente. Sendo a presença portuguesa mais do que precária, deve-se a Honório Barreto o alargamento dos territórios, as suas doações à Coroa, a sua capacidade na defesa militar.

Tece o autor uma alargada referência ao mosaico étnico e releva a importância das guerras que ocorrem no século XIX entre Mandingas e Fulas que, para além de terem introduzido novas relações de poder no território deram ocasião a significativas alterações no mosaico étnico, principalmente no que toca a Beafadas, Fulas Pretos e Fulas Forros, Papéis, Balantas e Manjacos, fenómeno demográfico que nem sempre é interpretado quando estuda as guerras da pacificação e o enorme peso de que dispõe a sociedade rural civil durante esta fase do período colonial. João Freire lembra as observações do investigador guineense Carlos Cardoso sobre a procura de sistema de alianças e a lógica dos tratados de paz estabelecidos com Bolama, depois da separação da Guiné de Cabo Verde, em 1879. Era a chegada de uma filosofia de apaziguamento e de boa convivência e a exploração de rivalidades interétnicas. Diz Cardoso que Portugal se envolveu nos conflitos internos, designadamente entre os Fulas, apoiando um grupo contra outro. E comenta o autor:
“Da nossa própria análise retiramos a ideia de que o centro de gravidade das guerras nos anos 90 do século XIX se desloca do alto-Geba e do Forreá para as bocas do Geba e do Cacheu, e que tais conflitos bélicos tomam um caráter mais soberanista (saber que manda onde, e sobre quem), antes de evoluírem para as lutas pela (e contra a cobrança de imposto de palhota que marcaram o período seguinte. Contudo, a mudança de estratégia político-militar, já no início do século XIX, em torno da africanização das forças combatentes do lado português, decerto que agudizou muito os ressentimentos entre tribos. 
E depois o autor comenta disposições de tratados de obediência e vassalagem, irónico e não iludindo a distância que vai entre os desejos e as realidades: 
“ - 1ª O régulo do Forreá, assim como os chefes subalternos, juram […] , considerando-se súbditos portugueses para os efeitos da lei”. – É de duvidar que os interlocutores guineenses tivessem consciência do alcance jurídico desta proposição. 
"- 2ª Os territórios […] ficam pertencendo ao domínio de Portugal”. – Cláusula para eminente uso externo, por parte do governo português. 
"- 3ª Os usos e costumes de todos os habitantes dos citados territórios, quando não sejam contrários às leis e garantam a moralidade, segurança pessoal e liberdade do cidadão português, serão respeitados”. Toda a questão se situa na interpretação futura a dar ao que pudesse “contrariar a lei portuguesa” e ameaçar a “moralidade, segurança pessoal e liberdade do cidadão português”
"- 4ª O régulo […] obriga-se a proteger o comércio […] promovendo tanto quanto possível a segurança dos comerciantes [… e] a segurança das propriedades e culturas […]”. – Esta liberdade e segurança eram, à época as condições fundamentais que interessavam a Portugal. 
"- 5ª Aos cidadãos portugueses ou estrangeiros que estiverem munidos do competente passe das autoridades portuguesas, o mesmo régulo proporcionará nos territórios que lhe estão sujeitos todas as precisas condições que lhes garantam o bom agasalho, a sua segurança e a sua liberdade, devendo o referido régulo satisfazer quaisquer requisições de carregadores, mantimentos, etc, mediante prévio ajuste da respetiva remuneração […]”. – E esta era a contrapartida de poder e de rendimento económico de que se matinha na posse dos chefados locais.
"- 6ª Quando pelas autoridades portuguesas seja requisitado algum indivíduo sujeito à ação da justiça, o régulo do Forreá fá-lo-á entregar imediatamente […]”. – Imperatividade que no plano civil/criminal, ilustra bem a precedência da norma europeia sobre a norma local, para o melhor (por exemplo, para impedir a escravatura), como para o pior (supúnhamos para manietar um contestatário à ocupação portuguesa). 
"- 7ª O régulo de Forreá e os seus chefes […] virão pessoalmente no primeiro dia de Janeiro de cada ano homenagear Sua Majestade Fidelíssima, perante o comandante militar […]”. – Ato simbólico de ‘humilhação’ dos poderes negros de grande significado para eles, só amenizado pela tão grande distância física a que essa majestade se encontrava, que a tornava apenas virtual.

Esta a lógica de um Protetorado, em que um protetor impõe as suas condições ao protegido. No próximo capítulo, o autor aborda a participação da armada nas revoltas nativas e prossegue com a apresentação da administração colonial portuguesa na Guiné entre 1880 e 1910.

(Continua)
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Notas do editor

(*) - Vd poste de 31 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17009: Agenda cultural (539): Lançamento do livro "A Colonização Portuguesa da Guiné", do prof João Freire, sociólogo (Lisboa, Comissão Cultural de Marinha, 2017), em Belém, na Biblioteca Central da Marinha, no próximo dia 8, 4ª feira, às 18h

Último poste da série de 15 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17473: Notas de leitura (968): Saiu o II volume de "Memórias Boas da Minha Guierra", de José Ferreira (Lisboa, Chiado Editora, 2017): Sabemos, desde Fernão Lopes, que não há História com H grande sem as pequenas histórias da arraia-miúda. Este é também um livro de homenagem à arraia-miúda (Luís Graça, prefácio)