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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12620: Memória dos lugares (261): Bachile, 1973/74 (Duarte Cunha)


1. O nosso Camarada Duarte Manuel Sousa da Cunha, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 16 e 3ª CCAÇ do BART 6523 (Nova Lamego e Bachile) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta vez com algumas fotos do seu álbum de memórias do Bachile.



Camaradas, 

Hoje envio 8 fotografias são do Bachile, obtidas quando ali me encontrava colocado na CCAÇ 16, junto a Teixeira Pinto. 









Um abraço, camaradas,
Duarte Cunha
Alf Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 16 e 3ª CCAÇ do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________

Nota de M.R.: 

Último poste da série de 17 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12462: Memória dos lugares (260): A estrada Mansambo-Bambadinca, no tempo das chuvas: fotos falantes II, de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, 1968/69)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12293: Breve historial da madeirense CCAÇ 2446 (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 11 de Outubro de 2013:

Bom dia
Conforme explicação dada no próprio texto, segue a história da Companhia de Caçadores 2446, mais uma Companhia Madeirense, como tributo à memória de mais um dos nossos valentes enfermeiros, desta feita o Ângelo Jorge Conde Vitorino.

Bom fim de semana.
José Martins






sábado, 9 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11219: Memória dos lugares (223): Capó, na estrada Bachile-Cacheu. uma das estações do calvário da CCAÇ 2444: ali morreram em combate três camaradas açorianos em 6/2/1969, no mesmo dia da tragédia no Rio Corubal, no Cheche (João Rebola / J. C. Resendes Carreiro / Manuel Carvalho)



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Teixeira Pinto (1961) (Escala 1/50 mil) Posição relativa de Capó, na estrada entre Teixeira Pinto - Churobrique -Bachile - Capó - Cacheu.


1. João Rebola (, foto atual à esquerda):

(...)  Estava o Janeiro a terminar
Para o Cacheu fomos transferidos.
Continuámos a nossa epopeia
Com mortos e muitos feridos.

Dia 6, data fatídica, mês de Fevereiro,
Aziago e de muita má lembrança,
Que retirou do mundo algumas vidas
Plenas de vida e esperança.

Recordem, amigos, do local o seu nome
Que, de repente, desfez sonhos e não só
Deixando para sempre tristeza, luto e dor
Aquela operação insidiosa, em Capó. (...) (*)


Ao fim de 9 anos a blogar (mais de 11200 postes, 608 membros da Tabanca Grande, 40 mil comentários...) há lugares (ou topónimos) que ainda não constam da nossa lista, na coluna do lado esquerdo do blogue, como "marcadores"... Por exemplo, Capó, na estrada Bachilé-Cacheu, onde morreram 3 camaradas açorianos,  da CCAÇ 2444, em 6 de fevereiro de 1969, no mesmo dia, na travessia do Rio Corubal, em Cheche, sofreríamos 47 mortos, "por acidente"... (**)

Essa  longa lista do nosso martirológico guineense precisa de ser actualizada, de A a Z... De qualquer aqui vaio  mais um topónimo, Capó, de que poucos tinham ouvido falar até agora.  (***)

A morte destes três camaradas já aqui foi referida, através da transcrição de um artigo de opin

ião do ex-alf mil João Carlos Resendes Carreiro, pertencente à citada companhia, e ele próprio açoriano:

2. Homenagem a 3 militares mortos na Guiné a 6 de Fevereiro de 1969

06 Fevereiro 2009 [Opinião]


Correio dos Açores


Faz hoje 40 anos que numa emboscada na Guiné, morreram os militares, de saudosa memória, o furriel Manuel Carreiro (o Mani, filho do então Director do Diário dos Açores), o soldado José Aveiro (do Nordeste) e o soldado Manuel Almeida (o triclinas do Outeiro dos Arrifes). 


Eram 7 horas da manhã, a luz do dia já começava a aparecer, mas a densidade do nevoeiro (cacimbo) mal deixava ver as palmeiras e restante vegetação à nossa volta. 

Estávamos na zona de Capó, entre o Cacheu e Bachile, uma curva na estrada, com bolanha dos dois lados. Uma rajada de metralhadora deu cobertura à saída de uma bazucada que atingiu a zona do estômago do Mani, de uma maneira fatal. O tiroteio entretanto prosseguiu, a minha espingarda foi atingida de modo que o carregador ficou todo estilhaçado. O Graça, que ficou gravemente ferido, começou a gritar que tinha a perna despachada, quando levantei a cabeça, para ver o que se passava, uma rajada levantou o pó da estrada, qual cena do far west . 

O furriel Mani e o José Aveiro eram do pelotão que eu comandava, como alferes miliciano, faziam parte da 3.ª secção, que naquela hora estavam a passar para a frente. Quando o meu pelotão ia na frente rodávamos de 2 em 2 horas de secção, eu costumava ir na secção da frente, porém ainda não tinha dado tempo, eles ainda estavam a passar. 

Só me recordo de estar deitado na valeta da estrada, no meio do fumo da pólvora e cheiro a sangue que não vou esquecer nunca. 

Fizemos parte da CCAÇ 2444, “os coriscos”, estivemos na Guiné de 1968 e 1970. 

Passados 40 anos quero recordar aqui estes três jovens, de 22 anos, que deram a vida pela pátria, a 6 de Fevereiro de 1969, a cumprir o seu dever de cidadãos. Quando hoje exerço o direito à cidadania, faço-o com convicção, também pensando neles. 

O furriel Mani, o Mani, não era um militar, era um jovem bem formado, que à noite rezava o terço com os soldados da sua secção. Era um brincalhão, sempre alegre que fumava charutos e tentava viver um dia de cada vez. Nunca te vou esquecer, amigo! 

Tínhamos todos 22 anos, tão jovens, mas que adultos que éramos, assumíamos responsabilidades de gente adulta e madura.  Um dia ver-nos-emos, vocês não morreram, passaram a viver de outra maneira!

Um grande abraço para vocês!

Autor: João Carlos Resendes Carreiro



3. Explicações adicionais, dadasa pelo Manuel Carvalho  (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70) [, foto atual, à esquerda]:

(...) Em 6 de fevereiro de 1969,  começou a operação Aquiles Primeiro que se prolongou até 14 de fevereio. Logo no primeiro dia, 6 de fevereiro, a CCAÇ 2444 teve três mortos e um guia civil e três feridos e a CCAÇ 2446 teve um morto e um ferido e o Pel mil 130 quatro feridos. Ficou também ferido o alferes do Pel. Caç Nat 58 mais dois guias civis e um auxiliar.I sto logo no primeiro dia da operação.Pela nossa parte,  CCAÇ 2366,  julgo que tivemos um ferido e um dia apanhamos um RPG2 e três armas mas estávamos a ver que as munições não chegavam para abrir caminho para o quartel. Alguns de nós chegaram a Jolmete com meia dúzia de balas no carregador.Pois é, caro Rebola.  o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é Grande. Quem diria que as nossas companhias tinham andado na mesma operação. (...)
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P11209: Blogpoesia (324): Sinopse Lúdico-Histórica da CCAÇ 2444 (João Rebola)

(**) Essa trágica coincidência fez com que os 3 mortos da CCAÇ 2444, todos açorianos, em Capó, na região do Cacheum, tenham sido dados, originalmente, como desaparecido nas águas do Corubal, na região do Boé:

Vd. poste de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2819: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (4): 1968-1973 (Fim) (A. Marques Lopes):

(,...) Aqueles que nem no caixão regressaram - Parte IV (Final)

(Organização por ordem cronológica da data de morte: A. Marques Lopes, Cor DFA, Ref) (Continuação) (2)

[...] José Bento Pacheco Aveiro, Soldado / CCaç 2444 / 06.02.69 / Rio Corubal / Afogamento na evacuação de Madina do Boé / Nordeste, São Miguel, Açores / Corpo não recuperado.


[...] Manuel Amaral Carreiro, Furriel / CCaç 2444 / 06.02.69 / Rio Corubal / Afogamento na evacuação de Madina do Boé / São José, Ponta delgada, Açores / Corpo não recuperado.


[...] Manuel dos Santos Costa Almeida, Soldado / CCaç 2444 / 06.02.69 / Rio Corubal / Afogamento na evacuação de Madina do Boé / Arrifes, Ponta Delgada, Açores /Corpo não recuperado. [...]

Esse lamentável apso só foi corrigido um ano e tal depois. na sequência do artigo de opinião do João Carlos Resendes Carreiro e de um mail enviado pelo Carlos Cordeiro.

Vd. poste de 22 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4853: Dando a mão à palmatória (23): Verdadeira causa da morte de três camaradas açorianos da CCAÇ 2444 (Carlos Cordeiro/Carlos Vinhal)

(***) Útimo poste da série > 8 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11213: Memória dos lugares (222): Olossato, anos 60, no princípio era assim (7) (José Augusto Ribeiro)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10035: In memoriam (119): 11 militares (10 da CCAÇ 16 e 1 da 3ª C/BCAÇ 4615) e um número indeterminado de civis, mortos na emboscada de 22/4/1974, na estrada Bachile-Cacheu (José Joaquim Rodrigues / Bernardino Parreira)




Página de rosto do blogue Gotas d' Água... O autor, J.J. Rodrigues,  assina-se com o pseudónimo o Gota d' Água, e tem perfil no Blogger desde novembro de 2006... Possui diversos blogues ligados às coisas e às gentes da sua terra (Conceição,  Faro)... Diz-se um contador de histórias, "algumas rimadas, outras apenas prosadas, mas todas imaginadas", e onde "qualquer semelhança com situações reais é (im)pura coincidência", pelo menos "até ver"... 


Sabemos que se trata de um camarada, ex-fur mil,  que pertenceu à 3ª C/BCAÇ 4615/73 (, batalão sediado em Teixeira Pinto),tendo deixado  um comentário no poste P4267, de 29 de abril de 2009: 


"Olá, amigos. Há algum tempo que sigo o blogue e a página sobre a Guiné, uma vez que também sou um antigo combatente na Guiné. Tentei encontrar notícias do meu Batalhão 4615, que em 73/74 esteve na zona de Teixeira Pinto. Se por acaso algum camarada, desse batalhão, ler este comentário agradeço que me mande uma mensagem para o e-mail: jlrodrigues.22@gmail.com. Um abraço, J.J. Rodrigues". 


Depois de diversos mails trocados com o nosso camarada Bernardino Parreira, que vive em Faro e que foi fur mil na CCAÇ 16 (1972/73), descobrimos que se trata do José Joaquim Rodrigues a quem saudamos e convidamos a integrar a Tabanca Grande. 


Desta companhia, a 3ª C/BCAÇ 4615, já temos entre nós o António Tavares Oliveira, também  ex-fur mil, e que vive em Vila Nova de Gaia. Diz-nos que esteve no TO da Guiné entre Out de 1973 e Set de 1974. O batalhão era conhecido como o Pifas.




1. Comentário de Bernardino Parreira, com data de 24 de setembro de 2010, ao poste P7024:

Caro amigo [António] Branco

Esta tua crónica demonstra bem a forma como a Guerra evoluiu na zona de Bachile/Teixeira Pinto, entre 1972/73/74. Pelo que se sabe, o poderio militar do PAIGC passou a estar muito acima do que dispúnhamos. O que até ao fim de 1972 parecia ser uma zona "calma", com o perigo à espreita, visto o aquartelamento de Bachile se situar a pouca distância da residência do IN (Caboiana), passou a ser, nos fins de 1972 princípio de 1973, mais um ponto nevrálgico da guerra. 


Após o meu regresso [à metrópole], em Março de 1973, tive conhecimento da morte de muitos camaradas da CCAÇ 16, bem como de elementos da população civil, na sequência de ataques do PAIGC. Seria pertinente, para ajudar a escrever a História desta Guerra, que os ex-combatentes que testemunharam, de alguma forma, estes episódios os divulgassem. (*)

Por acaso, encontrei na Internet o testemunho de um meu conterrâneo, de Faro, autor e editor do Blogue "Gotas d' Água", que se refere, precisamente, a um episódio de guerra na zona de Bachile, que vem confirmar, em parte, a justeza desta tua crónica. Dada a falta de espaço, irei transcrever a seguir o relato que encontrei no Blogue "Gotas d'Água".

Um grande abraço
 Bernardino Parreira
CCAÇ 16
Bachile, 1972/1973 




2. Histórias de guerra VII > Bachile


Reprodução.  com a devida vénia, do Blogue  Gotas d'Água > 29 de setembro de 2007 > Histórias de guerra VII [,José Joaquim Rodrigues, ex-fur mil, 3ª C/BCAÇ 4615/73, Bachile e Bassarel, 1973/74] 

O Bachile ...

Zona muito perigosa, situada a meio caminho entre Teixeira Pinto e Cacheu, no Bachile estava sedeada uma Companhia de guerreiros operacionais guineenses que operava os Obuses. Nesta Companhia estavam também alguns guerreiros graduados,  naturais da metrópole. [Referência à CCAÇ 16].


Mesmo encostada ao Bachile ficava a misteriosa Caboiana, mata onde se sabia existir um quartel-general dos "turras”, nome assustador pelo qual designávamos os guerreiros inimigos; pelo seu lado, eles vingavam-se chamando-nos “tugas” mas que afinal viemos a saber apenas queria dizer “brancos”.

Na recepção, os “velhinhos” logo tentaram matar-nos de susto, exagerando no seu comportamento, mais parecendo acabados de sair do manicómio do que verdadeiros guerreiros. Relataram-nos com exagerados detalhes os sucessivos ataques sofridos ao arame, isto é, junto à vedação exterior do aquartelamento. Segundo afirmavam,  os turras não os deixavam dormir ou descansar porque os confrontos eram quase diários. Viver mais de dois anos naquela situação, tinha-os deixado em estado de semi-loucura!
Tanto ronco tinha-os deixado cacimbados! (tanta festa tinha-os deixado malucos!)

Instalámo-nos como pudemos, iniciando de imediato este inevitável esforço de guerra. Agora, em pleno teatro de guerra, todas as operações eram feitas com grande cuidado, devido ao enorme risco que as envolvia.

Felizmente enquanto permanecemos no Bachile não houve qualquer confronto com os guerreiros inimigos, embora por vezes pressentíssemos a sua presença espiando os nossos movimentos.

Finalmente para nosso alívio, chegou o dia de abandonarmos o Bachile. Deixaríamos um grupo em Churobrique e outro em Chulame,  indo o resto da Companhia [3ª C /BCAÇ 4615], incluindo o guerreiro do sul [, José Joaquim Rodrigues, o autor do relato], instalar-se em Bassarel, zona teoricamente um pouco mais calma.

No Bachile, mais um pequeno incidente com o guerreiro do sul que aqui "apanhou o paludismo" tendo levado a famosa "injecção de cavalo” o que lhe valeu um enorme inchaço na anca e a perna direita toda apanhada. Pudera,  as injecções eram doses para as referidas cavalgaduras, não para humanos, mesmo que guerreiros. Mas o fim justifica o meio e o paludismo foi gradualmente desaparecendo, para alívio do guerreiro do sul.

Nesta breve referência ao Bachile, cabe aqui o relato de um grave incidente de guerra, ocorrido poucos meses após a nossa saída, no qual foram intervenientes o nosso grupo de Churobrique, um grupo do Bachile, um grupo de combate da 2ª.Companhia e os Fiats da Força Aérea, para além dos guerrilheiros inimigos.

Pelo meio cerca de cinquenta civis que,  não tendo directamente a ver com a guerra, só porque naquele momento estavam a trabalhar para as nossas tropas, foram dura e barbaramente castigados.

Uma manhã, o grupo de combate do Bachile [, CCAÇ 16,] fazia,  como habitualmente, a escolta a uma Berliet com cerca de cinquenta trabalhadores civis que,  havia uma semana,  efectuavam trabalhos de “capinagem”, isto é, cortavam o mato que envolvia a estrada para o Cacheu. Atrás, com o objectivo de durante o decorrer dos trabalhos diários, fazer a segurança dos mesmos trabalhadores, seguia um Unimog, com o grupo de combate de Churobrique [3ª C/BCAÇ 4615].

Precisamente ao chegar ao local, onde iriam reiniciar os trabalhos, a pouco mais de quinhentos metros do Bachile, foram surpreendidos pelos guerrilheiros inimigos que,  emboscados na mata, dispararam e lançaram uma grande quantidade de granadas.

De todas as mortes a lamentar, houve uma em particular que a todos causou ainda maior consternação e desespero. O furriel que chefiava a escolta, tinha recebido a notícia, há tanto tempo esperada, do fim da sua comissão de mais de vinte e oito meses de guerra. [Referência provável a Arnaldo do Nascimento Carneiro Carvalho].  Naquela manhã,  que seria a última no Bachile,  ofereceu-se (sem ter de o fazer) para chefiar a escolta, segundo as suas palavras, para fazer a despedida.


E fez, de forma dramática e definitiva! Na emboscada foi atingido em pleno abdómen por uma granada RPG que o destruiu, tendo morte imediata. Nem um único guerreiro daquela escolta sobreviveu nesta emboscada, assim como, todos os trabalhadores civis.

Os guerreiros de Churobrique, um pouco mais atrás, com vários feridos, quase não conseguiram reagir a este inesperado ataque. No entanto, de imediato recebem apoio da 2ª. Companhia que estava sedeada no Cacheu e dos Fiats da Força Aérea, o que fez com que os guerrilheiros inimigos retirassem rapidamente. Para trás não deixaram uma única baixa.

Na perseguição, o grupo de combate da 2ª. Companhia avança pela mata sem qualquer meio de comunicação que pudesse indicar correctamente a sua posição aos Fiats da nossa Força Aérea e quase acaba sendo atingido pelo fogo amigo. Felizmente os pilotos não efectuaram quaisquer disparos, evitando assim agravar aquela situação que teve momentos de invulgar tensão, raiva e desespero!

Na retirada, os “turras” desapareceram,  utilizando uma técnica de dispersão em pequenos grupos, sendo difícil saber exactamente para onde se dirigiam, uma vez que se ouviam disparos de zonas completamente diferentes e até opostas.

Ao fim de algum tempo, tudo termina num enorme silêncio de dor e de morte!

Na manhã seguinte quando o guerreiro do sul, integrando a coluna de Teixeira Pinto para Bissau, se preparava para iniciar a viagem, foi-lhe pedido que transportasse na sua Berliet alguns daqueles mortos, de entre os quais, o nosso infortunado furriel.

E assim se fez mais uma história de guerra, diferente e ao mesmo tempo tão igual a tantas outras que muitos camaradas guerreiros viveram. 
Nós estamos cá para as contar, mas infelizmente outros não tiveram tanta sorte!

Até outro dia, camaradas!

Fonte: Blog Gotas d'Água > 29 de setembro de 2007 > Histórias de guerra VII 


[Há doze histórias de guerra neste blogue, relatando as (des)venturas do José Joaquim Rodrigues, ex-fur mil da 3ª C/BCAÇ 4615, por terras da Guiné: ver aqui o link]




3. Comentário(s) do Bernardino Parreira:


(i) O meu Bem Haja ao camarada que escreveu e publicou este texto na Internet, que, a dezenas de anos de distância, nos veio ajudar a perceber por que consta na listagem dos mortos na Guerra do Ultramar, na Guiné, o nome de 10 militares da CCAÇ 16, que perderam a vida em 22/04/1974.


 Resta-me mencionar o nome dos 10 camaradas que perderam a vida no fatídico dia 22/04/1974, na sequência de um ataque do PAIGC, 3 dias antes da revolução do 25 de Abril que conduziria ao cessar fogo entre as duas partes envolvidas nesta guerra.


Albino Gomes da Costa,  Fur Mil
Ambrósio Capambu Injai,  Sold At 
Arnaldo do Nascimento Carneiro Carvalho, Fur Mil
Carlos Gomes,  Sold At 
Luís da Costa, Sold At
Nulasso Albino Gomes, Sold At
Paulo Caiesta Tué Mendes,  Sold At 
Policarpo Augusto Gomes, Sold At
Samper Mendes, Sold At
Vicente Rodrigues, Sold At



(ii) Confrontado com a existência de um 11º morto, nesse dia e provavelmente no mesmo local, o Manuel Martins Lopes da 3ª C/BCAÇ 4615 (#), o Bernardino Parreiro respondeu-me o seguinte, em mail recente, de 14 do corrente:



(...) "É verdade, o meu amigo Policarpo [Gomes, o tal que fui visitar à prisão antes de regressar a São Domigos, e que pertencia ao seu pelotão] , juntamente com outros camaradas e amigos da CCaç 16, vieram a falecer tragicamente numa emboscada, 3 dias antes do 25 de Abril. Fiquei muito consternado ao ter conhecimento da sua morte, mas pormenores só os fiquei a saber, por acaso, quando vi o blogue do José Joaquim Rodrigues. Também aí faleceu outro grande amigo meu, o furriel Carvalho, que me dizia, quando eu parti de Bachile, ter o 'pressentimento que não regressaria vivo' e , ao que sei, morreu na véspera do regresso à Metrópole. São memórias muitos tristes, para os meus 63 anos.

"Quanto ao falecimento do Manuel Martins Lopes, da 3ª C/BCAÇ 4615 (**), nada sei, nem conheci, pois essa companhia passou por Bachile em data muito posterior à minha saida de lá. Mas se encontrar por aqui o José Joaquim, vou 'convidá-lo' a colaborar com esta Tabanca porque ele até tem jeito para escrever" (...).


(#) Lista dos mortos em combate no dia 22/4/1973 (Fonte: Liga dos Combatentes > Mortos no Ultramar > Guiné)

Apelido  Nome  Posto  Ramo  Teatro de operações  Data  Motivo  
CARVALHO ARNALDO NASCIMENTO CARNEIRO CARVALHO FurExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
COSTA ALBINO GOMES DA COSTA FurExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
COSTA LUÍS DA COSTA SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES CARLOS GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES NULASSO ALBINO GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES POLICARPO AUGUSTO GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
INJAI AMBRÓSIO CAPAMBU INJAI SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
LOPES MANUEL MARTINS LOPES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
MENDES PAULO CAIESTA TUÉ MENDES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
MENDES SAMPER MENDES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
RODRIGUES VICENTE RODRIGUES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
ApelidoNomePostoRamoTeatro de operaçõesDataMotivo

_______________

Notas do editor

(*) Último poste da série > 10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9880: In Memoriam (118): A sã camaradagem e a vil emboscada, morreu o camarada Vasco Almeida (Vasco da Gama)




(**) BCAÇ 4615/73: Mobilizado pelo RI 16. Partida: 22/9/1973; regresso: 8/9/1974; sede: Teixeira Pinto, comandante: ten cor inf Nuno Cordeiro Simões. 


A 1ª C/BCAÇ 4615/73 esteve no Cacheu; comandantes: cap mil cav Germano de Amaral Andrade;  cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva; e cap mil inf cap mil inf Carlos José da Conceição Nascimento.


A 2ª C/BCAÇ 4615/73 esteve em Teixeira Pinto.Comandantes:  cap mil inf cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva; alf mil inf José Carlos de Barros Moura; cap mil inf cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva.


E, por fim, a 3ª C/BCAÇ 4615/73 esteve em Bassarel.  Comandante: cap mil inf  Fernando Moura de Castro Felga.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10030: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (31): Operação Sempre Alerta: a morte de um amigo diferente

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 6 de Junho de 2012:

Caro amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais uma pequena história sobre as minhas memórias lá para os lados da Mata dos Madeiros.
Como sempre fica ao teu dispor fazer com ela o que bem entenderes.

Para ti, para os nossos camaradas, votos de muita saúde e de um bom verão.

Um abraço fraterno,
José


MEMÓRIAS E HISTÓRIAS MINHAS (31)

Operação Sempre Alerta: a morte de um amigo diferente

Era então o dia 25 de Junho de 1971. Os dois grupos de combate da CCaç 3327, que tinham estado a fazer segurança ao acampamento na Mata dos Madeiros, regressaram na manhã daquele dia. Sem o pessoal das transmissões, o que avolumava as suspeitas de que estava eminente uma operação de grande envergadura.

Como acontecia muitas vezes, durante a tarde fui ajudar na Secretaria. Gostava de o fazer. Para além de ser útil, mantinha alguma actividade que me ajudava a passar o tempo.

Ao cair do dia, o Sr. Cap. Rogério Alves entrou na secretaria. Vinha tenso e o seu semblante denotava preocupação. Carregava um punhado de papéis e mapas nas mãos que chapou, esse é o termo, em cima da secretária e à qual se sentou. Colocou os cotovelos no tampo e a cabeça entre as mãos. Era a imagem completa do desalento num homem que, pela sua dinâmica e trato fino, transmitia confiança e algum à-vontade. O que o levara àquele estado tinha que ser muito sério.

Pressentindo que estava ali a mais, levantei-me e dirigi-me para a saída. Ao passar junto da secretária do Capitão Alves, este, com um pequeno gesto, empurrou os mapas na minha direção.

Estaquei! Durante semanas andara com eles na Mata dos Madeiros. A diferença, a grande diferença, eram as linhas vermelhas estampadas nos mapas, que partiam em paralelo do nosso último acampamento da Mata dos Madeiros até ao fundo da Mata do Balenguerez.

Ali, pela confiança depositada em mim por aquele homem bom, tomei conhecimento antecipado da enormidade e dos perigos que aquela operação acarretava. Estava em marcha a operação “Sempre Alerta”.

Senti um calafrio enorme. Não pela operação que já todos esperávamos, mas pela forma como ia ser executada, para um sítio que desconhecíamos completamente. Com a duração de cerca de nove horas, seria executada por toda a Companhia, dividida em dois bigrupos em progressão paralela, com as duas linhas de penetração muito perto uma da outra. Não me recordo de alguma vez termos praticado esse tipo de progressão, daí a minha grande apreensão.

Conjeturando com os meus próprios pensamentos, decidi dar uma volta pelos arredores. Na parada, encontrei o Fur Mil André Manuel Lourenço Fernandes, do 3.° GComb, em amena brincadeira com o seu amigo predileto, o Piriquito. Este, um tecelão amarelo ainda jovem, tinha sido apanhado pelo André, que o alimentou e matou a sede. Enquanto um corria o outro voava. Ao chamamento do André, lá vinha o passarito que pousava no seu ombro e aguardava pacientemente que o André lhe reconfortasse o bico com algum acepipe. Eram inseparáveis! Aquela cena enternecedora contrastava com o turbilhão de desencontros que me ia na alma.

Os meus passos levaram-me até à porta de armas, subi a avenida principal de Teixeira Pinto e entrei num bar muito frequentado pelas nossas tropas. Era a primeira vez que ali ia. Não dei pelo fumo dos cigarros, tão pouco pelo cheiro do álcool e muito menos pelo barulho ensurdecedor que se fazia ouvir. Tudo isso era-me indiferente. Estava ali para beber uns copos, eu que não conseguia beber duas cervejas seguidas.

Foi então que aquela voz chegou até mim, melhor, estalou no meu cérebro, de tal forma que ainda hoje não esqueci:
 - Eh Furriel, manga de ronco no Balenguerez!

Na penumbra do estabelecimento tentei descobrir quem era aquele guineense alto, vestido à civil, que já sabia do que me ia na alma. Talvez devido à surpresa do momento, saí muito mais lesto daquele estabelecimento do que quando entrei. Fui para o meu quarto que, entretanto, tinha sido distribuído. O dia acabava repleto de emoções.

 
A Senhora que nunca nos abandonou

Três dias depois, na madrugada do dia 28 de Junho, cerca das três da manhã, estavam em pleno os últimos preparativos para o começo da Operação. Dada a ordem de partida, a coluna deixou Teixeira Pinto em direção ao nosso último acampamento na Mata dos Madeiros. Ainda era noite quando lá chegámos.

Como previamente ficara estabelecido, os 1.° e 2.° Grupos de Combate sob o comando dos Alferes Ferraz e Neves, respetivamente, seguiriam a linha da esquerda. Os 3.° e 4.° Grupos de combate sob o comando dos Alferes Almeida e Magalhães seguiriam a linha da direita. O nosso Cap. Alves iria integrado no 4.° Grupo.

O Alferes Magalhães, comandante do meu grupo, aproximou-se de mim e entregou-me o Mapa da Operação e a bússola. Era um gesto normal. Acontecera tantas vezes antes. Já não foi normal quando o Cap. Alves nos informou que ia integrado na minha Secção. Tentámos, eu e o Alferes Magalhães, dissuadi-lo, sem o conseguirmos. Mais uma vez admirei a sua coragem e compreensão ao permitir-me dar-lhe uma posição na Secção, que também me obrigou a mudar o dispositivo que normalmente usava. Não tanto por ele, mas por causa do homem das Transmissões, que queria suficientemente perto de mim, sem ficar muito longe do Capitão e não perder potencial de reação. A nossa missão, reconhecer o terreno, encontrar e destruir o inimigo, independentemente dos imponderáveis, só poderia ser bem sucedida à custa de muita disciplina, sacrifício, alguma inteligência e, acima de tudo, muita proteção divina. O inimigo, os guerrilheiros do PAIGC, estava à nossa espera algures na Mata do Balenguerez. Para isso se espalhou a notícia desta operação com três dias de antecedência.

Com os primeiros alvores do dia, partimos rumo ao nosso destino! Para trás ficava o acampamento e a Mata dos Madeiros. Atravessámos a estrada antiga que ligava o Bachile a Cacheu e entramos naquele mundo desconhecido, a Mata do Balenguerez. Esta não tinha sofrido queimadas durante os últimos tempos e não recebera visita de tropas há alguns meses.

Apanhada que foi a ponta do trilho marcado no mapa, de imediato mandei obliquar à direita, saindo por completo daquele. Assim fomos progredindo em ziguezague à ilharga do trilho. Apercebi-me que o avanço seria muito penoso e mais lento do que o calculado. O arvoredo e palmeiral muito denso e baixo impediam o avanço rápido, obrigando-nos, muitas vezes, quase a rastejar em alguns sítios. Mas o trilho, prometera a mim mesmo, não seria acariciado pelas solas das nossas botas. Com cerca de três horas de progressão, deparámos com a primeira grande clareira. Apenas capim de altura média Por ventura um antigo terreno de cultivo. Dividia-se pelos dois lados do trilho. Um campo de morte com cerca de oitenta metros, local ideal para uma emboscada.

José Câmara bem protegido pelo soldado Alberto Teixeira Dutra

Estávamos afastados do trilho. Numa breve análise visual ao terreno à nossa volta e pelo mapa, pressenti que a melhor solução seria mesmo atravessar a clareira, até porque a partir daí iríamos encontrar situações muito semelhantes. Mandei avançar. O meu homem de ponta, carregando a HK21, olhou para mim. O seu olhar pareceu-me angustiado. Aquele não era o local para hesitações, coloquei-me ao seu lado, atravessámos a clareira rapidamente. Os outros seguiram-nos.

Do outro lado da clareira, embrenhados no arvoredo, fomos ao encontro do trilho. Não me enganara. Ali tinha estado gente e as suas intenções não seriam certamente dar-nos as boas vindas com foguetes, como era costume fazermos aos forasteiros ilustres que chegavam às nossas terrinhas açorianas. A prová-lo estava um pequeno jarro de barro partido, a água empapando o trilho, alguns rastos de pegadas de calçado.

Foi dada ordem para ninguém pisar o trilho ou tocar nos estilhaços.

Rapidamente, afastámo-nos daquele local e do trilho. Minutos depois, uma avioneta transportando o comandante do CAOP 1, Sr. Ten. Cor. Paraquedista Durão, fazia algumas passagens sobre o local onde tínhamos estado antes. De lá de cima não nos via, bom sinal. Perante a insistência de contacto, demos-lhe a nossa indicação.

Segundos depois passava à nossa perpendicular.

Na sua passagem indicou-nos que estávamos a afastar-nos do nosso objetivo. Foi informado do nosso contacto visual com o jarro, sinal irrefutável da presença do inimigo e que não era aconselhável a nossa progressão nas imediações do trilho. Aos poucos, o barulho dos motores da avioneta foi desaparecendo.

Cerca das onze horas da manhã estávamos nós a atingir o nosso objetivo. Mais uma vez a avioneta a sobrevoar-nos. Desta vez com uma boa notícia, regressar ao acampamento. Cansados, algo esfarrapados, famintos, mas não podíamos descurar a disciplina e os cuidados no nosso regresso. A nossa missão ainda não tinha terminado.

Só começamos a sentir algum alívio quando finalmente atravessámos a antiga estrada e voltámos a pisar a Mata dos Madeiros. Aqui tínhamos feito grandes amigos ao longo dos dias, das semanas, dos meses. Conhecíamos as formigas pelos seus nomes próprios e aprendemos a cantar canções de amor com os pombos verdes. Os mosquitos, nos seus voos picantes, lembravam-nos constantemente do zumbido dos aviões que vindo das Américas passavam pelas nossas terrinhas açorianas. Os tecelões, lindos que eram, davam-se ao luxo de gozarem connosco, chamando-se a si próprios canários de peito amarelo, avezinhas que um dia se enamoraram dos rochedos plantados entre a Europa e as Américas e por ali ficaram. Tudo isso ficava ali, cada passo nosso uma recordação.

No acampamento desmanchavam-se as antenas de transmissões, o morteiro 107 e carregavam-se as viaturas que já estavam à nossa espera. A tarde avançava e havia que chegar a Teixeira Pinto antes do anoitecer.

Finalmente foi dada a ordem de partida e um último olhar ao acampamento que tinha sido a nossa casa durante oitenta e três dias. Pelo caminho passámos junto ao local onde o nosso Manuel Veríssimo Oliveira sofreu o acidente que o vitimou. Muitos braços estendidos naquela direção. Nas circunstâncias era o único gesto possível de homenagem ao nosso amigo e companheiro de luta.

Outros continuariam a estrada que deixamos aberta até ao cruzamento com a estrada antiga

Para trás ficava a Mata dos Madeiros e uma estrada que outros continuariam e concluiriam. Ali, a história foi escrita no barro vermelho com o sangue de muitos combatentes e o suor de muitos mais. De nativos também. Para os guineenses, em paz, ficou uma excelente obra alcatroada para que um dia pudessem ter uma vida melhor. Finalmente chegámos a Teixeira Pinto. Em paz. Missão cumprida. Dirigimo-nos aos nossos quartos. Ali, uma desagradável surpresa nos esperava.

O Fur Mil André Fernandes, com as lágrimas nos olhos e o seu amigo entre mãos, balbuciou:
- O Piriquito morreu!

 A avezinha, que ficara fechada no quarto, sucumbira ao calor, sede e saudade. Também ela fora uma vítima de uma guerra que cada um sentia à sua maneira. Naquele momento o André era o espelho de um desses sentimentos. Para ele, depois de uma operação com aquele perigo e envergadura, ainda houve tempo para chorar a morte de um amigo especial, certo que diferente dos demais, mas amigo da mesma maneira.

No dia seguinte, 29 de Junho de 1971, a CCaç3327 seguiria para os Destacamentos de Teixeira Pinto.

******

Notas soltas:

Nos 72 dias que a CCaç 3327 esteve toda na Mata dos Madeiros, diariamente saíam dois grupos que permaneciam fora do acampamento por 24 horas a fazer a segurança afastada da estrada e do acampamento.
Dos outros dois grupos um fazia a picagem do traçado da estrada e a segurança próxima às máquinas e capinadores durante 12 horas diárias.
O Outro mantinha a segurança do destacamento e realizava as escoltas ao Bachile para abastecimento de pão, água e correio. A segurança imediata noturna do acampamento era garantida por estes dois grupos. Cada posto de sentinela era reforçado por 3 elementos.
Cada Secção, na ausência de imprevistos, tinha um descanso de 12 horas a cada 13 dias.
Acções: 72
Emboscadas: 72
Escoltas a Teixeira Pinto e Bissau: 24
Operações a nível de Companhia: 1 (Sempre Alerta)
Mortos: Manuel Veríssimo de Oliveira, Sold At. Inf. NM 09624870, natural da Ilha de São Miguel.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9537: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (30): Velhice, uma aprendizagem dos sinais dos homens e da guerra

Guiné 63/74 - P10029: Fichas de Unidades (9): A CCAÇ 16, constituída no essencial por camaradas de etnia manjaca (Teixeira Pinto, Bachile e Churobrique, fevereiro de 1970/agosto de 1974) (José Martins)




Guiné > Região do Cacheu >  Bachilé > CCAÇ 16 (1972/74) > Foto de grupo [, pede-se ao António Branco, que parece ser o primeiro, da segunda fila, de pé, a contar da direita, para identificar os restantes elementos do grupo].

Foto:  
 © António Branco (2010). Todos os direitos reservados




Guiné > Região do Cacheu > Bachile > CCAÇ 16  (1972/74) >  Os fur mil José Romão (à direita) e Bernardino Parreira (à esquerda), dois algarvios de Vila Real de Santo António e Faro, respetivamente. Ao fundo, no memorial, lê-se: "Para uma Pátria una e indivisível, a Companhia Manjaca [,CCAÇ 16, constituída em 1970] está defendendo o seu chão da cobiça de estranhos, ainda que tenha de derramar o seu sangue".

Foto:  
© José Romão (2010). Todos os direitos reservados  

1. Notas sobre a Companhia de Caçadores n.º 16, compiladas pelo nosso colaborador permanente José Martins, ex-Fur Mil Trms,  CCAÇ 5, Os Gatos Pretos (Canjadude, 1968/70):


(i) A CCAÇ 16, subunidade do recrutamento local, foi organizada no Centro de Instrução Militar (CIM),  de Bolama, em 4 de Fevereiro de 1970;


(ii) À semelhança de outras, da chamada "nova força africana", era constituída por quadros (oficiais, sargentos e praças especialistas) de origem metropolitana e por praças guineenses, neste caso de etnia manjaca;


(iii) Colocada em Teixeira Pinto (ou Canchungo), em 4 de Março de 1970, destacou dois pelotões para Bachile, passando a estar integrada no dispositivo do BCAÇ n.º 1905, e substituindo a CCAÇ n.º 2658, que se encontrava em reforço no sector;


(iv) Em 30 de Abril de 1970, já com o quadro orgânico de pessoal completo, passa a ser a unidade de quadrícula de Bachile;


(v) Em 28 de Janeiro de 1971 passa a depender do CAOP 1 (com sede em Teixeira Pinto);


(vi) A partir de 1 de Fevereiro de 1973, fica na dependência do BCAÇ n.º 3863 e do BCAÇ n.º 4615/73, que assumiram, a seu tempo, a responsabilidade do sector em que aquela subunidade estava integrada;


(vii) Destacou forças para colaborar nos trabalhos de reordenamento de Churobrique;


(viii) Em 26 de Agosto de 1974, desactivou e entregou o quartel de Bachile ao PAIGC, recolhendo a Teixeira Pinto, onde foi extinta a 31 de Agosto desse ano;


(ix) Assumiram o comando desta subunidade os seguintes oficiais:

Cap Inf Rolando Xavier de Castro Guimarães
Cap Inf Luciano Ferreira Duarte
Cap Mil Inf José Maria Teixeira de Gouveia
Cap QEO [Quadro Especial de Oficiais] José Mendes Fernandes Martins
Cap Inf Abílio Dias Afonso [, foto à esquerda; hoje maj gen ref]
Cap Mil Art Luís Carlos Queiroz da Silva Fonseca
Cap Mil Inf Manuel Lopes Martins;

(x) Esta subunidade não tem História da Unidade: existem apenas alguns registos, muito incompletos, relativo aos períodos de 1 de Janeiro a 31 de Setembro de 1972 e de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1973 (Vd. Arquivo Histórico Militar, caixa n.º 130 – 2.ª Divisão/4.ª Secção). 





(i) António Graça de Abreu (Estoril/Cascais): Creio que meu tempo no CAOP 1 em Teixeira Pinto,(Junho 1972 a Abril 1973,) a CCaç 16 era comandada pelo capitão Abílio Dias Afonso. O infatigável ratão de bibliotecas e arquivos, o nosso bom amigo José Martins, descobre sempre tudo.



(ii) Bernardino Parreira (Faro) [, foto atual à direita]: Caros Camaradas, estive em Bachile, como Furriel Mil na CCaç 16 de Jun/72 a Fev/73, sob o comando inicial do capitão Martins e posteriormente do capitão Afonso. 


Estive na situação de diligência visto que a minha companhia estava sediada em S. Domingos. Regressei à Metrópole em Março de 1973.


(iii) António Branco (Lisboa) [, foto atual à esquerda]: Estive no Bachile, de Junho de 1972 a Março de 1974, sou o ex-1.º cabo de reabastecimento de material e tinha a cargo a arrecadação de material e fardamento cujo chefe era o 2.º sargento Guerreiro.



Desde o meu regresso só tive oportunidade de contactar com um camarada que foi operador cripto, o 1.º cabo Miranda. Reconheço os nomes do furriel Parreira e do António Graça e era interessante que ao fim destes anos fosse possível reencontrar algum dos que durante algum tempo partilharam momentos muito interessantes. Um abraço a todos e o meu endereço é o seguinte
asdbranco@gmail.com

(iv) Bernardino Parreira:

Camarada António Branco: Graças a este blogue vamos tendo notícias dos amigos que fizemos e que pensávamos não mais encontrar. Pois de facto partilhamos bons momentos juntos, e longas conversas, eu tu e o sargento Guerreiro, de quem não tive mais notícias. Também me lembro do Miranda, também grande amigo. O António Graça a que te referes deve ser o Furriel mecânico, porque o Alferes António G. Abreu estava em Teixeira Pinto.

 Foi com grande emoção que vi a foto da Ponte Alferes Nunes e o Rio Costa, onde tantas vezes afoguei as minhas mágoas. Era com os banhos no Rio e com os jogos de futebol, que jogava pela companhia CCAÇ 16, em Teixeira Pinto, que aliviava o meu stress.




Também tenho saudades dos camaradas africanos, e foram tantos os amigos que lá deixei. Pode ser que um dia nós nos encontremos, ou nos contactemos, através de e-mail ou do blogue. Gostava de ver uma fotografia tua aqui publicada, que eu também vou providenciar a digitalização da minha, para ver se nos vamos recordando das caras que há 36-37 anos deixamos de ver.



(v) Miranda: Olá,  caros amigos e colegas de Teixeira Pinto... Tal como vocês, conheci muitos amigos. Sou o ex-1.º Cabo Enfermeiro Miranda e gostava de ter os vossos endereços de e-mail para contactar. O meu é: carlosrogeriomiranda@hotmail.com.

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 Notas do editor:

(*) Último poste da série > 24 de outubro de 2010 > 
Guiné 63/74 – P7169: Fichas de Unidades (8): Batalhão de Caçadores N.º 4514/72 (Guiné, 1973/74) (José Martins)


(**) Postes sobre a CCAÇ 16 (1970/74):

 25 de junho de 2010 > Guine 63/74 - P6643: Memória dos lugares (86): Bachile, chão manjacho (José Romão, ex-Fur Mil, CCAÇ 16, 1971/73 / António Graça de Abreu, ex-Alf Mil, CAOP1, 1972/74)
6 de julho de 2010> Guiné 63/74 - P6680: O Nosso Livro de Visitas (92): A. Branco, CCAÇ 16, Bachile, chão manjaco, 1971

10 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6709: Tabanca Grande (228): António Branco, ex-1.º Cabo Reab Mat da CCAÇ 16, Bachile, 1972/74


13 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6726: Memórias do Bachile, chão manjaco (1): O que será feito do menino Augusto Martins Caboiana ? (António Branco, ex-1º Cabo Reab Mat, CCAÇ 16, 1972/74)

20 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6875: Tabanca Grande (236): Bernardino Rodrigues Parreira, ex-Fur Mil da CCAV 3365/BCAV 3846 e CCAÇ 16 (S. Domingos e Bachile, 1971/73)

Guiné 63/74 - P10028: Recordando aquele malfadado jogo de futebol, em 31 de janeiro ou 1 de fevereiro de 1973, entre a CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto) e a CCAÇ 16 (Bachile) (Bernardino Parreira)


Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do Rio Corubal > Gampará > 38º CCmds (1972/74) > 1972 > "Em Gampará com o meu grande amigo Furriel Cmd Ludgero dos Santos Sequeira, a quem mais tarde na picada do Cufeu (outra vez) numa mina iria ficar às portas da morte, ficando quase cego até aos dias de hoje. Continuamos grande amigos. Um abraço para ti, Sequeira!" (Amílcar Mendes, ex-1º cabo comando).


Foto (e legenda): © Amilcar Mendes (2007). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do Bernardino Parreira, com data de 12 do corrente:

Caro amigo Luís Graça

A 39 anos de distância desta ocorrência (*) já há pormenores que me falham, sobre este acontecimento.  Mas ainda me lembro que por aquela altura - último dia do mês de Janeiro [, 4ª feira,] ou primeiro dia do mês de Fevereiro de 1973 [, 5ª feira] -  já não sei precisar a data -, encontrava-me com "ordem de marcha" para regressar a S. Domingos, à minha companhia de origem, a CCav 3365, para integrar o BCAV  3846, com vista ao nosso regresso à Metrópole, que ocorreu a dia 17 de Março de 1973.

E só não tinha ainda regressado a S. Domingos para poder disputar este jogo. Que era a final do campeonato entre companhias do CAOP1. O jogo que se realizou naquele fatídico dia foi entre a CCS/BCAÇ 3863 e a CCaç 16 à qual eu pertencia.

Devo dizer que o ambiente que normalmente se vivia no Bachile era calmo, os militares eram disciplinados e muito bons seres humanos. O nosso comandante era um Excelente Militar Operacional e uma Excelente pessoa. Havia um espírito de companheirismo e confraternização excepcionais entre todos os militares.

O futebol, no meio daquela guerra, aliviava-nos o stress e o orgulho de uma companhia africana poder ganhar o campeonato era enorme. O que aconteceu ali, naquele dia, em termos de jogo, acontece muitas vezes em estádios de futebol. Ao ser anulado um golo que dava a vitória à nossa CCaç 16, onde seríamos sagrados vencedores daquele campeonato, que tinha a maioria de jogadores africanos, os nossos camaradas africanos que estavam a assistir ao jogo invadiram de imediato o campo.

Julgo que naquele dia estávamos  apenas a jogar 2 brancos, eu e o Figueiredo.  A única diferença é que todos estavam armados, não com cadeiras, como normalmente acontece nos estádios de futebol, mas com armas reais, e álcool à mistura, e a situação só não teve consequências maiores dado o campo de futebol, onde isto aconteceu, estar situado próximo do CAOP1.

Tenho a ideia de que foram logo ali efectuadas algumas prisões e, serenados os ânimos,  regressámos todos ao nosso quartel no Bachile, nas viaturas  militares.

No mesmo dia, por volta da hora de jantar, estava eu na messe dos sargentos, tive conhecimento que a maioria dos militares africanos, revoltados e armados, tinham abandonado o quartel e se dirigiam para Teixeira Pinto no sentido de irem tentar a libertação dos camaradas presos. 

Escusado será dizer a preocupação que se generalizou entre os que ficaram, mas dada a pouca distância entre  o Bachile e a Ponte Alferes Nunes logo se ouviu dizer que tropas da CAOP1 tinham vindo ao encontro dos revoltosos e estes tinham sido obrigados a recuar para o Quartel.

O pior soube-se depois, que foi o acidente ocorrido com os militares  de Teixeira Pinto,[da 38ª CCmds,] no regresso ao seu quartel, com a deflagração de um dilagrama.(*)

Dois dias depois parti, triste, do Bachile, em direcção a S. Domingos, via Cacheu. Achei que não devia ter ficado para disputar aquele malfadado jogo de futebol. Ainda passei por Teixeira Pinto para visitar e despedir-me dos meus camaradas presos, entre eles o meu amigo Policarpo Gomes, que era do meu pelotão.

Por outro lado, S. Domingos continuava a ser atacado, do Senegal, e não sabia o que me poderia acontecer a poucos dias do meu regresso. Ainda retenho na memória a preocupação que os meus camaradas africanos manifestaram ao saberem que eu ia para S. Domingos antes do regresso. Só diziam:
- S. Domingos nega... manga de porrada...!

Graças a Deus cá estou!



Guiné > Região do Cacheu > Bachile > CCAÇ 16 (1972/74) >  Equipa de futebol de sete > Legenda do Bernardino Parreira: "Amigo Luis Graça, não consto dessa foto, editada no blogue, mas  julgo reconhecer, da direita para a esquerda, em cima, primeiro o meu amigo António Branco, e terceiro o Sr. Comandante, na altura capitão Abílio Afonso. Em baixo: Da direita para a esquerda, Pereira, Garcia e Miranda.

Fotos: © António Branco (2010). Todos os direitos reservados.

Tenho pena de não possuir fotografias da nossa equipa de futebol da CCaç 16. Foram bons tempos, de que  destaco um episódio agradável em tempo de guerra.  Num jogo disputado com uma companhia de comandos [, a 38ª CCmds,]  do CAOP1, em Teixeira Pinto, quando foram apresentados os capitães de equipa para a escolha de campo, perante o árbitro desse encontro, sendo eu o capitão de equipa da CCac 16, qual não foi meu agradável espanto ao ver que o capitão da outra equipa era o meu amigo Ludgero Sequeira, de Faro,  meu companheiro de escola, que eu desconhecia que se encontrava em Teixeira Pinto. Maior foi a admiração dele quando viu sair de uma equipa de africanos um único branco que era eu, nesse dia.

Um grande abraço


2. Esclarecimento posterior do José Romão, em mensagem enviada às 23h16:

Boa noite camarada e amigo Luís Graça:
O grave acidente, na sequência do desafio de futebol, entre as equipas de militares do CAOP 1 e do Bachile, deu-se junto à Ponte Alferes Nunes e era eu que estava a comandar um grupo de militares da CCAÇ 16 do Bachile, na referida Ponte. Quem acabou por resolver esse diferendo foi o Coronel Durão, comandante, nessa altura, do CAOP 1 em Teixeira Pinto. Nesse dia, perto da Ponte morreram alguns militares da Companhia de Comandos que estava sediada em Teixeira Pinto.

Um abraço para todos os camaradas,
José Quintino Travassos Romão,
ex Furriel Miliciano.
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Nota do editor:

(*) Vd. poste anterior, de 12 de junho de 2012> Guiné 63/74 - P10025: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (18): A ponte Alferes Nunes, a CCAÇ 16, o Bachile, a 38ª CCmds, o Canchungo, o cor pára Rafael Durão, o futebol, a violência, a morte...

terça-feira, 12 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10025: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (18): A ponte Alferes Nunes, a CCAÇ 16, o Bachile, a 38ª CCmds, o Canchungo, o cor pára Rafael Durão, o futebol, a violência, a morte...


Guiné > Região do Cacheu > Bachile > CCAÇ 16 (1972/74) > Uma equipa de futebol de sete... O António Branco é o primeiro da direita, da 2ª fila (de pé)...







Guiné > Região do Cacheu > Bachile > CCAÇ 16 (1972/74) > Jogando matraquilhos... o António Branco, ex-1º Cabo Reab Mat CCAÇ 16, 1972/74, é o militar da esquerda.

Fotos: ©   António Branco (2010). Todos os direitos reservados. 



1. No Diário da Guiné, do António Graça de Abreu (AGA), há uma única referência à Ponte Alferes Nunes, que ficava na na estrada Canchungo - Bachile... No entanto, essa referência está associada a uma tragédia que devia (e podia) ter sido prevenida e evitada... Tudo começou com uma  partida de futebol entre os de Bachilé (CCAÇ 16) e os de Teixeira Pinto (CAOP1)... Aqui se reproduz essa parte do Diário do AGA, com a devida vénia... (LG):


(...) Canchungo, 1 de Fevereiro de 1973

É uma hora da manhã, escrevo sereno, lúcido, sem paixão, tudo de enfiada.

Ver viver, ver morrer, três homens mortos, sete feridos graves, quatro ligeiros. A causa próxima foi um desafio de futebol, a causa remota foi o destino e o facto de estarmos numa guerra.

Esta tarde houve um jogo de futebol entre o pessoal branco do Batalhão 3863 e a tropa branca e negra do aquartelamento do Bachile [, CCAÇ 16, constituida sobretudo por militares manjacos, do recrutamento local9. Não sei se por culpa dos brancos ou dos negros, decerto por culpa de ambos, o jogo descambou em grossa pancadaria o que levou o coronel [, pára, Rafael Durão, comandante do CAOP1,] a intervir, a assestar uns tantos socos em não sei quem e a dar voz de prisão a dois negros.

Cerca das oito da noite, foi recebida aqui uma comunicação rádio do capitão branco do Bachile, a braços com uma insubordinação dos militares negros. Quarenta africanos armados haviam saído do aquartelamento e marchavam a pé para Canchungo, a fim de tirarem da prisão os seus dois camaradas detidos. Aprontaram-se imediatamente cerca de cinquenta comandos da 38ª. Companhia e o coronel seguiu com eles. 

Na ponte Alferes Nunes, já próximo do Bachile, os Comandos ficaram e o coronel avançou sozinho, no jipe, ao encontro dos soldados africanos. Graças à sua coragem, ao respeito que impõe a toda a gente - é o “homem grande” branco -,  à promessa de libertar os presos, os soldados negros regressaram pacatamente ao Bachile.

Aqui em Teixeira Pinto estávamos na expectativa, não sabíamos o que ia acontecer. Em frente do edifício do CAOP, eu conversava com o major Malaquias, com um alferes da 38ª [CCmds] e outro do Batalhão quando ouvimos um grande rebentamento muito próximo. Que será? Um minuto depois chegou a informação, via rádio. Era preciso preparar imediatamente o hospital, havia mortos e feridos. 

No regresso dos comandos, à entrada da vila, rebentara uma caixa cheia de dilagramas – granadas disparadas pelas G 3 com um dispositivo especial – em cima de um Unimog onde vinham catorze homens. Dois mortos de imediato, os restantes feridos vinham a caminho. Corremos para o hospital. Os comandos chegaram. 

Como vinham, meu Deus! Um furriel morria na sala de operações. As suas últimas palavras para o Pio [de Abreu], o médico, foram: “Doutor, cuide dos outros, eu estou bem.” 

Nas macas, no chão de pedra do hospital jaziam feridos graves, corpos semi-desfeitos, barrigas, intestinos de fora e quatro rapazes só com alguns estilhaços. Não ouvi um queixume, mas havia muitos homens a chorar.

Era preciso evacuar os feridos para o hospital de Bissau. Onze horas da noite, iluminámos a pista com os faróis das viaturas e com as mechas acesas em muitas garrafas de cerveja cheias com petróleo, distribuídas aí de dez em dez metros ao longo do campo de aviação. Aterraram quatro DO. Ajudei a transportar feridos entre o hospital e as avionetas, num dos nossos Unimog. Dois deles iam muito mal, cravados de estilhaços, em estado de choque ou coma, não sei se escaparão.

O condutor do Unimog em cima do qual as granadas rebentaram é um dos meus soldados, do CAOP 1, Loureiro de seu nome,  com apenas oito dias de Guiné. Ia a conduzir, não sofreu uma beliscadura. Trouxeram-no cambaleando, o espanto, incapaz de falar. Evacuados os feridos, fui buscá-lo, abracei-o, sentei-o na minha cadeira na secretaria, animei-o, bebemos quatro águas Castelo.

Foi um acidente de guerra. Corpos ensanguentados, dilacerados, muitos homens destruídos, não apenas os mortos e os feridos. 

Reacções de alguns dos nossos soldados. “Tudo por culpa dos cabrões dos negros, filhos da puta, só fuzilados!”...

Quem resiste aos corpos esventrados dos companheiros de armas?!...As razões sem razão porque se avivam ódios, porque se morre! 

Não sei que horas são, deve ser tarde, não tenho ponta de sono. Já ouço os galos cantar. Um novo dia nasce.


Guiné > Teixeira Pinto (ou Canchungo) > CAOP 1 > Uma das raras fotos (e de fraca resolução) que temos, no nosso blogue, do Cor Pára Rafael Ferreira Durão, comandante do CAOP1, ao tempo do António Graça de Abreu. "A caminho do almoço de Natal de 1971. Da esquerda para a direita respectivamente, Cmdt do BCaç 3863 (?), Cmdt do CAOP  Cor Pára Rafael Durão e Ten Pára da CCP 122". 

Foto e legenda: © Jorge Picado (2008). Todos os direitos reservados


2. Comentário, posterior,  do nosso camarada Bernardino Parreira [, foto atual, à direita]:

Caros camaradas e amigos, tendo acabado de ler, pela primeira vez, este excerto do livro do nosso camarada Graça Abreu não posso deixar de referir que fui um dos jogadores da CCaç 16, do Bachile, nesse jogo de futebol, e que os incidentes desencadeados pelos camaradas africanos tiveram origem na anulação de um golo nosso... 

Daquilo que tenho conhecimento, corroboro o testemunho do nosso camarada Graça Abreu. Informo ainda que um dos militares detidos, da CCaç 16, foi o meu companheiro africano Policarpo Gomes, que ainda fui visitar à prisão. 

Gostaria de saber como posso adquirir o livro do nosso camarada Graça Abreu.
Um abraço a todos. Bernardino Parreira .

3. Comentário do editor:

O Bernardinmo Parreira foi Fur Mil da CCAV 3365/BCAV 3846 (Dão Domingos, 1971/72) e CCAÇ 16 (Bachile, 1972/73). Foi destacado para a CCAÇ 16 no "primeiro trimestre de 1972". Acabou em Bachile a sua comissão, tendo regressado à metrópole em 17 de março de 1973. 

É algarvio de Portimão, a residir em Faro. Tal como ele nos contou na sua apresentação à Tabanca Grande,  em 20 de agosto de 2010, a sua integração na CCAÇ 16 "foi fácil, ao fim de pouco tempo conhecia todos os camaradas africanos e metropolitanos, e parecia ter sido adoptado por uma nova família. O ambiente entre os militares era bom, tal como o que havia deixado em S. Domingos. Nos tempos livres, o que eu mais gostava de fazer era jogar à bola e depressa me integrei numa equipa de futebol, de maioria africana. Disputámos o torneio de futebol entre companhias militares pertencentes ao CAOP 1, entre 1972/1973". 

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9943: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (17): Guidage (com g) foi há 39 anos...