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segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17990: Agenda cultural (606): Uma grande festa de amor, amizade e camaradagem, a do lançamento do livro "A Caminho de Viseu", do Rui Alexandrino Ferreira, nas instalações do RI 14, Viseu, em 4 do corrente - Parte I


Foto nº 1 > Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > Da direita para a esquerda: o autor Rui Alexandre Ferreira, ten cor ref, e o apresentador, Pezarat Correia, maj gen.


Foto nº 2 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > Aspeto geral da mesa, vista da esquerda para a direita. O Rui conversa com o ten gen Ferreira do Amaral.


Foto nº 3 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > Aspeto geral da mesa, vista da direita  para a esquerda: em primeiro plano o cor inf Mário [João Vaz Alves de ] Bastos, recém empossado cmt do RI 14


Foto nº 4 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) >  O ten gen ref Ferreira do Amaral, que também foi um dos oradores da sessão.


Foto nº 5 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > Aspeto parcial da mesa: da esquerda para a direita, o cor inf Mário Bastos, cmdt do RI 14, o cor Manuel Cerqueira e Jorge Fragoso, o  representante da editora Palimage


Foto nº 6 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) >  O cor inf Mário Bastos, cmdt do RI 14, natural de Viseu, no uso da palavra. [Sobre o RI 14, ver aqui no sítio do Exército Portuguiês]


Foto nº 7 > Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > O cor Manuel Cerqueira, no uso da palavra.


Foto nº 8 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) >  Última página do discurso do cor Manuel Cerqueira em que se pede a reparação de uma injustiça:  o Rui Alexandrino Ferreira, detentor de duas cruzes de guerra (uma de 1ª classe, como alferes miliciano, e outra de 2ª classe como cap mil, no TO da Guiné), há 40 anos que a Pátria lhe deve a "Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito"


Foto nº 9 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > O representante da editora, a Palimage, Jorge Fragoso. 


(Continua)


Fotos (e legendas): © Márcio Veiga / Rui Alexandrino Ferreira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Seleção de fotos do Márcio Vieira que o Rui Alexandre Ferreira nos mandou (umas dezenas), sem legendas, relativas à sessão de lançamento do seu livro "A Caminho de Viseu", que decorreu no passado sábado, dia 4 de novembro de 2017 (sábado), pelas 10,30 horas, nas instalações do Regimento de Infantaria 14, em Viseu. (*)


A apresentação da obra esteve a cargo do major general na reforma Pezarat Correia. A sessão foi muita concorrida. Há muito sabemos que em Viseu, a sua segunda terra (onde reside desde 1976), tem muitos amigos e admiradores.  Percebe-se, pelas fotos, que o Rui contou com a presença de muitos camaradas, amigos e familiares. No final houve um almoço de "confraternização / debate" (com  inscrições prévias), no refeitório do RI 14.

O Rui teve a gentileza de pessoalmente me convidar, para esta sessão, enquanto editor do blogue, convite que infelizmente não pude aceitar por razões da minha agenda pessoal. De qualquer modo fico muito feliz pelo lançamento do terceiro livro do Rui, que me vai mandar um exemplar pelo correio. É sempre uma festa, o lançamento de um livro de um camarada, para mais de memórias. Que Deus, Alá e os bons irãs da Guiné o protejam e concedam ainda muitos anos de vida, com qualidade, para ele poder continuar a escrever,  a contar (e a encantar-nos com) as suas histórias de vida, não obstante os seus problemas de saúde. O Rui, membro sénior da nossa Tabanca Grande, é um exemplo extraordinário de coragem, determinação, resiliência e luta contra a adversidade (**) (LG)




2. Ficha Técnica do livro:


Título: A caminho de Viseu: memórias 

Autor: Rui Alexandrino Ferreira

Editor: Palimage, Viseu

Coleção:   Coleção Imagens de Hoje

Género:  Memórias

Ano: 2017

ISBN  978-989-703-185-4

Idioma Português

Formato brochura | 237 páginas | 160 x 23 cm

Preço de capa: 18 €

Sinopse

Aos oficiais, sargentos, praças e funcionários civis, que comigo serviram no Regimento de Infantaria n.º 14, em Viseu, e que na execução de tudo quanto lhes competia fazer com o melhor do seu querer e saber, assim contribuíram com a sua quota-parte para fazer desta unidade uma das melhores, senão a melhor, da infantaria portuguesa na atualidade. Sendo a sua última representante por Terras da Beira, onde reinando sobretudo a amizade, se provou que este é o sentimento mais lindo do mundo entre os Homens, o único capaz de o fazer movimentar.




3. Recorde-se aqui algumas datas importantes da vida  do nosso camarada e escritor, Rui Alexandrino Ferreira (que tem cerca de 7 dezenas de referências no nosso blogue),


1943 - Rui Alexandrino Ferreira nasce no Lubango (antiga Sá da Bandeira), Angola

1964 - Integra o último curso de oficiais milicianos que reuniu em Mafra a juventude do Império.

1965 - Rende, na Guiné-Bissau, um desaparecido em combate [CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67].


1970 - Frequenta o curso para capitão em Mafra, seguindo em nova comissão para a Guiné-Bissau [CCAÇ  18, Aldeia Formosa/Quebo, 1970/72].

1973 - Regressa a Angola em outra comissão.

1975 - Retorna a Portugal.

1976 - Estabiliza em Viseu, onde continua a residir.

2000 - Publica, na Palimage,  o seu 1º  livro,  Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra  


2014 - Publica o seu 2º livro. Quebo: nos confins da Guiné (2014), igualmente sob a chancela da Palimage.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12267: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (7): Cartas de Marga ['Nino' Vieira] e de Luís Cabral, onde se fala dos 3 desertores de Fulacunda, presumivelmente da CART 565, elevando para 9, até ao dia 3/4/1965, o número de militares portugueses que, no TO da Guiné, tinham até então desertado...


1. Continuação da exploração do Arquivo Amílcar Cabral, na sequência da necessidade de "triangular" fontes de informação e versões de acontecimentos em que fomos, as NT,  parte interessada e parte inteira...É um exercício que nada tem de "voyeurismo", muito menos de masoquismo, é apenas a natural curiosidade em saber (ou confirmar o que sabíamos) que o IN de ontem dizia de nós... e dele próprio.

Dizemos  de ontem, porque a guerra já acabou (, para a maior parte de nós, pelo menos)  e agora estamos de pantufas, à lareira, a comer castanhas assadas e a beber jeropiga... Nem sequer temos o o pobre do Chichas, o nosso cão de estimação, a nossa mascote de Bambadinca,  para nos lamber as feridas... Que nada nem ninguém se sinta humilhado e ofendido por esta descontraída, descomplexada e bem humorada (se possível) viagem ao passado... Explorando, para o efeito,  o interessante e valioso portal Casa Comum, um projeto de constituição gardual de "uma comunidade de arquivos de língua portuguesa", desenvolvido pela Fundação Mário Soares. (*)

Por acaso, andávamos pelos mapas e pelos trilhos do nosso blogue e demais sítios da Net,  à procura de Fulacanda, topónimo já há muito esquecido ou pouco falado pela velhada que se senta sob o poilão da Tabanca Grande...O bom do irã, traquinas, reguila, provocador,  bem humorado, mas mais cacimbado do que o cacimbo,  lá nos prega de vez em quando a sua partida...  Não o levamos a mal...

Eis o resultado da transcrição de mais um documento assinado pelo nosso outrora  inimigo de estimação o Marga, que Deus, o Diabo e os Irãs já lá o tenham, longe e bem alto, e que também era conhecido por Caby ou Kabi, ou Kabi Nafantchamna ou ainda 'Nino', João Benardo 'Nino' Vieira, comandante da Frente Sul, por quem houve muita gente, de ambos os lados da barricada de outrora, que nutriu (ou se calhar ainda nutre)  uma relação de amor-ódio... Mas tudo isto, já foi há muitas chuvas, no passado século XX.

De qualquer modo, refira-se que 'Nino Vieira tem mais de 60 referências no nosso blogue, incluindo uma pequena nota biográfica.

Nesta carta (disponível para consulta pública no Arquivo Amílcar Cabral do Portal Casa Comum), de três páginas, manuscrita, sem data (como de costume), dirigida por Marga ao seu chefe hieráquico, mais velho 15 anos, Aristides Pereira, secretário-geral adjunto do Partido (leia-se: PAIGC), ficamos a saber que:

(i) o Marga era crente, evocando frequentemente a graça divina;

 (ii) as coisas, lá no sul (regiões de Tombali e de Quínara), andavam calminhas em finais de março de 1965;

(iii) havia falta de "manga de munições", incluindo detonadores para as granadas-foguete para os RPG, recém chegados;

(iv) em Fulacunda, três "tugas" (palavra depreciativa que ele nunca utiliza, falava em portugueses ou colonialistas ou inimigos...) foram dar um passeio, ao ar livre, e acabaram por se entregar ao camarada que estava de serviço ali pelas redondezas [, a deserção terá ocorrido em 25/3/1965, 5ª feira];

(v) um deles, era um 1º cabo miliciano (!), de apelido Barricosa (leia-se: Barracosa);

(vi) em troca da hospitalidade, os "três tristes tugas" deram à língua, revelaram importantes segredos militares e confessaram a sua vontade de lutar, se necessário,  ao lado do partido de Amílcar Cabral contra o regime colonial fascista de Salazar;

(viii) como os bungalós estavam cheios, lá pelo Cantanhez, o Marga manda a encomenda para Conacri, com guia de marcha;

(ix) ah!,  "e não se esqueça, camarada, de me mandar munições de flober que eu gosto muito de passarinhos fritos!"; [a flober seria mesmo a espingarda de pressão para matar passarinhos ?. pergunta, ingénuo,  o revisor de texto];

e, por fim, (x) "não se esqueça também, camarada mais velho, de que estamos mal abonados de fardas e de plásticos, agora que se aproxima a estação das chuvas"...

Estima-se que a carta seja de finais de março de 1965, cotejando-a com a outra,  que publicamos a seguir, de Luís Cabral, datada de Conacri, 3 de abril de 1965.

Sobre o tema, delicado e fraturante, dos desertores temos cerca de 40 referências no nosso blogue; por outro lado, convir dizer que nunca tiínhamos ouvido falar deste caso...

Não sabemos sequer a que a  unidade pertenciam estes 3 desertores: muito possivemnete à CART 565 que estaria em Fulacunda por esta altura (março de 1965) tendo sido rendida pela CCAÇ 1420 (em agosto de 1965). Talvez o Henrique Cabral (autor do sítio Rumo a Fulacunda),   o Rui Ferreira e o Carlos Rios, que estiveram na CCAÇ 1420 (fulacujnda, 1965/67), se lembrem desta história, conrtada pelos "velhinhos" da CCAÇ 565 de quem, infelizmente, não temos nenhum representante na nossa Tabanca Grande. Estou-me a lembrar ainda do nosso camarada Santos Oliveira (2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66). Ele estve em Tite ao tempo do BCAÇ 1860 (1965/67).(**)

A CCAÇ 565 foi mobilizada pelo RAP 2. Partiu para o TO da Guiné em 12/10/1963 e regressou a 27/10/1965. Esteve em Bissau, Fulacunda e Nhacra. Comandante: cap art Luís Manuel Soares dos Reis Gonçalves.

Transcrição / fixação de texto:  L.G.

2. Carta de Marga ['Nino' Vieira, comdante da Frente Sul] a Aristides Pereira [, secretário gertal adjunto do PAIGC,em Conacri], s/d [c. março de 1965]

Camarada Aristides: 

Espero para que esta lhe encontre continuando uma boa saúde em companhia dos camaradas. Nós vamos indo bons graças a Deus.

Junto comunico-vos que durante estes dias não [h]ouve nada em todo o sul do país.

O que precisamos neste momento é de uma grande quantidade de munições de carabinas e as de Patchanga [PPSH ou costureirinha]. Estão também em falta detonadores de obuzes de bazookas que vieram recentemente.

Faço-vos saber que seguem, em companhia do Artur,  3 soldados portugueses que desertaram do quartel de Fulacunda. Entre eles um é o 1º cabo miliciano de nome António Manuel Marques Barricosa [sic, o apelido é Barracosa]
, Rui Jorge Pires e José Fernando Amorim. 

Tivemos algumas trocas de impressões com eles, donde nos puseram a par de certas coisas.

Agradeço mandar-nos geradores electricos, se possível. Agradeço ainda de enviar-nos munições de flober.

Espero que enviam mais fardas e plásticos para a região sul do país.

Termino por hoje esperando que nos envie todos os pedidos com urgência.

Do seu camarada Marga,

PS – Junto envio em Boké o camarada Ansumane Mané afim de trazer aquelas espingardas semi-automáticas que lá estão. Espero mandar-me envelopes e esferográficas. Agradeço ainda enviar-me velas para a mota, óleo 30 [?} e ácido.


Se [h}ouver também pineus [pneus], é favor de enviar-me também alguns. Não esqueçam de enviar-nos uma grande quantidade de muniçõe

Citação:
(s.d.), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34402 (2013-11-6)


Comentário de L.G.: 

Este homem, se não me engano, de seu nome completo António Manuel Marques Barracosa,  de 23 anos (em 1965, quando desertou de Fulacunda), será mais tarde, dois anos depois, em Maio de 1967,  um dos 4  implicados na assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, liderado por Hermínio da Palma Inácio, 46 anos, fundador e dirigente da LUAR, com a colaboração de Camilo Tavares Mortágua, 34 anos, e  Luís Benvindo, 25 anos. O assalto, no valor de mais de 29 mil contos na época (c. 146 mil  euros, na moeda de hoje), teria sido até então o maior roubo de sempre em Portugal.


Clicar aqui para ampliar a imagem: Casa Comum.

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04613.065.073
Assunto: Comunica a situação no Sul.  Solicita o envio de munições e detonadores de obuses. Informa que seguem com Artur três soldados portugueses que desertaram do quartel de Fulacunda: António Manuel Marques Barracosa, Rui Jorge Pires e José Fernando Amorim. Solicita ainda o envio de geradores eléctricos, munições, fardas e sandálias de plástico. 
Remetente: Marga [Nino Vieira] 
Destinatário: Aristides [Pereira]
Data: s.d.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste).
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondencia
Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

3. Carta datilografada, datada de Conacri, de 3 de abril de 1965, sábado, dirigida ao Ministro  da Defesa Nacional da República da Guiné, e assinada por Luís Cabral , membro do Bureau Político do PAIGC (vd. aqui nota biográfica da autoria de Virgínio Briote).

Tradução, e transcrição com revisão e fixação de texto, meramente para efeitos desta edição bloguística: L.G.

Conacri, 3 de abril de 1965

Senhor Ministro da Defesa Nacional da Repúblcia da Guiné

Senhor Mimnistro,

No dia 29 de março [de 1965] os nossos camaradas levaram para a República da Guiné, através da fornteira de Boké, três desertores do exército colonial português, de seus nomes António Manuel MARQUES BARRACOSA, José Fernandes AMORIM e Rui Jorge Pires.

Estes desertores, apresentados à polícia de Segurança Nacional da República da Guiné vieram do aquartelamento português [no original, base] de Fulacunda, no centro sul do nosso país. Eles apresentaram-se ao responsável do grupo de guerrilha que operava na zona [, em 25 de março de 1965], tendo de seguida sido conduzidos ao responsável na região, que os interrogou.

Os desertores manifestaram, diante dos nossos camaradas, o seu ódio ao regime colonial fascista de Salazar e o seu desejo de participar, ao lado dos democratas portugueses, na luta contra este regime. Manifestaram igualmente a sua simpatia pela justa luta que nós travamos, tendo-se prontificado a dar a sua contribuição onde ela se afigurar necessária.

A chegada destes desertores eleva para  9 o número de militares portugueses que deixaram as fileiras do exército colonial, para pedir asilo no nosso Partido, nas regiões libertadas e este facto é altamente favorável à nossa ação de propaganda tanto no plano internacional como no seio do inimigo.

Por esta razão, temos a honra de vos pedir a competente autorização para tomarmos conta dos desertores em questão, afim de organizarmos a sua apresentação à imprensa internacional. Entretanto, encarregar-nos-emos de contactar as organizações democráticas portuguesas no estrangeiro, a fim de preparar a sua saída da República da Guiné imediatamente a seguir à conferência de imprensa.

Seguros da sua compreensão habitual, queira aaceitar, senhor Ministro, a expressão dos nossos senrtimentos da mais alta consideração.

P’lo Bureau Político do PAIGC,


Luíz [sic]Cabral

Membro do Bureau Político

Fonte: (1965), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35357 (2013-11-7)


Clicar aqui para ampliar o documento [em francês]: Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04606.049.061
Assunto: Comunicado que os camaradas conduziram para Conakry,  através da fronteira de região de Boké, três desertores [do exército colonial português]: António Manuel Marques Baracosa, José Fernandes Amorim e Rui Jorge Pires.Remetente: Luís Cabral, Membro do Bureau Político e pelo Bureau Político do PAIGC.
Destinatário: Ministro da Defesa e da Segurança da República da Guiné
Data: Sábado, 3 de Abril de 1965.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência com o governo da Guiné-Conakry 1960-1966.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Correspondencia.
Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

[Ver aqui o acordo a que chegámos com o administrador, dr. Alfredo Caldeira, do Arquivo e Biblioteca da Fundação Mário Soares, para efeitos de utilização de fotos e outros documentos]

__________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 4 de novembro de 2013 > 4 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12250: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (6): Carta de Marga ('Nino' Vieira) a Aristides Pereira, presumivelmente de meados de 1964, em que refere um desembarque das NT em Gampará, que terá provocado a morte de "22 pessoas do povo e umas vintenas de vacas" (sic)

(**) Lista, organizada pelo nosso camarada Santos Oliveira, das subunidades do BCAÇ 1860 (Tite, Abril de 1965/Abril de 1967)> Subunidade, subsetor, período, comandante 

(i) CArt 565, Fulacunda, antec /10Ago65, Cap Reis Gonçalves;

(ii) CCav 677, S. João, antec. 20Abr66, Cap Pato Anselmo, Alf Ranito, Cap Fonseca;

(iii) CCaç 797, Interv, 29Abr65/16Mai66, Cap Soares Fabião;

(iv) CCaç 1420, Fulacunda, 11Ago65/08Jan66, Cap Caria, Alf Serigado, Cap Moura; [Recorde-se que a esta infortunada companhia pertenceu, como alferes, o nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira];

(v) CCaç 1424, S. João, 11Set65/25Nov65, Cap Pinto; [Companhia que também foi comandada pelo querido amigo e camarada Nuno Rubim, de Junho a Dezezembro de 1966];

(vi) CCaç 1423, Fulacunda e Empada, 30Out66/23Dez66, Cap Pita Alves;

(vii) CCaç 1487, Fulacunda, 08Jan66/15Jan67, Cap Osório;

(viii) CCaç 1549, Interv, 26Abr66, Cap Brito;

(ix) CCaç 1566, S. João e Jabadá, 19Mai66, Cap Pala e Alf Brandão;

(x) CCaç 1567, Fulacunda, 01Fev67, Cap Colmonero;

(xi) CCaç 1587, Empada, 27Nov66, Cap Borges;

(xii) CCaç 1591, Fulacunda (treino operacional), 18Ago66/01Out66, Ten Cadete;

(xii) CArt 1613, S. João (treino op), 03Dez66/15Jan67, Cap Ferraz e Cap Corvacho; [ A esta companhia pertenceu, entre outros, o nosso saudoso Zé Neto (1929-2007), o primeiro membro da Tabanca Grande a quem a morte levou];

(xiii) CCaç 1624, Fulacunda, 05Dez66, Cap Pereira;

(xiv) Pel Mort 912, Jabadá, antec /26Out65, Alf Rodrigues;

(xv) Pel Caç 955, Jabadá, antec/13Mai66, Alfs Lopes, Viana Carreira, Sales, Mira;

(xvi) Pel AM Daimler 807, Tite, antec/13Mai66, Alf Guimarães;

(xvii) Pel Art 8, Fulacunda, 10Fev66/03Mar66, Alf Machado;

(xviii) Pel Caç 56, Fulacunda e S. João, 31Out66, Alf Dias Batista;

(xix) Pel Mort 1039, Jabadá e Tite, 26Out65, Alf Carvalho;

(xx) Pel AM Daimler 1131, Tite, 12Ago66, Alf Antunes;

(xxi) Companhia de Milícia 6, Empada, antec, Alf 2ª Mamadi Sambu e Dava Cassamá;

(xxii) Companhia de Milícia 7, Tite, 05Ago65, Alf 2ª Djaló;

Estas sub-unidades foram atribuídas ao BCaç 1860 durante a permanência em Sector (desde Abr65).

[Imediatamente após a sua chegada à Guiné, o BACÇ 1860 entrou em Sector. Foi-he atribuído o Sector S1, integrado no Agrupamento Sul. Principais localidades: Tite, Fulacunda, S. João e Jabadá. Em Outubro de 1966 é atribuído ao Batalhão o Sub-Sector de Empada, enquadrando as penínsulas de Darsalame e Pobreza. Concomitantemente, passa a pertencer ao BCAÇ 1860 a CCAÇ 1423, aquartelada em Empada.]

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9350: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (10): Fragmentos Genuínos - 8

FRAGMENTOS GENUÍNOS - 8

Por Carlos Rios,
Ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66



Quartel de Mansoa visto do cimo do depósito da água


Entretanto via-me envolvido por uma situação de ansiedade e constrangimento, na medida em que o nível de solidariedade, amizade e confiança que existiam já no grupo, para além da responsabilidade que sentia por ter sido um dos mais entusiastas na formação do mesmo, e depois das experiências negativas da participação em conjunto com alguns dos Grupos de Comandos, levavam-me a não querer já vir a ser transferido para aquela força. Completamente inibido de autonomamente me dirigir ao Comando para transmitir esta questão fui logo após ter chegado a Mansoa, mandado chamar ao Comandante de Batalhão, Ten.Cor. Ferreira de Lemos, que se me dirigiu com toda a educação e respeito, que eram seu timbre, e argumentando com lisonja e na convicção de que me estava a convencer, do que eu mais desejava.

Disse: - Então o nosso Furriel quer deixar-nos - e mais um prolixo discurso que praticamente não ouvi, tal era o sentimento de satisfação por me resolverem uma encrenca, da qual não me conseguia ver livre. Apenas respondi:
- Mas, meu Coronel eu já não quero ir!

Palavras ditas e de imediato chamou o chefe da secretaria para mandar fazer um requerimento que de imediato assinei sem sequer o ler.
Saí dali leve que nem uma pena. Nunca mais se falou no assunto.

Não tive tempo de saborear esta pequena satisfação porque, penso que logo no dia seguinte, numa das colunas que fazíamos frequentemente na estrada para Bissau e a partir da antiga escola de Jugudul, fomos vítimas de violenta emboscada, que apanhando a retaguarda da coluna, cravou de tiros uma viatura com a nítida intenção de alvejar o condutor, o que não aconteceu devido ao extraordinário sangue frio deste, que ao ouvir o primeiro tiro, travou a fundo e se atirou para o chão, ficando a viatura inoperacional, sendo que inclusive o motor foi atingido; menos sorte teve o 527, 1.º Cabo Domingos Pereira, que sentado num dos bancos em cima da carroçaria foi atingido com seis tiros que o puseram à beira da morte. Reagimos de imediato e em poucos segundos depois de silenciada por parte do Rui, a metralhadora pesada que tinha provocado aquele grave acidente de guerra, este encarregou-me de fazer uma batida pela zona tendo a minha Secção reforçada com alguns milícias vasculhado por toda a tabanca e numa mata adjacente sem qualquer efeito. Do inimigo nem sombra nem qualquer informação por parte da pouca população que se manteve no local, pelo que regressado à estrada fui encarregado, depois de o Rui e o Monteiro terem rapidamente arrancado com o Pereira já extremamente debilitado pela perca de sangue para o quartel, viradas que tinham sido entretanto as viaturas naquele sentido, de preparar e rebocar a viatura atingida, no que o meu pessoal foi impressionantemente lesto e lá conseguimos regressar. Depois de um conjunto de incompreensões e observações perante um caso de extrema gravidade. nada abonatórios para alguns elementos combatentes de secretária do Comando do Batahão e que me eximo de pormenorizar, porquanto se tinha feito noite e os helicópteros não podiam aterrar, lá conseguiram ser demovidos e aceitar as opiniões apresentadas pelos mais jovens, sendo que de maneira pouco ortodoxa, a pista foi iluminada pelos faróis de todas as viaturas disponíveis, aquele meio foi posto em movimento, e o Pereira pôde ser evacuado para o Hospital de Bissau já a soro e em estado critico pela perca de sangue. Operado de urgência debateu-se entre a vida e a morte, vindo a ser evacuado para a Metrópole e conseguindo safar-se pois não tinha sido atingido nenhum órgão vital. Foi com um sentimento de profunda emoção e alegria que o pude abraçar num dos almoços de confraternização que fizemos, e onde conversámos e vim a saber que tinha já terminado a sua actividade profissional, fora emigrante em França, sendo que ainda tem alojada atrás do joelho esquerdo uma das balas.

Um heli faz uma evacuação. Ao fundo, mas bem perto, vê-se o fumo dos rebentamentos que persistem. O heli tem que sair rápido (“goss, goss”).

Durante o decorrer deste tempo e em altura que não tenho de memória, o Comandante de Companhia que tinha vindo substituir o inefável Manuel Caria, terminava a sua comissão. Não tenho do mesmo praticamente qualquer recordação excepto que se fazia acompanhar pela esposa, ficando o casal alojado numa vivenda fora do Quartel. Não era o nome da senhora mas o pessoal resolveu baptizá-la de “Delfina” e foi autora da nova frase carismática a par de “Rumo a Fulacunda”.

Numa das saídas fomos buscar o Capitão a casa e a Srª. D. “Delfina”, disse: - Cuidado Herberto – chamava-se o Comandante Herberto Nascimento; pronto, aquela Companhia era terrível, e a partir daí o simpático Cap. Nascimento, passou a ser o “tem cuidado Herberto”.

Em sua substituição apresentou-se o Cap. M. dos S. Recebido como de costume com todos os “novatos”, com o desinteresse e desconfiança daquele grupo de desmiolados. Este militar fazia questão de salientar já ter feito uma comissão na guerra de Angola como alferes miliciano. E perorava actos e acções de destemor e valentia durante aquele período. Pouco tempo passou e deu-se a primeira saída do novel Comandante da Companhia. Numa noite debaixo de forte temporal, sob chuva intensa e constante, com uma escuridão como só mesmo em África, no comando de um grupo constituído pelo nosso pelotão e o do Malaca dos Santos, avançámos através da floresta cada vez mais densa o que nos punha os sentidos em alerta permanente, que felizmente veio a sublimar-se com o amanhecer quando nos aproximámos de uma pequena bolanha onde, mais uma vez renasce o leit motiv da nossa presença nesta terra, no atravessamento da qual fomos vítimas de intenso tiroteio, o que levou a que a coluna se partisse, ficando ainda na retaguarda do outro lado da bolanha um conjunto do Malaca dos Santos. Na cabeça da coluna, como de costume corri de imediato acompanhado pelo incomparável Fajões e a sua bazooka e o Amorim (era o enfermeiro do Pelotão mas um inigualável combatente) e respondendo com a valentia e eficácia do Fajões que galvanizou o restante grupo que avançando a metralhar o sitio de onde vinha o tiroteio e desbaratou a emboscada, vindo o ouvir-se apenas esporadicamente alguns acordes da costureirinha “PPSH”. Tivemos de atravessar duas vezes a bolanha para trazer a reboque os elementos atrasados e reunificar as tropas.

O inaudito M. dos S. alapado atrás de um baga-baga, sem um som ou movimento olhos esbugalhados, olhava para tudo aquilo com um ar assarapantado e imbecilizado. O Fajões que passamos por ele diversas vezes disse que “o homem parece um Capador” daí lhe ficou o nome pelo qual entre a soldadagem ficou a ser conhecido por esse apodo.

Alguém o ouviu comentar junto de diversos elementos do Comando.
Foi uma actuação de loucos!
Nunca vi nada assim! Correram mais de duzentos metros de peito aberto para cima dos turras, desprotegidos no meio de um intenso tiroteio! São doidos! Perfeitamente doidos.

A investida suicida de peito aberto de frente para as posições inimigas, foi remédio santo, emudeceu para sempre as suas basófias. Mas, a verdade, é que era a nossa única chance, ou os desalojavamo-los, ou deixávamos um pequeno grupo isolado à sua mercê e já tínhamos na Companhia uma triste experiência dessa situação.

Alguns pequenos intervalos com que procurava-mos descomprimir, mais não eram que o reconhecimento da intensa e profunda entrega à missão que desenvolvíamos com desesperante angustia, profundo desgaste e sofrimento, eram gotas balsâmicas, numa permanente situação de tormento, ansiedade e cansaço físico e psicológico que era o nosso quotidiano em permanente estado de guerra, com fugidios e muitas vezes atrozmente interrompidos momentos de descanso.
A certeza adquirida nesta permanência em Mansoa era para além das dificuldades, sofrimento e revezes da Companhia, ainda uma constatação de violência e tragédia na área da nossa intervenção.

Algum tempo após estes graves incidentes, fui confrontado com o reactivar de uma realidade já sublimada pelo tempo e que me reactivou os sentidos de terror, pequenez e impotência ao enfrentar um inimigo invisível e tremendo: as minas.

Encontrando-me com alguns camaradas, de entre os quais estava o meu amigo J.M.Bastos, na esplanada do clube os Balantas, vestido eu à civil, (ainda me lembro da vestimenta - calções de caqui e uma camisa de seda multicolorida, ao bom estilo africano, e uns mocassins) - estava pinoca o saloio, quando ouvimos um grande rebentamento para os lados de Encheia. De imediato corremos ao quartel e tal e qual como estava pus o cinturão em que tinha sempre para além das cartucheiras, quatro granadas e pegando na G3, material que sempre mantinha pendurado à cabeceira da cama, pedindo ainda a entrega de um dilagrama, e montados os diversos pelotões em viaturas, dirigimo-nos para a estrada de Encheia.

O quadro com que nos deparámos foi aterrador. Sendo aquela picada, junto da qual haviam diversas tabancas considerada “controlada”, uma carrinha (mini-autocarro) vinha com alguma frequência de Bissau até junto da cambança para Encheia, transportando população e toda uma parafernalha de utensílios para a localidade e para as já referidas tabancas. Nesta viagem e a pouco menos de 500 metros do local onde habitualmente parava, pisou uma mina, que explodindo desfez literalmente a viatura, espalhando pelas redondezas mortos e feridos, um horror incomensurável, de tal maneira que o Zé Manuel Bastos e o seu grupo tiveram que recolher para cima de um Unimog, corpos e pedaços dos mesmos chegando em alguns casos a haver membros decepados e esquartejados de tal modo que não se sabia a quem pertenciam, uma vez feito este pungente e dramático trabalho, lá seguiu o calmo e sensível J.M Bastos e o seu grupo com a macabra carga, sanguinolenta a tal ponto que escorria para o chão, sozinhos no Unimog para Bissau, vindo ainda já dentro da cidade a ser mandado parar pela P.M. O desenlace foi um imberbe e sobranceiro alferes ficar tremelicando e sem voz na beira da Avenida, acabando o Bastos a sua missão.

Paradas as viaturas e tendo entretanto o meu grupo intervindo por ali nas tabancas e arredores, enquanto outro grupo procedia à picagem da estrada, a população fugiu em massa para uma pequena mata pegada com uma bolanha onde cultivavam arroz, sendo que ainda fomos fustigados de longe ao que reagimos de imediato saltando eu para dentro da bolanha e disparando o dilagrama para dentro da mata, o que provocou um absoluto silêncio mantendo-me no mesmo local donde só saí (lá ficaram os meus queridos mocassins) quando a população, creio que se terá julgado entre dois fogos, começou a caminhar no nosso sentido. Na frente um encorpado gentio vestia uma camisola onde no peito era bem visível o emblema da Mocidade Portuguesa. Entretanto o pessoal que procedia à picagem do resto do troço viria a encontrar poucos metros depois de onde tínhamos parado outra mina que desmontaram e levantaram.

O contacto com esta atroz tragédia, demolidora do mais forte controlo de um ser humano, os diversos acontecimentos subsequentes incluindo a visão do elemento com a camisola referida fizeram despoletar em mim uma crise de nervos que me fez dizer e praticar todos os desmandos possíveis e que só no dia seguinte, já praticamente recuperado, a guerra continuava e eu era tido como preponderante no meu grupo, vim a saber.
Mandei com a arma fora… desatando em completa convulsão a gritar "podia ser o meu irmão", "maldita guerra", etc …etc..

Valeu-me o perspicaz e desembaraçado Rui, que pegando em mim ordenou a um condutor que me conduzisse de imediato ao Quartel o que ele acatou de bom grado mas clamando eu ainda que queria levar a mina.
E lá foi aquela boa alma sozinho ao volante de um camião Mercedes, com um maluquinho sentado ao seu lado com uma mina de cinco quilos de trotil ao colo. Chegados ao Quartel o meu bom amigo Carolino,(infelizmente já falecido, na sua terra - Marinha Grande), já de seringa em riste injectou-me uma mistela que só me deixou acordar no dia seguinte, tornando-se assim o motivo de conversas ditoches e conselhos assizados, que puseram tudo no lugar.

Nos dias seguintes verificou-se alguma acalmia, sendo-nos destinada, entre outras a função de apoio e segurança na escolta a uma coluna de reabastecimentos ao Olossato e durante a qual detectámos e fizemos accionar e destruir duas minas anti-carro e três anti-pessoal.

Ainda da estadia em Mansoa recordo com precisão uma deslocação a Mansabá que me mereceu o comentário no notável blogue do grande camarada e amigo Henrique Sacadura Cabral, com o titulo Rumo a Fulacunda que abaixo transcrevo.

Carlos Rios Fur.Milº CCaç1420 Diz:
15 Março 2011 às 13:48
Curiosa miscelânea de emoções e sentimentos se extrapolam do que os camaradas aqui escrevem. Não quero deixar passar a oportunidade sem comentar a nossa passagem por aqui, de uma das vezes que para aqui viemos foi para participarmos numa operação de grande envergadura em que saíram companhias de diversos acantonamentos, Olossato, Bissorâ, Mansabá etc.. para o Morés e onde uma das companhias apanhou imenso armamento, já não me lembro, creio que foi a do Olossato. A ansiedade era imensa, ainda recordo que estando alguns de nós no Bar, eu me entregava ao consumo desmesurado de aguardente antes de irmos para o Morés, o amigo José Manuel Bastos dizer “é pá logo tu (acho que aquela malta tinha a mania que eu era o Rambo) estás a agir assim? Curiosidade de Mansabá: não precisámos de mosquiteiro para dormir, praticamente não havia mosquitos. Um espanto.

Vindo de Cutia em trânsito por Mansoa com destino ao Hospital de Bissau para ser observado pelo facto de ter dado uma violenta queda que me provocava fortes dores no peito, e tive a alegria de encontrar já recuperado o meu amigo Rui que aguardava transporte para se juntar a nós, em quem notei imediatamente um sentimento de revolta e inconformismo. Então não é que, porque o Comandante do 4.º Pelotão que se encontrava ausente para Bissau, e estando aquele grupo para sair com a missão de avançar para o mato para o desalojamento e eliminação de alguns focos referenciados, o Comando de Batalhão, o tinha indigitado para comandar aquele grupo ao que ele reagiu acabando no fim praticamente por ser coagido a aceitar a missão; de imediato abandonei a ideia de ir para o hospital e lhe transmiti:
- Se vais eu também vou, assim já seremos dois a aguentar o barco! - Oh diabo, voaram mosquitos por cordas.
- Nnão penses nisso, nem em sonhos, se for preciso proíbo-te de ires porque sou teu superior.

Era um poço de humanidade e brincalhão este Rui, depois de acesa discussão com este teimoso lá verificou que não merecia a pena insistir, pelo que lá nos juntámos aos camaradas do 4.º Pelotão. Depois de diversas peripécias no atravessamento de imensas bolanhas aproximamo-nos de uma tabanca isolada na extremidade de uma pequena mata, indo como de costume na frente da coluna, avistei em fuga um elemento pelo que, impetuosa e impensadamente, me lancei em sua perseguição, vindo a ser gravemente ferido quando um grupo de elementos emboscados estrategicamente dispararam diversas rajadas de metralhadora, atingindo-me duas balas que me provocaram perfuração intestinal e o esmagamento de diversos ossos da bacia que me condenaram ao estropiado que hoje sou. Felizmente não houve mais feridos porquanto vinham ligeiramente mais atrasados e puderam abrigar-se e eliminar aquela frente de fogo. Fui em pouco tempo evacuado de helicóptero para Bissau, vindo ao fim de 15 dias para o HMP e posteriormente para a semi-clausura do Anexo vindo a terminar no DI no largo da Graça, locais de onde guardo a mais confrangedora das recordações. E assim termina a saga africana deste anónimo saloio.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9342: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (9): Fragmentos Genuínos - 7

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9342: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (9): Fragmentos Genuínos - 7

FRAGMENTOS GENUÍNOS -7

Por Carlos Rios,
Ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66


Vista aérea de Bissorã

O tempo de permanência em Bissorã, já uma pequena cidade característica da colonização portuguesa e onde a sensação de isolamento patente em Fulacunda estava pelo menos psicologicamente sublimada, dado que, desde que devidamente protegidas já se organizavam colunas de viaturas e outras ligações por estrada com Olossato, Mansoa etc.., e onde as condições de aboletamento já eram minimamente aceitáveis, onde se verificava algum movimento, com o funcionamento ainda do administrador local, de alguns resistentes comerciantes mantendo a população residente na cidade como nas redondezas actividades autónomas, tendo curiosamente dois templos de culto, um católico e um muçulmano, realizando até semanalmente uma feira em campo aberto, onde se transaccionava uma parafernalha de artigos, teve em mim e penso que na maioria dos camaradas, pesem embora algumas acções e confrontos com o IN, um efeito retemperador e propiciador de um aumento de confiança , depois de um ininterrupto sucedâneo de tragédias e peripécias negativas até aí vividas.

O ambiente então proporcionado, permitiu-me, ainda que intermitentemente, passear palas tabancas das redondezas, acompanhado do meu amigo Djaló, um jovem nativo da Secção de Milícias que nos acompanhava e me servia de confiante companhia e de interprete. Raros eram os elementos da população estando autonomizados, que sabiam ou queriam falar ao menos crioulo, utilizando sempre os seus diversos dialectos. Uma curiosidade que pude detectar, era o facto de muitos escreverem com desenvoltura o árabe e nalguns locais se utilizar um idioma afrancesado, comunicando entre si, na errada convicção de que eu nada entenderia. Jamais me manifestei e foi-me de grande utilidade, deslocarmo-nos a algumas tabancas, com o prosaico intuito de observar e aprender, e onde, ainda que com alguma relutância inicial e que após pouco tempo, em que me senti como animal de feira a apreciar, se transformava na mais sincera e apreciada troca de opiniões, muitas das vezes tivemos que recorrer a garatujas desenhadas no chão, para nos entendermos.

Foi um tempo enriquecedor para mim, um compulsivo curioso, permitindo-me assim assistir a um sem número de vivências, rituais, danças tradicionais, jogos, cerimónias (estas nunca na totalidade) etc… das quais mesmo com as explicações do Djaló, francamente apenas retive alguns momentos em que uma estética rara e deslumbrante com uma beleza estonteante, que nos levava ao encontro de um etéreo visionamento. As próprias lutas (combates mano a mano), eram de uma dignidade e lealdade arrebatadora e elas próprias propiciadoras de esbeltos movimentos e momentos do conjunto em acção. Estes contactos despertaram em mim a curiosidade de conhecer os aspectos etnográficos, e assim vim a conseguir informação esclarecedora de muitas das minhas duvidas e que passo a transcrever mais à frente.

Mas porque o nosso “mote” era a guerra e o combate para o qual nos tinham empurrado e onde se teria de “matar ou morrer” tivemos mesmo assim neste períodos diversos recontros com o IN.
Ainda passados poucos dias de ter sido integrado na nova estrutura que agora constituía o grupo, e na escolta a uma coluna para o Olossato fomos vítimas de duas emboscadas, sendo atingido na barriga, com bastante gravidade um dos nossos habituais acompanhantes da Secção de Milícias.


Ainda mal refeitos das informações que nos chegaram sobre graves incidentes com o pelotão do Malaca dos Santos, era o nosso pelotão que actuava geralmente com uma Secção de Milícias, encarregado de executar uma emboscada na região de Embondé, já junto à estrada que vinha de Mansoa no caminho que conduzia depois da estrada ao Cambajo, aos primeiros vestígios que sentiram da nossa presença os elementos da população, que eram escoltados por dois guerrilheiros, no transporte de géneros para aquela base IN, fugiram desordenadamente, tendo nós capturado 20 deles que como era nosso timbre, entregamos na sede de Batalhão, não permitindo nunca, e já perfeitamente interiorizado e elogiado pelo nosso pessoal, menosprezos maus tratos físicos, ou verbais, antes tratando-os com a dignidade e respeito que o ser humano tem direito. Os géneros, confiscados, foram distribuídos pelos Milícias sempre disponíveis para receber as sobras com algum valor.

Contrapondo àquela nossa humanista preocupação e confirmando o velho aforismo popular “não há bela sem senão”, deu-se um acontecimento deveras insólito e dramático, proporcionado por um soldado da 1419, um mosca morta, pequeno e aloirado, donde parecia não poder advir nada de bem ou mal, mas que iludindo a vigilância do grupo de segurança ao conjunto de prisioneiros, enfiou pelo meio destes e numa demonstração de ódio e ferocidade inauditas, apanágio creio eu, de má formação, incultura e absorção da tremenda propaganda difundida e martelada pelo sistema político então vigente, e apunhalou um destes, liquidando-o sumariamente.

À boca pequena, contavam-se muitas estórias semelhantes. Oficialmente nada havia.
Quantas ignomínias e ferocidades cometemos ao longo de treze anos.

Foi ainda daqui que ficou interiorizada a má impressão e desilusão que me levam a ainda hoje uma negativa opinião da capacidade de actuação de alguns Grupos de Comandos na época, porquanto a par de invulgar destreza e destemor por parte de diversos Comandantes de Grupo e seus subordinados que digo com franqueza me deixavam pasmado, noutros casos e nas diversas saídas que tivemos com eles, mais que um grupo, podemos dizer que foram outros tantos revezes, porque havia sempre argumento para não avançarmos até ao objectivo: “já é muito tarde para atacar, tinha que ser na alvorada; houve demasiado barulho na aproximação; etc…etc…, nestas condições creio que o nosso grupo nunca tinha realizado um golpe de mão; fizeram-me recordar o velho grito épico do Caria, “Rumo a Fulacunda”.

Também em Bissorã vim a tomar conhecimento com a tremenda realidade que ainda estava reservada à nossa terrível passagem por este chão da Guiné onde nos tinham colocado, vejo hoje, para fazer uma guerra inaceitável e que na realidade tinha para alguns, objectivos obscuros que só agora entendo e são visíveis nas cópias dos blogues que apresento no fim.

"A guerra é um massacre de homens que não se conhecem em
benefício de outros que se conhecem mas não se massacram."
(Paul Valéry)

A zona de intervenção do Batalhão que veio a acabar em Mansoa onde pudemos verificar que as condições ainda se agravavam e onde tivemos maiores dificuldades e alguns revezes, abarcava uma imensa área com pavorosas e ameaçadoras condições de terreno, em que para além de imensa zonas de bolanhas pantanosas, que obrigatoriamente tínhamos que transpor, variadas vezes, tornando cada deslocação numa fonte de dificuldades, ainda tínhamos que contar, aproveitar a maré-baixa, para atravessar os canais de agua do mar que devido à orografia do terreno naquelas terras, são imensos, tendo em linha de conta que medeiam às vezes quilómetros entre uma maré e outra, e que fica no piso que tínhamos de percorrer, para além do terrível tarrafo (um tipo de vegetação que ficava quase submersa nas marés-cheias), uma espécie de argamassa que ao longe parecia compacta, mas que veio a revelar-se uma espécie de lama, mole, pegajosa, movediça, mal cheirosa, pútrida e de ténue consistência, só se conseguido atravessar, com tremendas dificuldades, sendo que nas maiores extensões terem de ser os mais altos e expeditos a terem de arrastar os mais baixos e alguns menos lestos que chegavam a correr riscos de atolamento. Estes eram momentos de terrível tensão dado, como chegou a acontecer sermos fustigados por parte do inimigo. Quando terminadas estas “travessias” parecíamos um conjunto de miseráveis soldadinhos de chumbo. Tremendas eram estas situações porquanto pouco tempo depois sob um sol e colores inclemente ficarmos secos e completamente enlameados, de tal maneira que nos dificultava ao movimentos, e com um cheiro nauseabundo.

As penosas situações em que por vezes fomos emboscados. Aqui maré cheia

A acrescer a este agreste e inóspito ambiente tínhamos ainda a toda a volta e obrigatoriamente nos percursos a atravessar as omnipotentes e majestosas florestas virgens, onde me parecia que a natureza tinha concentrado as suas forças para transmitir o que a vegetação tem de mais rico e variado. Para se conhecer toda a beleza que se pode usufruir destes autênticos santuários torna-se imprescindível introduzirmo-nos nestes locais tão antigos como o Mundo. Nada faz relembrar a cansativa monotonia das nossas florestas de carvalhos e pinheiros, cada ente constituinte deste luxuriante meio, tem por assim dizer, uma postura que lhe é singular, cada árvore tem um porte que lhe é próprio e a sua folhagem oferece frequentemente uma policromada tonalidade de verdes diferentes das que a rodeiam;

De comum apenas o ar majestático e a grandiosidade. Vegetação rasteira imensa, com lianas que abraçam as imensas árvores e onde se misturam e confundem sua folhagem, para atravessarmos este mar imenso de verdura tínhamos a maior parte das vezes de rastejar ou abrir caminhos com tremenda dificuldade á catanada.
Mais que uma vez tive a felicidade de ficar deslumbrado ao avistar alguma das imensas aves tropicais que habitavam este meio.
Enfim aqui nos meandros desta floresta que crescia ao deus dará, numa profusão de espécies que disputando o mesmo espaço muitas vezes se irmanavam e noutras se antagonizavam na procura da luz, que não era mais que a sua vida, não éramos mais que infinitésimos seres desambientados no seu interior, sentindo-a vigilante majestática, agreste e opressiva, ciosa da sua imponência e recato. Aqui me sentia como que protegido e resguardado por um manto de ilusão como se estivesse a ser objecto de afagos maternos. Quanta nostalgia.

Tomando como certa a informação de um dos elementos que antes tínhamos capturado, o Comando, encarregou-nos de executar um golpe de mão à tabanca de Quenhaqué, onde se realizava uma cerimónia, onde se iriam encontrar vários elementos do IN. Não sei porquê o Rui aceitou com alguma relutância esta missão. Avançámos a meio da noite, em conjunto com outro pelotão que ficou emboscado para proteger o nosso regresso e avançámos já de madrugada tendo o nosso pelotão sido dividido em dois, em que o grupo que eu comandava circundou a tabanca após o que daria o sinal para o restante pessoal, comandado pelo Rui entrar na mesma, Não chegámos a concretizar o plano porque fomos detectados e de dentro da tabanca, rebentou forte tiroteio. Rispostámos de imediato sobre elementos que entretanto se tinham posto em fuga, tendo abatido seis e capturado três armas, após o que encetamos minuciosas buscas na procura se mais armas o que não aconteceu, mas vindo a capturar um elemento do PAIGC, que me fez ver praticar o maior e mais arrepiante e ousado acto de insubmissão e lealdade de um ser humano. De mãos atadas atrás das costas no centro do nosso grupo, pediu para lhe pormos as cordas menos apertadas. Assim que sentiu aquelas ligeiramente mais frouxas ainda sem terminado o acto desatou em louca correria de fuga pelo meio do capim vindo a ser abatido, passados poucos metros por um elemento do grupo emboscado.

Já com o conhecimento do facto, de que iríamos para Mansoa, parti para férias na Metrópole, vindo a regressar aquela cidade em 06AGO66, para dar inicio ao mais violento e agressivo período, com que a Companhia se debateu, foi um tempo em que a par das inóspitas, agrestes e perigosas condições do terreno em que tivemos de actuar imensas vezes, algumas delas com fortes e trágicos revezes, ainda tivemos de suportar um ambiente húmido e infestado de milhões de mosquitos que não permitiam um momento de descanso fora dos mosquiteiros.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9336: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (8): Fragmentos Genuínos - 6

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9336: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (8): Fragmentos Genuínos - 6

FRAGMENTOS GENUÍNOS - 6

Por Carlos Rios,
Ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66


Era patente o ar de desânimo que se tinha instalado na Companhia, conducente a verdadeira pusilanimidade em todas as acções desenvolvidas, situação que criou em mim, já na altura um inconformado, impulsivo e obstinado, uma vontade de sair daquela modorra e requerer a transferência para os Comandos, o que provocou acesa troca de palavras com o Malaca dos Santos, o único que eu aceitava como interlocutor o que, por minha teimosia de nada valeu e lá fiquei a aguardar a chamada.
As memórias já difusas, passados que são mais de quarenta anos, não me permitem afirmar em absoluto, se ainda com o C. presente ou pouco depois apresentou-se para comandar um pelotão desanimado, amorfo e ainda chocado com o desaparecimento do seu líder e grande amigo Vasco, o Rui Alexandrino Ferreira. Apareceu-nos então um jovem Alferes, com um aspecto imberbe, parece-me que ainda não se barbeava; com uns óculos de lentes grossíssimas nuns aros de tartaruga mas com sentido de presença e um ar azougado e obstinado.
Foi displicentemente e com desconfiança recebido, o que aparentemente não o beliscou nada. Praticamente dávamos a entender que nós os velhinhos (que prosápia), não lhe passávamos cartão. Muito me tenho retratado ao longo da vida desta atitude de crianças rabinas. Que abnegação perseverança e tenacidade terão que ter existido neste HOMEM, para a prossecução dos objectivos que pretendia alcançar.

Quase de imediato saímos para o mato num patrulhamento e pesquisa de um hipotético objectivo (casa de mato), e espantados, vimos que o grande Rui se postava quase à testa da coluna, nos lugares de maior objectividade e em qualquer lugar passível de haver perigo.
Aparentemente indiferente aos piropos e apartes de alguns, (quão confrangido me senti muito pouco tempo depois por não ter intervindo mandando-os calar).

Ouvia-se:
- Será que o periquito sabe o que está a fazer?
- Dá cá o bico oh periquito!
- O gajo é mas é marado! É o que é! Só cá podia vir parar mais um tolinho!
- Esperem até que rebente alguma bernarda que logo vão ver o gajo todo acagaçado.
- Tás maluco! O Sacana é fino! – vais ver que se aguenta

Notava-se já um desanuviamento, eu próprio começava a sentir-me motivado e vazio de dúvidas.
Depois desta incursão e comportamento claramente demonstrativos de uma invulgar personalidade, que rapidamente calou os desbocados, e fez começar a desaparecer o desânimo instalado e aparecer imensa expectativa.
O Rui, apenas pelo seu valor e maneira de ser, adulterou as rigorosas regras comportamentais que disciplinavam e eram regra até à sua chegada, como na generalidade das Forças Armadas, numa forma até então considerada óbvia, o rígido relacionamento entre as três categorias que integravam a Companhia, Oficiais, Sargentos e Praças. Era porém diferente a visão do Rui e rapidamente passou da teoria à prática.

Creio que ainda hoje não me passou a estupefacção que me assaltou e me fez aderir incondicionalmente, nem que isso viesse a acarretar quaisquer dissabores. Não posso olvidar a sensata entusiasmante e eficaz intervenção do meu amigo Zé Monteiro no autêntico derrube de um sistema de relacionamento dogmático e divisor entre pessoas onde é necessária uma profunda coesão.
Seríamos sempre dois a acarretar com as responsabilidade de alterar códigos obsoletos.
Para além, muito para além, da existente e obsoleta hierarquia formal onde diariamente era esbatida e vinha ao de cima o valor humano de cada um na entrega e defesa da vida e dignidade gerais, sendo evidente as tentativas de auto-exclusão, salvo raras e honrosas excepções dos mais graduados, estava para nós a horizontalidade do primado do Homem.

Independentemente do posto, todos eram homens, com as suas qualidades e defeitos, manifestando as suas alegrias ou tristezas transmitindo algumas vezes com intensa emoção as suas incertezas, dúvidas e esperanças; porque estas são as últimas a morrer. Ali cada dia passado era uma conquista alcançada no atroz sofrimento da dúvida em prosseguir a vida ao encontro do seu saudoso lugar de direito. Mas acima de tudo a todos terem de ser encarados na sua imensa dimensão humana.
E neste ínterim, porque assim nos víamos e considerávamos, o Rui foi o precursor do tratamento de todos por igual, independentemente do posto de cada um sugerindo reciprocidade, fazendo despoletar em nós os mais belos e nobres sentimentos, este jovem imberbe tão invulgar se nos afigurou que rapidamente conquistou e conseguiu aquilo que me pareceu ser o seu objectivo, vindo a criar-se no grupo um sentimento de amizade e solidariedade imensos, fazendo desaparecer o desânimo e alguma intolerância, desencadeando uma empatia em que por incentivo conjunto se veio o pelotão a tornar no grupo temível e empolgado que, quando flagelado não se abrigava ou defendia, mas sim irrompia, de peito aberto com um volume de metralha incomensurável contra o inimigo e o desbaratava e punha em fuga.

Já entrosados em profunda empatia e solidariedade com elevado grau de confiança e entusiasmo estruturantes do grupo, fomos fazer um golpe de mão a uma casa de mato do inimigo em Binhalom. Na fila a caminho e ao encontro do objectivo, como de costume ocupava o segundo ou terceiro lugar vindo pouco depois o Rui e mais atrás o vigilante perspicaz e ponderado Zé Monteiro, que psicologicamente, como ainda hoje com todo o respeito sinto, como que me fazia sentir protegido de uma grande enxurrada por um polivalente chapéu de chuva, detectados e recebidos por valente saraivada de rajadas que felizmente não feriu ninguém, de imediato nos lançámos em avassalador e inconsciente ataque à posição IN, reagindo em conjugação de esforços todo o pelotão a maioria imitando-nos a mim e ao Rui sempre de pé, porque do chão nada se via, nada se controlava e o que poderia acontecer era desatarmos aos tiros para o ar, nada se dirigia e pouco se reagia, com a ajuda e protecção da sorte e da fortuna, essenciais nesses momentos, mas que tudo fizemos para o merecer e a sorte protege os audazes, disparando intensamente e corrigindo a pontaria, lançando eu próprio algumas granadas de mão sobre as posições donde pareciam provir os tiros conseguimos levar ao abandono do local os elementos do IN, muito embora de cada vez mais longe se continuassem a ouvir esparsas rajadas na fuga ao nosso avanço. Entrados então em Binhalom onde destruímos diversas tabancas duas canoas e capturámos algumas armas.

Vista geral do exterior do lado da porta de armas, ao fundo

Numa das curtas permanências em Fulacunda, o sentimentalão do Ferreirinha, irradiando alegria, dizia-me na cantina, depois de emborcarmos umas “Bazookas” :
- Eu não te dizia que se vinha juntar a estes mais um tolinho. Que maravilha.

Aspecto geral da Tabanca em Fulacunda

Homem de uma extraordinária humanidade fez-me a cortesia de escrever e publicar em livro de sua autoria:

“… mas tendo por especial referência o Rios, que foi ao longo do tempo que passou entre nós até ser gravemente ferido o elemento mais activo, dos que nunca se incomodava na busca de um abrigo ou de outra qualquer protecção. Ás vezes em manifesto abuso da sorte, como bem se viu, pois tantas vezes vai o cântaro à fonte que um dia lá deixa uma asa. Mas era uma força da natureza. Certamente sem ele a minha acção teria sido bem mais difícil senão mesmo impossível de levar a bom porto.
Nunca lhe poderemos, nem eu nem seguramente todo o grupo, que legitimamente era e será sempre o seu, retribuir o muito que por nós sacrificou, a generosidade com que nos brindou, o exemplo que nos contagiou e que só têm paralelo no orgulho imenso que por ele sentimos, na eterna gratidão que lhe devemos.
Poucos furriéis milicianos têm seguramente uma Cruz de Guerra de 1ª. Classe como ele. Se mais algum a tem certamente a não mereceu mais".

Pouco tempo passado fui então chamado para em Brá-Bissau, sede do Regimento de Comandos, prestar provas psicotécnicas e físicas para admissão ao próximo curso destes agrupamentos, tendo-me portado a contento e mandado assim que possível de regresso à minha anterior situação até à necessária chamada. Foi um período de tempo inimaginável de solidão e nostalgia, pois que o tempo ali passado abarcou o período de Natal e passagem do ano, e não consegui vislumbrar um único aspecto de solidariedade ou de inter-relacionamento comigo ou entre os elementos que por ali se passeavam cheios de empáfia, de lenços coloridos ao pescoço, com um ar soturno que inibia os novatos. Os sentimentos que me assaltaram eram tão negativos que para além da dorida saudade dos entes queridos e das lembranças da santa terrinha até dos meus camaradas da Companhia a que pertencia senti falta.
Enfim, felizmente que depois de chamado, não cheguei a ir para os Comandos, por razões que mais à frente destacarei, porquanto tenho das diversas vezes que operámos em conjunto com alguns grupos de Comandos uma péssima opinião.

Na segunda semana de Janeiro lá me mandaram embarcar numa coluna que se destinava a Bafatá para sair em Bissorã, local para onde tinha sido deslocada a minha Companhia, sendo ao apresentar-me no pelotão sido confrontado com uma ideia engendrada pelo Rui, e à qual aderi de imediato porquanto vinha ao encontro e preenchia totalmente as minhas perspectivas. Resolveu o sagaz camarada mais graduado do pelotão criar um grupo para o qual só entraria quem quisesse aderir à ideia, quase a totalidade dos constituintes do anterior pelotão o fez entusiasticamente, o Zé Monteiro mostrou-se um pouco recalcitrante à ideia, mas o espírito de solidariedade, coesão e amizade já existente naquele bloco, falaram mais alto e com o grupo recomposto e readaptado a funções mais interventivas e beligerantes (estaria o grupo sempre preparado e disponível para um eventual primeiro embate), tentava-se assim fugir aos serviços rotineiros, faxinas, guardas, etc… e ao qual resolvemos baptizar de “Insaciáveis” e pusemos a divisa de “Comandos da Caç1420” – que falta de parcimónia/que prosápia. Não tivemos nenhuma baixa mortal, sendo meu orgulho pelo cumprimento da minha missão ser eu o que mais estropiado ficou de entre os vários feridos em combate, quando co-responsável por aquelas três dezenas de Homens.

A estes jovens foi reconhecido valor e mérito que se traduziu em:

- Alf. Mil. Rui Fernando A. Ferreira – Cruz de Guerra de 1.ª classe
- Fur. Mil. Carlos Luís M. Rios - Cruz de Guerra de 1.ª classe
- Sold. José Ferreira dos Santos - Cruz de Guerra de 2.ª classe
- 1.º Cabo Manuel Oliveira da Silva - Cruz de Guerra de 3.ª classe
- 1.º Cabo Fernando Vieira Sampaio - Cruz de Guerra de 4.ª classe

Foram ainda merecedores de louvores do Comando de Sector (Agrupamento de Mansoa) os seguintes militares:

- 2.º Sarg. Artur Dias Ameixa - Um estóico e exemplar representante do Q.P.
- 1.º Cabo António Marques Oliveira - A serenidade e sensatez
- Sold. José Marques Fernandes (Zé do Eixo)- A audácia e desembaraço
- Sold. Américo Dias da Silva - Calmo e ponderado numa total e consciente entrega foi considerado “o exemplo do soldado Português".

Foi ainda louvado pelo Comandante do Batalhão o 1.º Cabo Radiotelegrafista Valdemar Ferreira Vilela - A personificação da compenetração e competência.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9320: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (7): Fragmentos Genuínos - 5

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9320: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (7): Fragmentos Genuínos - 5

FRAGMENTOS GENUÍNOS - 5

Por Carlos Rios, 
Ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66

A minha curiosidade e ânsia de aprendizagem e o imutável espírito popularucho que sempre fez o meu tipo, contribuiu para que em todo o tempo e locais por onde passei, me interligasse com toda a facilidade com as populações e estas me aceitassem quase sem reserva.
Aqui em Fulacunda e através do Soleimane Djaló e do Salu, milícias que trabalhavam comigo observei e participei em algumas actividades que a população realizava.

Mais que uma vez o Soleimane acompanhado com diversos elementos em que se incluíam mulheres me veio ao quartel chamar para ir à pesca com eles.
O meu amigo pedia-me para levar duas granadas, o que eu fiz embora de pé atrás, desconfiado, levando também à cintura ma pistola Walter e a minha acompanhante, a Formosa (G3); saí a sorrelfa do arame farpado (nunca na Companhia ninguém soube) o aparecer armado, mereceu alguma critica, – não tem perigo Rios, dizia o Soleimane, quando me juntei ao grupo já na tabanca e onde muitos demonstraram o seu desagrado, mas depois de algumas explicações em que transmiti a minha insegurança, não fosse aparecer algum inimigo, etc… lá aceitaram relutantemente e partimos pela picada por 4/5 Km até ao porto no Geba.

Este grupo era constituído por todo o tipo de população em que se incluíam mulheres e crianças e transportava imensos cestos, esteiras e catanas.
De notar que eu era sempre o ultimo da fila; alguma insegurança, sei lá?

Chegados ao local, estava a maré vazia, o pessoal espalhou as esteiras pelo chão e pôs-se na beira da rio com os cestos e as catanas, após o que o Soleimane me disse para lançar as granadas para dentro de água .
Poucos momentos passados um imenso cardume de todo o tipo de peixes, vogava à superfície e foi recolhido em grande quantidade com os cestos principalmente utilizados pelas mulheres, enquanto os homens aos pares junto do tarrafo apanhavam ostras às centenas, enquanto um aparava com um cesto, o outro com a catana raspava aí para dentro as grandes quantidade ali presas.

As mulheres espalhavam o peixe nas esteiras, escolhiam os que entendiam e logo ali na beira do rio os arranjavam e escalavam para depois de preparados, salpicavam-nos com sal e qualquer outro ingrediente que nunca soube o que era, para serem postos ao sol nas coberturas dos tabancas.

Depois do regresso e após um retemperador banho de agua fria, o regresso era sempre muito cansativo e ensolarado dirigia-me à cantina onde se comentava que de certeza ao “turras” tinham bombardeado algum barco patrulha da marinha lá para os lados do porto porque se ouviram bem os rebentamentos. Pela minha parte moita carrasco!

Grandes petiscadas de ostras, peixe seco, etc..etc… fiz no seio da tabanca! Só o diabo dos picantes e bebidas é que eram fogo.
Só muitos anos mais tarde tive oportunidade de entender o porquê daquela preparação do peixe, quando em Sesimbra vi um sistema de tratamento e secagem do bacalhau.

Passados mais alguns dias de momentos e vivências num meio hostil, agreste em que a par de milhões de mosquitos e toda a espécie de insectos, também o barulho ensurdecedor do gerador, e a natural ansiedade e sobressalto pouco nos deixavam descansar, apresentou-se a Companhia 1423, comandada pelo então Capitão P. A., sendo que no dia seguinte saímos em conjunto para uma operação, dita pelos chefes, de grande importância, seguindo então através do capim dado que a estrada se encontrava cheia de abatizes e o caminho por aí nos tornar mais vulneráveis. Perto de Nova Sintra onde à posteriori veio e ser construído um destacamento nosso no entroncamento com a estrada que levava à Ponta de Maasa, já no litoral do rio Geba, o Comandante da Operação mandou avançar ao encontro da estrada decidindo que o nosso Pelotão devia formar três colunas de frente, sendo que após o a realização desta actividade retornaríamos àquele lugar que era o de encontro, o que foi feito, ficando o Vasco à direita eu no centro e o Monteiro na esquerda.

Assim que entrámos na picada aconteceu aquilo que se pode considerar o nosso baptismo de fogo. Fomos confrontados com uma imensa fuzilaria a partir do interior da mata do outro lado da estrada. Coibidos de nos movimentarmos e disparar ou actuar sem pôr em risco os nossos camaradas que se encontravam a par connosco, conforme a desbragada técnica que engendrou o Comandante da operação, e com receio e na iminência de ficarmos imobilizados, avancei de supetão, acompanhado por todo o Pelotão, impulsiva e obstinadamente, sendo nesta altura que toda a coluna se partiu, porquanto o resto das Companhias recuou para o local de encontro já esfrangalhado em grupos, vindo o nosso pelotão e ficar segmentado em três, cada uma das secções laterais tomado a sua direcção e conseguido os meus rapazes obrigar à fuga dos elementos do IN tendo dois destes sido feridos deixando no terreno uma metralhadora PPSH, uma das primeiras a ser capturada na Guiné-Bissau.

Dramático veio a tornar-se este nosso baptismo de fogo, porque seis dos elementos do grupo que estava à minha direita e em que estava incluído o meu amigo e conterrâneo Alferes Miliciano Vasco Sousa Cardoso, curiosamente sobrinho do na altura Governador Geral de Angola, General Silva Tavares, o que pôs em polvorosa as cabeças pensantes daquele Sector, veio a perder-se e infiltrar-se em zona onde proliferavam forças do IN que lhe moveram implacável perseguição durante dois dias, onde passaram provações tremendas acabando depois de um deles se ter suicidado com um tiro na cabeça, já depois de um outro se ter deixado arrastar pela corrente do rio, acabando o Vasco por ser abatido e tendo o Leiró por ultimo sido capturado. Foi por este elemento que foi depois evacuado a partir da Guiné-Conacri, creio que depois de três anos de cativeiro através da Suíça para Portugal. Apenas viemos a tomar conhecimento destes dolorosos momentos, já que uma aura de incompreensão e mistério nos acompanhou, nada jamais nos foi transmitido, já nos anos noventa por nos ter chamado a atenção um artigo numa das revistas da época, e nos deslocámos a Marrases-Leiria (aquilo a que auto-chamo a confraria sempre presente) - o Rui, o Malaca dos Santos, o Monteiro, o Bastos, o Cabral e o Rios, enfim a nata da Companhia. Ah..ah…ah…! Os corpos destes infelizes jovens filhos de Portugal nascidos numa época madrasta para a juventude, exceptuando os filhos e afilhados de figuras de proa e os que fugiam, por lá ficaram a servir de pasto nas miseráveis condições atmosféricas, aos predadores que por lá existiam – esta é a ditosa pátria minha amada!!!

A par da actividade normal e tímida desenvolvida pela desmotivada Companhia, algumas peripécias verdadeiramente rocambolescas iam servindo como motivadoras de uma maior aproximação e conhecimento do pessoal. Num dos dias, entendeu o inaudito Capitão C. que se devia abater uma vaca que tínhamos capturado e trazido para o aquartelamento de um dos patrulhamentos que tínhamos realizado nas redondezas, e munindo-se de uma pistola disparou dois tiros no bicho, ele mais não fez que soltar débeis mugidos mantendo-se placidamente de pé, ai o azougado Silva, condutor auto-rodas, que já não conduzia pois que tinha entrado directamente com o jipe, dentro do buraco junto da messe de Sargentos que o Cap. C. tinha mandado abrir igual ao que também mandara fazer, colado a messe de Oficiais e destinados a abrigos de protecção, pegou numa segunda-feira (marreta de cinco quilos) e pum…, deu uma pancada brutal e certeira na cabeça da vaca e ei-la como fulminada virada de pantanas, ganhou de imediato o cognome de mata-vacas que ainda hoje nas nossas reuniões de confraternização o acompanha; veio a ser um precioso auxiliar do Jaime, o cozinheiro da nossa messe. Nestes buracos que nunca serviram para nada, o da messe de Oficiais foi ainda palco de uma das mais hilariantes cenas a que assistimos: Num violentíssimo ataque ao aquartelamento em que caíram dentro deste dezenas de granadas de morteiro que provocaram imensos estragos, felizmente, sem acidentes pessoais porquanto na maioria nos metemos dentro dos abrigos desmoronou-se para dentro do abortado pré-abrigo a parede lateral da messe e que correspondia ao quarto dos Capitães C. e P. A., pelo que aquele ainda não completamente refeito do ataque, chamou o pessoal, para retirar os escombros e procurar a sua estimada máquina fotográfica, sendo que um dos rapazes ao encontrar uma máquina se apressou a entregá-la ao nervoso e ansioso Caria que de imediato respondeu: - Esse caixote é do P. A., a minha é uma Kodak genuína. Foi o efeito descompressor da tensão daqueles rapazes e o motivo de imensa gargalhada geral.

Com este conjunto de acontecimentos vividos na área de intervenção da Companhia na solidão e isolamento deste local cercado de uma imensidão de mata verde luxuriante que deveria aparentar paz e tranquilidade, mas que era em nosso entendimento, propiciadora dos maiores receios, ansiedades e perigos que se vieram a confirmar; houve ainda oportunidade para as peripécias o mais caricatas possíveis. A messe de Sargentos era mensalmente gerida por um dos comensais, tendo nesta ocasião calhado ao inaudito trovador, Ernesto Fernandes (parece que ainda o estou a ver onde passava a maior parte do tempo; placidamente deitado a simultaneamente, fumar umas cigarrilhas de cheiro horroroso (Negritas), a ler e a beber latas de leite com chocolate; raramente tomava uma refeição como nós entendemos como normal. O Ernesto (bela voz que acompanhava à guitarra, é de origem indiana o que se nota acentuadamente), resolveu um dia presentear-nos com um almoço VIP, com dois pratos.

Estupefactos, quando nos sentamos à mesa, estava com a respectiva chave, dentro de cada prato, uma lata de atum ou sardinha em conserva por abrir. Quem quisesse podia trocar, eram dois pratos dizia o cómico sacripanta. Foi uma paródia pegada para a malta, apenas um pretensioso, isolado complexado Sargento da Companhia barafustou. Como nota curiosa relembro-me do ênfase com que esta codiciosa criatura salientava o facto de já aqui ter feito, em Fulacunda, uma comissão como Furriel Miliciano, mas curioso é que nas diversas conversas com as nossas conselheiras na tabanca, nenhuma delas o conhecia.

Ainda traumatizados e rejeitando sub-conscientemente, a perca do Vasco Cardoso e dos seus companheiros, acreditando que os mesmos ainda poderiam aparecer, ficamos ainda surpreendidos ao tomar conhecimento da ida do Cap. C. para o Hospital de Bissau, para tentar, o que conseguiu, a evacuação para a Metrópole, invocando o agravamento na inócua deslocação a Uaná Porto, que deu origem a sua épica frase “Rumo a Fulacunda”, que utilizava a todo o momento nas parcas curtas incursões que fez fora do Aquartelamento.

Foram feitas alterações na Companhia de tal modo que de quatro passámos a três Pelotões passando o Serigado que era o comandante do segundo pelotão e com o desaparecimento do Vasco a livrar-se das saídas para o mato, passando acolitado pelo inefável Dr. D. N., a comandar interinamente a Companhia.

O Serigado para além de ser o introvertido que já tínhamos detectado desde o início da formação da Companhia ainda em Abrantes, veio a revelar-se um individuo calado, distante e frio, alentejano complexado e desconfiado, que ao assumir o Comando da Companhia, criou um clima de difícil relacionamento porquanto eram visíveis e intoleráveis para nós os tiques de sobranceria e displicência que ostentava despudoradamente, inadequados quanto a nós para um miliciano e poucas vezes encontrado nas nossas andanças e contactos com diversos Oficiais do Q.P. de patente superior.

Nestas alterações e durante um pequeno período ficou o nosso grupo sem comandante de pelotão.

(Continua)
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Nota de CV.

Vd. último poste da série de 4 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9310: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (6): Fragmentos Genuínos - 4