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terça-feira, 12 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4329: Tabanca Grande (139): Francisco Santos, ex-militar da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau, Bafatá - 1963/65)

1. Mensagem de Francisco dos Santos, ex-1.º Cabo da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65, com data de 29 de Abril de 2009:

Novo tabanqueiro

Francisco dos Santos, nado a 15/12/42 e criado em Sarilhos Grandes, Montijo onde sempre fui fiel como residente, excepto aqueles vinte e três meses de residência forçada na Guiné. Sou casado com a minha sempre querida Emília [Mila para os amigos], tenho sessenta e seis anos de idade, duas filhas e três netos. Sou reformado, fui motorista, hoje dedico-me à família e à Academia Musical União e Trabalho de Sarilhos Grandes, da qual faço parte dos órgãos directivos e tenho como hobby a escrita, ou por outra, o bichinho da poesia popular.

Embarquei para a Guiné no navio mercante "Ana Mafalda" integrando a Companhia de Caçadores 557 em 27/11/1963, desembarquei em Bissau a 3/12/1963, onde a Companhia 557 substitui transitoriamente a CCaç 556 no dispositivo do BCaç 600, com vista à segurança e protecção das instalações e das populações da área da Ilha de Bissau até à chegada da CArt 349.

Com vista a Operação Tridente em a CCaç 557 foi deslocada para Catió a fim de integrar as forças postas à disposição do BCav 490, o meu pelotão foi desanexado da 557 que esteve durante a operação na ocupação do Cachil e o meu pelotão em Cauane e Caiar integrado nas forças do BCAV 490.

Terminada a Operação Tridente fui despejado no isolamento do Cachil onde permaneci até 27/11/64 rendido pela companhia de CCaç 728.

A 557 regressou a Bissau tendo assumido a missão de segurança e protecção das instalações e das populações da área em substituição da CCaç 594, ficando então na dependência do BCaç 600.

Entre 7 e 10 de Maio de 1965 por rotações com a CCaç 412, assumiu a CCaç 557 a responsabilidade do subsector de Bafatá, com um pelotão destacado em Cantacunda outro em Camamude e um secção no Geba.

Em 27/09/65 embarquei no navio mercante "Niassa" de regresso a Portugal, desembarquei em Lisboa, Cais da Fundição em 03/10/65.

Com o pagamento da jóia e quotas se apresenta o novo tabanqueiro Francisco do Santos.

Para o blogue os meus segundos versos uma vez que o Colaço já fez com que fossem publicados os primeiros (*).

Desde o RAL3 em Évora, até ao cais da Fundição em Lisboa

Foi no RI16 formada
Sim, falo dela outra vez
Por 557 baptizada
Foi a partir do RAL3

De Évora até ao Barreiro
Se não me falha a memória
O combóio foi o primeiro
Transporte da nossa história

A viagem até foi boa
Onde a ansiedade escalda
Do Barreiro até Lisboa
Depois o Ana Mafalda

Pois foi este o navio
Que à Guiné nos levou
Depois de largar o rio
O oceano atravessou

Chegámos àquela terra
Para nós tudo diferente
para além da dita guerra
Outros hábitos outra gente

E a Bissau se chegou
Depois foi o dia a dia
O que mais nos impressionou
Foi a miséria que havia

Longe está a nossa partida
De regresso ao nosso lar
um por todos p´la vida
É a mensagem a passar

Nesta missão encontrámos
Obstáculos a contornar
Alguns meses ali passámos
Que pareciam não acabar

Depois fomos parar
Ao Como e ficamos sós
P´ra lutar e trabalhar
na defesa de todos nós

Com o moral nada em cima
Havia alguns requisitos
É que para além do clima
Era a luta dos mosquitos

Não havia água pura
Onde estava a Companhia
Só havia com fartura
Na época em que chovia

Não usávamos só a manha
Nas estratégias inimigas
Tínhamos a dura bolanha
Matacanhas e formigas

Era tiro e morteirada
Mas tudo isso se alterou
Quando uma bazucada
Na palissada esbarrou

Pouco depois para já
Diminuiu a pressão
Porque a norte em Bafatá
Iria terminar a missão

Tivemos como baluarte
Um excelente capitão
Connosco em qualquer parte
Nunca fugiu à razão

Chegámos ao fim da missão
Voltamos à terra natal
Desembarcámos na Fundição
Em Lisboa, Portugal !!!


Um alfa bravo para todos os tabanqueiros
Francisco dos Santos.

Francisco Santos, 1.º Cabo da CCAÇ 557

Francisco Santos na actualidade


2. Comentário de CV:

Caro Francisco Santos
Desculpa teres ficado um pouco de tempo à espera para entrares na oficialmente na Tabanca, mas tem havido alguma aglomeração de trabalho e só há pouco tivemos reforços na equipa editorial. Daqui a uns dias tudo voltará ao normal, esperamos.

Estás em casa, uma vez que já tens uns versos publicados no nosso Blogue, através do teu e nosso camarada José Colaço. Não terás endereço próprio, mas a alternativa do Colaço serve perfeitamente para que cheguem até nós os teus textos, provavelmente a tua especialidade, em verso. Podes anexar também fotos legendadas, pois serão sempre bem-vindas.

Caro Franciso, deixo-te o tradicional abraço da tertúlia e votos de muita saúde.
__________

Comentários de CV:

(*) Vd. poste de1 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4196: Blogpoesia (39): CCAÇ 557, Missão cumprida na Guiné (José Colaço/Francisco dos Santos)

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4322: Tabanca Grande (138): José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974

terça-feira, 29 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3100: Bibliografia de uma guerra (29): Romance de Armor Pires Mota: A Cubana que dançava flamenco (Virgínio Briote)


A Cubana que dançava flamenco
Armor Pires Mota
Imagens & Letras
Maio de 2008
€11.99

A nova obra de Armor Pires Mota conta a história de um alferes que, com três meses de comissão, é apanhado pela guerrilha na zona de Bissorã. Preso e acorrentado, vive os primeiros tempos no acampamento de um tal Mamadú Indjai, sob a ameaça constante de fuzilamento. Assiste à chegada dos primeiros combatentes cubanos [, facto que ocorre, historicamente, em meados de 1966]. Com o tempo ganha a confiança de mulheres guerrilheiras e acaba por participar na guerra, primeiro como carregador e municiador e mais tarde com uma Ak-47 nas mãos. Um desentendimento na guerrilha leva-o de novo a Mansoa, já no final da comissão.

Armor Pires Mota, natural de Oiã, Oliveira do Bairro, foi mobilizado em 1963 para a Guiné. Incorporado no BCav 490, como alferes miliciano, esteve primeiro na intervenção na zona do Oio, no arquipélago do Como e posteriormente em Jumbembem, quando o Batalhão estacionou em quadrícula na zona de Farim.

Tem várias obras publicadas, algumas sobre a Guerra na Guiné: Tarrafo, Guiné Sol e Sangue, Cabo Donato e Estranha Noiva de Guerra.

__________

Nota de vb:

Artigos relacionados em

9 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2965: Bibliografia de uma guerra (28): Farim nos finais dos anos 60 e a História do Império Mandinga (Virgínio Briote)

5 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2916: Recortes de Imprensa (5): Armor Pires Mota lança novo romance de temática guineense, A Cubana que Dançava Flamenco

domingo, 1 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2909: Convívios (62): Encontro do BCav 490 (Valentim Oliveira)

Convívio do BCav 490

Mensagem do Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490:

Amigo Virgínio,

Mais uma vez me dirijo á Tabanca Grande, para comunicar que o Convívio do Batalhão de Cavalaria 490 se realizou ontem, 31 de Maio 2008, em Vendas Novas.
Foi um convívio feliz pelo encontro de velhos Camaradas, que, muitos de nós só nestas alturas se encontram.

Para o ano de 2009, mais precisamente no último sábado do mês de Maio, o convívio vai ser em Viseu na "Quinta dos Compadres"- Restaurante bem conhecido no país inteiro.
Aproveito, desde já, para te convidar bem como a outros Camaradas (que tenham convivido com o Batalhão de Cavalaria 490, nos anos 64 e 65 na Guiné.
Junto envio algumas fotos do convívio realizado ontem em Vendas Novas.
Um abraço para ti e para todos os que lêem e fazem parte da Tabanca Grande.
Até breve,

Valentim Oliveira

__________

Imagens e texto do Valentim Oliveira.




Bolo com o emblema do Batalhão de Cavalaria 490





A mesa onde eu me encontrava. Do lado esquerdo o meu colega Luís Coimbra e do meu lado direito a minha esposa...





Linda paisagem em frente ao quartel de Vendas Novas.





Eu e o meu colega Luís Coimbra, que era também da CCav 489 (que esteve estacionada em Cuntima até Agosto de 1965).

__________

Notas de vb:

1. Caro Valentim,

Tenho pena de não ter tido conhecimento. Era com muito gosto que gostaria de rever os Camaradas que conheci em Farim, Cuntima e Jumbembem, entre Janeiro e Maio de 1965.

Apesar de não ter estado com o pessoal do BCav 490 mais que cinco meses foi com muito orgulho que fiz parte de tal gente.
Se tiveres mais fotos do encontro agradeço que mas envies, com a identificação possível.

Um abraço,
vb

2. artigos relacionados em

23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2874: Um dia na Ilha do Como: Operação Tridente, Fevereiro de 1964 (Valentim Oliveira, CCAV 489/BCAV 490)

13 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2756: Tabanca Grande (62): 14 de Abril de 1965, domingo de Páscoa em Farim (Valentim Oliveira, CCAV 489 / BCAV 490, 1963/65)

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2874: Um dia na Ilha do Como: Operação Tridente, Fevereiro de 1964 (Valentim Oliveira)

Um dia passado na ilha do Como

Texto e fotos do Valentim Oliveira, Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490:



Mensagem do Valentim Oliveira, de 1 de Maio

Caro amigo Virgínio,


Conforme o prometido mais uma vez me dirijo à nossa casa virtual, a Tabanca Grande, para que através desta majestosa camaradagem possa dar mais algumas notícias minhas.

Hoje vou escrever um pequeno comentário de uma passagem ocorrida na Operação Tridente, na Ilha do Como.

Estávamos no mês de Fevereiro de 1964, o dia não o tenho memorizado, mas tenho a convicção certa que o mês era Fevereiro. Estive antes acampado junto ao mar, onde se encontrava o comando principal e a artilharia, ou seja, os obuses (canhões). De seguida eu e muitos mais seguimos para um acampamento distanciado mais acima; isto em Caiar.

O Valentim com um Camarada na praia de Caiar, ao Sol, no intervalo da Guerra do Como (ou Komo), em Janeiro ou Fevereiro de 1964.

Aí nos entrincheirámos nos abrigos subterrâneos em grupos de três, num descampado, lugar esse que eram terrenos de cultivação de arroz, junto à orla da mata. É claro que havia festa quase todos os dias, mas como as costureirinhas cantavam um pouco longe, nós até nem ligávamos muito aos zumbidos que passavam muito por cima de nós, e também se calavam logo assim que as granadas dos obuses começavam a cair em cima.

Mas houve um belo dia em que a sopa se entornou...As costureiras começaram a cantar e nós apenas nos limitámos a ouvir, quando de repente começamos a ser atingidos por granadas de morteiro. Felizmente nenhuma fez estragos em cima de nós, mas nos primeiros momentos deu para assustar. O tiroteio não foi longo, porque nós ripostámos de imediato, assim como a artilharia que se encontrava uns quilómetros atrás, junto ao mar.

Também estive nesse local quase a passar para o outro lado, com o paludismo. Valeu um heli, que três dias depois apareceu com medicamentos. Pronto, assim dito mais uma versão de um acontecimento passado na Guiné.

Um abraço para o comandante Luís, para ti e para o Vinhal e para todos os camaradas e amigos tertulianos.

PS: Junto envio duas fotos uma fardado e uma a civil para que se possível sejam inseridas na Tertúlia.

Valentim Oliveira
__________

Nota de vb:

artigos relacionados em

13 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2756: Tabanca Grande (62): 14 de Abril de 1965, domingo de Páscoa em Farim (Valentim Oliveira, CCAV 489 / BCAV 490, 1963/65)

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

domingo, 23 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2375: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (8): A Batalha do Como (Mário Dias / Santos Oliveira)

Photobucket

Guiné > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > "A designada Ilha do Como é, na realidade, constituída por 3 ilhas: Caiar, Como e Catunco mas que formam na prática um todo, já que a separação entre elas é feita por canais relativamente estreitos e apenas na maré-cheia essa separação é notória.

"Na ilha não existia qualquer autoridade administrativa nem força militar pelo que o PAIGC a ocupou (não conquistou) sem qualquer dificuldade em 1963. As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

"Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha.

"Portugal não exercia, de facto, qualquer espécie de soberania sobre a ilha. Tornava-se imperioso a recuperação do Como. Foi então planeada pelo Com-Chefe a Operação Tridente na qual foram envolvidos numerosos efectivos, divididos em 4 Agrupamentos (...), num total de cerca de 1200/1300 homens"

Fonte: Mário Dias > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias) (15 de Dezembro de 2005)

Foto e legenda: © Mário Dias (2005). Direitos reservados. Imagem alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2007 Photobucket Inc. All rights reserved.

Guiné > Região de Tombali > Como> 1964 > Pel Mort 912 > Carta de tiro para a posição ocupada no do Cachil

1. Mensagem enviada dia 19 de Dezembro, pelo editor, ao pessoal da Tabanca Grande:

Amigos e camaradas:

A quem viu ontem o último episódio desta primeira série sobre A Guerra - a II Parte será só para o ano, foi o que deduzi - , gostaria que comentassem a batalha do Como, que teve o merecido destaque (2ª parte do programa). Acho que foi um bom trabalho de investigação documental... Mário Dias: Não queres quebrar o teu silêncio ? Santos Oliveira, que achaste ? Luís Graça


2. A resposta do Mário Dias e do Santos Oliveira não se fez esperar. Aqui vai já a do Mário Dias, de 20 de Dezembro:


Caro Luís e camaradas desta Tabanca Grande que já é mais Hipertabanca.

Luís:

Só mesmo tu, com esses teus apelos tão subtis, consegues fazer-me sair da
hibernação na qual tão bem me sinto. A este meu despertar - momentâneo - não é estranha a deixa que o Santos Oliveira (a quem particularmente saúdo) me lança na resposta à tua mensagem.

Ele, embora não participante na Op Tridente [Jan/Mar 1964], esteve no Cachil e portanto conhece bem o terreno e como era aquela mata do centro da ilha. Já agora, antes que me esqueça, a minha admiração pela carta de tiro que elaborou e que está muito correcta quanto aos objectivos principais. Ao vê-la no blogue, recordei todos aqueles locais por onde andei e que lá estão referenciados: Cauane, Curcô, S.Nicolau, Cassaca, Cachida e Cachil (1).

Mas vamos ao que interessa, isto é, a minha opinião sobre o episódio da Batalha do Como, da série "A Guerra", exibido pela RTP (2).

Também eu julgo que, de um modo geral, os relatos feitos por ambas as partes estão certos e não houve exageros nas opiniões dos intervenientes. O que se me afigura é que deveria conter mais imagens que ilustrassem as dificuldades do terreno, tanto das bolanhas como da cerrada mata, bem como cenas de combate, que existem. Recordo que por lá andou um reporter que na Guiné cobria todos os acontecimentos de relevo para a RTP. Chamava-se Sousa Santos e filmava tudo nas velhas máquinas com suporte de película de 16 mm.

Também um 1º cabo fotocine, de seu nome Raimundo e ao qual me referi nos relatos que fiz sobre esta operação, filmou alguns combates para o EME [Estado Maior do Exército]. Nas imagens apresentadas reconheci, como é natural, muitos dos participantes e relembrei algumas cenas tais como:

(i) A incrível improvisação do acampamento onde se instalou a chamada "Base Logística" e que servia também de comando da operação;

(ii) As péssimas condições de alimentação, que foram exclusivamente ração de combate nos primeiros 23 dias e de apenas uma refeição quente por dia no tempo restante;

(iii) A travessia de um braço de ria sobre uma ponte pedonal no trajecto entre a base e Cauane. A cena é de uma fase já mais avançada pois, de início, nesse local existiam apenas uns troncos muito toscos que só podiamos utilizar na maré vazia. Essa ponte foi construida com ferros de andaime e pranchas de madeira pelos sapadores de engenharia. A isso me refiro também nos meus relatos;

(iv) A outra imagem que me fez sorrir foi a do grupo de comandos em Cauane junto ao tosco mastro onde estava hasteada a bandeira nacional. Parecemos mais um grupo de maltrapilhos do que os combatentes empenhados, aprumados e disciplinados que, modéstia à parte, realmente eramos. O que se passou foi que à chegada ao local do reporter (de helicóptero, claro) nós tínhamos os camuflados e enxugar da água e da lama do atravessamento de uma bolanha. Tem o seu quê pitoresco.

Quanto aos aspectos operacionais propriamente ditos, podes verificar que os relatos que fiz para o blogue estão correctos e confirmados pela "outra parte" da contenda. Os guerrilheiros do PAIGC abandonaram as tabancas e instalaram-se na mata muito cerrada onde se escondiam mas fomos à procura deles. Ao princípio foi bem difícil pois o seu poder de fogo e a abordagem da mata feita por terreno descoberto deu-lhes vantagem. Porém, tentando a aproximação de noite e também com algumas manobras de diversão fomos conseguindo. Se de início eles faziam muito mais fogo do que nós, na fase final já estavam debilitados e com falta de munições conforme se ouviu na reportagem.

Entravamos e saíamos da mata com relativa facilidade e evitavam o contacto. Limitavam-se a tiros isolados dados pelos sentinelas para avisar da nossa presença.

Certamente que durante a operação Tridente muita gente, principalmente população, abandonou a ilha. É possível que após a nossa retirada, sentindo-se mais seguros, tivessem regressado bem como a própria guerrilha se tivesse reequipado e fortalecido. O que eu sei, e disso estou seguro, é que no final da batalha era fácil para qualquer tropa, continuando a patrulhar e a efectuar acções ofensivas, dominar a situação no terreno o que não teria permitido a reinstalação em força da guerrilha. Não sei se isso foi feito ou não mas, só por curiosidade, talvez o Santos Oliveira que esteve no Cachil depois da Batalha do Como nos possa esclarecer sobre a actividade operacional, fora do arame farpado, desenvolvida pela companhia ali aquartelada.

Para todos os habitantes da nossa Tabanca Grande, com especial relevo para o régulo Luís, os meus desejos de Feliz Natal.

A todos envolvo no meu abraço
Mário Dias


3. Comentário do Santos Oliveira (a quem agradeço a gentileza de me ter telefonado, ontem à tarde, desejando Bom Natal... Não o atendi, mas deram-me o recado... Desculpa lá, Oliveira, andava a passear na Praia da Cova... Sábdao, vim almoçar, de propósito, ao restaurante Carrossel - Largo Beira Mar, Cova, Gala, a Figueira da Foz à vista -, recomentado pelo António Pimentel que é um grande gastrónomo, vive no Porto mas é natural de Figueira... António: Adorei! Fui nuns Samos de peixe, numas Choras de línguas de bacalhau e numa Feijoada de búzios... Excelentes três sabores do mar, que partilhei com a minha mulher e a minha filha, para preparar o estômago para o Natal minhoto-duriense... E assim cheguei ao Porto, já ao fim da noite, vim nas calmas, pela A8, A17, A29):

Caríssimo e Digníssimo Régulo:

Saudações

Luís, afinal quem é vivo...

Cá vai a minha visão acerca da dúvida levantada pelo Mário Dias: Eu, Pel Independente de Morteiros 912 (em miniatura), recebi Ordens Divinas (CEM e Governador Militar) de que a Posição era para ser mantida com os meios próprios e sem interferências de mais ninguém (As CCAÇ destacadas para o Cachil), tão-somente me reportaria ao CEM (1).

A Secção estava permanentemente vigilante e de prevenção.

As Ordens recebidas pelas Companhias que por lá passavam, desconheço-as totalmente (nem dava, nem recebia confiança das ditas). Mas, na verdade, NUNCA vi qualquer das Unidades a sair, a não ser para ir à Lancha da Marinha que, diariamente, nos trazia a Água Potável desde Catió, em BARRIS de Vinho (e com sabor e cheiro ao tinto), ou a LDP que nos trazia Géneros a cada mês.

Eu, particularmente, sofri o tormento da água, já que não desinfectava o sangue com álcool (whisky, bagaço, vinho ou outros).

Sei que não respondo ao Mário, mas que se levanta uma dúvida, lá isso levanta. Já o disse (e volto a repetir) que só os Cmds das Unidades poderão esclarecer este ponto.

Não haverá, por aí, alguém das Companhias, que tivesse residido no Cachil após a Op Tridente, que seja senhor deste tipo de informação?

Delator, precisa-se!

Cordiais saudações à Tabanca e a toda a Aldeia, mas em particular retribuindo-as ao Mário Dias. Obrigado, amigo por acordares do teu Inverno. Também renovo os meus Votos de Boas Festas.

Um abraço com o Espírito da Época, do
Santos Oliveira

______________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

(2) Vd, último post: 19 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2282: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (7): A revolta do pessoal da geração de 1961/66 (Santos Oliveira)

(3) Vd. o dossiê sobre a Operação Tridente, da autoria do Mário Dias, que participou nessa famosa operação:

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

sábado, 15 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

1. Mensagem do Santos Oliveira ( 2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Como, Cufar e Tite, 1964/66) (1), enviada para Mário Fitas, em 11 de Novembro de 2007:

Revisão e fixação do texto: CV


Caríssimo Amigo Vicente [ou Fitas]:

De acordo com a nossa conversa telefónica de ontem, vou tentar escrever o que sei dizer, mesmo com imprecisões cronológicas, datas e ausência de muitos nomes, que durante cerca de 40 anos procurei varrer das minhas lembranças.

No entanto, os factos vividos jamais foram esquecidos, sobretudo os que foram menos maus, pelo que te narrarei e documentarei, sempre que possível, o que tu próprio testemunhaste, embora num período curto (do mesmo modo que todas as Unidades que por mim passaram, ou eu por elas passei).

Gostava ainda de referir que passei, entre a minha chegada e a despedida, cerca de 20 dias com o Pelotão Independente de Morteiros 912 e que não sei distinguir quem foram os militares (afora os 2 Cabos e 7 Soldados que sempre estiveram comigo) que pertenciam à minha Secção de 20 homens.

Após a apresentação no BCAÇ 599 e depois ao Pel Mort 912, foi-me ordenada a Missão de, por três meses, render a Secção da mesma Unidade que estava há 4 meses na Ilha do Como.

Na passagem por Bissau, foi-me ordenado, verbalmente, por Sua Ex.ª o CEM, Ten Cor Rebelo de Andrade, que:

1) - A posição do Cachil (Ilha do Como) era vital para as NT; por isso teria que usar todo o meu potencial material e humano, com os critérios que eu próprio estabeleceria;

2) - Operacionalmente, reportar-me-ia exclusivamente a Sua Ex.ª e que ninguém interferiria comigo;

3) - Que, no exterior, me aguardava um condutor para me fazer transportar ao Palácio do Governo, para receber o aval de Sua Ex.ª o Governador, Gen Arnaldo Schulz. Sua Ex.ª informou-me que, tudo quanto o CEM tinha dito, era para ser cumprido, mas que continuaria a ser ordem verbal.

Efectuei a instalação de três Morteiros, em posição adequada, após ter analisado todas as probabilidades da situação militar e do terreno, aliei os conhecimentos adquiridos e aperfeiçoados em Lamego.

Criei a minha própria Carta de Tiro para o local, inventei um transferidor de tiro (tudo tosco como o só o Português sabe fazer).


Foto 1 > Como> Carta de tiro para a Posição ocupada no do Cachil



Foto 2 > Como> Transferidor de tiro que parece ter sido adaptado oficialmente e agora se denominará M1o


Ensaiei e esperei. Nessa Noite não tivemos visitas. Passados sete meses (sem sequer ter obtido qualquer resposta, ou comunicação do Cmdt do Pel Mort 912, acerca do que quer que fosse, inclusivamente dos Vencimentos e Pré dos Militares que estavam sob o meu Comando, desloquei-me a Catió, sendo recebido pelo 2.º Cmdt do BCAÇ 616 (?), confrontando-o com os três meses de Missão, com os Vencimentos, com a Disciplina (já não cortava o cabelo há 4 meses) e com a ameaça de agredir um qualquer Oficial, porque se isso resultou com o meu antecessor colocado em Bissau, no BSM (Furriel Miliciano Contente – já falecido), certamente também iria resultar comigo.


Foto 3 > Como> Estava na moda ser Beatle, vejam o meu cabelo


Tive a promessa de que iria resolver o nosso problema da Ilha do Como e a meia verdade é que apenas fomos deslocados, dois meses depois, para Cufar. Já não era tão mau, embora durasse mais quatro meses...

No Como, se exceptuássemos as rendições periódicas de Unidades, éramos flagelados todas as noites. Já nem dávamos muita importância. Apenas era muito útil para o açambarcamento de munições de morteiro, já que eram fictícios os números de disparos, porque, raciocinava eu, estávamos completamente à nossa mercê; só podíamos ter LDM durante o dia e se houvesse maré; similarmente se passava com os meios aéreos que só faziam Missões de Apoio de Fogo de dia.

Fizemos abrigos subterrâneos e aí colocávamos as nossas reservas. Nas rotações das Unidades as coisas ficavam um pouco feias. Continuava a reclamar o Pré e Vencimento, até que, finalmente, talvez pressionado por outro alguém, o nosso Alferes Rodrigues, dito Comandante do Pelotão, nos deu o ar da sua graça e enviou-nos os nossos bem merecidos Vencimentos, mas … em cheque.

Ficamos perplexos e até o 1.º Sargento da Companhia (?) ficou abismado e andou pelo aquartelamento com o braço erguido a mostrar o cheque. Só não conseguia ter um encontro, de amigos, com o Comandante Nino para lhe pedir o favor de descontar, o dito, lá por Conacri, onde ia regularmente. É de loucos.

Outrossim, ouvíamos alternada e quase continuamente a Rádio Moscovo e a Rádio Portugal Livre, esta a emitir a partir de Argel e apresentada por um distinto militar português, que havia desertado [, o Manuel Alegre].

Oficialmente, era proibido escutar estas emissoras, mas o facto é que ali se ouviam algumas verdades; era uma questão de saber separar o trigo do joio.

A 16 de Novembro de 1964, avistei dois charutos estampados no escuro do céu, de forma difusa, que aparentavam dois cigarros acesos atirados ao ar, desde o fundo do aquartelamento. A recriação, mais ou menos fiel dos Fortes de defesa contra os Índios, em que a paliçada era construída de troncos de Palmeira, que, como se sabe, são moles e duram cerca de três meses; aquelas tinham mais que isso. Portanto, eram apenas uma defesa psicológica.

Acordei. A Rádio Portugal Livre havia sido extremamente suave e comedida no seu estilo linguístico.
-Fogo! Rápido!

Os objectivos estavam todos (todos, mesmo) planeados, para obstar a continuação do fogo de Morteiro. E assim foi. Mas o caso era muito mais sério, porque deslocaram para a orla da mata muitas metralhadoras pesadas (incluindo quádruplas, destinadas a tiro antiaéreo) que nos fizeram lembrar que o pior estava para vir. A densidade de fogo era tamanha que a iluminação e as antenas do Posto de Transmissões foram destruídas. Chegaram a ter metralhadoras pesadas no perímetro interior do arame farpado (havia duas barreiras aos 30 e 60 metros).

Bem, chuva miudinha, molha tola, e as calças do camuflado completamente secas. Demos o nosso melhor, fazendo tiro, a olho, para os locais em que as pesadas cantavam e chegamos até ao incrível (perigoso e inseguro, embora tivesse a consciência disso) de fazer fogo para as pesadas, dentro do perímetro de segurança. Tínhamos os Morteiros sobreaquecidos, alaranjados…

O inesperado aconteceu. Uma granada não percutiu. Tirei o blusão do camuflado e fui afastado pelo cabo e dois soldados que me pediram para continuar com os outros dois Morteiros. A munição foi retirada com sucesso; no entanto, por precaução, colocamos a arma fora de serviço. Quando arrefecesse, logo se veria.

Foram 216 granadas, durante as duas e horas e vinte que durou o ataque. Depois, de repente, o silêncio expectante e caricato da noite africana.

Apenas nos restavam munições para, naquele rimo de fogo, mais cerca de 15 minutos. Se não fora a batota calculada... Aguardámos algum tempo e tentámos, mais vigilantes pela falha na iluminação exterior, retomar o nosso ritmo normal no meio dum escuro e sepulcral silêncio.

Voltamos ao Noticiário da Rádio Portugal Livre, que estava prestes a começar. Uma gargalhada geral ecoou por aquelas bandas. Não é que o ilustre locutor nosso conhecido, acabara de declamar: ”A Ilha do Como acaba de ser libertada. As tropas colonialistas foram completamente derrotadas. Não há sobreviventes.
- Então, eu estou morto!


Foto 4 > Como> Os que "morreram" na noite de 16 de Novembro de 1964. Em cima: Soldados, João Marçal, João Paulo, Manuel Pinto, 1.º Cabo António Gomes e eu. Em baixo: 1.º Cabo Abílio Marques; Soldados, Amélio Fernandes, Carlos Mosca, Eduardo Martinho e Artur Rodrigues.


Foto 5 > Como, Novembro de 1964> Pormenor do cartão onde, a giz, se indica foram só 216 granadas. Lê-se mal, mas com esforço percebe-se; na Op Tridente, em mais de 70 dias, apenas gastaram cerca de 500 granadas.


De Catió, soubemos depois, expectantes, viram os clarões, ouviram os rebentamentos e não fizeram nada; absolutamente nada, embora tivessem um Pelotão de Artilharia com duas Peças de 8.8cm e com alcance mais que suficiente para, pelo menos, desmoralizar o inimigo. Não havia comunicações, mas nada ???!!!...

Conjecturas foram mais que muitas, mas que caíam sempre no mesmo: Não se safou ninguém!”. Eu tinha um soldado que estava em Catió, porque havia ido ao médico.

O balanço do dia seguinte, era dantesco. Massa humana com fragmentos de armas, pedaços de armas, ausência do arame farpado nas duas fiadas, a orla da mata tinha recuado uns 30 a 40 metros, porque as palmeiras ou não tinham ramagem ou estavam partidas, apenas um corpo em muito mau estado, uma PPSH e o mais espantoso, entre três poilões dispostos em triângulo e que formavam uma espécie de salão inexpugnável e a que denominávamos Enfermaria, recolhemos 2 unimogues de ligaduras sanguinolentas e alguns apetrechos médicos.

Mais nada, porque quem conhecia a mata teve todo o tempo para efectuar a sua limpeza de corpos, feridos e armamento.

Em Tite, (estive a acumular operações no BCAÇ 1860, sob as ordens do Ten Cor Costa Almeida e Major Jasmim de Freitas) procurei e descobri que o Comandante Nino levara mais de três mil homens para aquela missão. Pouca sorte a dele...

Quando foram restabelecidas as comunicações, a Guiné, no seu todo, regozijou. Dezenas de mensagens de felicitações… A esta distância, no tempo, a minha gratidão a todos os que compartilharam da nossa alegria. Já havíamos sobrevivido...

Os louros foram todos para a Companhia residente. Afinal, duma Secção de Morteiros, de dois (2) morteiros e vinte (20) homens, apenas havia dez (10) homens e três (3) Morteiros.

Que falem os responsáveis da Companhia que lá estava na época. Sinceramente gostava de conhecer o teor ou o ponto de vista tida do lado da Companhia destacada. Já foram questionados, os meus subordinados, mas nenhum se lembra da identidade da Unidade (tantas foram, as que por nós passaram…)

Os meus três Morteiros estavam com a cor característica de terem sido destemperados (anéis azulados de tons vários) cerca da zona de percussão. Valeu-nos o Mec Auto da Companhia para nos desenrascar lixa de água (a única que dispunha) e tinta dos Unimog.

Nada grave se não se soubesse. Mas com aquela cadência de tiro, cerca de cinco vezes superior ao normal, era, além de anti-regulamentar para a especificação da Arma (disciplinar, também), era esperado acontecesse, mesmo visto por um leigo.

No entanto, com ferramenta improvisada, lá estivemos todo o dia, a rectificar (com lixa de água) o tubo da arma, porque havia apertado e riscado, com o forte aquecimento que teve, e a granada não descia ao percutor.

Para testar, retiramos a espoleta e o cartucho propulsor a uma granada; quando esta começou a passar livremente, demos por terminado o trabalho. Estava como nova, operacional, e foi reintroduzida no Serviço. Nada se soube a nível oficial.

Em Cufar, repeti o estudo pormenorizado do terreno, instalei os Morteiros no local que entendi ser o adequado, ensaiei e, à semelhança da Ilha do Como, elaborei uma Carta de Tiro para os objectivos assinalados.


Foto 6> Cufar> Carta de tiro de morteiro para a Posição de Cufar


A situação era incómoda para a CCAV 703 (?). Tivemos um primeiro ataque e, como o terreno era bem mais aberto que no Como, tudo resultou pela positiva. A guerra desvaneceu-se.

Tentaram jogar com a CCAÇ 763 (era sempre assim, quando rodavam as Companhias).

Para mim, já era tudo automático (não simplista), porque os trabalhos de casa eram feitos previamente. Sei que causava muita confusão, mesmo a Companheiros da Especialidade, verem-me fazer fogo sem colocar o aparelho de pontaria (só era utilizado quando se alterava a posição do Prato). Sempre foi uma questão Geométrica, de pontos de referência, estacas, etc.

Tive muitas cumplicidades com o Cap Costa Campos, com quem tive o gosto e a honra de partilhar pontos de vista acerca do modo de fazer a Guerra (firmeza, flexibilidade e humanidade). Foi um grande oficial (um dos poucos oficiais que, frontalmente, valorizava e apreciava o meu trabalho e era humilde para ser capaz, com a sua formação castrense, de mo dizer de viva voz).

O que se passou para a frente, enquanto estive em Cufar, considerava eu, serem pequenas escaramuças; 4 ou 5 granadas bastavam para fazer a paz (excepções para as intervenções que a CCAÇ 763 onde tive que fazer Apoio de Fogo).

Voltei a Tite, não por vontade própria, mas porque o tempo de regresso dos meus homens chegou ao fim.

Comparativamente com o Cachil (Como), a nossa estadia em Cufar, igualmente sem qualquer conforto, eram como que de férias, descanso, tranquilidade, paz interior.


Foto 7 > Cufar, Abril de 1965> Abrigo-Suite que através de trincheiras nos tinha em ligação com os abrigos de morteiros

Fotos e legendas: © Santos Oliveira (2007). Direitos reservados.

Tive saudades daquela gente, naquele lugar, que respeito e admiro muito e que igualmente muito me acarinharam (eles nem sabiam quanto…)

Do meu Cmdt de Pelotão, nem sequer a dignidade duma referência, no seu Relatório Final, pelo desterro de 10 homens de quem se deveria sentir responsável. Para ele, não existimos nunca.

Estas são amostras dos episódios por que passámos.

Santos Oliveira
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Nota de CV:

(1) Vd. post de 24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)

domingo, 15 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P430: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)


Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > O Mário Dias é o único dos membros da nossa tertúlia que pode dizer: "Eu estava lá"...

Foto (e legenda): © Mário Dias (2005)


1. Recomenda-se a leitura (e a divulgação) deste post do Mário Dias: é uma intervenção serena mas corajosa, que serve de exemplo para todos nós... Para que a história (a pequena e a grande) não seja falsificada, intencionalmente ou não, por motivos ideológicos, políticos ou outros... Essa é uma obrigação que nos compete a todos nós, ex-combatentes, a de zelar pela verdade dos factos... Porque nós estivemos lá! O Mário, esse, esteve mesmo no Como, de janeiro a março de 1964...

De qualquer modo, também seria interessante ver, noutra ocasião, o que é o PAIGC e os seus apoiantes e simpatizantes (no estrangeiro) disseram sobre a batalha da Ilha do Como e as "regiões libertadas"... É evidente que, de um lado e de outro, também se travava a batalha da propaganda, a batalha das ideias (que são muito mais eficazes do que as balas)... O PAIGC conseguiu muitos apoios (incluindo de países ocidentais, como a Suécia) através de uma excelente trabalho de informação e contra-informação...

Por outro lado, a verdade é que nós estavamos do lado errado da História... A culpa não foi nossa, dos nossos valorosos combatentes, mas sim da incapacidade política dos nossos dirigentes (que nem sequer eram democráticos, escolhidos por nós, pelo nosso povo...). Isso não nos impede de repormos a verdade dos factos, como o Mário Dias aqui faz (e bem), quando se trata da actividade operacional de que fomos actores ou testemunhas!... L.G.
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Texto do Mário Dias (ex-sargento comando, Brá, 1963/66)

Ainda sobre a Operação Tridente (Ilha do Como, Janeiro a Março de 1964): O porquê da divergência de opiniões (*)

1. Como se devem recordar, a minha intervenção neste blogue acerca da Op Tridente, realizada na ilha do Como de 14 Janeiro a 24 Março de 1964, foi uma tentativa de esclarecer o que ali se passou. Relatei a verdade dos factos, tal como por mim foram vistos e vividos.

As dúvidas e versões contraditórias devem-se ao mau serviço de alguns escritores que vêm - com as suas descrições onde nem conseguem disfarçar opiniões pessoais de índole política ou ideológica - tentando escrever a história que corresponda “à sua história”.

Infelizmente, muitos dos livros publicados sobre a Guerra do Ultramar estão cheios de imprecisões, casuais ou premeditadas, disso resultando uma falsa avaliação por parte de quem não assistiu aos factos e deles tem conhecimento apenas através de tais publicações.

A comprovar esta minha afirmação, transcrevo um texto extraído do livro Os Anos da Guerra da autoria de João Melo e publicado pelo Círculo de Leitores.

Trata-se de uma antologia que engloba diversos autores que abordaram o tema. No Vol. II do referido livro (pags. 145 e 146) pode ler-se a descrição da Batalha da Ilha do Como, na perspectiva do autor do livro Os Mortos de Pidjiguiti, José Martins Garcia (**), que foi oficial de transmissões na Guiné em 1967 (As chamadas são de minha autoria):

Em Catió, onde os ataques nocturnos foram, por alguns anos, relativamente escassos, ouviam-se muito bem os rebentamentos das morteiradas vizinhas, desferidas contra Bedanda, Cachil, Ganjola e, mais raramente, Príame, onde João Bakar Jaló, senhor de muita mancarra e de sete mulheres, valia, com a milícia fula, por um inteiro exército, conhecedor como era do mato, dos atalhos, dos costumes e manhas do inimigo.

Com o tempo, a guarnição de Catió acabou por reduzir-se a proporções mais aceitáveis: uma CCS burocratizada, visto ali continuar a sede do batalhão; uma companhia de intervenção; dois pelotões independentes, um de artilharia e outro de cavalaria. Mas, antes de a estratégia estabilizar nesta aparente razoável força, dali partira a mais desgraçada expedição dos tempos modernos do colonialismo português (1). A qual expedição, se não ganhou as proporções da batalha de Alcácer Quibir, nem por isso deixou de ficar pairando na imaginação estarrecida dos vindouros.

O ataque à ilha do Como, onde posteriormente se instalaria a chamada companhia do Cachil, nunca foi registado por cronistas, talvez porque estes, sempre tão eloquentes em caso de vitória, se desgostam das estrondosas derrocadas (2). Uma escassa tradição oral conservava, nessas paragens, quando ainda portuguesas, o eco tragicómico da negativa proeza. O transmontano Barreiros, que fora o primeiro europeu a abrir um comércio em Catió, uns vinte anos antes da eclosão da guerrilha, descrevia cautelosamente alguns pormenores do desastre, mas sem respeitar a cronologia(3). Invariavelmente, levava as mãos à cabeça e garantia:

- Foi um horror! Um horror!

O Barreiros era homem arreigado àquela terra, conhecedor de muitas trapaças e, graças ao destino, suspeito aos olhos de todos. Dos cabo-verdianos, por ser branco. Dos militares por ser comerciante, necessariamente ligado a muita gente da zona. Do pide, por falar ao administrador. Do administrador, por tagarelar com militares. Tantas e tão variadas suspeitas o perseguiam que, quando o autor destas linhas lhe dirigiu a palavra, o Barreiros não abriu a boca senão depois de esclarecido:

- Sou primo do tenente Dutra.
- Tome cuidado! - avisou. - Ele tinha a cabeça a prémio.

Nenhum pormenor, porém, quanto à natureza e à fonte de semelhante informação. O Barreiros, magro, nervoso, baixote, possuía mãos de ferro, uns gadanhos onde circulava uma força misteriosa. Se fechava a pata sobre o pulso dum homem normal, não havia meio de uma pessoa se libertar daquele apertão metálico. Ali, com mulher e três filhos miúdos (os mais velhos estudavam em Bissau), jurava pelo Deus dos brancos não abandonar um palmo do que lhe pertencia. Mas a tropa resmungava que o Barreiros era má rês e pagava tributo ao PAIGC, pois já então não se sabia quem viria a mandar no amanhã.

O “horror” que frequentemente lhe suspendia a narrativa aplicava-se à inépcia das Forças Armadas Portuguesas e ao desconcerto do mundo em geral. Por causa desse desconcerto, os “turras” raptavam-lhe os criados e estragavam-lhe a vianda e a mancarra. Aquela ideia militar de invadir a ilha do Como afigurava-se-lhe, todavia, o pior sinal dos tempos. Gente louca, gente desalmada, incapaz de perceber que a arte da guerra se havia modificado! Setenta baixas em poucas horas (4) - tal fora o balanço aproximado da estratégia estúpida desse senhores fardados!

A Força Aérea cumpriu o seu dever, descarregando sobre os objectivos o arsenal estipulado. Para nada! Os abrigos subterrâneos da ilha de Como, construídos, dizia-se, pelos soldados de Hitler, em certa fase da Segunda Guerra Mundial, resistiam bem a qualquer bombardeamento, não só devido à cortina natural da vegetação como pela existência do material, coisa alemã, coisa inexpugnável, ali mandada cavar pelo Hitler, que não era tão cretino na guerra como alguma da nossa tropa (5).

- Foi um horror! Um horror!

Depois da Força Aérea, coube a vez à artilharia, ali classicamente postada para cobrir o avanço da cavalaria. A artilharia cumpriu a sua missão, despejando sobre a ilha sinistra a quantidade estipulada de material ardente, sem grande precisão, aliás, pois o alvo flutuava nessa latitude onde as marés esticam e encurtam a terra em vários milhares de quilómetros quadrados. A cavalaria entrou nas lanchas da Marinha e, sob a protecção da artilharia, escorregou para o lamaçal desconhecido. A infantaria, finalmente chamada a reconquistar com o seu pé clássico o terreno rebelde, saltou no vazio, atolou-se, afundou-se, emaranhou-se e alguns dos nossos mais bravos soldados crucificaram-se a si mesmos no matagal (6).

E então o inimigo invisível foi abatendo misericordiosamente os feridos, enquanto a Marinha dava por cumprida a delicada missão, a artilharia cessava a sua actuação segundo bem conhecidas regras e a cavalaria jazia em veículos inoperantes (7). Havia muito que a Força Aérea despejara seus inócuos carregamentos, pois a noite caíra, repentina, e só os moribundos, sem cronista de serviço, se esvaíam sobre a lama que o tempo não guardou.

- Foi um horror! Um horror!

Dois anos depois, o Exército português instalou-se finalmente na ilha de Como, ao nível de companhia. Mas sem espaventos. Mansamente, o menos ruidosamente possível, sem apoio aéreo, sem artilharia nem cavalaria. Uma simples companhia de caçadores desembarcou em pleno dia no recanto da ilha chamado Cachil e aí cavou humildemente seus abrigos, sob os pilões gigantescos, rezando esperanças a quatro metralhadoras pesadas, dispostas segunda uma problemática rosa-do-ventos, rodeando o todo com arame farpado e entregando o futuro a algum milagre político (8).

Em toda esta intrigante aventura, houve sempre uma coisa que ninguém compreendeu: a função. Que faziam cento e tal homens na ilha de Como, encurralados entre o canal barrento, que os separava do continente incerto da Guiné, e a vegetação ameaçadora da ilha por entre a qual ninguém ousava dar passada? (9) Nem civis, nem militares, nem preto, branco ou mestiço sabiam responder a tamanha enormidade. E o Barreiros, há vinte anos ciente das Áfricas e dos abrigos edificados pelos soldados de Hitler, só respondia cuspinhando desprezo:

- Ora! Estratégia!...

O Cachil erguera-se, porém, nas imaginações. No passado recente, quando o surdo tenente-coronel Barreiros comandava o batalhão de Catió, a ameaça que mais insistentemente se lhe desprendia da boca era:

- Olha lá, ó militar! Queres ir prò Cachil?..."
.............................................

Alguns dos "sobreviventes" da batalha do Como (Op Tridente, de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964)... Entre eles, está o autor deste post (o segundo, a contar da direita).

© Mário Dias (2005).


2. Confesso que vai ser um pouco difícil conter os meus comentários ao texto acima transcrito dentro de limites correctos e educados. Na verdade, a tentativa de alterar a verdade histórica dos acontecimentos e a manipulação ideológica é tal que, para usar o adjectivo mais suave que me ocorre, só posso dizer que este texto é nojento.

Vejamos, ponto por ponto, o que tenho a rebater:

(1) Não foi de Catió que partiu a principal força de desembarque que actuou na ilha do Como. Tal força partiu de Bissau, conforme por mim já narrado. De Catió apenas houve algum apoio de artilharia na altura do desembarque e a participação de uma centena de homens, no máximo, o que não é relevante num universo de 1200 homens participantes na operação.

É, portanto, falso ter sido Catió o ponto de partida para a operação que reconquistou a ilha do Como.

(2) Diz o autor que o ataque à ilha do Como “nunca foi registado por cronistas”. Falso. Vários o fizeram e, entre eles, destaco Armor Pires Mota que nele participou como alferes miliciano do BCAV 490 (***).

O que na verdade acontece é que, para certos escritores-historiadores, há uma clara tentativa de manipular a opinião pública divulgando apenas os autores cujos escritos são favoráveis à sua ideologia. E a prova do que afirmo está contida no prefácio da citada antologia “Os Anos da Guerra”, de João Melo. Aí se podem ler referências como “…os nossos primeiros teóricos de uma literatura de guerra serem pessoas ideologicamente próximas do salazarismo…” ; “…resposta aos panegíricos dos cronistas patrióticos de então, em cujo rumo embarcaram autores como Armor Pires Mota, Reis Ventura e outros.”

Nenhum desses “teóricos” ou “patrióticos” foram incluídos na referida antologia que transcreve obras de 43 autores.

(3) O autor põe na boca do tal comerciante Barreiros, de Catió, a narração dos acontecimentos. Acontece que eu, também residente na Guiné desde 1952 e, apesar dos brancos se conhecerem quase todos uns aos outros, pelo menos de nome, nunca ouvi falar no tal Barreiros. 

Acresce ainda o facto de entre 1960 e 1962 eu ter trabalhado no Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e Indústria da Província da Guiné para onde, anualmente, todos os comerciantes obrigatoriamente enviavam um mapa com a situação de todos os seus empregados, incluindo aqueles que os não tinham que enviavam uma declaração negativa. Pois não me recordo de tal nome. Pensando tratar-se de um natural lapso de memória, perguntei recentemente a algumas pessoas que também por lá andaram nessa época mas ninguém se recorda de tal pessoa.

(4) As setenta baixas em poucas horas, são pura fantasia. Primeiro: não houve setenta baixas mas sim 8 mortos e 29 feridos, tal como consta no respectivo relatório de operações. Todos os que andaram pela guerra do [ Ultramar ] sabem que, se, por um lado, era possível algum exagero na contabilização dos mortos do inimigo, por outro não se podiam esconder ou ignorar as baixas das nossas tropas.

Segundo: a operação não durou “poucas horas” mas sim 72 dias.

(5) Este parágrafo só pode ser classificado como anedótico. Não havia abrigos subterrâneos na ilha nem nunca os soldados de Hitler lá estiveram durante e segunda guerra mundial. Que um fantasioso e quiçá ignorante comerciante (o tal Barreiros) afirmasse tal dislate, poder-se-á desculpar. O que é estranho é que um indivíduo que foi oficial de transmissões não tenha os conhecimentos suficientes de história para saber que nunca na Guiné houve a presença do exército alemão. Estranho. Muito estranho. É o mínimo que se pode dizer.

(6) Descrição romanceada. Parece o guião de um filme épico.

(7) E continua a fantasia: “… e a cavalaria jazia em veículos inoperantes.” O único veículo que existia na ilha do Como durante a Op Tridente era um jipe que nunca saiu da base logística. A cavalaria, que profusamente é citada, actuava como tropa de infantaria o que, aliás, era também comum aos batalhões de artilharia. Como todos sabemos, a designação de BCAV e de BART era dada por essas unidades terem sido mobilizadas pelas respectivas armas. Porém, na prática, todos actuavam como tropa de infantaria.

(8) Após o final da operação Tridente (Março de 1964) ficou instalada em Cachil uma companhia, conforme relatei, e não dois anos mais tarde como refere o autor do texto em apreciação. 

Aliás, um dos objectivos da Op Tridente era precisamente a instalação de uma companhia em Cachil, o que foi conseguido, ficando lá a CCAÇ 557, até Outubro de 1964, que foi substituída nessa data pela CCAÇ 728 (Fonte: Resenha Histórica -Militar das Campanhas de África (1961-1973) do EME - 3º volume). Carece portanto de fundamento a afirmação de que só passados 2 anos após a Op Tridente se tenha instalado uma companhia em Cachil.

(9) Aqui reside o cerne da questão. É que, se a partir da última fase da operação era possível às nossas tropas patrulharem e “ousarem dar passadas na vegetação ameaçadora da ilha” sem grandes percalços e apenas com esporádicos e fugidios contactos por parte dos guerrilheiros, o que ficaram lá a fazer os cento e tal homens da Companhia de Cachil? Estou em crer que se remeteram à relativa segurança do seu “forte estilo far-west”, aí aguardando calmamente pela rendição. Os guerrilheiros agradeceram.

Além do já comentado, não posso deixar de revelar a minha estranheza por frases pouco elegantes como “estrondosa derrocada” ou “eco tragicómico da negativa proeza”. Aceito que nem todos os militares que passaram pela guerra na Guiné e noutros territórios o fizessem com a convicção e empenho que o regime de então exigia. Porém, custa-me entender que a diferença de opiniões justifique este humilhar dos seus irmãos de armas.

E por aqui me fico no respeitante ao texto acima transcrito.


3. Mas há outros autores com afirmações pouco exactas. José Freire Antunes em “A Guerra de África” (Círculo de Leitores), Volume I, pag. 36 diz:

1964 Fevereiro - Março - Os rebeldes do PAIGC mantêm em seu poder a ilha de Como, não obstante a severidade dos ataques portugueses. É um primeiro embate, revelador da forte estruturação da guerrilha e da eficaz mentalização ideológica ditada por Cabral. A Guiné torna-se progressivamente o nosso mini-Vietname.

Comentário: Precisamente na data indicada, Fevereiro-Março de 1964, estava em curso a Op Tridente com várias unidades do exército e dos fuzileiros instaladas em diversos locais da ilha. Mesmo depois da retirada das tropas, concluída que foi a operação, lá ficou instalada uma companhia em Cachil (CCAÇ 557). Que “posse” por parte do PAIG era esta? Porquê então Nino Vieira dirigiu aos seus homens a angustiante mensagem transcrita na narrativa dos acontecimentos da ilha de Como que publiquei no Blogue-fora-nada ? A que fonte foi o historiador José Freire Antunes beber esta notícia?

É uma grande responsabilidade escrever sobre factos históricos pois esses escritos ficam a constituir uma referência para futuros estudiosos e pesquisadores.

Assim, por exemplo, Raquel Varela, finalista de História Moderna Contemporânea do ISCTE, em “O assassinato de Amílcar Cabral” no livro “Factos desconhecidos da História de Portugal” (Selecções do Reader’s Digest), produz uma afirmação muito semelhante.

Espero ter contribuído para esclarecer as dúvidas que pairam à volta da Operação Tridente e que cada um conclua sobre os seus resultados.
___________

Notas de L.G.

(*) Vd posts anteriores do Mário Dias:

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

(**) Este texto do José Martins Garcia é extraído do seu livro contos Morrer Devagar (Lisboa: Arcádia, 1979). O título do conto é "As suspeitas de um bravo capitão". Não é propriamente um trabalho historiográfico, mas sim ficcional (ou entre a crónica e a ficção).

Julgo que a intenção deste prestigiado intelectual açoreano não foi propriamente "falsificar a história", mas antes dar uma ideia do clima que se vivia na época em que ele, professor do ensino secundário da Horta, Açores, foi chamado a cumprir o serviço militar - como todos nós - e, de seguida, mobilizado para a Guiné.

Não sei onde é que ele esteve. Possivelmente em Catió, no sul. Lá terá recolhido memórias da famosa Op Tridente. Repare-se que ele esteve na Guiné entre 1966/68. O Mário Dias também lhe atribui, por lapso, a autoria do livro Os mortos de Pidjiguiti (título de um poema de Fernando Grade, in O Vinho dos Mortos, 1977).

Curiosamente, fui folhear o livro em questão (O II Volume de Os Anos da Guerra: 1961-1975- Os portugueses em África: crónica, ficção e história; ed. lit. João de Melo.Círculo de Leitores, 1988) e constato que foram utilizadas, abusivamente, sem respeito pelos direiros de autor (nem citação da fonte) algumas fotos que eu tinha emprestado ao jornalista Afonso Praça (1939-2001) e que foram publicadas no semanário O Jornal, no princípio de década de 1980, aquando da abertura do dossiê "Memórias da Guerra Colonial"... Esse famoso dossiê foi alimentado, tal como este blogue, pelos contributos (estórias, documentos, fotos) de largas dezenas de ex-camaradas nossos, que estiveram nas três frentes (Angola, Moçambique e Guiné).

As supracitadas fotos, por sua vez, tinham-me sido emprestadas pelo Tony Levezinho, ex-camarada meu da CCAÇ 12 e membro (discreto) da nossa tertúlia !... Ver páginas 146-147 (O Tony no espaldão da metralahadora pesada Browning, em Bambadinca, 1969); 135 (o Tony e o Alf Mil Carlão numa tabanca em autodefesa, que já não consigo identificar, talvez Satecuta, em 1969); 129 (O Tony e creio que o Marques, junto a dois prisioneiros do PAIGC, Bambadinca, 1970...).

Sobre José Martins Garcia, (1941-2002) ver nota biográfica, publicada no Boletim do Núcleo Cultural da Horta:

"José Martins Garcia nasceu na Criação Velha, Ilha do Pico, a 17 de Fevereiro de 1941, tendo feito uma parte dos seus estudos liceais na cidade da Horta. Em Lisboa, licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras, onde viria a leccionar entre 1971 e 1977. Chamado a cumprir serviço militar em 1965, foi mobilizado para a Guiné-Bissau, aí permanecendo de 1966 a 1968, experiência que se projecta literariamente em Lugar de Massacre (1975), um dos primeiros romances portugueses a abordar a guerra colonial, numa perspectiva paranóica e demencial; essa experiência acabaria por pontuar, sob variadas formas e em diferentes circunstâncias, a sua obra literária.

"Entre 1969 e 1971 foi leitor de Português na Universidade Católica de Paris, e em 1979 rumaria aos Estados Unidos como professor convidado da Brown University (Providence), aí permanecendo até 1984; o rasto desse tempo americano é detectável em Imitação da Morte (1982) e no belíssimo e devastador livro de poemas Temporal (1986).

"De seguida, ingressou na Universidade dos Açores, em cujos planos de estudo das licenciaturas introduziu a cadeira de Literatura e Cultura Açorianas e onde se doutorou com uma tese sobre Fernando Pessoa; nesta Universidade terminou a sua carreira académica como Professor Catedrático, tendo ainda ocupado o cargo de Vice-Reitor e dirigido a revista Arquipélago, do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas. Faleceu em Ponta Delgada a 4 de Novembro de 2002".

(***) Armor Pires da Mota (vd. nota biográfica em Museu S. Padro da Palhaça > Autores do Concelho de Oliveira do Bairro:

"Nasceu na Freguesia de Oiã, Concelho de Oliveira do Bairro a 4 de Setembro de 1939. Fez a instrução primária nesta freguesia e ingressou no Seminário de Aveiro, saindo em 1961, altura em que publicou o seu primeiro livro Cidade Perdida, mas já anteriormente publicava poesias no Jornal da Bairrada, Correio do Vouga e Soberania do Povo.

"Tendo ingressado posteriormente no serviço militar, foi em 1963 mobilizado e cumprido comissão de serviço na Guiné. Em 1965, lança o seu novo livro Tarrafo, tendo esta publicação mandado ser recolhida pela PIDE.

"A sua participação na imprensa periódica é notável, tendo participado no Diário de Notícias, Diário do Norte, Diário da Manhã, Notícias de Lourenço Marques, O Debate e o Observador e Jornal da Bairrada, entre outros. (...) É actualmente Chefe de redacção do Jornal da Bairrada".


É autor, entre outros, de Guiné, Sol e Sangue (contos e narrativas, 1968). Está representado em três antologias: Contos Portugueses do ultramar; Corpo da Pátria, 1971; Vestiram-se os soldados de poetas. Ganhou o 1º prémio de Poesia "Camilo Pessanha" em 1968 com o livro Baga-Baga.

sábado, 17 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P361: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)



Quase 42 anos depois da Operação Tridente, alguns dos elementos que nela tomaram parte, pertencentes ao Grupo de Comandos, fotografados a 24 de Setembro de 2005,durante o convívio dos Grupos de Comandos que actuaram na Guiné entre 1964/66. 

Foto (e legenda): © Mário Dias,

Da esquerda para a direita: 

(i) sold João Firmino Martins Correia; 

(ii) 1ºcabo Marcelino da Mata; 

(iii) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo; 

(iv) fur mil António M. Vassalo Miranda; 

(v) fur Mário F. Roseira Dias; 

(vi) sold Joaquim Trindade Cavaco 

(Os postos, referentes a cada uma, são os que tinham à época dos acontecimentos).


Texto da autoria do Mário Dias, sargento comando (Brá, 1963/66):

OPERAÇÃO TRIDENTE > Guiné > Ilha do Como > De 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964

III (e última) Parte

7. As abelhas

Dia 23 de Fevereiro novamente embarcados numa LDM com o Pelotão de de Paraquedistas e 8º Destacamento de Fuzileiros, rumo a Curcô onde pernoitámos.

No dia seguinte, com mais um grupo de combate da CCAV 488, iniciámos uma batida à mata. Por duas vezes tivemos contacto com um numeroso grupo de guerrilheiros que dispunham de um morteiro 82 e 1 metralhadora pesada 12,7mm. 

As NT causaram 7 mortos confirmados, sendo 3 cabo-verdeanos, armados com pistola-metralhadora, dois deles fardados de caqui. Nesta acção, o Pel Paraquedistas teve 1 morto, 1 ferido grave e 1 ferido ligeiro. Uma rajada de PPSH inutilizou a arma do comandante dos páras, que ficou ferido na cabeça.

Quando me recordo, à distância dos anos, do que aconteceu a seguir, dá-me vontade de rir da cena caricata que devemos ter feito.

Eu conto: tendo nós conseguido sempre levar a melhor nos contactos com o IN, eis que um enorme enxame de abelhas se abateu sobre nós. Toda a gente a sacudir-se, ferroadas de criar bicho, correria desenfreada. Quem diria… pequenos insectos conseguiram aquilo que o IN nunca foi capaz: pôr-nos em fuga. Com o pessoal todo picado, já havia muitos olhos tumefactos, nada poderíamos fazer a não ser o regresso a Curcô. Ganharam as abelhas.

Na orla da mata perto de Curcô, ainda descobrimos uma plataforma construída sobre palafitas, com cerca de 1,80m de altura, e que servia como posto de vigia sobre aquela localidade. Deixámo-la ficar armadilhada. Não sei se a armadilha chegou ou não a ser activada. Hoje, faço votos para que não.

8. Acentuam-se os indícios de fraqueza do IN

Que bem dormia eu quando, naquela madrugada do dia 27 de Fevereiro, “às 4 da matina” me acordaram:

- Porra… são lá horas de acordar um pacato cidadão embrenhado em sonhos tão deliciosos!...
- Vamos embora! - Mais uma vez a mata espera por nós. E fomos.

Sol já a brilhar, movimentos suspeitos no tarrafe. Avançámos cautelosamente para averiguar. Apenas algumas pegadas de 2 ou 3 pessoas que devem ter fugido com a nossa aproximação.
Nesse dia, juntamente com o Pel Paraq e 1 grupo de combate de elementos das CCAV 487 e 489 foi destruída a tabanca de Catabão Segundo onde fizemos um prisioneiro e apreendemos 2 binóculos, 1 cantil, 1 espingarda G3 com 4 carregadores, e 3 granadas de mão. Mais uma acção em que o IN não deu sinais de vida.

Voltemos então para a praia.

Decididamente não me concedem o prazer de me entregar nos braços de Morfeu tranquilamente.

- Eh pá, ainda só são cinco horas.
- Deixa-te de tretas e vamos embora. Temos que explorar uma informação importante dada pelo prisioneiro que capturámos no dia 27.
- É isso? É para já.

Enfiar camuflado, botas, pegar no equipamento e armamento. Está tudo em ordem? Claro que está. A arma de um comando está sempre junto dele e pronta a funcionar ao segundo.

Progressão silenciosa, escondidos, calma, devagar, parar e escutar com frequência. Sem surpresa é impossível um golpe de mão bem sucedido.

Acampamento atingido e assaltado às 9 horas, praticamente sem resistência (o IN fugiu). Era constituído por cerca de 50 casas de mato com uma centena de camas de madeira e de ferro. Viva o luxo!...até havia mosquiteiros, colchões, lençóis, colchas e outras “mordomias”. Espalhados por diversos locais, máquina de escrever, máquinas de costura, roupa já confeccionada e peças de tecido, muitos livros de instrução primária em português, muita correspondência, e os habituais utensílios de uso doméstico. O acampamento estava rodeado por alguns abrigos e tinha postos de observação nas árvores.

Incendiadas as casas de mato começou o habitual estoiro de munições e granadas que ali se encontravam escondidas escapadas à nossa observação.

Nas proximidades estava um cemitério com 30 sepulturas recentes.

Desta acção, realizada no dia 1 de Março, trouxemos para a base (rica praia!): 

  • 1 cunhete com 800 cartuchos 7,9; 
  • 80 cartuchos 7,62; 
  • muitas munições de diversos calibres; 
  • 1 granada de mão incendiária; 
  • 1 cantil USA; 
  • catanas.

Aos poucos, a forte resistência inicial do PAIGC vai caindo por terra. Mostram já sinais evidentes da falta de agressividade, que é parte da doutrina da guerrilha: “ataca quando o IN está fraco; esconde-te se ele é mais forte”.

Mensagem de Nino aos seus guerrilheiros em poder de um prisioneiro por nós capturado:

“Hoje faz 48 dias que os nossos camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Camaradas, tenham paciência, porque não tenho outra safa senão o vosso auxílio… As tropas estão a aumentar cada vez mais as suas forças…camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos, somente posso dizer-vos que de um dia para o outro vamos ficar sem a população e sem os nossos guerrilheiros. Já estamos a contar com as baixas de 23 camaradas… do vosso camarada, Marga - Nino “,

Emboscadas do grupo de comandos na mata de S. Nicolau, na noite de 5 de Março até à tarde do dia seguinte, mais uma vez os guerrilheiros não compareceram.


9. As vacas e o arroz

Um agrupamento constituído pelo grupo de comandos, 8º Dest Fuz, e um grupo de combate da CCAV 489, iniciaram, por volta das 8 da manhã de 12 de março, uma acção sobre Catunco Papel e Catunco Balanta a fim de cercar e bater todas a zona destruindo tudo quanto possa constituir abrigo ou abastecimento para o IN e que não seja possível recuperar pelas NT.

Cercada a tabanca de Catundo Papel e de seguida Catunco Balanta, foram as casas revistadas e destruídas, tarefa que demorou quase 5 horas. Foram recuperadas 5 toneladas de arroz; capturado um elemento IN e apreendidas 2 granadas de mão, livros escolares em português, cadernos, fotografias, facturas, recibos de imposto indígena, e um envelope endereçado a BIAQUE DEHETHÉ, sendo remetente MUSSA SAMBU de Conakry.

Terminamos este dia com a acção que mais me custou durante toda a permanência no Como. Têm que ser abatidas cerca de uma centena de vacas que por ali andavam na bolanha bucolicamente pastando. Não havia forma de podermos transportá-las connosco. Começado o tiro ao alvo, iam caindo sem remédio. Pobres bichos. E que desperdício. Enquanto fazia pontaria ia ironicamente pensando naquela carne que por ali ia ficar para os jagudis enquanto nós tínhamos andado 23 dias a ração de combate.

- Que desperdício!... - E pensava:
- Olha aquele lombo como ficava bom num espeto a rodar, bem temperado com sal, limão e malagueta!...(pum) e aquela, que belo fígado deve ter para uma saborosas iscas !...pum… e pum… e mais pum até chorar de raiva.

Coisas da guerra … sempre impiedosa.

Concluída a mortandade, ainda alguns esquartejaram pernas e extraíram lombos para uma refeição extra. Deve ter sido fruto desta acção, a oferta pelos fuzileiros de carne de vaca à CCAV 489 a que se refere o Joaquim Ganhão na sua ”Cónica do soldado 328” (1).

10. Últimas operações.

Às 03H30 do dia 16 de março, chegados a Curcô, aguardamos a aurora pondo-nos a caminho com a CCAV 489 (-). A missão era bater a mata até Cassca e daí virar a Sul até Cauane, eliminando ou aprisionando qualquer elemento IN e detectar e destruir tudo quanto possa oferecer abrigo ou recursos para o IN. Resistência ?...mais uma vez, nada.

Foi encontrado um acampamento com 15 casas de mato. Uma delas bem grande que nos pareceu ser destinada a reuniões onde estava um molho de panfletos de acção psicológica das NT, recentemente lançados na ilha pelos nossos aviões. Numa outra barraca, um caderno de cópias de INÁCIO BATALÉ, datado de 12 de novembro de 1963. Nas imediações foram descobertos e destruídos 3 depósitos de arroz, estimando-se serem cerca de 15 toneladas.

Progredindo para Sul, dentro da mata da região de Cauane, e a cerca de 600 metros da tabanca, detectou-se um grupo de 7 elementos armados de espingarda e de pistola-metralhadora. Fogo…pum. Dois tiros chegaram e caiu um. Mais dois tiros e caiu outro armado de PPSH e de farda camuflada. Mais um tiro e outro ferido que fugiu aos gritos.

Os sobrantes puseram-se em fuga. O inimigo não parecia o mesmo das primeiras semanas da batalha do Como. Estava de facto enfraquecido e fugia ao contacto.

Com a operação a chegar ao fim previsto, o Comandante das Forças Terrestres, Ten Cor Cavaleiro, saiu com o grupo de comandos e o pelotão de paraquedistas às 23h30 do dia 20 de março, atravessando a mata de Cauane, Cassaca e Cachil com a finalidade de verificar pessoalmente a capacidade de combate do IN.

Passagem e pequena paragem na tabanca de Cauane, troca de informações com o comandante da CCAV 488, dono da casa, e iniciámos a penetração na mata à 1 hora do dia 21, partindo da casa Brandão. Reacção do IN?...nenhuma. Progredimos até Cassaca que foi alcançada às 02h30. Feita uma batida cuidadosa à região, encontraram-se a Norte algumas casas de mato quase destruídas e há muito abandonadas.

Siga a tropa. Para a frente é que é o caminho. Já próximo da orla da mata de Cachil, ao “romper da bela aurora”, detectados 3 elementos IN um armado de PPSH e os outros dois de espingarda. Meia dúzia de tiros foram suficientes para fugirem. Um deles, ferido, deixou para trás a espingarda Mauser 7,9mm e 5 cartuchos da mesma. Tinha sangue na coronha.
Mais tarde, outro grupo de 5 elementos, avistados um pouco à distância, foram alvejados e fugiram sem responder ao nosso fogo. Levaram dois feridos.

Atingimos Cachil, na outra extremidade da ilha, que foi atravessada pacificamente de Sul para Norte sem qualquer beliscadura nem qualquer oposição à nossa presença por parte dos guerrilheiros.

Embarcados na LDM, lá fomos nós de regresso à praia. Foi a última operação da batalha do Como.

Por brincadeira dizíamos que tínhamos ido “fechar as portas da guerra”. Foram também os últimos banhos.

No dia 22 de Março, o grupo de comandos regressou a Bissau, aproveitando a boleia da Dornier e alguns hélis que em diversas vagas nos transportaram. O Grupo de Comandos não teve baixas, nem feridos, nem nenhum elemento evacuado por doença, fazendo juz ao nosso lema: “Audaces fortuna juvat” (2).

Para as restantes tropas foram mais dois dias de trabalho a “desmontar o arraial.” Creio que foi o que menos lhes custou.


BAIXAS DE AMBOS OS LADOS

Das NT:

8 Mortos
15 Feridos


Do IN:

76 Mortos (confirmados)
29 Feridos
9 Prisioneiros


CONCLUSÕES

De tudo quanto descrevi, e que corresponde à realidade por mim vivida durante a Operação Tridente, podemos verificar que nem sempre, ou quase nunca, a história é escrita com isenção. Na verdade, tem-se especulado muito sobre o que realmente se passou no Como. Derrota para as tropas portuguesas, dizem uns, grande vitória, contrapõem outros.

Para mim, nem uma coisa nem outra, porque na guerra, em qualquer guerra, não há vencedores: todos são vencidos pela existência da própria guerra.

Porém, analisando a Operação Tridente no âmbito estritamente militar, facilmente se chega à conclusão que:

- O PAIGC dominava a Ilha do Como em 1963;

- Nas primeiras duas semanas opôs feroz resistência às NT, a quem causou baixas, não
permitindo a nossa progressão pela mata onde estava fortemente instalado;

- Graças à nossa persistência no combate, favorecida pela superioridade de meios que
na altura ainda tínhamos, fomos aos poucos dominando a situação;

- A partir da 3ª semana já conseguíamos entrar e progredir na mata;

- Sensivelmente na 5ª semana, já nos movimentávamos facilmente por toda a ilha e os
guerrilheiros opunham esporádica e fraca resistência;

- Começou a notar-se, a partir da 7ª semana, uma completa desagregação da
capacidade de combate dos guerrilheiros: basta ler a mensagem do Nino dirigida ao
seu pessoal e transcrita nesta crónica;

- No final da operação o PAIGC já não dominava a ilha;

A teoria defendida por alguns, sobretudo pelo PAIGC (mas essa não é de admirar) que as tropas portuguesas se viram forçadas a abandonar a ilha, não é verdadeira:

1) As tropas retiraram por ter terminado a operação e não se justificar a sua continuação uma vez alcançado o objectivo: o domínio da ilha pelas NT;

2) A ilha não foi abandonada pois ficou instalada em Cachil (na tal “fortaleza” de troncos de palmeira) uma companhia para patrulhar e não deixar que o IN se reorganizasse naquela região;

3) Se mais tarde se veio a verificar o recrudescer da actividade no local, isso deve-se ao facto de a Companhia que lá ficou se ter refugiado na “fortaleza”, nunca de lá saindo a não ser para ir para Catió quando era substituída por outra (mas isso, é outra história);

Finalmente, uma palavra de apreço a quantos, de ambos os lados, se esforçaram e sacrificaram superando todas as dificuldades e,

Sentida homenagem aos que tombaram. A todos. De ambos os lados.



COMO É BOM VIVER EM PAZ!...

Quase 42 anos depois da Operação Tridente, alguns dos elementos que nela tomaram parte, pertencentes ao Grupo de Comandos, fotografados a 24 de Setembro de 2005,durante o convívio dos Grupos de Comandos que actuaram na Guiné entre 1964/66. Da esquerda para a direita [vd. foto no início deste pot]:

Sold João Firmino Martins Correia;
1ºcabo Marcelino da Mata;
1º cabo Fernando Celestino Raimundo;
Fur mil António M. Vassalo Miranda;
Fur Mário F.Roseira Dias;
Sold Joaquim Trindade Cavaco.

(Os postos referentes a cada uma, são os que tinham à época dos acontecimentos.)


Guiné > Brá > 1966 > O Alf Mil Briote, à esquerda, ladeado de dois dos primeiros comandos africanos, o Jamanta e o Joaquim. O Jamanta será mais tarde, em 1975, fuzilado no Cumeré, juntamente com outros comandos africanos.

© Virgínio Briote (2005)


Não posso deixar aqui de referir e prestar homenagem a alguns extraordinários elementos deste grupo, já falecidos:

- Fur mil Artur Pereira Pires, morto alguns meses depois na explosão de uma mina anti carro, nas proximidades de Madina do Boé;

- 1º Cabo Abdulai Queta Jamanca, fuzilado, juntamente com muitos outros ex-comandos africanos após a independência, por ordem de Luís Cabral;

- Por causa do natural e inexorável girar da roda da vida: Alf Maurício Leonel de Sousa Saraiva e Alf mil Justino Coelho Godinho.

PAZ ÀS SUAS ALMAS!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P356: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

Texto da autoria do Mário Dias, sargento comando (Brá, 1963/66):

OPERAÇÃO TRIDENTE
Ilha do Como – Guiné
De 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964

II Parte


3. Acção

Precauções redobradas, chegada a Cauane festivamente saudada pelos guerrilheiros com nutrido fogo de PPSH (1) e de outras armas a partir da mata em frente, distanciada cerca de 200 metros da nossa posição. Felizmente os tiros saíam muito altos e só o som irritante das chicotadas incomodava.

Instalados em abrigos expeditos cavados no chão arenoso, as tropas montavam guarda aquele local estratégico por ficar próximo da mata, um pouco elevado, o que permitia
domínio sobre o terreno circundante. Sob orientação do cmdt. do 8º Dest.Fuz. que aí se encontrava já há 3 dias, foram-nos indicadas as nossas posições. Cavamos abrigos, o que não foi difícil, o terreno era mole, ficando uma equipa em cada abrigo. Sempre em mente o princípio sagrado de nunca se separarem os elementos de uma equipa.

A tabanca de Cauane, bem como as restantes, estava praticamente destruída assim como a casa do comerciante Brandão, ali bem próxima. Meses antes, já a aviação havia actuado na ilha bombardeando e destruindo todas as instalações que pudessem ser proveitosas ao IN. Recordo-me ainda de assistir no QG em Santa Luzia, onde ocasionalmente me encontrava, aos protestos do referido Brandão por lhe terem escavacado tudo quanto possuía no Como.

Mesmo em ruínas, as palhotas de Cauane foram úteis para guardar muito do nosso material e sempre proporcionavam alguma sombra. Junto a uma das casas, foi colocado um tosco mastro, bem alto, onde flutuava orgulhosamente a bandeira nacional. Creio que tal “provocação” irritava os guerrilheiros que para lá disparavam longas rajadas de metralhadora, sensivelmente de hora a hora. Nós, ao fim de algum tempo habituámo-nos ao festival e até já sabíamos que horas eram, sem necessidade de consultar o relógio. Bastava contar as rajadas. As munições que assim gastaram, e foram milhares delas, (nós nem respondíamos) nunca atingiram o pessoal instalado na tabanca de Cauane. Milagre ou falta de pontaria. Ou ambas as coisas.

No dia 20 de Janeiro de 1964, o 8º Dest. Fuz. Esp. saiu para uma incursão na mata entre Cauane e S. Nicolau. Como era de esperar, um numeroso grupo estimado em cerca de 100 guerrilheiros nos quais foram referenciados alguns brancos e caboverdeanos, recebeu-os com nutrido fogo que durou aproximadamente 2 horas. Devido à gravidade da situação, saímos em reforço. A distância não era grande e rapidamente chegamos ao combate que estava mesmo feroz. Os guerrilheiros não paravam o fogo. Escondidos na densa mata, eram alvos difíceis de atingir. Progredindo por lanços, de árvore em árvore ou qualquer pequena elevação de terreno que nos protegesse, fomos tentando a aproximação à mata onde se encontrava o in. Impossível. O terreno até lá era descoberto e as metralhadoras varriam tudo. Perto de mim, um fuzileiro, temerariamente em terreno descoberto, fazia fogo. Quando reparei e lhe gritava para sair dali e se abrigar, só o vi a virar-se de barriga para o ar e ali ficou atingido com um tiro na cabeça. Fiz um disparo com o lança-roquetes (a minha arma, além da indispensável G3) para quebrar o ímpeto do IN e permitir que fosse socorrido. Resultou, e alguns elementos dos fuzileiros foram buscá - lo. Estava morto.

Guiné > Ilha do Como > 1964 >

Na tabanca de Cauane, após a acção descrita. Estou eu, (de óculos) encostado a uma palhota, visivelmente cansado. A meu lado, a comer uma bolacha da ração de combate - não havia mais nada - o 1º cabo fotocine Raimundo que estava destacado pelo QG a fim de fazer a cobertura da operação, e que se juntou ao nosso grupo nunca mais deixando de nos acompanhar.

© Mário Dias (2005)

Nada a fazer. Tivemos que ordenadamente retirar e regressar às nossas posições na tabanca de Cauane. Nesta acção, os fuzileiros sofreram 2 mortos e 3 feridos graves. Dos guerrilheiros não se sabe pois ninguém conseguiu lá chegar e verificar o que entre eles se passou.

O PAIGC estava a opor grande resistência. Foi necessária a ajuda da aviação e artilharia para que aos poucos se fosse tornando possível a nossa progressão para o interior do Como. Recordo algumas noites em que nos era recomendado não acender fogueiras, nem sequer cigarros, pois os P2V5 vinham (à socapa pois eram da NATO) bombardear a mata. As explosões eram tão fortes que o chão onde estávamos deitados estremecia.

Durante o dia actuavam os F86 e T6 bombardeando e metralhando todos os movimentos que detectassem.

Uma noite, não sei se numa atitude provocatória ou se por terem frio, acenderam uma enorme fogueira mesmo na orla da mata à nossa frente. Via-se nitidamente a passagem de silhuetas humanos à sua volta. O cmdt. dos fuzileiros (1º Ten. Alpoim Calvão) chamou o Saco, apontador da instalaza (lança granadas foguete, como a nossa bazuca - aportuguesemos a palavra - mas com algumas diferenças: era de cor cinzenta, metalizada, com um óculo de pontaria mais perfeito e tinha um escudo para protecção do apontador.)

Chegou o Saco - engraçado como os fuzileiros tinham quase todos nomes de guerra pelos quais se chamavam! Era o Régua, o Setúbal, o Pistas, o Sono e outros que de momento já não recordo - e, municiada a arma, colocou-se de joelho em terra fazendo cuidadosa pontaria. Pum … lá vai ela. Segundos depois um tremendo estoiro. Então onde está a fogueira? Desapareceu. A granada acertou bem no meio e o sopro encarregou-se de a apagar. Nunca mais acenderam outra.

Um dos pontos que pretendíamos dominar era a picada que, partindo das imediações da casa Brandão, seguia para Norte em direcção a Cassaca e Cachil. Tarefa difícil pois o inimigo tinha instaladas à entrada da mata metralhadoras no enfiamento da picada. No dia 23 o grupo de comandos reforçado com uma secção da CCAV 488 e uma secção de fuzileiros dirigiu-se ao local para tentar alcançar e destruir as metralhadoras. Escondidos na casa Brandão, fomos progredindo de um e outro lado do ourique. Porém, ao chegarmos junto ao rio que atravessa a bolanha tínhamos que subir para o ourique e passar por umas tábuas que faziam de ponte. Como era de esperar, as metralhadoras entraram em funcionamento. Zás. Tudo a saltar de novo para o desnível do ourique.

E agora? Não podíamos prosseguir na relativa segurança de “encostados ao raio do ourique” porque as margens do pequeno rio e a bolanha que seguia até à mata estavam muito alagadas e eram lodosas. Nova tentativa e novas rajadas. Respondíamos ao fogo mas eles estavam abrigados e escondidos e nós a descoberto. Vantagem deles.

Chamou-se o apoio aéreo que não tardou. Dois F86 metralharam a zona de onde partiam as rajadas. Depois de algumas passagens, foram embora e ficou um T6. Largou as bombas. Subiu e rasou o solo metralhando. Subiu de novo e metralhou. Ao ganhar altura, ouviram-se gritos de júbilo na mata. Virou à esquerda e desapareceu da nossa vista. Pensei: bom, deve ter acabado as munições ou ter pouco combustível e foi-se embora. Vamos lá, que já devem ter ”amochado”. Qual quê? Tudo como dantes. Rajadas e mais rajadas que não deixavam sequer levantar a cabeça. Feita uma rápida avaliação, concluiu-se que daquela forma era impossível. Teríamos que voltar de noite ou madrugada para que não nos vissem e assim ser possível chegar às posições que defendiam à entrada da mata.

Quando estávamos a iniciar o regresso, surge ao nosso encontro o cmdt dos fuzileiros com mais homens do seu destacamento que nos pediu para o acompanharmos pois o avião T6 que nos apoiava tinha sido abatido. Percebi então o porquê dos gritos que os guerrilheiros tinham soltado. Rapidamente chegámos ao local, que não era longe, e deparámos com a avião ainda a fumegar, embora não totalmente ardido. Carbonizado, sim, estava no chão o corpo do infeliz piloto, alferes Pité, que encontrou a morte ao tentar proteger-nos. Ainda hoje me emociono ao lembrar este triste acontecimento. O corpo foi recuperado, o avião destruído com explosivos e nós regressamos a Cauane tentando esquecer.

O pior era a alimentação. 23 dias seguidos a ração de combate. Quem passou por isso poderá imaginar os problemas de saúde que isso causa pois ao fim de algum tempo já estamos enjoados e não conseguimos engolir nada. O corpo ressentia-se do esforço diário e ficámos debilitados. Água também era pouca pois só havia a que vinha de Bissau em barcaças. Mas um dia, o pessoal da minha equipa conseguiu cozinhar. Que luxo!... Juntámos os pacotinhos de canja que vinham nas rações e, com um pouco de arroz que desencantámos numa palhota, fizemos uma bela canja. Maravilha, sopinha de canja bem quentinha. Fomos para o nosso buraco com a preciosa iguaria numa marmita. Não sei já quem foi, mas um comensal mais apressado, com a “fussanga” de meter a colher, entornou a marmita. Sopa espalhada no pano de tenda que, por ser impermeável graças ao muito óleo e sujidade acumulados, reteve a abençoada canja. Pois foi mesmo do pano de tenda que foi comida e saboreada. Há muito tempo que nada me sabia assim tão bem.

Guiné > Ilha do Como > 1964 >

Especialidade gastronómica da ilha do Como. “Canja no pano de tenda”. Fez sucesso. Na foto podem ver-se à esquerda o alferes mil. Godinho, sold. João Firmino, eu (atrás, o meu lança-roquetes) e outro soldado cujo nome já não me recordo.

© Mário Dias (2005)

As acções continuavam e começou a notar-se um certo fraquejar nas hostes do PAIGC, submetidos a um permanente assédio, não só pelos que estavam em Cauane mas também os de Curcô, Cachil e Uncomene sem contar com a aviação e artilharia entretanto instalada na base logística. E foi assim que em 26, de manhã, o grupo de comandos conseguiu entrar na mata junto de Cauane. Passámos pelo local onde, no combate em que participámos em auxílio dos fuzileiros, o inimigo teve a sua força instalada. Sem novidade. Continuámos a internar-nos na mata em direcção a S. Nicolau.

Mais à frente fomos atacados. A nossa reacção foi imediata e provocámos 3 mortos aos guerrilheiros que retiraram. Estava quebrado o mito de que não era possível entrar naquela mata. A partir desse momento, as nossas tropas não mais foram impedidas nas suas iniciativas atacantes.

Nesse dia, à tarde, fomos mandados regressar à Base Logística que passou a ser a nossa “morada” durante o resto da Op Tridente.


4. A praia.

Aqui é que se está bem. Não somos “fogachados”, não precisamos de fazer sentinelas nem vigia durante a noite e, ainda melhor, podemos tomar banho no mar.

Era esta a opinião geral. Para o conforto ser completo faltava-nos material para construir barracas que não tínhamos e improvisar camas na areia da praia. Numa das minhas deambulações de reconhecimento do local, encontrei na mata de palmeiras que bordejava a praia, um enorme acampamento abandonado, pelos vistos à pressa, pois estava repleto de inúmeros daqueles panos que usam na Guiné como vestuário. Lavadinhos, a cheirar a sabão e, espanto!...passados a ferro. Tudo muito bem arrumado, chão varrido, dava gosto andar por ali. Nem sequer faltavam galinhas que lá ficaram, nem tiveram tempo de as levar.


Guiné > Ilha do Como do Como > 1964 - O meu turno de serviço à cozinha

© Mário Dias (2005)

Era mesmo o que eu precisava. Trouxe alguns panos para fazer uma barraca e me servirem de vestuário de "turista". A palha da cobertura das casas de mato, que eram muito baixas, serviu às mil maravilhas para improvisar um belo colchão. Alguns trouxeram mesmo catres para dormir. Quanto às galinhas, foram servindo de alimento para quebrar a monotonia das rações de combate. Mas tudo tem o seu preço. Onde há galinhas e areia, há matacanhas que não tardaram a fazer estragos. Poucos de nós se livraram delas e, diariamente, tínhamos que passar revista aos pés e proceder à sua extracção. A média diária era de 8 ou 10.

A Base Logística onde também funcionava o posto de comando, estava ampliada e melhorada. Pousavam lá os aviões ligeiros (Auster e Dornier) bem como helicópteros desde que a maré não estivesse totalmente cheia. A areia molhada formava uma excelente pista de aterragem. Também já lá estavam duas bocas de fogo de obus 8,8cm, comandadas pelo Alf Mil Carvalinho, exímio tocador de guitarra e igualmente exímio tocador de garrafa de cerveja que nunca abandonava.

Uma tarde, depois de almoço, estava eu a descansar um pouco e ouvi um tiro de obus.
Fui ver. O Alf Carvalinho, de calções, tronco nu, indispensável cerveja na mão, alguns passos atrás das peças ia ordenando ao apontador:
- Pá, levanta um bocadinho… não, foi demais, baixa… um pouco para a direita… está bom. Fogo!

E a granada partiu rumo ao seu destino. Salta de lá o Tenente-coronel Cavaleiro:
- Ó Carvalinho, você ainda me mata algum homem, temos tropas na mata.
- Calma meu Tenente coronel, isto vai ter aonde eu quero . - E continuou:
- Eh pá, baixa um pouco… está bom. Fogo! - E foi assim até disparar 4 granadas. Acercando-me dele perguntei:
- Meu alferes, para onde foram esses tiros? - Mostrando-me a carta indicou:
- Para o cruzamento destes caminhos. - E apontou um cruzamento de um caminho com a picada de Cassaca.

Não é que, alguns dias depois, ao passar pelo referido local, lá estavam, muito próximos uns dos outros, os 4 impactos das granadas?!

5. Os morteiros do Nino

Uma tarde, interrogavam um prisioneiro na tenda de campanha que servia de posto de comando/sala de operações. Perguntavam-lhe:
- Onde está o Nino?
Era um dos objectivos a que a operação se propunha. A captura do Nino era essencial.
Resposta do prisioneiro:
- Foi no chão francês (Guiné Conacri) buscar morteiro.

Gargalhada de um dos oficiais de alta patente presentes:
- Agora… pode lá ser?!.. Estes gajos alguma vez têm capacidade para manobrar um morteiro?

Ainda não tinha decorrido uma semana e já a CCAV 488 instalada em Cauane estava a levar com eles. Era noite e 4 granadas de morteiro caíram com grande estrondo nas imediações da tabanca. Não houve feridos nem estragos. Vim a saber o motivo alguns dias depois quando, ao passar por lá, me mostraram as granadas. Observei e não foi difícil concluir que se tratava de granadas de instrução ou talvez já muito velhas e com perda do poder explosivo. O corpo das granadas estava simplesmente aberto, mas inteiro, sem ter provocado qualquer fragmentação ou estilhaço. Pareciam bananas descascadas. Ainda bem.

Foram as primeiras “morteiradas” na guerra da Guiné. Ainda durante o resto do tempo que durou a Op Tridente, foram referenciados mais alguns ataques de morteiro, sempre sem consequências para as NT.


6. Parece que o pior já passou

A batalha continuava. No dia 28 à meia-noite saímos com o pelotão de paraquedistas em direcção de Cauane para montar emboscadas num poço de água existente na picada Cauane/Cassaca. Passado o ourique de triste memória onde dias antes fora abatido o T6, entramos na mata e nada, nem ao menos um tiro de sentinela a avisar da nossa presença. Progredimos mais e chegados à zona do poço instalámo-nos a aguardar a comparência dos guerrilheiros. Não compareceram para a festa que lhes estava preparada.

Pelas 17 horas de 29 regressámos à base (espera praia, já aí vamos) sem ter havido qualquer contacto nem sinal de actividade do inimigo.

Em 4 de Fevereiro, em mais uma incursão na mata de Cauane, o grupo de comandos ficou emboscado após a retirada das outras forças (CCAV 489). Surpreendemos elementos avançados do IN a quem provocámos 3 feridos. (Não sei se terão morrido mais tarde.)

Boas notícias. Vamos passar a ter uma refeição quente por dia: o almoço. Já não era sem tempo. Como estávamos instalados junto ao 8º Dest de Fuzileiros com quem nos dávamos extraordinariamente bem, tanto no aspecto operacional como no convívio diário, resolvemos também “juntar os trapinhos” na confecção da comida.

À vez, à volta dos caldeiros de campanha, armados em cozinheiros, lá íamos mostrando os nossos dotes. E, acreditem, tudo correu maravilhosamente. E nem sequer faltava marisco para petiscarmos. Quando a maré vazava e não estavamos em operações, era só ir até à linha de baixa-mar onde colhíamos grandes quantidades de combé que por lá abundava. Para quem não conhecer, combé é um bivalve parecido com o berbigão mas muito maior e de casca bastante grossa. Uma delícia. Atendendo à situação, claro.

No dia 6 de Fevereiro, o grupo de comandos com pelotão de paraquedistas, embarcou na LDM (2) ao fim da tarde com destino a Curcô para, a partir desse local atingir Cachida tentando surpreender o In. pela retaguarda. Chegamos a Curcô onde estava instalada a CCAV 489. Aí pernoitámos, aguardando a madrugada para iniciar a progressão.

Talvez o nosso amigo Joaquim Ganhão (3), que lá esteve, se recorde desta nossa passagem.
Madrugada. Antes do dia romper, verificação cuidadosa do armamento, equipamento, munições… os cantis estão cheios? Tudo em ordem?

Partimos, em silêncio como convinha, e embrenhámo-nos na mata. Olhos e ouvidos atentos, mão firme nas armas, prontos a reagir. Tudo vimos com cuidado, explorando indícios e tentando descobrir onde se acoitavam. Trilhos bem pisados pelo uso, mas as poucas palhotas que fomos encontrando estavam abandonadas, algumas recentemente, outras há semanas. Contacto, nenhum. Nem vê-los. De vez em quando soava um tiro isolado, talvez de aviso, e nada mais. Ao fim da manhã atingimos Cachida, que se encontrava abandonada, e derivámos em direcção à picada que liga Cassaca a Cachil.

Desde a manhã que nessa zona da mata de Cachil o 7º Dest de Fuz. estava fixado por um grupo de cerca de 50 guerrilheiros, bem armados e municiados, que os flagelava a partir da orla da mata de Cassaca. Uma secção dos fuz. chegou a estar isolada e cercada cerca de 45 minutos.


Guiné > Ilha do Como > 1964 - Um 'palácio à beira mar'. Um 'turista descontraído'

© Mário Dias (2005)

Conseguimos chegar ao local e detectamos a retaguarda do In. que atacámos causando-lhes baixas. Como a reacção não foi grande, deduzimos - ingenuamente como em breve viríamos a verificar - que se tinham posto em fuga e iniciámos a travessia de uma zona descampada, lisa como um campo de futebol e de capim muito rasteiro, com o intuito de nos juntarmos aos fuzileiros que nos aguardavam do outro lado. Ainda não íamos a meio quando estalou a fuzilaria vinda de um ponto mais a oeste da orla da mata que acabávamos de deixar.

Chão… rebolar…responder ao fogo… procurar alguma abrigo… não há nada, tudo liso como a careca de um careca. Eles não paravam o fogo, nós também não. Mas estávamos a descoberto, alvos fáceis.

O alferes Godinho gritando para o Saraiva:
- Porra, que estamos aqui a fazer? Vamos embora. - E fomos. Em lanços, uma equipa correndo em zigue-zague, as outras cobrindo, a equipa instala-se, outra se levanta e a ultrapassa, instala-se, outra faz o mesmo e assim conseguimos percorrer os 200 metros daquela maldita clareira, debaixo de cerrado fogo, sem qualquer arranhão, juntando-nos aos fuzileiros.

Quando recordo este episódio, lembro-me sempre do logro em que fiz cair um guerrilheiro e que me salvou a vida. Faltando-me alguns metros para atingir a orla da mata onde teria abrigo seguro, vi no chão os impactos de uma rajada mesmo junto aos meus pés. Bom, esta não é à toa, é mesmo apontada para mim. De imediato, nem sei mesmo como me ocorreu tal estratagema, armei-me em artista de cinema quando atingido por disparos e, abrindo os braços, mandei um salto deixando-me cair de costas desamparado. Remédio santo. A rajada que me era dirigida parou. Fiquei no chão alguns instantes, quietinho, e de repente, ala que se faz tarde. Alcancei a segurança da mata onde já estavam quase todos os elementos do grupo. Os restantes não tardaram a juntar-se a nós.

Os paraquedistas tiveram menos sorte. Como vinham atrás de nós, ao ouvir o tiroteio que nos atingia na clareira, resolveram atravessá-la um pouco mais a leste. O resultado foi terem demorado mais tempo permitindo a reorganização do IN que lhes dificultou seriamente a travessia da clareira. Tiveram um morto e um ferido grave.

Juntas todas as tropas, caminhámos até Cachil, onde estava em construção uma espécie de quartel para uma companhia que lá ficaria instalada, ocupando e patrulhando a ilha, uma vez terminada a Op Tridente. Era uma construção sui generis pois não passava de uma enorme paliçada feita com troncos de palmeira a pique para servir de abrigo. Parecia um cenário de filme de índios contra a cavalaria americana.

No rio esperava-nos uma LDM que nos trouxe de volta à base. Oh praia, lá vamos nós.

A 17 de Fevereiro, o grupo de comandos recebeu a missão de bater a mata desde o Norte de Curcô até Cauane. Confirmando a nossa convicção de que os guerrilheiros do PAIGC estavam a ficar enfraquecidos, não houve oposição à nossa penetração na mata que, até há pouco tempo, tinha sido um santuário que não deixavam profanar.

Apenas a cerca de 1 km a Norte de S. Nicolau se ouviram dois disparos de espingarda - código por eles usado para avisar que andava por ali a tropa e se esconderem. Prosseguimos a nossa patrulha em direcção a Cauane onde, sensivelmente no local do nosso primeiro contacto com o IN nesta operação (quando morreram dois fuzileiros), fomos flagelados com alguns tiros de PPSH (3) e Metralhadora, mais com o propósito de nos manter afastados do que nos enfrentar. Reagindo, abatemos um elemento IN. Alcançamos Cauane e daí a praia da Base Logística.

Estávamos de novo “ em casa”.

(Continua)
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Notas de L. G.

(1) A metralhadora ligeira PPSH era conhecida, no meu tempo, por costureirinha, devido ao seu inconfundível e enervante som, parecido com o de uma máquina de costura, manual, tipo Singer.

(2) LDM= Lancha de Desembarque Média

(3) Vd post de 17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXVI: Antologia (25): Depoimento sobre a batalha da Ilha do Como . o 1º cabo Ganhão pertencia à CCAV 489, comandada pelo capitão Pato Anselmo.