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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25197: (Ex)citações (428): O sistema AAA, do final da II Guerra Mundial, que "defendia" o aeroporto de Bissalanca e a cidade de Bissau no meu tempo (António J. Pereira da Costa, cmdt da Btr 3434, mai 71/ mar 73)


António José Pereira da Costa 

Nosso grão-tabanqueiro desde 12/12/2007, coronel art ref, ex-alf art, CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art, cmdt da Btr AAA 3434, Bissau; CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo; e CART 3567, Mansabá, 1971/74; autor da série e do livro com o mesmo n0me, "A Minha Guerra a Petróleo";  um dos mais ativos membros do nosso blogue, onde tem 195 de referências.


1. Dois comentários do cor art ref António J. Pereira da Costa ao poste P25192 (*)

(...) Fui comandante da BAA 3434 e fico mais que surpreendido que só (!) em 23fev74 o material de "detecção" tivesse sido considerado inoperacional. 

A BA 12 tinha um radar AN/TPS 1-D que não funcionava há anos e não tinha reparação. Estava montado numa torre metálica e fazia vista. Tive instrução num único radar desses existente no CIAAC que tinha sido desenvolvido no final de II Guerra Mundial  e que já não tinha qualquer utilidade

. A BAA 3434 "fazia (?) a defesa da BA 12 com peças AA 4cm e Met AA 12,7 quádruplas. Faziam-se "estudos" sabendo-se de antemão que o radar AA MK VI (táctico) não conseguia fazer detecção em altitude. 

Com apenas dois radares o que se fazia era pô-los a funcionar ao alvorecer e ao anoitecer. As ligações rádio entre as outras estações radar da PU e a da Base eram do tempo do "diga se me ouve! Escuto" (lembram-se?), ou seja,  se houvesse uma detecção, o alarme à base seria dado tarde e a más horas. Transmitir coordenadas à inglesa no sistema Georef era mais que cómico considerando a velocidade que os "aviões do IN", se existissem, eram muito mais rápidos. 

O dispositivo defensivo tinha uma Met AA quádrupla junto à Porta de Armas/Enfermaria guarnecida 24/24 horas com o pessoal instalado num atrelado de tonelada e, durante a noite, uma das GMC patrulhava o caminho de ronda da base com outra Met AA montada na caixa. Entrou em acção numa flagelação.

Por agora fico-me por aqui, lembrando que havia uma igreja na Base que permitia pedir a Deus Nosso Senhor que não deixasse vir um ataque aéreo do Insidioso e Maldoso IN...

21 de fevereiro de 2024 às 10:38 (**)


(...) Das 3 baterias eram duas ligeiras e uma pesada: a BAA 3381 que acabou por ficar num quartel novo em Bor, construído de raíz. Tinha 4 peças de calibre 9,4 cm, (como as que defendiam Londres durante a II Guerra Mundial ) um radar de tiro MK VII que dava (daria) pontaria às peças através de um preditor (computador, diríamos hoje) mas que tinha como velocidade de cálculo máxima 10 seg. 

Estas peças podiam fazer fogo terrestre (bater a zona). Recordo-me de ter participado numa regulação de tiro com observação aérea.

Tenho uma espécie de história da unidade desta bateria.

Como complemento recordo-me de ter conversado com o falecido ten cor pilav Almeida e Brito que tinha uma opinião pior do que a minha. Para mim,  teríamos um "ataque à PAIGC",  levado a efeito com um excedente de uma guerra como a da Coreia,  feita com aviões que até voavam (MiG 15) e pilotados por um internacionalista qualquer. Para o ten cor  poderia ser algo de mais evoluído e com resultados.  (***)

PS - Vou voltar a este tema


______________

Notas do editor:

(*) Vd. 21 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25192: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte V: E se o aeroporto de Bissalanca e a cidade de Bissau fossem alvo de um ataque aéreo ? Em 23 de fevereiro de 1974 foi considerado inoperacional o material de deteção de alvos e de tiro...

(**) Último poste da série > 11 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 – P25159: (Ex)citações (427): Pequeno texto referenciado no meu livro “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL – GUINÉ/BISSAU 1973/1974" (José Saúde)

(***) Vd. postes de

6 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15077: FAP (84): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte I

7 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15079: FAP (85): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte II

8 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15085: FAP (86): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte III 

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25102: Memórias cruzadas: o que o PAIGC sabia sobre Bissau, em 1969: (i) o "ataque" a Bissalanca em 19/2/1968; (ii) a carestia de bens essenciais como o arroz; (iii) a discriminação da população local no acesso aos cuidados de saúde; (iv) casos de violência verbal e física contra civis...


Vasco Cabral, membro do "bureau" político do PAIGC.
aqui em missão no exterior. Foto, s/d, s/l, cortesia do portal
Casa Comum >Arquivo Amilcar Cabral.
(Reeditada pelo Blogue Luís Graça
& Camaradas da Guiné, 2024)

1. É sempre interessante conhecer o que é que, numa guerra, os contendores sabem (e/ou pensam) uns sobre os outros... Mesmo quando a guerra acabou há muito, como foi o caso da guerra na Guiné (1961/74)... Daí esta série "Memórias cruzadas"...

As Forças Armadas Portugueses tinham as suas próprias fontes de informação: os serviços de informação militares p.d., a PIDE, a administração civil, os prisioneiros, os desertores, os gilas, etc. 

O PAIGC tinha também, embora mais elementares, os seus próprios serviços de recolha e tratamento de informação, quer de natureza política quer militar, a começar pelos seus próprios combatentes, e outros, incluindo os gilas (que atravessavam as fronteiras e faziam jogo duplo), os seus simpatizantes e militantes civis em Bissau e no mato, etc.  

Muitas das informações que o seu quartel-general recebia era grosseiras, pouco ou nada válidas em fiáveis,  porque a "ideologia" aldrava a "realidade": na ânsia de mostrar resultados no campo de batalha, comandantes e comissários políticos das FAPLA acrescentavam sempre muitos pontos aos seus contos... Mas, se calhar, era isso que os "Cabrais" (o Amílcar, o Luís, o Vasco, o Fidelis...) gostavam de ouvir...lá no bem-bom de Conacri. 

O documento que abaixo se reproduz,  é um exemplo das informações em bruto, que chegavam a Conacri, onde o PAIGC tinha o seu "quartel-general" e a sua "inteligentsia"...

Vasco Cabral (Farim, 1926 - Bissau, 2005) foi um dos mais qualificados quadros dirigentes do "Partido". (Não tinha qualquer relação de parentesco com o líder histórico do PAIGC, embora também fosse de origem cabo-verdiana ). Estudou em Portugal (licenciou-se em Ciências Económico-Finaneiras, pelo ISCEF/UTL),  apoiou a candidatura de Norton de Matos à Presidência da República em 1949, enquanto membro do MUD Juvenil, lutou contra o Estado Novo-

Não há muita informação (independente) sobre a sua biografia: foi preso político em Portugal, entre 1953/1954 e 1959, até que, já na clandestinidade, conseguiu fugir, em 1962, de barco até Tânger (cidade já itegrada, desde 1956, na soberania marroquina), juntamente com Agostinho Neto, com a ajuda (dizem)  do PCP - Partido Comunista Português. 

A partir daqui a sua história mistura-se com a de outros dirigentes (políticos) do PAIGC. Escapou à morte no atentado que tirou a vida a Amílcar Cabral.  Pertenceu ao "bureau" político e exerceu funções governativas depois da independência. Não se opôs ao "golpe de Estado" do 'Nino' Vieira, de 14 de novembro de 1980. Foi também escritor e poeta. E tem, juntamente, com Amílcar Cabral a melhor caligrafia de todos os dirigentes do PAIGC, a avaliar por esta amostra manuscrita que aqui hoje publicamos.

Não sabemos exatamente  onde decorreu esta "audição de camaradas fugidos de Bubaque" (sic), transcrita por Vasco Cabral em 5/12/1969 (*). Tudo indica que tenha sido em Conacri. Os três "camaradas", provavelmente de etnia bijagó (tal  como o Inocêncio Kani, o carrasco do Amílcar Cabral), eram o Marcelino Banca, o Marcos da Silva e o José Albino Sonda.  (Não parecem ter deixado "peugadas" na história do PAIGC...).

Vasco Cabral destaca o M.S. (Marcos da Silva) como informante priveligiado, que mostra conhecer razoavelmente Bissau (cidade que, ao tempo,  o Vasco Cabral já não devia cohecer de todo):

(i) fala, embora de maneira fantasiosa e propagandística, sobre a flagelação a Bissalanca, em 19 de fevereiro de 1968, quando um pequeno grupo, comandado por André Pedro Gomes e Joaquim N’Com,  fez uma incursão noturna na área de Bissau, atacando a BA 12 com tiros de morteiro e armas ligeiras; esta ação, embora audaciosa mas de alcance limitado, foi habilmente explorada por Amílcar Cabral para mostrar, sobretudo no exterior, a sua  capacidade para desferir ataques nos prósprios santuários do inimigo, neste caso a capital;

(ii) indica a localização dos principais quartéis em Bissau, Bissalanca e Brá, coisa que não era nenhum segredo militar, sendo conhecida de toda a gente; referência a um alegado "paiol da pólvora", a 800 metros abaixo do QG (Santa Luzia), de que nunca ouvimos falar;

(iii) refere o problema dos preços e do alegado racionamento de alguns bens essenciais como o arroz e o açúcar: já no meu tempo, em meados de 1969, em Bambadinca, o preço do arroz (comprado pela população) andava  à volta dos 6$00; o pré dos nossos soldados guineenses (600$00 + a diária para a alimentação, sendo desarranchados, 24$50) dava para eles compraram 2 sacos de 100 quilos de arroz (com que se podia alimentar uma família extensa e numerosa);

(iv) enfim, denuncia alguns casos (que naturalmente terão existido, pontuais)  de violência física e verbal contra a população civil de Bissau, já no tempo de Spínola...

Vamos lá a ver se há leitores que queiram cruzar,  com estas, as suas memórias de Bissau daquele tempo (1968/69).



ORGANIZAÇÃO, FORMAÇÃO POLÍTICA E IDEOLÓGICA
5-12-69

Audição de camaradas fugidos de Bubaque [folhas nºs, 13-16 ] 

(A láspis, no alto da folha nº 1, está escrito: "Informações recolhidas pelo camarada Vasco Cabral")

M.S.  [Marcos da Silva ]  - Depois do ataque do Partido a Bissau,  
[em fevereiro do ano passado,
muitos africnos em Bissau ficaram contentes com isso. Os colonialis-
tas reagiram violentamente no dia seguinte atacando algumas taban-
cas mais próximas do campo de aviação como as tabancas de Bis-
salanca e de Plaque. Fizeram-lhes de madrugada uma emboscada, 
tendo matado algumas pessoas, ferido outras, e prendido toda a popu-
lação restante. Mais tarde,vieram a soltar alguns presos, mas outros fi-
caram presos até lá até agora.

A partir desse ataque os tugas tomaram outras medidas: reforçaram
a vigilância; agora, a partir das 6h da tarde, dirigem-se para o cam-  



po de aviação 4 ou 5 camiões grandes Unimog 
[no original, Hanomag], 
 [cheios de soldados
e vigiam o campo até de manhã. De vez em quando efectuam bombar-
deamentos pelas redondezas. Minaram as imediações do campo. Puseram 
à volta do campo 2 filas de arame farpado que deve ser electrifica-
do, pois puseram avisos em que se diz: "Perigo de alta tensão!" - avis-
ando o povo para se manter afastado.

Com o ataque que se fez, ficaram destruídos aviões, hangares 
 [angares, no original]  uma parte 
importante da Central Elétrica, o que ocasionou falta de luz durante
1 dia.

A população de Bissau não se deixa influenciar pela popaganda do 
tuga de uma Guiné Melhor. Dizem que o Spínola segue uma política por


causa da guerra, mas sabem que a guerra não vai acabar,

Há em Bissau milhares de soldados. À  [há, no original] volta de Bissau  há
7 quartéis: o Quartel-General que está em Santa Luzia; há
uns 800 metros mais abaixo o Paiol de pólvora;  há o quartel
da Amura; o Batalhão de Serviço de Material perto da Amura;  em
Brá há o Quartel de Engenharia; há também em Brá mais 
dois quartéis: o de Comandos e um outro de Adidos. Há ainda
o Quartel dos Fuzileiros, ligado à ponte de Pidgiguiti.

Perto do campo de aviação há ainda 2 quartéis: o dos Páras e outro
da Força Aérea. Estes 2 quartéis estão dentro da cercadura de arame
farpado.

= Há bichas em Bissau para a compra de arroz e de carne. Isto acontece du-


rante todo o ano. O preço do arroz varia com frequência. O ano passado vendia-
-se a 5$60 / kg., agora custa 6$90/kg. Há grande falta de açúcar.

Estabelecem às vezes para a venda do arroz um contingente máximo de venda   
[avulsa
de 1 kg. Também para o açúcar estabelecem 250 gramas, por pessoa.  Mas  
[açúcar
falta âs vezes durante 15 dias ou mais.


Há dificuldades sanitárias grandes: em 1º lugar , às consultas; fazem-
se bichas para as consultas e há muita gente que não é atendida, às vezes
durante 1 mês; em 2º lugar quanto a medicamentos que faltam em grande
quantidade. Afirmam que os medicamenmtos são só para os militares.

Não há bichas para os europeus civis, é só para os africanos.

Também qanto às outras bichas, são só para os africanos, uma única


excepção do Serviço dos Correios, onde os europeus também entram nas bichas.

= Coisas que os soldados tugas dizem dos africanos abertamemte nas
ruas: "Barrote queimado", "saco de carvão", "nharro", "negro",
nas suas relações com os africanos.

De vez em quando os fuzileiros liquidam africanos. No Alto Crim
este ano mataram 4 mulheres, uma rapaz em Santa Luzia, 3 pessoas
(2 rapazes e 1 rapariga) na Avenida Gago Coutinho. Para isso fazem
provocações.

Este ano a 2 de Novembro houve um incidente no Alto Crim entre 
um fuzileiro e um rapaz africano. Este agrediu o fuzileiro. Então.
ele queixou-se no quartel dizendo que um terrorista o agredira. Mais



tarde mandaram do quartel um pelotão de soldados que incendiou
casas, bateram em várias pessoas e feriram outras.

Ha frequentemente incidentes entre a população e a tropa colonialista.
Há habitualmenmte cenas com as raparigas africanas que passam nas
ruas. Os soldados tentam beijá-las, como elas reagem, às vezes, batem-
-lhes. Quando os africanos se dirigem à Polícia, para se queixarem
de certos abusos dos europeus, a Polícia não liga, não toma nenhumas medidas.

= É proibido ouvir-se a nossa Rádio em Bissau. Mas há muita gente
que ouve. Um tio do camarada Conrado foi preso por estar a ouvir
a nossa Rádio, em Julho deste ano. Ainda está preso por isso.


Foram ouvidos os seguintes camaradas:
- Marcelino Banca
- Marcos da Silva
- José Albino Sonda

(Seleção, transcrição, fixação / revisão de texto, itálicos e negritos: LG. Observ: Mantivemos a ortografia usada por Vasco Cabral)
_________________

Citação:
(1969), "Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41391 (2024-1-16) (Com a devida vénia...)

Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07073.128.006 | 
Título: Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós. | Assunto: Informações de carácter militar, extraídas da audição com os "camaradas" vindos dos Bijagós, sobre Soga, Bubaque, Formosa, Uno, Caravela, Orango, Orangozinho, Canhabaque, Galinhas e Uracane. Organização e formação política e ideológica dos Bijagós, manuscritos por Vasco Cabral. | Data: Terça, 2 de Dezembro de 1969 | Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios 1965-1969. | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Documentos.
___________

Nota do editor:

(*)Vd. último poste da série > 16 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25076: Memórias cruzadas: o que o PAIGC sabia sobre Bubaque, em 1969... "O antigo governador Schulz ia lá de vez em quando, com outros militares e algumas mulheres. O atual governador nunca lá esteve morado. Foi só visitar."...

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25012: Notas de leitura (1653): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Este texto permite uma grande angular sobre o período de 1966/1967, finalmente Schulz dispõe de meios aéreos julgados suficientemente eficazes para travar a guerrilha, dá-se uma reorganização da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, o comando unificado é entregue ao coronel Abecasis, os meios aéreos trouxeram muito mais segurança à atividade operacional, abonam os diferentes testemunhos; acontece, porém, que a atividade da guerrilha intensificou-se, houve reorganização do PAIGC e das FARP e em igual período a atividade da insurgência não só se intensificou como alargou o seu espaço de ação. Há também testemunhos de que o helicanhão deixou inicialmente a atividade da guerrilha atemorizada, foi forçada a adaptações táticas.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Recapitulando a matéria deste primeiro capítulo, os autores recordaram as grandes dificuldades sentidas em encontrar diferentes tipos de aeronaves à altura das necessidades do território e da natureza da guerrilha guineense. Entendeu o Comando-Chefe, nos finais de 1966, que as principais dificuldades estavam supridas, o Fiat e o Alouette III, também adaptado a helicanhão, iriam fazer recuar a guerrilha. É neste contexto que se dá a remodelação no comando da Zona Aérea da Guiné, fundem-se os Comandos desta e da Base Aérea 12, com o estabelecimento do Centro Conjunto do Apoio Aéreo, é este o final do capítulo I.

Entre as primeiras ações do Coronel Abecasis como Comandante da Zona Aérea e da Base Aérea 12, criou-se o Centro Conjunto de Apoio Aéreo como autoridade de controlo orientada para operações aéreas táticas e operações de apoio às forças de superfície, ficou localizada em Bissalanca e tinha o indicativo de Marte, o Deus grego da guerra. Este Centro Conjunto foi responsável por priorizar as solicitações de apoio aéreo, atribuindo às aeronaves o cumprimento de solicitações que aprovava, gerindo também as conexões de comunicação indispensáveis. Esta organização foi essencial para planear, programar e potenciar com responsabilidade os meios aéreos, conclui o historiador da FAP Luís Alves de Fraga. Criou-se em Nova Lamego a secção conjunta de apoio aéreo para agilizar operações no setor Leste. Ao ligar-se o Centro Conjunto e as forças apoiadas, a aeronaves como DO-27 passaram a ser utilizadas como postos de comando volante, sobrevoando as áreas de operações e fornecendo uma visão tática às forças em intervenção na superfície, e fazendo de elo de comunicação entre as unidades terrestre e os meios de apoio aéreo. 115 aeronaves utilizavam rádio no PCV, ajustando as frequências e assim facilitando a rapidez no apoio aéreo. Apesar das incompatibilidades entre os recursos terrestres e os aéreos quanto a equipamentos de rádio, as forças portuguesas conseguiram um nível satisfatório de comunicações táticas mediante arranjos, garantindo apoio de fogo, reabastecimento de emergência ou evacuação de feridos em tempos que podiam chegar a 20 minutos. O Coronel Abecasis também orientou a criação de um Centro de Campanha de Exploração Fotográfica, sediado na Base Aérea 12, no outono de 1966.

Apesar da variedade de equipamento fotográfico utilizado durante as missões de reconhecimento – câmaras portáteis transportadas a bordo de aeronaves leves. O Centro de Campanha de Exploração Fotográfica desenvolveu uma “capacidade notável” para interpretar imagens pontuais, analisar fotografias e organizar conjuntos de imagens detalhadas dos objetivos visados para as operações. No final de 1966, a FAP tinha instalado uma frota de 50 aeronaves na Base Aérea, complementada por vários campos auxiliares, apoiada por uma estrutura de comando e controlo mais eficiente. O contingente da FAP na Guiné parecia capaz de poder intervir em todas as funções operacionais relevantes, dispunha da sua própria “infantaria”, os paraquedistas. A capacidade de desempenho da Zona Aérea ganhara muito com o G.21 e o Alouette III. Tudo parecia, depois de quatro anos de intensa luta de guerrilhas, que as Forças Armadas estavam em condições de contrariar a insurgência na Guiné.


********************

Capítulo 2: Eles não conseguiram parar a nossa luta

“Os criminosos colonialistas utilizaram aviões a jato, helicópteros modernos, bombas de fragmentação, bombas napalm e de fósforo, [mas] não conseguiram travar a nossa luta. No entanto, conseguiram aumentar ainda mais o ódio do nosso povo ao domínio colonial português.” (Amílcar Cabral, 2 de janeiro de 1968)

O PAIGC, tal como o seu inimigo português, estava a viver um período de crescimento e reorganização. Em 1966, o movimento nacionalista evoluiu para uma insurgência generalizada que ameaçava de forma credível o controlo sobre grande parte do território, se bem que mantivesse a estrutura militar adotada no Congresso de Cassacá, 1964, estrutura que incorporava o Exército Popular, a Guerrilha Popular e a Milícia Popular. O seu conjunto compunha as FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo). Em novembro de 1966, houve restruturação do PAIGC e das FARP, estabeleceu-se um Conselho de Guerra no nível mais alto do partido, afastou-se a milícia da cadeia de comandos das FARP. Através do Conselho de Guerra, as FARP dirigiam o Exército Popular e a Guerrilha nos níveis de Frente, Região e Setor, enquanto as Milícias passaram a ficar subordinadas ao Bureau Político, através de uma hierarquia geográfica semelhante. O Bureau Político manteve a supervisão das FARP através de comissários que exerciam uma autoridade operacional através de um arranjo de vice-comando.

A componente militar regular do PAIGC, o Exército Popular, tinha um efetivo aproximado de 3000 combatentes a tempo cheio, operando dentro da Guiné Portuguesa ou ocupando santuários transfronteiriços para formação, recuperação ou reabastecimento. Eram forças organizadas em grupos de 22 a 24 pessoas, geralmente combinadas e empregadas como bigrupos, com o dobro desse tamanho. Quando reforçados por exigência de equipamento pesado ou atividade de pessoas especializado, os bigrupos podiam chegar a 66 combatentes. As unidades irregulares da Guerrilha Popular tinham um efetivo superior a 6000 combatentes adicionados ao quadro miltiar do PAIGC, tinham funções de mão de obra, com funções defensivas, mas disponíveis para reforçar as operações de grande dimensão. No total, as Forças Armadas Portuguesas na Guiné enfrentavam até 1000 oponentes armados, excluindo as milícias, que cada ano que passava estavam mais bem treinadas e equipadas.

No plano militar do PAIGC para 1966-67, o secretário-geral e líder-estratega, Amílcar Cabral, anunciou que estas forças iriam “intensificar, desenvolver e estender a luta por todo o país” para “forçar o inimigo a lutar em toda a parte.” Com o objetivo de espalhar a rebelião, o PAIGC estabeleceu três Inter-Regiões (Norte, Sul e Leste) divididas em 13 regiões e 32 zonas ou setores. Cada Inter-Região tinha, pelo menos, um bigrupo do Exército Popular e 250 guerrilheiros, com unidades adicionais atribuídas a nível regional ou de “Frente”. A cada setor foi atribuído artilharia (canhão sem recuo e morteiros), sapadores e/ou metralhadores antiaéreas de acordo com as condições táticas ou o planeamento operacional.

As intenções estratégicas de Cabral tornaram-se rapidamente evidentes para os comandantes portugueses. As principais áreas de preocupação para as forças militares portuguesas incluíam o Oio, zona do noroeste da Guiné, a região central de Xime-Xitole, o litoral sul e as três “áreas de base” centrais do PAIGC no Morés, Injassane e Cafal. Havia também a preocupação com a capacidade do PAIGC em infiltrar pessoal e material através de corredores, facilidade essa que permitiu aos rebeldes lançar operações de “grande intensificação da ação militar”, isto no final da primavera e do verão de 1966, procurando interromper linhas de comunicações e flagelando as forças portuguesas no Oeste e no Sul, particularmente. No Sul da Guiné, na Península de Quitafine, tinham aumentado as defesas antiaéreas, o que dificultavam os esforços da Zona Aérea para proteger os postos avançados sitiados, o que levou a que o chefe de Estado-Maior do exército expressasse a sua preocupação de que houvesse guarnições que corressem o risco de serem tomadas pelo PAIGC. O número médio mensal das atividades do PAIGC quase triplicou, chegando a 293 flagelações e outros atos hostis em maio de 1966.

O ritmo acelerado da insurgência refletiu-se num aumento de baixas – cresceram de 258 mortos e feridos em 1963 para 1226 em 1966.
Um T-6 Harvard francês usado na guerra da Argélia e, mais tarde, vendido a Portugal (EALA/ECPAD)
Um Alouette III com um canhão Matra MG151 instalado na porta lateral do Alouette III (Coleção Costa Neves)
Outra perspetiva do canhão (Coleção Serrano Rosa)
Os Alouette III em linha, na Base Aérea 12 (Coleção Alberto Cruz)
Os Fiat (os “Tigres”) estavam integrados na Esquadra 121 conjuntamente com os T-6 e os Do-27 (Coleção Alberto Cruz)
Organograma da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (novembro de 1966)
Forças do Exército Popular em patrulhamento (Reg Lancaster/Express Hulton Archive/Getty Images)
Milícia popular em vigilância num posto avançado rebelde, perto de Cacine (UPI)
Amílcar Cabral, o carismático Secretário-Geral do PAIGC (Ben Martin/Getty Images)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 22 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24987: Notas de leitura (1651): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25000: Notas de leitura (1652): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24987: Notas de leitura (1651): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Os autores descrevem a viragem introduzida pelo Fiat e pelo Alouette III sobretudo na vida operacional. O texto é minucioso sobre a natureza dos armamentos usados e das alterações registadas em 1966 na reorganização de Bissalanca, relevam igualmente o acréscimo trazido ao poder operacional pelas forças paraquedistas que irão em 1970 conhecer modificações, quando o BCP12 se transformou na CCP121, 122 e 123. O poder bélico intensificou-se mas concomitantemente cresceu a área de intervenção do PAIGC, operando densamente no Sul, no Corubal, no Boé, na região do Morés, fortalecendo-se nas regiões transfronteiriças do Senegal e Guiné-Conacri. Mas em 1966, ainda havia a esperança no comando-chefe que as novas potencialidades de meios aéreos iriam desencadear o recuo do PAIGC, o que de modo algum aconteceu.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Como se fez referência no texto anterior, o equipamento aéreo da Guiné vai conhecer em 1966 uma alteração de tomo: chegou um caça que se irá tornar temível e prontamente colaborantes nas atividades operacionais e de bombardeamento, o Fiat, e o helicóptero Alouette III, de maior capacidade que o seu antecessor, que se irá revelar altamente prestante na atividade operacional, na evacuação de feridos e nos mais diferentes tipos de transporte.

Oficiais portugueses observadores das operações argelinas, durante o final da década de 1950, depuseram que “a utilização de helicópteros no caso particular da guerra subversiva, oferece excecionais possibilidades. Isto era especialmente verdade nas operações de assalto, ofereciam às tropas francesas surpresa e superioridade e mobilidade no combate face a um adversário que operava num terreno praticamente inacessível.”

Todos estes depoimentos motivaram o General Venâncio Deslandes, do Secretariado-Geral para a Defesa Nacional a recomendar o emprego de helicópteros nas forças de intervenção, logo em 1963. Como se referiu anteriormente, o Alouette III só apareceu em novembro de 1965, chegaram a Bissalanca seis de uma encomenda de 21 helicópteros. Foi momento afortunado, concomitantemente chegaram os G.91 e entraram também ao serviço. Como observou o historiador militar Luís Alves Fraga, a conjugação destes dois meios aéreos garantia precisão quando havia limitações de tempo, ganhava-se no efeito surpresa, bombardeava-se por um lado e os helicópteros depositavam ou recolhiam as tropas envolvidas na operação. Com um alto grau de sincronização, o desembarque de forças operacionais era precedido pro um ataque de Fiat e/ou T-6, de maneira que a última bomba a cair no solo explodia imediatamente antes do primeiro homem saltar do helicóptero, era assim que se procurava manter o inimigo paralisado e garantir a proteção à força atacante.

Muitas vezes era indispensável uma proteção adicional. Os helicópteros eram alvos tentadores para o fogo dos guerrilheiros, especialmente durante o pouso e desembarque, era um momento de maior vulnerabilidade para as nossas forças operacionais, como lembrou o general aposentado António Bispo, lembrando que em 30 de março de 1966, um helicóptero fora imobilizado pelo fogo inimigo durante a Operação Narceja. A Zona Aérea procurou os meios de conjugar vigilância e apoio de fogo durante as operações aerotransportadas. Inicialmente, militares armados com espingardas de caça foram colocados a bordo de alguns helicópteros para fazer fogo supressivo. Nenhum expediente se mostrou suficientemente dissuasor, houve testes iniciais com a metralhadora MG-42 montada em tripé, rapidamente se abandonou o seu uso pelo difícil manuseio da arma e pela trajetória irregular do fogo; montou-se depois uma Browining M3 na porta lateral do Alouette III, mostrou-se inconveniente devido ao tamanho da arma, ao seu peso e às vibrações durante os disparos. Encontrou-se finalmente uma resposta instalando um canhão montado num sistema giratório na porta do helicóptero. Em 1965-1966, a FAP testou o canhão Matra MG-151 20mm no campo de tiro de Alcochete, os resultados foram satisfatórios e em dezembro de 1966 chegaram a Bissalanca os primeiros canhões MG-151. O emparelhamento destas armas com o Alouette III resultou no helicanhão, conhecido na gíria como lobo mau. Alimentado por dois cintos de munição de 200 cartuchos e disparando munições altamente explosivas ou incendiárias em grande quantidade por minuto, revelou-se “uma arma de extraordinária eficácia”, como contou o veterano da Guiné, General José Brochado de Miranda. Embora os canhões e a suas munições reduzissem a quantidade de carga do Alouette III, o emprego do helicanhão revelou-se determinante nas fases mais delicadas de operações de assalto com helicópteros.

A crescente frota de helicópteros Alouette III também passou a realizar as missões de apoio anteriormente operadas pelo Alouette II: transporte, observação e evacuação de feridos. “Milhares de vidas foram salvas pelos esforços abnegados de centenas de pilotos e tripulantes, com risco de vida e muitas vezes sob fogo inimigo, tudo para salvar a vida dos outros. Na Zona Aérea, os Alouette III transportaram mais de mil vítimas em missões de evacuação em 1967 e 1968, o que representou 37% de todas as evacuações realizadas neste período, aliviando os DO-27. Apenas o Alouette III poderias resgatar o pessoal ferido em zonas de combate em áreas inacessíveis. A integração dos Alouette III e dos G.21 coincidiu com mudanças organizacionais importantes na Base Aérea 12, a principal instalação da FAP na Guiné e sede da Zona Aérea. Anteriormente conhecida como Aeródromo-Base 2, a expansão contínua que vinha ocorrendo desde 1961 resultou na redesignação de Bissalanca como principal base nacional em maio de 1965. A Esquadra Operacional também teve um crescimento significativo tornando-se no Grupo Operacional 1201 composto por três esquadras: Esquadra 121, responsável pelo ataque, apoio de fogo, comando e controlo aerotransportado, eram os Fiats (os Tigres), os T-6 (Roncos) e DO-27 (Cafeteiras); Esquadra 122, incorporando todos os helicópteros, tanto os desarmados (os Canibais) como os apetrechados com canhões (Lobo Mau); a Esquadra 123, destinado ao transporte aéreo, observação e ligação com a legenda “Tudo Alcança”, composto por Dakotas".

Os Fiat e os Alouette III eram informalmente agrupados em esquadras de intervenção que se ativavam para apoiar operações aerotransportadas, que começaram a aumentar em frequência a partir de 1966. Para equipar adequadamente estas operações aerotransportadas, a FAP enviou paraquedistas adicionais. Em 1963 havia um único pelotão de paraquedistas, esse número foi crescendo nos anos subsequentes, primeiro uma companhia, depois um batalhão. Em 20 de outubro de 1966 foi criado o Batalhão de Caçadores Paraquedistas 12 e em julho de 1970 este batalhão passou a ter três Companhias de Caçadores Paraquedistas; CCP 121, 122 e 123. O helicóptero continua a ser o “principal veículo de ataque principal”. Deu-se outra mudança na aviação militar portuguesa na Guiné: a fusão dos Comandos da Zona Aérea e da Base Aérea 12 em Bissalanca, que anteriormente tinha dois oficiais distintos, o que se revelou suscetível de atritos. O Coronel Abecasis criticou especialmente “a incompetência dos sucessivos comandantes da Zona sem qualquer serviço anterior no voo, esquadrão ou ao nível de operações”, que inevitavelmente tentaram esconder a sua competência intrometendo-se constantemente nos assuntos da unidade, coisa que devia ficar ao cuidado dos seus subordinados. “Vítimas de uma mistura de vaidade e rancor” concluiu ele, tais comandantes “foram a origem do mal-estar e dos problemas supérfluos”. Após a redesignação de Bissalanca como Base Aérea 12, as funções da Zona Aérea combinaram-se com o Comando da Base, e Abecasis assumiu o Comando em junho de 1965.
Fiat da Esquadra 121, maio de 1966 (Arquivo Histórica da Força Aérea)
Raio de ação do G.91 (Matthew Hurley, baseado no Secretariado-Geral da Defesa Nacional), novembro de 1967
O número de operações do G.91 esteve restringido devido a numerosas questões técnicas e logísticas durante os primeiros cinco meses de serviço na Guiné (Arquivo Histórico da Força Aérea)
O Fiat e o diferente tipo de munições que podia utilizar (Coleção Egílio Lopes)
Material de combate usado pelo G.91 (Matthew Hurley, baseado no “Relatório da missão à Alemanha relativa ao Projeto Feierbend”, março de 1966)

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 15 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24960: Notas de leitura (1649): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24971: Notas de leitura (1650): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24931: Notas de leitura (1647): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Quanto mais se aprofunda o caudal de acontecimentos ocorridos no tempo da governação Arnaldo Schulz mais cresce a convicção da injustiça que a historiografia comete observando infundada e repetidamente que tudo quanto se passou antes da chegada de Spínola foi um encadeado de negligências e decisões mal tomadas. Veja-se neste episódio que hoje ponho à vossa consideração as dificuldades em ter meios aéreos suficientemente capazes para fazer contraponto à intensidade da guerrilha: os nossos esperados aliados recusavam equipamento, era o seu modo de dizer que não contassem com eles para a nossa guerra em África; e a péssima relação estabelecida entre a retaguarda e a frente, nada a tempo e horas; e como os autores relevam, tudo se escrevia de Bissau para Lisboa, ninguém ignorava que tínhamos equipamentos obsoletos e que o PAIGC gradualmente nos ia passando a perna, até chegarmos aos dramas de 1973 e à incapacidade de resposta, basta recordar que não tínhamos arma compatível com o morteiro 120. Mas a historiografia mantém o mantra de que foi necessário chegar Spínola para pôr tudo em ordem...

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Contracapa do segundo volume

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Recapitulando as questões-chave enunciadas pelos autores no início da sua obra, torna-se evidente que tanto o Comandante-Chefe como o Comandante da Zona Aérea tinham a noção exata que nos meios aéreos postos à disposição da frente da Guiné eram poucos e de funcionamento deficiente, eles relevam a questão das peças de substituição que chegavam tardiamente, a despeito de pedidos sucessivos, e o exemplo mais flagrante é dado pelo Dakota, havia três, mas só um em pleno funcionamento. E a questão dos recursos humanos também se revelava crucial.

De 1966 a 1967, a Zona Aérea só podia contar com 40 pilotos para preencher 52 lugares na tripulação, e mesmo assim era uma melhoria significativa relativamente a 1963. “Dada a intensa atividade naquele teatro” informava Schulz o Ministro da Defesa, Manuel Gomes de Araújo, em março de 1967, “a falta de pilotos implica um desmesurado trabalho para os operacionais”. Esta escassez de pessoal devia-se a mau planeamento, cronogramas de rotação inoportunos e uma relutância geral entres os pilotos para se voluntariarem para o serviço na Guiné, tudo conjugado com más remunerações.

A Zona Aérea protestava sistematicamente com a falta de aeronaves adequadas. Os oficiais superiores queixavam-se repetidamente do escasso potencial de transporte de helicópteros, da falta de uma plataforma para ataque rápido, transporte aéreo inadequado para aquele teatro de operações e uma anémica capacidade de bombardeamento. A grave deficiência notada sobre as hélices foi resolvida com a introdução do helicóptero Alouette III, foram atribuídos à Zona Aérea, em março de 1966, em número de nove. No tocante ao transporte aéreo de asa fixa na Guiné, as forças portuguesas enfrentaram uma contradição operacional peculiar. O pequeno tamanho da Guiné, com a prevalência de florestas e pântanos, com fortes chuvas sazonais e inundações de marés, obrigavam as forças portuguesas a confiar nos meios aéreos, tanto para os transportes como para as operações. Na estimativa do Coronel Abecasis, o transporte aéreo era a única opção em 85% do território, a disponibilidade de meios existentes ficava aquém das necessidades, eram elementos que constaram do relatório do comandante militar em outubro de 1966, o que significava que as operações de reabastecimento não podiam ser realizadas com a devida oportunidade devido à falta de capacidade de transporte aéreo, o que exigia ao fretamento de aeronaves civis; na verdade, a Zona Aérea recrutava rotineiramente aviões dos Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa, até se ter encontrado uma solução com a compra de aeronaves de transporte Noratlas, mas só ficaram disponíveis a partir de 1971; por isso, as tropas portuguesas tinham que confiar na variedade de embarcações de carga, para além da imprescindível colaboração dos meios da Marinha.

Igualmente preocupante era o facto do C-47 Dakota ter recebido a tarefa adicional de colaborar em bombardeamentos. De 1965 a 1966, os três Dakotas, equipados com suporte de armas improvisados e uma mira rudimentar foram utilizados como bombardeiros noturnos em operações, como foi o caso da Operação Resgate de 1965. A despeito de todos os esforços, a escassez de opções para usar meios de ataque era notória. E esta deficiência tornou-se mais evidente quando forem retiradas duas aeronaves de patrulha marítima P2V-5 Neptune; estes aviões, também usados como bombardeiros improvisados voltaram para Portugal em 1966 por exigências norte-americanas. Para restaurar esta capacidade, Lisboa procurou adquirir 25 bombardeiros médios English Electric Canberra B.2, que o Governo britânico recusou vender quando Lisboa se recusou a garantir que os bombardeiros não seriam usados nos seus conflitos coloniais. Portugal procurou obter nos EUA 24 bombardeiros B-26 Invader, excedentes da Segunda Guerra Mundial, também Washington recusou devido às suas próprias restrições sobre a venda de armas em Lisboa. Procurou-se através de um fornecedor privado norte-americano comprar aeronaves, 7 D-26 foram entregues a Portugal, mas a operação foi interrompida pelas autoridades dos EUA, só 2 foram usados na Guiné e apenas durante escassos meses.

Em consequência desta incapacidade de adquirir bombardeiros médios, a Zona Aérea ficou dependente de caças táticos e aeronaves de ataque ligeiro no seu esforço ofensivo, a questão mais aguda que se punha no início de 1966 era a falta de uma plataforma de jatos para ataques rápidos. No início da guerra, três anos antes, o Comando Aéreo pôde empregar até 8 caças F-86F Sabre e T-6 Texan, mas em 1964 venceu a pressão norte-americana para retirar os F-86F, o que deixou o lento e antiquado T-6 como o único recurso de ataque rápido ao dispor da Zona Aérea, Schulz tinha a noção da importância do Comando Aéreo na sua estratégia, nomeadamente a capacidade da FAP a fornecer apoio de fogo às forças de superfície, ele concordava com os comandantes aéreos que os T-6, por si só, eram insuficientes para estas missões. O T-6 teve a sua origem na década de 1930, não foram concebidos como aviões de guerra, não tinham a blindagem, tanques de combustível autovedantes e outras características de aeronaves de combate. Em 1964, já se reconhecia que os T-6 se revelavam cada vez mais vulneráveis face à melhoria constante dos dispositivos antiaéreos do inimigo, como Schulz revelou ao Ministro da Defesa, Gomes de Araújo.

Os pilotos portugueses reclamavam quanto às metralhadoras do T-6 que frequentemente ficavam encravadas devido à idade e ao desgaste, isto enquanto o inimigo, conhecedor da velocidade lenta da aeronave barulhenta, sabia como quebrar o contacto com as nossas forças antes dos T-6 chegarem ao local. No outono de 1966 limitava-se a utilização do T-6 em missões de escolta, dando apoio às colunas terrestres e ao tráfego fluvial, faltava uma aeronave adequada para fazer temer o PAIGC nas emboscadas e outros ataques de bate e foge.

Para resolver a lacuna na capacidade ofensiva, procurou-se adquirir variantes de F-86, construídas no Canadá. A Luftwaffe, da Alemanha Ocidental, tinha recentemente retirado a Canadair CL-13 Sabre Mk.6 substituindo-os por F-104. Ciente destas conversações, Washington mostrou-se inflexível e fez de lobby para impedir o seu uso na África portuguesa, e mesmo o Canadá manifestava relutância em satisfazer o pedido português: o Canadá recusou a venda apesar das garantias portuguesas que a aeronave “deveria ser utilizada em território português e estrita e exclusivamente em missões defensivas”. Ainda se pensou em afetar à Base de Bissalanca os F-86 sediados em Monte Real, mas considerou-se que tal medida abriria hostilidades com os EUA. A FAP procurou recorrer novamente à República Federal da Alemanha para remediar o seu défice de caças de ataque. Como parte de um acordo com Bonn, Lisboa negociou o uso da Base Aérea n.º 11 (Beja) à Luftwaffe. Adicionalmente, foi proposta a compra de novos caças leves Fiat G.91-R4 fabricados sob licença na Alemanha Ocidental. Tratava-se de uma aeronave originalmente destinada para a Grécia e a Turquia, fora rejeitada por essas nações que preferiam o design norte-americano, e foram oferecidos a Portugal a um preço vantajoso, acordado em 8 de outubro de 1965. Como parte do esforço de aquisição, denominado Projeto Feierabend, nove pilotos da FAP e um contingente de pessoal de manutenção foram tirar um curso na Alemanha, antes da chegada dos primeiros oito G.91. No final de março de 1966, as primeiras quatro aeronaves mandadas chegaram à Guiné por mar, e o no dia 6 de maio, o Tenente-Coronel Hugo Damásio testou o primeiro Fiat na Base Aérea n.º 12. Em meados do verão, 7 G.91 estavam já montados e um oitavo ficou ao serviço em novembro.

General Venâncio Deslandes, secretário-adjunto do secretário-geral da Defesa Nacional, ao tempo (Arquivo do Ministério da Defesa)
Espaldões da Base Aérea N.º 12 (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Vista aérea da Base Aérea N.º 12 em meados da década de 1960 (Coleção de José Nico)
Um Noratlas pertencente à Esquadra 92 “Os Elefantes”, sediada em Angola (Coleção Chris England)
Um Dakota (Coleção Virgílio Teixeira)
Um P2V-5 Neptuno e um F-86 Sabre na Ilha de Sal, Cabo Verde (Coleção Touricas)

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 1 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24905: Notas de leitura (1640): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24930: Notas de leitura (1646): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte VI: A maioria dos colaboradores eram militares e administradores coloniais, além de escritores

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24905: Notas de leitura (1640): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Graças à disponibilidade do nosso confrade José Matos, que me facilitou uma cópia do segundo volume de o Santuário Perdido, inicia-se hoje, e com adaptação ou tradução livre o segundo volume, recentemente dado à estampa. Estamos em 1966, dá-se conta das tremendas dificuldades na operacionalidade da Força Aérea, o PAIGC alargou a sua área de atuação, crescem os efetivos das nossas Forças Armadas, numa tentativa de contrariar as hostilidades, as flagelações, a decomposição económica, a concentração das populações em destacamentos ou aldeamentos em autodefesa. Os autores, na introdução, contextualizam a situação militar e dão um quadro nada risonho do dispositivo da FAP. Como fizemos com o primeiro volume, vamos publicando em pequenas doses, até porque o livro de Hurley e Matos vem profusa e adequadamente ilustrado.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (1)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Contracapa do segundo volume
Texto da contracapa:

De 1963 a 1974, Portugal e os seus inimigos nacionalistas travaram uma guerra cada vez mais intensa pela independência da Guiné “portuguesa”, então uma colónia, hoje a República da Guiné-Bissau. Durante a maior parte do conflito, Portugal desfrutou de uma supremacia aérea praticamente incontestada e baseou cada vez mais a sua estratégia militar e o seu programa de pacificação política na singularidade desta vantagem. A Força Aérea Portuguesa (abreviadamente FAP) desempenhou de forma consequente um papel nevrálgico na guerra da Guiné. Com efeito, durante todo o conflito, a FAP – apesar dos muitos desafios que teve de enfrentar – provou ser o operacional militar mais eficaz e rápido contra o PAIGC, a força de guerrilha que lutava pela independência.

A guerra aérea pela Guiné representa um episódio notável na história do poder aéreo e por várias razões. Por exemplo, foi o primeiro conflito em que uma força de guerrilha utilizou misseis terra-ar. Além disso, o nível em que Portugal dependia do seu poder aéreo era tal que a sua neutralização contundente condenou a estratégia militar na região.

Em última análise, as perdas inesperadas da FAP em combate deram origem a uma cascata de efeitos que acabaram por mitigar a sua própria iniciativa operacional; a eficácia no campo de batalha das forças terrestres estava, até então, bastante dependente do apoio aéreo, era em si um apoio moral e psicológico e assegurava resiliência aos militares portugueses.

A guerra aérea na Guiné portuguesa representa assim uma ilustração convincente do valor – e das vulnerabilidades do poder aéreo, num contexto de guerra de guerrilhas, bem como dos impactos negativos que havia numa confiança excessiva na supremacia aérea.

Este é o segundo de três volumes da minissérie Santuário Perdido, examina a evolução do poder aéreo português e dos sistemas que a guerrilha instalou durante os anos mais ativos do conflito, isto à medida que ambos os lados procuravam meios e métodos para contrariar os esforços do outro. A obra está profusamente ilustrada com fotografias originais e inclui obras de arte a cores, especialmente encomendadas.
Índice
Abreviaturas
Hierarquia militar de oficiais e sargentos


Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

“O comando que me foi confiado não era ‘confortável’. Era necessário começar por reformar atitudes de espírito, lutar contra rotinas viciosas e criar uma máquina de guerra tão eficiente quanto possível, com os meios disponíveis.” (Coronel José Krus Abecasis, comandante da Zona Aérea da Guiné, 1965-67).

Em meados de 1966, a guerra na Guiné já estava no seu quarto ano e não alcançara os resultados previstos por Lisboa. Apesar do constante aumento de efetivos militares, após a eclosão da luta armada em janeiro de 1963, a guerrilha do PAIGC representava um desafio cada vez mais ousado ao domínio colonial português.

O PAIGC estava altamente motivado, habilmente liderado e cada vez mais bem armado. No verão de 1966 o PAIGC tinha recuperado das perdas sofridas durante as primeiras contraofensivas portuguesas e desencadeou uma contraofensiva de assédio militar a quartéis, destacamentos e aldeamentos em autovigilância, impôs perturbação económica em todo o território, contou com uma mobilização popular que se acolhia em áreas fronteiriças ou em determinados pontos dentro da colónia. Num relatório datado de julho desse ano, Arnaldo Schulz, governador e comandante-chefe das forças armadas na Guiné, escrevia num relatório que o inimigo persistia em ampliar as suas áreas de ação: “Não parece que lhe faltem recursos em termos de armas e munições e não há sinais de que a sua mão de obra se tenha reduzido.”

Nos dois anos anteriores, a atividade do PAIGC conhecera uma constante intensificação, especialmente no Sul, aí estava mais fortemente instalado e propagandeava o controlo de 50% de toda a Guiné. A pequena, inóspita e pobre de recursos Província Ultramarina era tida como o remanescente menos valioso do legado colonial de 500 anos de Portugal. Com efeito, desde a abolição do comércio atlântico de escravos, a Guiné tornara-se um défice permanente para o tesouro português, tinha apenas valor para um punhado de empresas que obtinham lucros com o cultivo do amendoim e do coconote. Apesar deste potencial económico anémico, e de haver um número insignificante de europeus ali a viver, o agravamento da situação representava a mais ameaça militar à continuação do domínio português no seu império, Arnaldo Schulz informou um oficial superior, em agosto de 1966, “se é verdade que a guerra do Ultramar não pode ser ganha na Guiné pode, por outro lado, ser completamente perdida lá.”

Para reprimir a luta armada em expansão, o efetivo das tropas mais que duplicou entre 1963 e 1966, passando de 9650 militares para 20.801, incluindo contingentes de forças especiais, como Comandos, Paraquedistas e Fuzileiros. As forças terrestres na Guiné, no entanto, sofriam de deficiências cronicas em preparação, equipamento e moral, comparativamente aos elementos da guerrilha, perfeitamente adaptados ao terreno e à vida no mato, bem adestrados para este tipo de guerra e dispondo de uma competente direção operacional, isto de acordo com uma avaliação feita em agosto de 1966 pelo general Venâncio Deslandes. Numa tentativa de corrigir este desequilíbrio, Deslandes considerava necessário criarem-se unidades especializadas de artilharia e impulsionar o rearmamento da Marinha, as embarcações navais deviam de expor de fogo intimidador e de apoio às forças terrestres; mas concluía a sua análise dizendo que “a forma mais simples e possivelmente mais rápida de atingir esse objetivo será o reforço do poder aéreo.”

O reforço aéreo iniciara-se em 1963, e daí a 1966 o número de aeronaves atribuídas à Guiné aumentou de 32 para 50. Número enganador, desmentido pelas deficiências sistemáticas que paralisavam a Força Aérea Portuguesa: escassez crónica de pilotos e pessoal de manutenção, insuficientes instalações de base e uma permanente falta de peças sobressalente e munições, isto de acordo com o coronel José Duarte Krus Abecasis, comandante da zona aérea de Cabo Verde e Guiné até janeiro de 1967. Havia escassez de motores para três aeronaves de transporte, os C-47 Dakota, apenas um estava operacional de forma confiável para operações em todo o país. Nesse ano de 1966 teve dificuldades de manutenção, com falhas mecânicas e escassez de peças que se refletiu na capacidade de a Força Aérea abastecer as forças terrestres. Depois de muitos protestos por parte dos oficiais da Força Aérea, a situação tendeu a melhorar no outono de 1967, mas sempre com incumprimentos. De acordo com o secretário-de-Estado para a Aeronáutica, Fernando Alberto de Oliveira, em 1968, “A Força Aérea não estava em condições de realizar regularmente todas as atividades de apoio que por leis lhes competia em exclusividade".

Os aeródromos e instalações conexas revelaram-se inadequados durante a primeira fase da guerra. A instalação principal da FAP e a sede da Zona Aérea em Bissalanca nem sequer fora designada como base aérea permanente, só o foi depois de maio de 1965, dois anos e meio após o início da luta; até então serviu como uma base de aeródromo de segundo nível. Mesmo quando mudou de nome para Base Aérea 12, necessitava de pessoal adequado, alojamento e abrigos para acomodar as novas aeronaves que chegavam ao longo de 1966. As defesas aéreas da base foram consideradas “irrelevantes” apesar do punhado de canhões obsoletos de 40 mm e 12,7 mm atribuídos ao único pelotão aéreo da BA12.
Instalações da Força Aérea Portuguesa na Guiné e Cabo Verde, 1961-1975 (Matthew M. Hurley)
Uma unidade do PAIGC no Sul da Guiné (Arquivo da Família Cristiana)
Arnaldo Schulz, governador e comandante-chefe das Forças Armadas, 1964 a 1968 (Coleção de José Matos)
Aquartelamento do Exército português (Coleção de José Matos)
Imagem com alguns meios navais utilizados na Guiné (Coleção Virgílio Teixeira)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24893: Notas de leitura (1639): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte I: a voz dos colonialistas republicanos nostálgicos e exilados