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sábado, 16 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21772: (D)o outro lado do combate (64): o caso da jangada do Ché-Che em maio de 1965... (Jorge Araújo)


Foto 1: - Região do Boé > Rio Corubal > A jangada do Ché-Che. Foto publicada no cmjornal de 23 de Junho de 2013, em entrevista dada por António Manuel Baptista, furriel vagomestre da CCAV 702 / BCAV 705 (1964/1966), com a devida vénia. [Link: https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/morreu-a-17-dias-de-voltar-a-casa].

 


Foto 2: - Região do Boé > Rio Corubal > 30 de Junho de 2018 > A jangada do Ché-Che, puxada à corda. Foto retirada do vídeo de Patrício Ribeiro (Ímpar Lda, Bissau), publicado no P18862, disponível em You Tube / Luís Graça, com a devida vénia.



Imagem de satélite da região do Boé (Centro – Sul), com infografia do triângulo Madina do Boé/Béli/Ché-Che, sinalizando-se o local da jangada que ligava as duas margens do rio Corubal.





O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior,  ainda no ativo; 
tem cerca de 280 referências no nosso blogue.

 


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

AMÍLCAR CABRAL E O BOÉ:

A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA REGIÃO

- O CASO DA JANGADA DO CHÉ-CHE DESTRUÍDA [?] EM 11MAI1965 -     

► ADENDA AO P21712 (30.12.20)

1.   - INTRODUÇÃO


Com a elaboração da presente adenda ao P21712 publicado no penúltimo dia do ano findo (*), pretende-se dar conta, no fórum, do que foi possível esclarecer quanto às dúvidas suscitadas na "análise de conteúdo" sobre a carta "mensagem" de Amílcar Cabral (1924-1973), datada de 01 de Julho de 1965, 5.ª feira, dirigida aos seus camaradas operacionais, combatentes do exército popular, instalados na região do Boé, onde faz constar o valor e importância estratégica que ele atribuía a esta região no desenvolvimento da luta armada.


Nessa "mensagem", o Secretário-Geral valoriza, sobremaneira, o desempenho tido pelos elementos comandados pelo cmdt Umaro Djaló (1940-2014) pelo facto de, entre outras acções, terem destruído (?) a «jangada do Ché-Che», em 11 de Maio de 1965, 3.ª feira, de modo a impedir, às NT, a travessia entre as margens do rio Corubal.


Ainda que não tivéssemos tido a "sorte" ou o "saber" de encontrar testemunhos escritos na literatura oficial, que pudessem validar mais uma (esta) ocorrência concreta, e histórica, da "guerra" no CTIG, sempre acreditámos que seria possível obter informações complementares produzidas por alguém que nela tivesse estado envolvido (informante privilegiado) ou que dela tivesse tido conhecimento.


E o objectivo de partida foi conseguido! Graças à pronta resposta ao nosso apelo, colocada pelo camarada Manuel Luís Lomba, da CCAV 703, na caixa de comentários ao poste supra, a quem agradecemos, permitiu-nos entender melhor o quadro factual, do objecto de estudo, por efeito da triangulação de conteúdos.


Como justificação metodológica, recuperámos alguns acontecimentos já narrados anteriormente, de modo a contextualizar o tema, quer do ponto de vista cronológico, quer no que concerne ao valor semântico de algumas expressões utilizadas.


2.   - MENSAGEM DE AMÍLCAR CABRAL

- Dirigida aos combatentes das FARP do Boé em 01Jul1965


Todos sabem que a região do Boé é muito importante para a nossa luta na nova fase em que nos encontramos, (…) se conseguirmos tirar dali todas as forças inimigas, criamos uma situação difícil para as tropas portuguesas que estão em Bafatá e no Gabu.


O Partido tem feito grandes esforços para libertar totalmente o Boé, onde tem operado uma subsecção e dois bigrupos bem armados. Sabemos que as nossas forças têm tido dificuldades por falta de consciência política da população e por falta de alimentação em alguns momentos numa região onde há pouca comida. Vocês têm feito algumas acções boas e conseguiram destruir [?] a «jangada do Ché-Che» [em 11 de Maio de 1965, 3.ª feira, conforme comunicado manuscrito por Umaro Djaló, cmdt da subsecção "Rui Djassi"] e atacar Madina do Boé com sucesso. (…) Durante as chuvas, não faltará água. Por outro lado, o nosso Partido vai continuar a pôr à disposição dos combatentes do Boé todo o alimento necessário para um período de 2 meses. Não faltará armas nem faltará munições.


Sabemos que o inimigo já refez outra jangada, mas sabemos todos que ele tem pouca gente no Boé [CCAV 702]. Cremos que basta uma subsecção forte e decidida para criar ao inimigo uma situação difícil e correr com ele do Boé durante esta época das chuvas. Além disso, reduzindo o número de combatentes no Boé fica mais fácil dar comida para esses combatentes, em virtude das dificuldades de transporte durante as chuvas. (…)


O Boé tem condições muito favoráveis para a nossa luta. Desde que haja alimentação, não haverá razão nenhuma para não libertarmos (…) completamente o Boé até ao fim do mês de Julho [1965]. (…)


2.1        - Que devemos fazer para correr com os portugueses do Boé?

- Nós (PAIGC] deveremos:

(…)


■ 3. - Destruir a ponte da estrada do Boé que fica logo depois de Contabane. Minar essa estrada.


■ 5. - Destruir a jangada do Ché-Che, mesmo que para isso seja possível combater. Devemos atacar e destruir a jangada no momento em que esteja a trabalhar, quando chegar à margem do lado de Madina [do Boé].


■ 6. - Colocar armas pesadas no porto do Ché-Che para não deixar passar o inimigo.

(…)


Fonte: Citação: (1965), "Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis, combatentes do exército popular em Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40509


3.   -   DESTRUIÇÃO [?] DA «JANGADA DO CHÉ-CHE» EM 11MAI65

- Comunicado assinado pelo cmdt Umaro Djaló em 12Mai65


Comunicamos à direcção do nosso Partido que destruímos a «jangada do Ché-Che" no dia 11 do mês corrente [Maio'65], às 4 horas da manhã. Foi totalmente [?] destruída, e o homem que guardava a jangada conseguiu fugir no momento em que os camaradas progrediam em direcção do objectivo, e não conseguiram prendê-lo. Também os camiões [?] que se encontravam na travessia foram igualmente destruídos. (…)


Fonte: Citação: (1965), "Comunicado [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40708


4.   - REACÇÕES AO COMUNICADO DO CMDT UMARO DJALÓ


Três dias após a elaboração do comunicado assinado por Umaro Djaló, cmdt da subsecção "Rui Djassi" [nome atribuído em homenagem ao cmdt Rui Djassi "Faincam", que morreu nas matas de Gampará, em 24Abr64, durante a «Operação Alvor» (P19532)] e consequente envio aos dirigentes do PAIGC, instalados em Conacri, Aristides Pereira (1923-2011) enviou-lhe a seguinte missiva:


15 de Maio de 1965


Caro camarada Umaro [Djaló]:

Acabamos de receber a vossa comunicação relatando a liquidação [?] da jangada do CHECHE – um dos grandes objectivos da vossa missão nesta altura. Comunicamos imediatamente o facto ao camarada Secretário-Geral que se acha em viagem, pois bem sabemos a grande importância que ele dá a esse facto. Estamos muto satisfeitos com a vossa realização, e enviamos calorosas felicitações pela vossa determinação em cumprir as palavras de ordem do Partido, ao serviço da nossa luta. Estamos certos de que este primeiro êxito vos encorajará cada vez mais no cumprimento da missão sagrada do nosso povo, para correr com os colonialistas das nossas terras. Por outro lado, a nossa confiança actual se reforça com esta acção vossa, e a nossa convicção é cada vez maior de que levareis a bom termo a missão que vos cabe nesta fase da nossa luta. Mais uma vez parabéns a todos, sem nos deixarmos no entanto entusiasmar demais por este sucesso: muita vigilância. 





O Nino deve-se ter encontrado contigo e com certeza discutiram bastante no sentido da boa marcha da nossa luta nesse sector. Discutimos com ele a questão das munições que pedes, e ele deve satisfazer o teu pedido com o material que levou.


Vão os envelopes pedidos.


Saudações para todos os camaradas, e votos de saúde e cada vez mais coragem no nosso trabalho.


Para ti, abraço amigo do camarada de sempre,

Aristides Pereira.

 


Fonte: Citação:
(1965), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39106

 

Ainda sobre o este assunto, e com a mesma data, Amílcar Cabral escreve a Nino Vieira (1939-2009), cmdt da Frente Sul e Leste, o seguinte:


▬ Conacri, 15 de Maio de 1965


Meu caro Nino,

Cheguei hoje a Conacri, depois de ter visto o Osvaldo [Vieira] e outros camaradas, no Senegal. Se vires o Umaro [Djaló] e os três camaradas da subsecção ["Rui Djassi"], apresenta-lhe as minhas felicitações pelo sucesso da missão à jangada do Ché-Che. Estou convencido que os nossos combatentes, o nosso povo, terá vitórias decisivas para a mudança da nossa luta, nessa área. Temos necessidade de preparar, no pouco tempo, camaradas nossos na utilização da nova arma que recebemos. Preferíamos que fossem camaradas que tenham certa experiência de armas anti-aéreas e por isso pensamos que o camarada Inácio [da Gama (?)] poderia regressar para essa preparação. Diz alguma coisa. É urgente. Envio-te o relógio pelo Inácio.


Saudações a todos os camaradas

Um abraço amigo do camarada.

Amílcar Cabral.

 


Fonte: Citação:
(1965), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35318

 

5.   - CONTRIBUTOS DE MANUEL LUÍS LOMBA SOBRE A OCORRÊNCIA


Na qualidade de Fur Mil Cav da CCAV 703 / BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) o camarada Manuel Luís Lomba escreveu o seguinte:


(…) Ainda não havia tropa em Canjadude e ao segundo dia mandaram-me proteger a jangada do Ché-Che, reforçado com um canhão s/r (sem recuo) 10,7, montado num velho jipe Willis. Pela análise da situação, mandei estacionar as viaturas viradas a Nova Lamego, o jipe e o canhão apontados à jangada e passei a noite em branco sobre a caixa de carga do camião Mercedes, à cuca e à escuta: se o IN aparecesse na nossa banda (o que parecia pouco provável), os campeões da eliminação da jangada seríamos nós, a retirada no "gosse gosse" – a batalha era cometida aos navegantes carnívoros [os "alfaiates"] do Corubal, se ele o ousasse cambar a nado.


Isto terá ocorrido em 21 de Maio'65, cálculo meu (ou seja, dez dias após o ataque), a jangada encontrava-se em perfeito estado, depois de ter sido rapidamente recuperada por malta vinda de Bissau (provavelmente da Engenharia, da Marinha ou do Serviço de Material?). A sua avaria ficou a dever-se a um ataque à bazucada lançado do lado de Madina do Boé, no tempo em que a jangada tinha apenas um guarda-nocturno.


6.   - CONSIDERAÇÕES FINAIS


Para finalizar o presente texto (adenda), podemos concluir:


■ 1. - Confirma-se o ataque à «jangada do Ché-Che» em Maio de 1965, sob as ordens do cmdt Umaro Djaló, à data em nomadização na região do Boé.


■ 2. - O conceito utilizado por Umaro Djaló: "destruição", que significa: "desfazer"; "exterminar"; "aniquilar"; "extinguir"; "fazer desaparecer"; etc., não se verificou, pelo que não se aplica, ainda que no léxico da guerra seja comum.


■ 3. - O que se verificou foi que o ataque (à bazucada) provocou "avaria", causando "dano"; "prejuízo" ou "estrago" na «jangada» que rapidamente foi recuperada.


■ 4. - Amílcar Cabral, na sua "mensagem" de 01 de Julho de 1965, refere que já tinha sido refeita [recuperada] outra jangada.


■ 5. - A travessia do rio Corubal, no Ché-Che, continuou a verificar-se por parte das NT, com recurso a uma «jangada», como prova a foto 1, onde elementos da CCAV 702 acompanham vários volumes e diferentes produtos.


■ 6. - O recurso à «jangada do Ché-Che» por parte da CCAV 702 aconteceu a partir de Maio de 1965, após ter sido deslocada por fracções, entre 22 e 30 desse mês, para Madina do Boé, com um Gr Comb em Béli a partir de 25Mai65, onde substituiu Grs Combate da 3.ª CCAÇ. Em 23Mai65, assumiu a responsabilidade do subsector de Madina do Boé, então criado na zona de acção do BCAÇ 512 e depois do seu batalhão (BCAV 705). Em 04Mai66, foi rendida no seu subsector pela CCAÇ 1416, seguindo, então, pata Fá Mandinga. (CECA; p 258).


► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.012. Título: Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis combatentes do exército popular em Boé. Assunto: Mensagem de Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, aos militantes e responsáveis combatentes do Exército Popular no Boé, reafirmando a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante (Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu). Directivas e instruções militares aos combatentes para a conquista e libertação do Boé. Data: Quinta, 1 de Julho de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.027. Título: Comunicado [Frente Leste]. Assunto: Comunicado assinado pelo Comandante Rui Djassi (erro) [Umaro Djaló] sobre a acção de destruição da jangada de Cheche e a preparação de um novo ataque a Béli. Data: Quarta, 12 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (3) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.021. Assunto: Resposta ao comunicado sobre a liquidação da jangada do Cheche. Remetente: Aristides Pereira. Destinatário: Umaro Djaló. Data: Sábado, 15 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (4) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04618.082.036. Assunto: Felicitações pelo sucesso da missão à jangada do Cheche. Envio do relatório pelo Inácio. Remetente: Não identificado [Amílcar Cabral]. Destinatário: Nino Vieira. Data: Sábado, 15 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada (de Amílcar Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde para 2021.

Jorge Araújo.

02JAN2021

______________


Nota do editor:

(*) Último poste da série > 30 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21712: (D)o outro lado do combate (63): Amílcar Cabral e o Boé: a importância estratégica da região (Jorge Araújo)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21712: (D)o outro lado do combate (63): Amílcar Cabral e o Boé: a importância estratégica da região (Jorge Araújo)

Foto 1> Citação: (1966-1973), "Amílcar Cabral com um destacamento das FARP do PAIGC (na região do Boé; Frente Leste)", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44176, com a devida vénia.



Foto 2 > Citação: (1963-1973), "Amílcar Cabral com combatentes do PAIGC, no Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44296, com a devida vénia.



Mapa da região do Boé (Centro - Sul). Infografia: Jorge Araújo (2020)



O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
ainda no ativo; tem cerca de 280 referências no nosso blogue.

 

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > 

AMÍLCAR CABRAL E O BOÉ:

A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA REGIÃO

- DIRECTIVAS E INSTRUÇÕES MILITARES DIFUNDIDAS EM 1965 -     

 

1.   - INTRODUÇÃO


Perto de completar trinta meses, após o início do conflito em Tite [em 23Jan63], e quinze meses antes da «Operação Madina do Boé» [em 10Nov66], a maior acção militar realizada até então pelos guerrilheiros do PAIGC, em cooperação com meia-dúzia de elementos do contingente cubano chegados, em 29Abr66, a Conacri – P21547 –, Amílcar Cabral (1924-1973) decide enviar uma "mensagem" aos seus camaradas operacionais, combatentes do exército popular, em nomadização na região do Boé (ver mapa acima).


Nessa "mensagem", datada de 1 de Julho de 1965, uma quinta-feira, reafirma, como "palavra de ordem", a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante, compreendida entre Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu.


Pela relevância do seu conteúdo, pois faz parte da historiografia do conflito a que designei anteriormente de «Guerra dos Doze Anos» [CTIG; 1963-1974 (P21547)], e porque o dossiê  "Madina do Boé" continua em aberto, tomei a iniciativa de o partilhar no nosso fórum, organizando a apresentação em pequenos fragmentos, com o objectivo de facilitar a sua leitura, tendo por fonte de investigação, uma vez mais, o valioso espólio documental de Amílcar Cabral, disponível na Fundação Mário Soares.


2.   - MENSAGEM DIRIGIDA AOS COMBATENTES DAS FARP DO BOÉ DATADA DE 01 DE JULHO DE 1965




Ø 
Camaradas.


Vocês todos sabem que a região do Boé é muito importante para a nossa luta na nova fase em que nos encontramos. Na verdade, se acabarmos rapidamente de libertar a região do Boé, se conseguirmos tirar dali todas as forças inimigas, criamos uma situação difícil para as tropas portuguesas que estão em Bafatá e no Gabu. Criamos além disso uma base muito boa para libertar rapidamente toda a área compreendida entre o rio Corubal, Xitole, Bambadinca, Bafatá e o Gabu.


O Partido tem feito grandes esforços para libertar totalmente o Boé, onde tem operado uma subsecção e dois bigrupos bem armados.


Sabemos que as nossas forças têm tido dificuldades por falta de consciência política da população e por falta de alimentação em alguns momentos numa região onde há pouca comida. Vocês têm feito algumas acções boas e conseguiram destruir [?] a "jangada de Xexe [Ché-Che, em 11 de Maio de 1965, 3.ª feira, conforme comunicado abaixo, manuscrito por Umaro Djaló [1940-2014], cmdt da subsecção "Rui Djassi"] e atacar Madina do Boé com sucesso. Mas temos de lembrar que podíamos ter feito muito mais, se agíssemos sempre com mais conhecimento das condições do inimigo e se não cometêssemos certos erros.



Durante as chuvas, não faltará água. Por outro lado, o nosso Partido vai continuar a pôr à disposição dos combatentes do Boé todo o alimento necessário para um período de 2 meses. Não faltará armas nem faltará munições.


Sabemos que o inimigo já refez outra jangada [?], mas sabemos todos que ele tem pouca gente no Boé. Cremos que basta uma subsecção forte e decidida para criar ao inimigo uma situação difícil e correr com ele do Boé durante esta época das chuvas. Além disso, reduzindo o número de combatentes no Boé fica mais fácil dar comida para esses combatentes, em virtude das dificuldades de transporte durante as chuvas.


Mas têm de ficar no Boé os combatentes que têm dado provas de coragem e de audácia para garantirem o cumprimento do nosso dever nessa região.



 

Ø  Camaradas,


O Boé tem condições muito favoráveis para a nossa luta. Desde que haja alimentação, não haverá razão nenhuma para não libertarmos totalmente o Boé em pouco tempo.


O que é preciso é iniciativa, audácia, coragem e acção, com base no conhecimento concreto do inimigo.

Temos de libertar completamente o Boé até ao fim do mês de Julho [de 1965]. Este é um trabalho importante do nosso Partido que nada poderá evitar.


Avante, pois, na libertação total do Boé, região importante para o grande avanço da nossa luta.

Pelo Bureau Político do PAIGC


Amílcar Cabral (Secretário-Geral)

1 de Julho de 1965

 

Ø  Que devemos fazer para correr com os portugueses do Boé?

- Nós (PAIGC] deveremos:


■ 1. - Limitar o número de homens a uma subsecção, bem armada e dispondo de morteiros e bazucas. Obter informações sobre o inimigo.


■ 2. - Instalar armas anti-aéreas (DCK) para ataques aos aviões. Fazer sempre tiros contra os aviões e helicópteros. Destruir os campos de aviação.


 

■ 3. - Destruir a ponte da estrada do Boé que fica logo depois de Contabane. Minar essa estrada.


■ 4. - Colocar um grupo de emboscada perto a Guilejezinho.


■ 5. - Destruir a jangada de Xexe [Ché-Che], mesmo que para isso seja possível combater. Devemos atacar e destruir a jangada no momento em que esteja a trabalhar, quando chegar à margem do lado de Madina.


■ 6. - Colocar armas pesadas no porto de Xexe para não deixar passar o inimigo.


■ 7. - Bombardear Madina [do Boé] com morteiros de dia e de noite.


■ 8. - Fazer ataques rápidos e muitas vezes a Madina [do Boé], sobretudo com bazucas, para destruir casas em que está a tropa. Retirar-se.


■ 9. - Concentrar forças e atacar Madina [do Boé], para destruir o quartel inimigo e todos os soldados inimigos (mortos ou presos).


■ 10. - Concentrar forças e atacar Béli, depois de bombardear com morteiros e bazucas.


■ 11. - Controlar as estradas de Xexe [Ché-Che], Contabane e Palaque (ao norte de Béli), que vai para Cabuca).


■ 12. - Organizar e controlar a população em todas as zonas dentro do Boé.


■ 13. - Colocar armas pesadas ao longo do rio Corubal (em todos os quartéis) para evitar o regresso do inimigo.


■ 14. - Instalar várias armas anti-aéreas em pontos estratégicos de maneira a destruir todos os aviões que venham a Boé.



Fonte: Citação:
(1965), "Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis, combatentes do exército popular em Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40509


3.   - DESTRUIÇÃO [?] DA "JANGADA DE CHÉ-CHE"

  - EM 11 DE MAIO DE 1965 – COMUNICADO DE UMARO DJALÓ


De modo a poder validar a informação descrita na "mensagem" de Amílcar Cabral sobre a destruição da "jangada de Ché-Che", em Maio de 1965, encontrámos uma referência a essa ocorrência, assinada pelo Cmdt, à época, na região do Boé – Umaro Djaló –, que seguidamente se transcreve:


Ø   Comunicado


Comunicamos à direcção do nosso Partido que destruímos a "jangada de Cheche" no dia 11 do mês corrente [Maio de 1965], às 4 horas da manhã. Foi totalmente destruída, e o homem que guardava a jangada conseguiu fugir no momento em que os camaradas progrediam em direcção do objectivo, e não conseguiram prendê-lo. Também os camiões que se encontravam na travessia foram igualmente destruídos.


A reacção das tropas em Madina [do Boé], depois de se aperceberem da detonação do explosivo, chamaram a intervenção da aviação, que imediatamente chegaram dois aviões às 6 horas do mesmo dia e rondaram até às 12 horas.


Agora estamos preparando um novo ataque sobre Béli, às sabotagens repetidas, sem interrupções. Pedimos que nos mandem munições, o mais depressa possível.

L-1-10 + bazucas, obuses chineses e checos, binóculos.


Madina do Boé, 12-5-1965

O comandante; Umaro Djaló.

 


Fonte: Citação:
(1965), "Comunicado [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40708

 

4.   - CONSIDERAÇÕES FINAIS


Chegados ao fim da presente narrativa, mais uma tendo por temática «Madina do Boé»: factos encontrados na literatura, escritos por Amílcar Cabral dois anos e meio após o início do conflito, não nos foi possível localizar qualquer "contraditório", por parte das NT, quanto à destruição da «Jangada de Ché-Che» em 11 de Maio de 1965.


Como última hipótese de tal poder vir a acontecer, acreditamos que o nosso camarada Manuel Luís Lomba esteja em situação privilegiada para legitimar/confirmar, ou não, esse facto (caso ainda dele tenha memória), já que, como é aludido no P18623, "a região do Boé foi também um dos 'amores' da malta operacional do BCAV 705, transferido de emergência para o Leste, em Maio de 1965 [a mesma data da ocorrência acima], e calhou à CCAV 704 [Companhia de Cavalaria 704] assentar arraiais em Madina [do Boé] e Béli, comandada pelo então Capitão de Cavalaria Fernando Ataíde."

Aguardemos o seu feedback.    

► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.012. Título: Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis combatentes do exército popular em Boé. Assunto: Mensagem de Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, aos militantes e responsáveis combatentes do Exército Popular no Boé, reafirmando a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante (Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu). Directivas e instruções militares aos combatentes para a conquista e libertação do Boé. Data: Quinta, 1 de Julho de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.027. Título: Comunicado [Frente Leste]. Assunto: Comunicado assinado pelo Comandante Rui Djassi (erro) [Umaro Djaló] sobre a acção de destruição da jangada de Cheche e a preparação de um novo ataque a Béli. Data: Quarta, 12 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Um melhor Ano de 2021.

Jorge Araújo.

28DEZ2020


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